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DOENÇA CRÔNICA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: VÍNCULOS DA FAMÍLIA NA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE1 1 Artigo extraído da dissertação - Doença crônica na infância e na adolescência: vínculos de cuidado constituídos na rede de atenção à saúde, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 2016. Auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo nº 474762/2013-0).

ENFERMEDAD CRÓNICA EN LA INFANCIA Y ADOLESCENCIA: VÍNCULOS DE LA FAMILIA EN LA RED DE ATENCIÓN A LA SALUD

RESUMO

Objetivo:

explicitar como se constroem os vínculos entre a família da criança/adolescente com doença crônica e os diferentes serviços da rede de atenção à saúde, tendo a Atenção Primária à Saúde como o centro organizador do cuidado.

Método:

estudo de abordagem qualitativa, realizado com dez familiares de crianças/adolescentes com diagnóstico de doença crônica entre maio e novembro de 2015. Para produzir o material empírico, utilizaram-se o mapa falante e o ecomapa, ambos adaptados neste estudo, em seus domicílios, localizados na área de abrangência de Unidades de Saúde da Família e na própria Unidade de Saúde da Família, conforme preferência de um familiar. Posteriormente, foram realizadas doze entrevistas semiestruturadas com profissionais de serviços da rede de atenção à saúde do município - duas Unidades de Saúde da Família e dois hospitais públicos. Os dados foram interpretados com base na análise de discurso de linha francesa.

Resultados:

o sentido de vínculo está relacionado à atenção dispensada pelos profissionais de saúde. A atenção explicitada nas marcas textuais analisadas é um conceito base, que pode ser parafraseado em seus vários sentidos, como: acessibilidade, resolutividade, responsabilização, humanização, empatia e expectativa satisfeita.

Conclusão:

é preciso que cada ponto de atenção da rede assistencial buscado pela família lhe seja uma referência ampla, concreta e duradoura, especialmente a Atenção Primária à Saúde, que deve cumprir seu papel de coordenadora do cuidado e fonte cuidadora.

DESCRITORES:
Saúde da criança; Saúde do adolescente; Doença crônica; Relações profissional-família; Serviços de saúde

RESUMEN

Objetivo:

explicitar cómo se construyen los vínculos entre la familia del niño/adolescente con enfermedad crónica y los diferentes servicios de la red de atención a la salud, teniendo la Atención Primaria a la Salud como el centro organizador del cuidado.

Método:

estudio de abordaje cualitativo, realizado con diez familiares de niños/adolescentes con diagnóstico de enfermedad crónica entre mayo y noviembre de 2015. Para producir el material empírico, se utilizaron el mapa hablante y el ecomapa, ambos adaptados en este estudio, en sus estudios en el área de cobertura de las Unidades de Salud de la Familia y en la propia Unidad de Salud de la Familia, según preferencia de un familiar. Posteriormente, se realizaron doce entrevistas semiestructuradas con profesionales de servicios de la red de atención a la salud del municipio - dos Unidades de Salud de la Familia y dos hospitales públicos. Los datos fueron interpretados con base en el análisis de discurso de línea francesa.

Resultados:

el sentido de vínculo está relacionado a la atención dispensada por los profesionales de salud. La atención explicitada en las marcas textuales analizadas es un concepto base, que puede ser parafraseado en sus diversos sentidos, como: accesibilidad, resolutividad, responsabilización, humanización, empatía y expectativa satisfecha.

Conclusión:

es necesario que cada punto de atención de la red asistencial buscado por la familia le sea una referencia amplia, concreta y duradera, especialmente la Atención Primaria a la Salud, que debe cumplir su papel de coordinadora del cuidado y fuente cuidadora.

DESCRIPTORES:
Salud del niño; Salud del adolescente; Enfermedad crónica; Relaciones profesionales-familiares; Servicios de salud

ABSTRACT

Objective:

to explain how the bonds between the family of the child/adolescent with chronic disease are created and the different services of the health care network, having the Primary Health Care as the organizing center for care.

