Acessibilidade / Reportar erro

O debate desenvolvimentista no Brasil e o papel da indústria: novos resultados de antigas lições

The ‘developmentalist’ debate in Brazil and the role of industry: new results of old lessons

Resumo

O artigo contribui para o debate desenvolvimentista no Brasil, a partir de dados obtidos na matriz de insumo-produto brasileira de 2014. Uma vez estimada a matriz com dados do IBGE, o artigo calcula os impactos de aumentos de investimento em termos de efeitos de encadeamento, geração de empregos, salários, produção e requisitos de importações, dos 20 setores nos quais o IBGE divide a economia brasileira, tirando conclusões sobre o papel da indústria na alavancagem do desenvolvimento econômico.

Palavras-chave:
Desenvolvimentismo; Desenvolvimento industrial; Matriz Insumo-Produto

Abstract

This article contributes to the ‘developmentalist’ debate using the 2014 Brazilian input-output matrix. After estimating the matrix, it assesses the impacts of an increase in investment in terms of linkage effects; employment, wages and production creation; and the import needs of the 20 sectors into which the IBGE divides the Brazilian economy. In so doing, it draws conclusions about the role of the industrial sector in the improvement of economic development.

Keywords:
Developmentalism; Industrial Development; Input-Output Matrix

Introdução

O ressurgimento do debate desenvolvimentista no Brasil, em oposição ao neoliberalismo dominante, vem sugerindo um papel importante para o Estado com políticas de estímulo à demanda, de forma a garantir maior desenvolvimento, entendido este como crescimento econômico com maior inclusão social. A partir dos trabalhos de Bresser-Pereira (2004BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo-Desenvolvimentismo. Folha de S. Paulo, 19 set. 2004., 2006BRESSER-PEREIRA, L. C. O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 3, p. 5-24, 2006., 2007BRESSER-PEREIRA, L. C. Estado y mercado en el nuevo desarrollismo. Nueva Sociedad, n. 210, p. 110-125, Jul./Ago. 2007. e 2011)BRESSER-PEREIRA, L. C. An account of new developmentalism and the structuralist macroeconomics. Revista de Economia Política, v. 31, n. 3, p. 493-502, 2011. propondo atenção especial à demanda externa, surgem outros como os de Bielschowsky(2012)BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual, Economia e Sociedade, v. 21, Número Especial, p. 729-747, dez. 2012. que sugerem priorizar a demanda interna, e outros ainda que questionam se nesta última importa principalmente estimular o consumo ou o investimento (Ferrari; Fonseca, 2015FERRARI FILHO, F.; FONSECA, P. D. Which developmentalism? A Keynesian-Institutionalist proposal. Review of Keynesian Economics, v. 3, n. 1, 2015., Mollo; Amado, 2015MOLLO, M. L. R.; AMADO, A. M. O debate desenvolvimentista no Brasil: tomando partido. Economia e Sociedade, v. 24, n. 1 (53), 2015.).

Trabalhos empíricos mais recentes (Takasago; Mollo; Guilhoto, 2017TAKASAGO, M., MOLLO, M. L. R.; GUILHOTO. O debate desenvolvimentista no Brasil: discutindo resultados da matriz de insumo-produto. Pesquisa e Planejamento Econômico, jul. 2017.) dão conta ainda de que é preferível estimular o investimento, à luz do potencial de inclusão social que oferece, em termos de geração de empregos e salários, quando confrontado com o potencial fornecido por aumentos alternativos de consumo ou de exportação.

Neste artigo trata-se de detalhar ainda mais o potencial gerador de empregos, salários e produção, entre os vários setores da economia, a partir de aumentos do investimento, de forma a analisar aqueles que deveriam ser priorizados, como objeto de políticas, quando o que se quer é ampliar a inclusão social. Para tanto, o artigo se inicia (item 1) com uma resenha das principais conclusões desenvolvimentistas até o momento, de forma a situar melhor o objetivo do artigo, destacando, em particular, ensinamentos antigos, embora esquecidos com a dominação neoliberal, em termos do papel do Estado no processo de desenvolvimento, particularmente a estratégia de desenvolvimento dito desequilibrado, a partir de Hirschman (1961)HIRSCHMAN, A. O. Estratégia do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961., e a importância do setor industrial nesta última.

Em seguida, seguem-se (item 2) observações metodológicas sobre a estimação da matriz insumo-produto brasileira, e o cálculo dos índices de ligação Rasmussen-Hirshman para trás e Ghosh para frente, assim como o cálculo dos empregos, salários e da produção gerados em cada setor por aumentos do investimento. Esses são usados, no item 3, para analisar o papel chave do setor industrial e, nele, dos seus subsetores que mais impactam a produção como demandantes e ofertantes, a partir dos efeitos de ligação para trás e para frente. De forma a discutir o caráter mais ou menos inclusivo desse processo, o artigo analisa também, neste mesmo item 3, o potencial gerador de empregos, salário se de produção em cada setor a partir de aumentos do investimento setorial. Por último, o artigo estima os geradores setoriais de importações, tirando conclusões sobre as políticas econômicas mais adequadas para relançamento do desenvolvimento econômico no Brasil. As conclusões constituem o item 4.

1 O debate desenvolvimentista e a demanda a priorizar

O debate desenvolvimentista que se desenrola no Brasil vem se opor ao neoliberalismo dominante que entrega ao mercado o papel fundamental de regulação da economia, de forma que, via preferências e tecnologias contidas nas demandas e ofertas nos vários mercados, ele eleja e persiga a melhor estratégia de desenvolvimento. A percepção unânime entre desenvolvimentistas, e o que lhe confere um caráter heterodoxo, é de que sem um papel do Estado deliberado não há como garantir desenvolvimento, entendido não apenas como crescimento da produção e da renda mas, também, uma melhor situação em termos de inclusão produtiva e social da sua população, em particular a de renda mais baixa (Prebisch, 1961PREBISCH, R. O falso dilema entre desenvolvimento econômico e estabilidade monetária. Revista de Ciências Econômicas, 1961.).

Em todos os casos, o traço heterodoxo dos pensamentos desenvolvimentistas aparece também na percepção de que é a demanda que precisa aumentar se o que se quer é o desenvolvimento econômico, e é para isso que o Estado é chamado a agir. A partir daí, porém, surgem as principais divergências entre os desenvolvimentistas. Por um lado, temos Bresser-Pereira, precursor do chamado desenvolvimentismo estrutural, segundo o qual a demanda que cabe desenvolver prioritariamente é a externa, para o que é preciso contar com a taxa de câmbio como variável chave, uma vez que é por meio dela que se pode garantir a competitividade do país.

Por outro lado, um grupo de pós-keynesianos (Sicsú; Paula; Michel, 2005SICSÚ, J.; PAULA, L. F.; MICHEL, R. Introdução. In: NOVO-desenvolvimentismo: um Projeto Nacional de Crescimento com Equidade Social. Barueri-SP: Manole e Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005.) também foca no mercado externo, propondo o chamado novo-desenvolvimentismo. Este é visto como novo porque, ao contrário do antigo desenvolvimentismo da Cepal, que focava na defesa da balança comercial, ele foca na conta de capitais e na vulnerabilidade do país com relação aos movimentos de capitais liberalizados. A variável chave para atuar sobre tal vulnerabilidade é a taxa de juros, que deve ser baixa como solução, porque inibe a entrada de capitais especulativos.

Há, porém, correntes que preferem priorizar a demanda interna. Por um lado, os próprios pós-keynesianos acima mencionados vêm há muito insistindo na necessidade de reduzir a taxa de juros para não inibir e, ao contrário, estimular o investimento e o crescimento da economia. Bielschowsky (2012)BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual, Economia e Sociedade, v. 21, Número Especial, p. 729-747, dez. 2012., por sua vez, ao defender o social desenvolvimentismo, destaca o interesse em desenvolver um consumo de massas como estratégia de desenvolvimento, porque garantiria “extraordinária oportunidade” de, ao mesmo tempo, aumentar a produção, com progresso tecnológico, aumento de escala e aumento de salário.

Em artigo posterior, destinado a se posicionar sobre outro debate, desta vez internacional, sobre a melhor estratégia para vencer a crise, Santos (2013aSANTOS, P. L. dos. Production and consumption credit in a continuous-time model of the circuit of capital. Historical Materialism, v. 17, n. 2, p. 180. 2013a.; 2013b)SANTOS, P. L. dos. Demand, production and the determinants of distribution: a caveat on “wage-led growth”. PERI - Political Economy Research Institute, May. 2013b. (Working Paper Series, n. 323) destaca que não é o aumento do consumo, via aumento de salários, que leva ao crescimento da produção, mas o aumento do investimento que, ao ampliar o emprego, pode levar ao aumento dos salários e da produção, sendo assim mais inclusivo do que o aumento do consumo. Assim, surgem outros argumentos para priorizar a demanda interna, conforme quer o social desenvolvimentismo, em particular, a demanda de investimento como estratégia a ser privilegiada para relançar o desenvolvimento.

A desvalorização cambial pregada como variável chave do chamado desenvolvimentismo estrutural tem o inconveniente de reduzir salários sendo, nesse sentido, menos inclusiva do que as demais vias de desenvolvimento. Além disso, o crescimento do investimento reduz pressões inflacionárias pelo aumento da capacidade produtiva, e tende a ampliar o emprego e a renda e, assim, a demanda de consumo, que se mostrou grandemente eficaz na ampliação do crescimento econômico brasileiro em meados dos anos 2000 (Mollo; Amado, 2013).

Finalmente, é preciso destacar que todas as vertentes desenvolvimentistas reconhecem a importância do investimento, cuja taxa precisa ser ampliada. Conforme Bielschowsky (2012)BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual, Economia e Sociedade, v. 21, Número Especial, p. 729-747, dez. 2012., o consumo de massa, os recursos naturais e a infraestrutura, seriam os motores do investimento e requerem um ambiente adequado para se desenvolverem, destacando-se nesse processo o papel econômico do Estado e da política econômica.

Fonseca e Ferrari (2015, p. 101)FERRARI FILHO, F.; FONSECA, P. D. Which developmentalism? A Keynesian-Institutionalist proposal. Review of Keynesian Economics, v. 3, n. 1, 2015. chamam atenção para a necessidade de um ambiente institucional e macroeconômico propício para o investimento, não apenas com estabilidade de preços, mas também com estabilidade de emprego. O papel do governo é visto como fundamental não apenas por meio do incremento do investimento público, mas selecionando e estimulando prioridades de investimento na indústria e na infraestrutura, de forma a dinamizar o investimento privado. Para tanto, dentro de uma abordagem keynesiano-institucionalista, consideram que “monetary policies must explicitly consider the goal of employment stability, together with price stability; fiscal policy must prioritize public investment and social programs; and exchange rate policy must be designed to maintain balance of payments equilibrium.”

Ampliando as análises relativas a esse debate, Takasago, Mollo e Guilhoto (2017)TAKASAGO, M., MOLLO, M. L. R.; GUILHOTO. O debate desenvolvimentista no Brasil: discutindo resultados da matriz de insumo-produto. Pesquisa e Planejamento Econômico, jul. 2017. a partir da estimação de uma matriz com dados do IBGE, mostram que um choque de demanda de investimento é mais importante para o aumento do emprego e dos salários do que aumentos nas demandas de exportação ou de consumo. Mostram, assim, que estímulos ao aumento da demanda de investimento são mais interessantes como estratégia quando se quer um crescimento mais inclusivo. Simulam choques semelhantes de demanda sobre o consumo, o investimento e as exportações e concluem que o aumento da produção, do emprego, dos salários e demais remunerações, como respostas aos mencionados aumentos de demanda, são maiores quando a demanda estimulada é a de investimento, do que quando se estimula consumo ou exportação. Resta, porém, investigar quais setores deveriam ser priorizados para aumentos do investimento, se o que se quer é ampliar empregos, salários e produção, de forma a garantir um desenvolvimento mais inclusivo do ponto de vista econômico e social. Ou seja, a questão é quais setores devem ser priorizados nos estímulos a serem dados ao investimento, ou seja, deve-se priorizar a agricultura, a indústria ou os serviços e, nestes, em quais subsetores esse estímulo é mais efetivo?