Method:

qualitative approach study, carried out with ten family members of children/adolescents diagnosed with a chronic disease between May and November 2015. In order to produce the empirical material, the talking map and the ecomap have been used, both adapted in this study, in their homes, located in the area covered by the Family Health Units and in the Family Health Unit itself, according to a family member’s preference. Subsequently, twelve semi-structured interviews were carried out with professionals of the city’s healthcare network - two Family Health Units and two public hospitals. The data were interpreted based on the French line discourse analysis.

Results:

the sense of bonding is related to the care and attention provided by health professionals. The care presented in the textual marks analyzed is a basic concept, which can be paraphrased in its several meanings, such as: accessibility, resoluteness, accountability, humanization, empathy and satisfied expectation.

Conclusion:

it is necessary that each care point of the healthcare network sought by the family is a broad, concrete and lasting reference, especially the Primary Health Care, which should fulfill its role of a care coordinator and caregiver source.

DESCRIPTORS:
Child’s health; Adolescent’s health; Chronic disease; Professional-family relations; Health services.

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas são caracterizadas por início gradual, de prognóstico usualmente incerto, com longa ou indefinida duração. Apresentam curso clínico que muda ao longo do tempo, com possíveis períodos de agudização, e podem gerar incapacidades. Elas são responsáveis pelo grande número de hospitalizações e requerem um processo de cuidado contínuo que, nem sempre, leva à cura.11 Ministério da Saúde (BR). Documento de diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas Redes de Atenção à Saúde e nas linhas de cuidado prioritárias. Brasília (DF): 2012. A atenção à saúde de pessoas com doença crônica precisa ser realizada de modo contínuo, coordenado e integral, para que as demandas desencadeadas pela enfermidade crônica sejam minimizadas.

A vida das crianças/adolescentes e de seus familiares, a partir da definição do diagnóstico de uma enfermidade crônica, passa a ser guiada pela doença e por seu tratamento. Isso se traduz em um percurso longo, permeado por dificuldades, e um conjunto de sentimentos representados pela angústia e incerteza.22 Abreu IS, Nascimento LC, Lima RAG, Santos CB. Children and adolescents with chronic kidney disease in haemodialysis: perception of professionals. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 Nov-Dec [cited 2016 May 20]; 68(6):712-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n6/en_0034-7167-reben-68-06-1020.pdf
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O cuidado integral dispensado aos indivíduos com doenças crônicas deve ser pautado no seguimento contínuo e proativo desses sujeitos. Esse cuidado deve ser feito sob a coordenação da equipe de Atenção Primária à Saúde (APS) e com o apoio dos demais serviços da rede de atenção.33 Mendes EV. A construção social da atenção primária à saúde. Brasília (DF): Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2015.

As Redes de Atenção à Saúde (RASs) surgiram como uma estratégia para superar a fragmentação da atenção e da gestão nas regiões de saúde e aperfeiçoar o funcionamento político‐institucional do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo foi assegurar ao usuário um conjunto de ações e de serviços de que necessita com efetividade e eficiência.11 Ministério da Saúde (BR). Documento de diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas Redes de Atenção à Saúde e nas linhas de cuidado prioritárias. Brasília (DF): 2012. A organização do sistema em redes promove o cuidado contínuo e integral para determinada população, coordenado pela APS, prestado no tempo certo, no lugar certo, com custo certo, com a qualidade certa e de modo humanizado.44 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. 2ª ed. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.