Sabemos desde Hirshman (1961), que uma importante estratégia de desenvolvimento é a chamada estratégia de desenvolvimento desequilibrado. Diferente das teorias de desenvolvimento como a do “Big Push” (Rosenstein-Rodan, 1957ROSENSTEIN-RODAN, P. Notes on the theory of the big push. In ELLIS (Ed.). Economic development for Latin America. 1961.), que propõe equilíbrios paralelos e simultâneos em vários setores, subsetores e atividades da economia para garantir demandas e ofertas proporcionais, a teoria do desenvolvimento equilibrado busca usar os desequilíbrios como estímulos à produção. Ou seja, as tensões, desproporções e desequilíbrios, vistos como problemáticos nas estratégias de desenvolvimento equilibrado são, ao contrário, vistas como “engrenagens que devemos considerar como um inestimável auxílio para o processo de desenvolvimento” (Hirshman, 1961, p. 108).

Os estímulos aos investimentos em determinados setores, tendem a estimular outros nos demais, seja em vista da demanda criada com o crescimento de alguns setores por insumos provenientes dos demais, seja porque, os aumentos de produção de alguns setores ou atividades estimulam, via redução de custos e aumento da disponibilidade de insumos, a produção de outros. Os estímulos não precisam, neste caso, ser gerais, o que reduz enormemente a necessidade de recursos escassos para implementar políticas desenvolvimentistas.

Neste trabalho procuraremos verificar quais os setores onde um choque inicial de investimento tende a produzir maiores frutos, em termos de geração de impactos para trás, via criação de demanda e impactos para frente, ampliando a disponibilidade de insumos para outros setores e/ou reduzindo preços, e quais os impactos benéficos em termos de aumento de produção e dos empregos e salários. Aumentos de produção e encadeamentos para trás e para frente permitem concluir sobre melhores estratégias de crescimento, mas é preciso ir além quando se fala em desenvolvimento, de forma a garantir que haja ganhos mais distribuídos. Assim, a investigação de geração de empregos e salários se faz necessária. Por fim, os benefícios de aumentos de produção, empregos e salários podem vazar se houver um impacto muito grande sobre as importações, razão pela qual também calcularemos tais impactos.

Seguiremos a proposição de Hirschman (1961, p. 156)HIRSCHMAN, A. O. Estratégia do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961., para quem “a política desenvolvimentista deve tentar relacionar estes muito conhecidos efeitos retrospectivos e prospectivos; só o pode fazer, porém, se souber com quantas atividades econômicas diferentes conta, no que tange a estes efeitos”. Contamos, neste artigo, com 20 setores, a partir da estimação da matriz de insumo-produto de 2014. Com dados do IBGE, estimamos a matriz e calculamos os indicadores de impactos de aumentos do investimento. Trata-se dos últimos dados revisados disponíveis e são dados estruturais que não se modificam rapidamente ao longo do tempo, o que nos permite concebê-los como atualizados. No próximo item, descreveremos a metodologia utilizada para estimação da matriz e dos diferentes indicadores.

2 A matriz de insumo-produto e seus indicadores - observações metodológicas

A metodologia que utilizamos neste trabalho foi proposta por Guilhoto e Sesso Filho (2005 e 2010). Conforme já mencionado, a matriz de insumo-produto foi estimada com dados de 2014 do IBGE, por serem os últimos já revisados disponíveis. Trata-se de uma matriz composta por 20 setores e 20 produtos.

As tabelas de recursos e usos foram compatibilizadas de forma a ter a mesma valoração, ou seja, a preços básicos. Foi necessário para isso subtrair dos preços de mercado os valores das margens de comércio (MGC), de transporte (MGT), e dos impostos ICMS, IPI, ISS, assim como de Outros Impostos Indiretos Líquidos (OIIL), Importação de Bens e Serviços (IMP) e Impostos de Importação (IIMP) de bens e serviços.

Conforme é possível observar nas tabelas de recursos e usos, o IBGE fornece o total de impostos e margens embutido nos valores dos produtos da matriz de usos de bens e serviços. Mas é preciso distribuir os valores totais de impostos e margens na matriz, estimando uma matriz de coeficientes a ser multiplicada pelos valores totais. Os coeficientes são calculados por:

(1) α ij = Z ij j = 1 n Z ij

Zij é o valor do produto i vendido para o setor ou demanda final j, a preços de mercado e j=1nZij é o valor total do produto i vendido para todos os setores da economia e constituindo a demanda final, onde n é o número de setores da economia.

As margens e os impostos distribuídos internamente entre as atividades e a demanda final foram multiplicados pelos coeficientes encontrados na equação (1). Em seguida, foram utilizados para se distribuir MGC, MGT, ICMS, IPI/ISS e OIIL.

Observe-se que o cálculo dos coeficientes de distribuição da IMP e dos IIMPs requer um tratamento diferenciado, em vista da presença das exportações na demanda final. Assim, os valores das exportações das colunas de demanda final foram excluídos, zerando-se a coluna referente às exportações.

Uma vez realizados esses ajustes na matriz de Usos de Bens e Serviços, os novos coeficientes foram calculados de forma semelhante à descrita na equação (1), distribuindo-se os totais de IMP e IIMP na matriz por meio da sua multiplicação pelos coeficientes.

O modelo de insumo-produto (Leontief, 1951LEONTIEF, W. The structure of the american economy. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 1951.) foi então usado para a confecção dos indicadores a serem utilizados na análise. O modelo de Leontief descreve os fluxos de produtos entre os diferentes setores da economia para um dado ano, permitindo analisar a relação entre produtores e consumidores e a inter-relação entre os setores como demandantes e ofertantes de insumos. Tais fluxos entre os vários setores são determinados por fatores econômicos e tecnológicos, e podem ser escritos sob a forma de um sistema de equações simultâneas (Miller; Blair, 2009MILLER, R. E.; BLAIR, P. D. Input-output analysis: foundations and extensions. 2nd ed. Cambrige: Cambridge University Press, 2009.). Assim, em termos matriciais, temos os fluxos representados por:

(2) AX + Y = X

A é a matriz de coeficientes diretos de insumo, de ordem (n x n); X e Y são vetores colunas de ordem (n x 1), e apresentam respectivamente, valores da produção total e da demanda final de cada setor.

A demanda final é exógena ao sistema. Temos então:

(3) X = BY

(4) B = I A 1

B é a matriz inversa de Leontief, ou de coeficientes diretos e indiretos de ordem (n x n), onde bij é a produção total do setor i necessária para produzir uma unidade de demanda final do setor j.

Neste artigo, nosso objetivo é o de analisar, em primeiro lugar, os efeitos de encadeamento para trás e para frente, de um aumento de demanda entre os vários setores da economia. Em segundo lugar, estimamos o impacto de um aumento de 10% do investimento sobre os diferentes setores, subsetores ou atividades da economia, de forma a analisar onde ele é mais efetivo quanto à geração de produção, empregos e salários. Por último, queremos também avaliar os impactos de um aumento na demanda final sobre as importações. Assim fazendo, o objetivo é fornecer informações que permitam que gastos de recursos escassos da política econômica possam mostrar resultados mais eficientes do ponto de vista dos objetivos desenvolvimentistas de crescimento com inclusão social e produtiva.

Para o cálculo dos índices de encadeamento para trás - constituídos pela demanda de insumos necessários à produção de cada setor -, e para frente - constituídos pelos insumos oferecidos por cada setor para os demais usamos, inicialmente, Rasmussen (1956) e Hirschman (1958).

(5) U j = B * j / n / B *

B é a matriz inversa de Leontief. Um dos seus elementos, B*, é a média de todos os elementos de B; e B*j é a soma de uma coluna típica. Tem-se, então, que os índices de ligações para trás são assim determinados.

Os índices de ligação ou encadeamento para frente, conforme Rasmussen (1956) e Hirshman (1958) são determinados conforme abaixo.

(6) U i = B * i / n / B *

Mas calculamos também os índices de Ghosh, considerados mais adequados para o cálculo de encadeamentos para frente. Sendo F a matriz de coeficientes da linha obtida a partir da matriz de consumo intermediário da economia; G a matriz de Ghosh obtida pela fórmula G = (I-F)-1 (MILLER; BLAIR, 2009MILLER, R. E.; BLAIR, P. D. Input-output analysis: foundations and extensions. 2nd ed. Cambrige: Cambridge University Press, 2009.); G*a média de todos os elementos de G, e Gi* a soma de uma linha típica de G, temos que os índices de Ghosh de ligações para frente são determinados conforme abaixo.

(7) U i = G i * / n G *

Considera-se que o índice de Ghosh é mais pertinente do que o de Rasmussen-Hirshman, para impactos para frente, porque enquanto este último mede os efeitos para frente dividindo a demanda intermediária pela produção total medida pelas colunas, que traduzem ou descrevem o lado da demanda, o de Ghosh mede a razão da demanda intermediária sobre a produção final medida pelas linhas, que traduzem o lado da oferta. Como os efeitos que se quer medir são os de encadeamento para frente, é mais adequado pensá-los do ponto de vista da oferta.

A partir do sistema de Leontief em (3) e (4), podemos mensurar o impacto que as mudanças ocorridas na demanda final (Y), ou em cada um de seus componentes (consumo das famílias, gastos do governo, investimentos e exportações), teriam sobre a produção total, o emprego, as importações, os impostos, os salários e o valor adicionado, entre outros. No nosso caso trata-se dos impactos de 10% de aumento do investimento. Ou seja:

(8) X = I A 1 Y

(9) V = v ̂ X

ΔY é a variação no investimento, e ΔX são vetores (nx1) que mostram respectivamente a estratégia setorial e os efeitos sobre o volume da produção. ΔV é um vetor (nx1) representando o impacto sobre qualquer uma das variáveis tratadas acima, ou seja: emprego, importações, impostos, salários, valor adicionado, entre outros. Observe-se que ν̂ é uma matriz diagonal (nxn) onde a diagonal traz os coeficientes de emprego, impostos, salários, valor adicionado, que são obtidos para cada setor, pela divisão do valor utilizado destas variáveis na produção total pela produção total do setor correspondente.

(10) v i = V i X i

Para o cálculo do impacto de cada variável sobre o volume total da produção, somam-se todos os elementos dos vetores ΔX e ΔY.

A partir dos coeficientes estimados no modelo de Leontief, podemos também calcular os geradores direto, indireto e induzido de importações para cada setor da economia, ou seja, quanto é gerado de importações, direta e indiretamente, para cada unidade monetária produzida para a demanda final (Miller; Blair, 2009MILLER, R. E.; BLAIR, P. D. Input-output analysis: foundations and extensions. 2nd ed. Cambrige: Cambridge University Press, 2009.). Este indicador é estimado conforme a equação (11).

(11) GV j = i = 1 n b ij v i

GVj é o impacto total, direto e indireto, sobre a variável importação, ou qualquer outra variável em questão, como produção, salários, etc.

bij é o ij-ésimo elemento da matriz inversa de Leontief e

νi é o coeficiente direto de importação, definido conforme equação (10).

Além dos efeitos diretos e indiretos, pode-se também determinar os efeitos induzidos, que são decorrentes do fato de que os aumentos nos empregos e na renda estimulam o aumento da produção dos vários setores para atender ao consumo maior. Para se calcular o efeito induzido é preciso endogeneizar o consumo e a renda das famílias no modelo de insumo-produto; assim, em vez de utilizar a matriz A descrita acima, vamos ter:

(12) A ¯ = A H c H r 0

A é a nova matriz de coeficientes técnicos de ordem (n + 1) x (n + 1) contendo a renda (Hr) e o consumo (Hc) das famílias. Da mesma forma, os novos vetores de produção total X(n+1)x1 e de demanda final Y(n+1)x1 vão ser representados, respectivamente, por:

(13) X ¯ = X X n + 1 ,

(14) Y ¯ = Y * Y n + 1 * ,

onde os novos componentes estão relacionados à endogeneização do consumo e da renda das famílias.

3 Os impactos setoriais do investimento

Com base na metodologia descrita anteriormente, investigamos inicialmente os encadeamentos para trás e para frente, considerando os três setores: Agricultura, Indústria e Serviços. Em seguida, simulamos o estímulo de 10% de aumento do investimento sobre a produção e, então, sobre os empregos e salários. O aumento do investimento foi distribuído entre os 20 setores na mesma proporção em que contribuíam antes do aumento, de forma a respeitar a estrutura de produção vigente na economia. Por último, calculamos os geradores diretos, indiretos e induzidos para as importações, de forma a concluir sobre os setores e atividades a serem priorizados pela política desenvolvimentista.