A APS precisa ser a porta de entrada dos usuários no sistema de saúde. Ela precisa oferecer continuidade e coordenação do cuidado das doenças crônicas na infância e na adolescência, pois esses são componentes essenciais para a alta qualidade do atendimento.55 Gomes LM, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 Aug [cited 2016 May 22]; 27(4):348- 55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0348.pdf
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6 Katz A, Martens P, Chateau D, Bogdanovic B, Koseva I. Do primary care physicians coordinate ambulatory care for chronic disease patients in Canada? BMC Family Practice [Internet]. 2014 [cited 2016 Jun 01]; 15(148). Available from: http://bmcfampract.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2296-15-148
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7 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery [Internet] 2015 Oct-Dec [cited 2016 May 25]; 19(4):656-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0656.pdf
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-88 Zanello E, Calugi S, Rucci P, Pieri G, Vandini S, Faldella G, et al. Continuity of care in children with special healthcare needs: a qualitative study of family's perspectives. Ital J Pediatr [Internet]. 2015 Feb [cited 2016 Mai 30]; 41(7). Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25882884
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Apesar disso, estudos apontam que, nem sempre, a atenção primária é procurada pelas famílias em episódio de adoecimento,99 Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 Oct- Dec [cited 2016 Jun 02]; 24(4):1009-17. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-0707-tce-24-04-01009.pdf
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o que impossibilita a construção de vínculo com esse serviço e leva ao não reconhecimento da APS como fonte cuidadora.55 Gomes LM, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 Aug [cited 2016 May 22]; 27(4):348- 55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0348.pdf
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,77 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery [Internet] 2015 Oct-Dec [cited 2016 May 25]; 19(4):656-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0656.pdf
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,99 Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 Oct- Dec [cited 2016 Jun 02]; 24(4):1009-17. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-0707-tce-24-04-01009.pdf
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O vínculo é uma tecnologia relacional inovadora para organizar o cuidado, que pode transformar os processos de trabalho em prol de fazeres integrais na saúde.1010 Amorim ACCLA, Assis MMA, Santos AM. Vínculo e responsabilização como dispositivos para produção do cuidado na Estratégia Saúde da Família. Rev Baiana de Saúde Pública [Internet]. 2014 Jul-Set [cited 2016 May 10]; 38(3):539-54. Available from: http://files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2014/v38n3/a4614.pdf
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A promoção de encontros de cuidado centrados na produção de vínculos deve ser uma das prioridades das equipes de saúde na rede de atenção. Contudo, famílias de crianças/adolescentes com doença crônica têm apontado óbices nesse processo. Dentre esses óbices, estão a falta de acessibilidade, desresponsabilização pelo cuidado, ausência de resolutividade, desconhecimento dos aspectos da doença crônica e busca direta por serviços especializados.55 Gomes LM, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 Aug [cited 2016 May 22]; 27(4):348- 55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0348.pdf
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6 Katz A, Martens P, Chateau D, Bogdanovic B, Koseva I. Do primary care physicians coordinate ambulatory care for chronic disease patients in Canada? BMC Family Practice [Internet]. 2014 [cited 2016 Jun 01]; 15(148). Available from: http://bmcfampract.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2296-15-148
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-77 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery [Internet] 2015 Oct-Dec [cited 2016 May 25]; 19(4):656-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0656.pdf
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A partir das reflexões apresentadas, questiona-se: como se constroem os vínculos entre a família da criança/adolescente com doença crônica e os diferentes serviços da rede de atenção à saúde, tendo a APS como o centro organizador do cuidado? Para responder ao questionamento norteador, objetivou-se: explicitar como se constroem os vínculos entre a família da criança/adolescente com doença crônica e os diferentes serviços da rede de atenção à saúde, tendo a APS como o centro organizador do cuidado.

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa, fundamentado no dispositivo teórico-analítico da Análise de Discurso (AD) de matriz francesa,1111 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas (SP): Pontes; 2009. realizado no período de maio a novembro de 2015, em um município da Paraíba, com dez familiares de crianças/adolescentes com diagnóstico de doença crônica em seus domicílios, localizados na área de abrangência de Unidades de Saúde da Família (USFs) e na própria USF, conforme preferência de um familiar. Também participaram do estudo doze profissionais de saúde em seus locais de trabalho: USFs, Ambulatório de Pediatria e Clínica de Internação Pediátrica de dois hospitais de referência no estado para o tratamento de doenças crônicas e raras.