Conforme é possível verificar da tabela 1 abaixo, o primeiro resultado encontrado é a importância do setor industrial em termos de efeitos de ligação ou encadeamento. A tabela mostra, por um lado, que se levarmos em conta os índices de ligação para trás e para frente de Rasmussen-Hirshman, o setor industrial se destaca como o que maiores impactos ou estímulos exerce sobre a economia como um todo, apresentando índices de respectivamente 1,19 e 1,18, seguindo-se o setor agrícola quando se trata de índice de ligação para trás (0,95) e o setor de serviços (1,14) quando se trata de índices de ligação para frente.

Tabela 1
Indicadores Setoriais

Em seguida, foi calculado o índice de ligação para frente de Ghosh, considerado mais adequado para a mensuração dos impactos prospectivos (Silva; Oliveira, 2015SILVA, I. C.; OLIVEIRA, M. A. S. Estrutura produtiva e distribuição de renda no brasil: uma abordagem insumo-produto. Revista Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 26, n. 2 (48). set. 2015.; Mortari; Oliveira, 2016MORTARI, V. S.; OLIVEIRA, M. A. S. Dependência setorial de insumos importados do setor agropecuário e da indústria intensiva em recursos naturais. RE&D Economia e Desenvolvimento, Santa Maria, v. 28, n. 1, p. 345-364, jan./jun. 2016.). Nesse caso, o setor industrial perde o primeiro lugar para o setor agrícola, cujo índice é 1,10, ficando em segundo lugar com 0,99.

Observe-se, porém, que do ponto de vista heterodoxo, que vê a demanda como principal estimulante da economia, os efeitos para trás, ou retrospectivos, tendem a ser mais importantes, uma vez que eles nada mais são que aumentos de demanda de insumos provenientes de outros setores, e estes induzem o crescimento da produção, e então do emprego e da renda. A esse respeito é interessante notar que o próprio Hirshman (1961, p. 179) chamava atenção, na sua época, a que “os efeitos em cadeia retrospectiva são muito mais nítidos que os em cadeia prospectiva” atribuindo, por isso, mais importância aos primeiros.

É essa importância que está por trás do impacto maior que o aumento do investimento na indústria tem sobre a produção, quando comparado com o que tem sobre os outros dois setores. Podemos ver na Tabela 1, que um aumento de 10% do investimento resulta em um acréscimo de produção de 3,27% no setor industrial, enquanto os percentuais de aumento da produção são menores nos outros dois setores: 2,08 % no setor agrícola, e 1,09% no setor de serviços.

A importância do setor industrial na produção de encadeamentos que garantem o crescimento foi destacada em diferentes trabalhos ao longo do tempo. Kaldor (1966), como observam Feijó e Lamonica (2012)FEIJÓ, C. A.; LAMONICA, M. T. Importancia del sector industrial para el desarrollo de la economía brasileña. Revista Cepal, n. 107, Ago. 2012., não apenas chama atenção para os crescentes rendimentos de escala registrados nesse setor, que aumentam a produtividade de toda a economia, mas também para o papel especial que este setor tem, fornecendo demanda como insumo para si mesmo e para os demais setores, e ainda no que tange ao seu dinamismo na produção e difusão de inovações. Daí a ideia de que existe uma relação positiva entre o crescimento e o produto agregado do setor industrial (primeira lei de Kaldor); e de que há uma relação positiva entre a taxa de crescimento da produtividade do setor industrial e o aumento do respectivo produto (segunda lei de Kaldor).

Quanto à terceira e quarta leis de Kaldor, implicam o setor externo, como fonte de demanda. A terceira lei diz que quanto maior a taxa de crescimento das exportações, maior o crescimento do produto; e a quarta diz que o crescimento da economia a longo prazo não é restringido pela oferta, mas sim pela demanda, o que é uma característica da heterodoxia econômica. Mas Kaldor conclui ainda, a partir daqui, que a principal restrição da demanda parao crescimento do produto numa economia aberta é o balanço de pagamentos.

Observe-se que é a possibilidade de aumento de demanda que leva Kaldor às exportações. Esse é também o argumento dos estruturalistas da Cepal nos anos 1950 e 1960. Isso aparece com clareza, por exemplo, nos documentos da Cepal que discutem a integração regional (Cepal, 1959CEPAL. 1959a. Significacíon del mercado común en el desarrollo económico de América Latina. El Mercado Comun Latino Americano (E/CN 12/531). Santiago do Chile: Nações Unidas - Texto Redigido por Raul Prebish, Cepal, Op. Cit., 2000./2000CEPAL. Ricardo Bielchowsky (Org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal. v. 1. Rio de Janeiro: Record, 2000., p. 349). Dentre os entraves colocados ao desenvolvimento da América Latina e dos países subdesenvolvidos em geral, os problemas de dimensão dos mercados e da necessidade de transposição dos limites criados à produção de bens de capital aparecem em destaque como elementos que limitavam a continuação do processo de industrialização por substituição de importações (Tavares, 1969TAVARES, M. C. Auge e declínio de substituição de importações. Boletim Econômico da América Latina, Nova York, Nações Unidas, v. 9, mar. 1964, e Cepal, Op. Cit. 2000.; Cepal, 2000CEPAL. Ricardo Bielchowsky (Org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal. v. 1. Rio de Janeiro: Record, 2000.; Prebisch, 1948PREBISCH, R. (1948). O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais. Estudio Economico de la América Latina (E/CN 12/89). Nações Unidas, e Cepal, op. cit., 2000., 1952PREBISCH, R. (1952). Problemas teóricos e prático do crescimento econômico, E/CN 12/221. Nações Unidas, e Cepal, Op. Cit., 2000., 1964PREBISCH, R. (1964). Por uma nova política comercial em prol do desenvolvimento, em Hacia uma política comercial pro del desarrollo. Informe del Secretario General de la Conferencia de las Naciones Unidas (E/Conf 46/3) Nações Unidas, e Cepal, Op. Cit, 2000., 1965PREBISCH, R. (1965). Por uma dinâmica do desenvolvimento latino-americano, em Hacia una dinâmica del desarrollo latino-americano (E/CN 12/680), Mexico, DF: Fondo de Cultura Económica, e Cepal, Op. Cit, 2000.; Cepal, 2000CEPAL. Ricardo Bielchowsky (Org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal. v. 1. Rio de Janeiro: Record, 2000., Cepal, 1956CEPAL. Los pagos y el mercado regional en el comércio interlatinoamericano. E/CN.2/6.1/4 de 13 de agosto de 1956.).

Parte dos desenvolvimentistas brasileiros, conforme mencionado, tem defendido, como Kaldor, as exportações, como via preferencial de aumento de demanda (Bresser-Pereira, 2004BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo-Desenvolvimentismo. Folha de S. Paulo, 19 set. 2004., 2006BRESSER-PEREIRA, L. C. O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 3, p. 5-24, 2006., 2007BRESSER-PEREIRA, L. C. Estado y mercado en el nuevo desarrollismo. Nueva Sociedad, n. 210, p. 110-125, Jul./Ago. 2007. e 2011BRESSER-PEREIRA, L. C. An account of new developmentalism and the structuralist macroeconomics. Revista de Economia Política, v. 31, n. 3, p. 493-502, 2011.), enquanto outros pregam aumento da demanda interna (Bielschowsky, 2002BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual, Economia e Sociedade, v. 21, Número Especial, p. 729-747, dez. 2012.; Mollo; Amado, 2011). De nossa parte, após os resultados encontrados por Takasago, Guilhoto e Mollo (2017)TAKASAGO, M., MOLLO, M. L. R.; GUILHOTO. O debate desenvolvimentista no Brasil: discutindo resultados da matriz de insumo-produto. Pesquisa e Planejamento Econômico, jul. 2017., consideramos que o fundamental é ampliar a demanda de investimento e, nesta, priorizar o setor industrial, em função dos impactos maiores que tem sobre a economia, fornecendo demanda de insumos refletida nos poderosos encadeamentos para trás que provoca, conforme é possível verificar na Tabela 1.

Observe-se ainda, na Tabela 2, onde os setores da agricultura, indústria e serviços foram desagregados, que os setores com maiores encadeamentos para trás são a indústria de transformação (1,36) e de eletricidade e gás (1,41), esta última se destacando também pelo potencial gerador de encadeamentos para frente (1,45), ocupando a primeira posição quando comparada com os demais 19 setores analisados.

Tabela 2
Indicadores para 20 subsetores

Outro problema destacado tanto por Kaldor, quanto na literatura da Cepal, para a priorização do setor industrial no processo de desenvolvimento, é o desenvolvimento dos setores produtores de bens de capital como o mais tecnologicamente avançado. Ao enunciar a dita primeira lei, a justificativa de Kaldor para priorizar o setor industrial é o seu poder difusor de inovações. Também Furtado (1984)FURTADO, C. Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984., falava em necessidade de ‘criatividade’ para estimular o crescimento, o que, conforme destacam Feijó e Lamonica (2012)FEIJÓ, C. A.; LAMONICA, M. T. Importancia del sector industrial para el desarrollo de la economía brasileña. Revista Cepal, n. 107, Ago. 2012., se relaciona com a inovação tecnológica, Por fim, Fajnzylber (1983)FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de América Latina. México-DF: Editorial Nueva Imagem/Centro de Economia Transnacional, 1983., desde o início dos anos 1980, chamava atenção para a necessidade de desenvolver um “núcleo endógeno de progresso técnico” para garantir o crescimento sustentado. Para isso a indústria é fundamental, não apenas desenvolvendo tecnologias próprias, mas difundindo-as e fornecendo a demanda necessária para a sustentação do crescimento. Também para Bielschowsky, um dos argumentos para a priorização do mercado interno como fonte de demanda para impulsionar o desenvolvimento é aumentar os rendimentos de escala e o progresso técnico. Sobre isso cumpre destacar que o setor de atividades científicas, profissionais e técnicas aparece empatado, em primeiro lugar, com o setor de eletricidade e gás como campeões em termos de produção de efeitos de encadeamento para frente (1,45), confirmando o potencial difusor de inovações.

Quanto ao caráter mais ou menos inclusivo do desenvolvimento, sabemos que o potencial gerador de empregos e de salários é fundamental. As tabelas 3 e 4 mostram respectivamente o resultado da geração de empregos e salários em cada setor, em resposta a um aumento de 10% no investimento. Observe-se que. entre os setores industriais. se destacam em particular os setores de construção civil e da indústria de transformação, ocupando respectivamente os primeiro e terceiro lugares na geração de empregos (Tabela 3) e o primeiro e o segundo lugares na geração de salários (Tabela 4), a partir de estímulo ao investimento setorial. Esses setores se destacam também no aumento da produção, ocupando respectivamente o primeiro e o segundo lugares (Tabela 5).

Tabela 3
Empregos criados a partir de aumento de 10% nos Investimentos nos 20 subsetores
Tabela 4
Salários gerados a partir de aumento de 10% nos investimentos nos 20 subsetores
Tabela 5
Produção criada a partir de aumento de 10% na demanda de investimento nos 20 subsetores

Também os setores agrícola, de comércio e de atividades científicas, profissionais e técnicas se destacam como respondendo bem a um aumento do investimento setorial em termos de geração de empregos e salários, neste último caso se destacando também o setor de informação e comunicação, e isso mostra que priorizar o setor industrial não significa perder de vista os demais, até porque eles são todos inter-relacionados. É sabido, porém, que aumentos da demanda final como um todo e da produção em geral geram mais empregos nos setores de serviços do que no industrial como um todo, embora os empregos na indústria mostrem maior qualidade em termos de qualificação exigida e salários. Observe-se porém que, mesmo que o setor industrial agregado, tal como apresentado na Tabela 1, tenha um potencial de geração de empregos inferior ao do setor de serviços também agregado, a indústria de transformação e de construção civil supera quase todos os serviços (exceto comércio, reparação de veículos automotores e bicicletas), quando considerados desagregados, tanto em termos de salários gerados quanto no que tange à criação de empregos.

Finalmente, cumpre notar que a priorização do investimento e do setor industrial para alavancar o desenvolvimento pode ganhar em termos de balanço de pagamentos com uma demanda de importações menor, quando se computa o coeficiente de importação de cada um dos 20 setores. Isso aparece na Tabela 6. Observe-se que, quando se confronta os indicadores de geração direta e indireta, aqueles dos setores industriais que se encontram destacados nas tabelas anteriores apresentam coeficientes menores em geral do que os da agricultura e dos serviços. Não apenas isso, significa uma demanda menor de importações com a estrutura industrial vigente, mas tende a reduzir ainda mais os requisitos de importação uma vez que o setor industrial se desenvolva, porque pode vir a liberar importações dos demais setores, substituindo-as por produção interna.

Tabela 6
Geradores de Importações

Aqui cumpre observar que é indiscutível que o progresso do setor industrial em termos de competitividade exigirá, quando este for estimulado, certamente, importações com alto conteúdo tecnológico. Mas o baixo coeficiente observado na estrutura existente, nos setores a serem priorizados, pode ser visto como uma vantagem, para não onerar ainda mais as contas externas ou para abrir espaço para novas importações sem pressioná-las.

A esse respeito é preciso destacar que parte da vulnerabilidade externa de países emergentes como os nossos, como sempre destacaram os trabalhos desenvolvimentistas da Cepal, provém da necessidade de importações, sempre que a economia cresce, em particular aquelas decorrentes de contarmos com uma matriz tecnológica importada por não produzirmos internamente. Ampliar a faixa de produção interna reduz tal vulnerabilidade, em particular se o nosso desenvolvimento for capaz de implementar uma matriz tecnológica mais compatível com nossas especificidades.

4 A título de conclusão

Vale destacar que apesar da importância aqui analisada do setor industrial para o desenvolvimento econômico, este é o setor que mais vem enfrentando problemas no Brasil nos últimos anos, num processo contínuo e prolongado de desindustrialização precoce.

Vários têm sido os alertas dos especialistas no tema, sobre os prejuízos envolvidos nesse processo. Embora o setor de serviços ganhe espaço ao longo do tempo nas economias mais desenvolvidas, e embora haja trabalhos mostrando a importância do crescimento da participação dos serviços de comunicação e informação (ICT) como engrenagem do crescimento (Dasgupta; Singh, 2005DASGUPTA, S.; SINGH, A. Will services be the new engine of economic growth in India? Centre for Business Research. University of Cambridge, 2005. (Working Paper, n. 310).), as dificuldades colocadas para o desenvolvimento pela desindustrialização prematura são amplamente reconhecidas.

Su e Yao (2016)SU, D.; YAO, Y. Manufacturing as the key engine of economic growth for middle-income economies. Asian Development Bank Institute, ABDI Institute, May 2016. (ABDI Working Papers Series, n. 573)., por exemplo, analisando 100 países de renda média entre 1950 e 2013, mostram que o crescimento do setor industrial é importante para alavancar o setor de serviços, com efeitos multiplicadores e de encadeamento no curto e no longo prazo. Além disso, chegam à conclusão de que um rápido crescimento do valor agregado pela produção industrial contribui para o aumento da acumulação tecnológica, ou seja, o setor é indutor de progresso técnico e se destaca na adoção de tecnologia. O estudo chama ainda atenção para o papel do setor industrial impulsionando a qualificação da mão de obra e as instituições econômicas.

Rodrik (2015, p. 4)RODRIK, D. Premature deindustrialization. National Bureau of Economic Research, NBER, Feb. 2015. (Working Papers Series, Working Paper, n. 20935)., por sua vez, analisando 42 países desenvolvidos e em desenvolvimento entre o final os anos 1940 e início dos 1950 e 2010, conclui que a perda de participação da indústria em países como os da América Latina, em termos de valor adicionado e emprego ocorre antes e em maior proporção do que se observou no caso dos países mais desenvolvidos. Daí a ideia de que ela é prematura. Segundo ele, as razões avançadas para essa tendência relacionam-se com a globalização e a liberalização dos mercados. Enquanto os países desenvolvidos viram o emprego declinar proporcionalmente, em função do progresso tecnológico poupador de mão de obra, para ele, nas economias de renda mais baixa, isso ocorre em vista da concorrência exercida pela produção industrial dos países mais avançados. Os países menos desenvolvidos que não têm fortes vantagens comparativas industriais tornam-se importadores líquidos. Além disso, “the decline in the relative price of manufacturing in the advanced countries put a squeeze on manufacturing everywhere”. Daí a redução do emprego mesmo em países sem grande progresso tecnológico, e redução do produto.

No caso específico do Brasil, Feijó e Lamonica (2012)FEIJÓ, C. A.; LAMONICA, M. T. Importancia del sector industrial para el desarrollo de la economía brasileña. Revista Cepal, n. 107, Ago. 2012. reconhecem que a abertura da economia favoreceu mudanças estruturais no parque industrial brasileiro mas, ao mesmo tempo, chamam atenção para os efeitos nefastos da sobrevalorização do real (fruto da abertura ao movimento de capitais e da política monetária de taxas elevadas de juros), dando razão a Rodrik (2015)RODRIK, D. Premature deindustrialization. National Bureau of Economic Research, NBER, Feb. 2015. (Working Papers Series, Working Paper, n. 20935)..

Baseados nas mencionadas leis de Kaldor (1966), esses autores descrevem o caráter prematuro da desindustrialização brasileira, ao mostrar que ela não se completou de forma a garantir a competitividade necessária para reduzir a restrição externa ao crescimento. Kaldor não apenas reconhece a importância do setor industrial como fator de desenvolvimento econômico, pelos encadeamentos intra e intersetoriais que provoca, elevando o potencial do crescimento, mas destaca a importância da produção industrial de elevado conteúdo tecnológico para que o país consiga um desenvolvimento sustentável. É exatamente a ausência deste conteúdo tecnológico que indica a necessidade de desenvolvimento industrial brasileiro. Ao lado do aprofundamento mais recente da tendência da economia e do setor industrial à especialização no uso de recursos naturais, a ausência de um núcleo endógeno de progresso técnico (Fajnzylber, 1983FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de América Latina. México-DF: Editorial Nueva Imagem/Centro de Economia Transnacional, 1983.) pede uma retomada importante do desenvolvimento industrial para garantir o desenvolvimento nacional.

Os dados neste trabalho sobre os efeitos de encadeamento para trás do setor industrial agregado, e particularmente da indústria de transformação (1,36), e de eletricidade e gás (1,41), dão indicações importantes de prioridade para os investimentos a serem estimulados. No que se refere ao potencial de geração de empregos e salários, também há prioridade a ser dada à indústria, em especial à de construção civil e de transformação é clara, embora isso não queira dizer exclusividade, dado o peso da geração de empregos em outros setores. Finalmente, as vantagens oferecidas pelos baixos coeficientes de importação dos setores industriais destacados, vis a vis os demais, fornecem razões adicionais para a atenção a ser dada à indústria como núcleo importante do desenvolvimento.

  • (1)
    Ao ampliar em 10% o investimento agregado, respeita-se, nos 20 setores da economia, a proporção em que eles contribuem para o primeiro.

Referências bibliográficas

  • BIELSCHOWSKY, R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual, Economia e Sociedade, v. 21, Número Especial, p. 729-747, dez. 2012.
  • CEPAL. Los pagos y el mercado regional en el comércio interlatinoamericano E/CN.2/6.1/4 de 13 de agosto de 1956.
  • CEPAL. 1959a. Significacíon del mercado común en el desarrollo económico de América Latina. El Mercado Comun Latino Americano (E/CN 12/531). Santiago do Chile: Nações Unidas - Texto Redigido por Raul Prebish, Cepal, Op. Cit, 2000.
  • CEPAL. Ricardo Bielchowsky (Org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal v. 1. Rio de Janeiro: Record, 2000.
  • BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo-Desenvolvimentismo. Folha de S. Paulo, 19 set. 2004.
  • BRESSER-PEREIRA, L. C. O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 3, p. 5-24, 2006.
  • BRESSER-PEREIRA, L. C. Estado y mercado en el nuevo desarrollismo. Nueva Sociedad, n. 210, p. 110-125, Jul./Ago. 2007.
  • BRESSER-PEREIRA, L. C. An account of new developmentalism and the structuralist macroeconomics. Revista de Economia Política, v. 31, n. 3, p. 493-502, 2011.
  • DASGUPTA, S.; SINGH, A. Will services be the new engine of economic growth in India? Centre for Business Research. University of Cambridge, 2005. (Working Paper, n. 310).
  • FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de América Latina México-DF: Editorial Nueva Imagem/Centro de Economia Transnacional, 1983.
  • FEIJÓ, C. A.; LAMONICA, M. T. Importancia del sector industrial para el desarrollo de la economía brasileña. Revista Cepal, n. 107, Ago. 2012.
  • FERRARI FILHO, F.; FONSECA, P. D. Which developmentalism? A Keynesian-Institutionalist proposal. Review of Keynesian Economics, v. 3, n. 1, 2015.
  • FURTADO, C. Cultura e desenvolvimento em época de crise Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
  • HIRSCHMAN, A. O. Estratégia do desenvolvimento econômico Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.
  • LEONTIEF, W. The structure of the american economy 2nd ed. New York: Oxford University Press, 1951.
  • MILLER, R. E.; BLAIR, P. D. Input-output analysis: foundations and extensions. 2nd ed. Cambrige: Cambridge University Press, 2009.
  • MOLLO, M. L. R.; AMADO, A. M. O debate desenvolvimentista no Brasil: tomando partido. Economia e Sociedade, v. 24, n. 1 (53), 2015.
  • MORTARI, V. S.; OLIVEIRA, M. A. S. Dependência setorial de insumos importados do setor agropecuário e da indústria intensiva em recursos naturais. RE&D Economia e Desenvolvimento, Santa Maria, v. 28, n. 1, p. 345-364, jan./jun. 2016.
  • PREBISCH, R. (1948). O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais. Estudio Economico de la América Latina (E/CN 12/89). Nações Unidas, e Cepal, op. cit, 2000.
  • PREBISCH, R. (1952). Problemas teóricos e prático do crescimento econômico, E/CN 12/221. Nações Unidas, e Cepal, Op. Cit, 2000.
  • PREBISCH, R. O falso dilema entre desenvolvimento econômico e estabilidade monetária. Revista de Ciências Econômicas, 1961.
  • PREBISCH, R. (1964). Por uma nova política comercial em prol do desenvolvimento, em Hacia uma política comercial pro del desarrollo. Informe del Secretario General de la Conferencia de las Naciones Unidas (E/Conf 46/3) Nações Unidas, e Cepal, Op. Cit, 2000.
  • PREBISCH, R. (1965). Por uma dinâmica do desenvolvimento latino-americano, em Hacia una dinâmica del desarrollo latino-americano (E/CN 12/680), Mexico, DF: Fondo de Cultura Económica, e Cepal, Op. Cit, 2000.
  • RODRIK, D. Premature deindustrialization National Bureau of Economic Research, NBER, Feb. 2015. (Working Papers Series, Working Paper, n. 20935).
  • ROSENSTEIN-RODAN, P. Notes on the theory of the big push. In ELLIS (Ed.). Economic development for Latin America 1961.
  • SANTOS, P. L. dos. Production and consumption credit in a continuous-time model of the circuit of capital. Historical Materialism, v. 17, n. 2, p. 180. 2013a.
  • SANTOS, P. L. dos. Demand, production and the determinants of distribution: a caveat on “wage-led growth”. PERI - Political Economy Research Institute, May. 2013b. (Working Paper Series, n. 323)
  • SICSÚ, J.; PAULA, L. F.; MICHEL, R. Introdução. In: NOVO-desenvolvimentismo: um Projeto Nacional de Crescimento com Equidade Social. Barueri-SP: Manole e Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005.
  • SILVA, I. C.; OLIVEIRA, M. A. S. Estrutura produtiva e distribuição de renda no brasil: uma abordagem insumo-produto. Revista Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 26, n. 2 (48). set. 2015.
  • SU, D.; YAO, Y. Manufacturing as the key engine of economic growth for middle-income economies. Asian Development Bank Institute, ABDI Institute, May 2016. (ABDI Working Papers Series, n. 573).
  • TAKASAGO, M., MOLLO, M. L. R.; GUILHOTO. O debate desenvolvimentista no Brasil: discutindo resultados da matriz de insumo-produto. Pesquisa e Planejamento Econômico, jul. 2017.
  • TAVARES, M. C. Auge e declínio de substituição de importações. Boletim Econômico da América Latina, Nova York, Nações Unidas, v. 9, mar. 1964, e Cepal, Op. Cit 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2017
  • Aceito
    06 Ago 2018
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br