Os critérios de inclusão dos familiares foram definidos aprioristicamente. Eles foram: ser familiar de criança/adolescente com diagnóstico de doença crônica; ser um dos principais responsáveis por cuidar da criança ou do adolescente durante o percurso da doença; ter capacidade de entender, expressar e compreender o que é solicitado para construir o processo de pesquisa. Os critérios de exclusão foram: ser familiar de criança ou adolescente com doença crônica hospitalizado no período da produção do material empírico e não se encontrar no domicílio, devido à rotina diária de trabalho.

A produção do material empírico com os familiares aconteceu por meio da construção do mapa falante,1212 Toledo RF, Pelicioni MCF. A educação ambiental e a construção de mapas-falantes em processo de pesquisa-ação em comunidade indígena na Amazônia. Rev Interacções [Internet]. 2009 [cited 2016 May 10]; 11:193-213. Available from: http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/view/382/337
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como técnica nuclear, e do ecomapa, como técnica complementar,1313 Agostinho M. Ecomapa. Rev Port Clin Geral [Internet]. 2007 [cited 2016 Jun 05]; 23:327-30. Available from: http://eventos.fecam.org.br/arquivosbd/paginas/1/0.307825001366390062_ecomapa.pdf
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ambos adaptados neste estudo. Embora a técnica de construção de mapas falantes seja mais usada em grupos, ela foi adaptada para ser aplicada com familiares individualmente. Já a adaptação do ecomapa se deu em função de ter foco específico no registro dos vínculos da família com serviços e profissionais da saúde que fazem parte da rede de atenção à criança/adolescente com doença crônica, sem considerar as relações entre a família e o meio em que habita.

Depois de elaborar o mapa falante e o ecomapa com os familiares, foram identificados serviços e profissionais de saúde que estabeleceram ou não vínculos com as crianças/adolescentes e seus familiares. Buscaram-se, então, profissionais de saúde representantes desses serviços.

Os critérios de inclusão para os profissionais de saúde também foram definidos a priori. A condicionalidade era estar atuando no serviço de saúde apontado pelos familiares há mais de seis meses na função e atender a crianças/adolescentes com doença crônica em seu cotidiano de atuação. Os critérios de exclusão foram: profissionais que estavam afastados do serviço no período da coleta do material empírico, por motivos como férias, licença e/ou atestado médico.

A técnica para produzir o material empírico com base nos enunciados dos profissionais foi a entrevista semiestruturada.1414 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2014. Ela foi gravada e transcrita na íntegra para posterior análise. O encerramento da produção do material empírico seguiu o critério de suficiência, quando se julga que, com o material empírico, pode-se traçar um quadro compreensivo do objeto de estudo.1515 Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2014.

Para analisar os dados empíricos, foram empregados os pressupostos teóricos da AD, que surgiu no final da década de 1960, na França, organizada por Michel Pêcheux, que articulou os conceitos de língua, ideologia e sujeito.1616 Orlandi EP. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas (SP): Pontes Editores; 2012.-1717 Souza, SAF. Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus (AM): Instituto Census; 2014. Na perspectiva discursiva, a proposta é explicitar os processos de produção de sentidos, na relação entre a língua, a ideologia e o sujeito, para compreender como a língua produz sentidos por e para sujeitos, visto que não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia.1111 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas (SP): Pontes; 2009.

Na primeira etapa da análise, foram observadas as condições de produção do discurso. Os sentidos produzidos não estão apenas nas palavras, mas também em sua relação com as circunstâncias e contexto em que a comunicação acontece.1111 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas (SP): Pontes; 2009. Foram sujeitos enunciadores do estudo nove mães e uma tia de criança/adolescente com doença crônica, com idades que variaram de 30 a 47 anos e renda mensal de R$ 450,00 a R$ 5.000,00. Os diagnósticos das crianças/adolescentes foram: fibrose cística; lúpus eritematoso sistêmico; paralisia cerebral; cardiopatia congênita; asma crônica; nefropatia crônica; síndrome de Rett; hipertensão arterial sistêmica; diabetes mellitus tipo 1; cardiopatia congênita e tumor renal. Quanto ao tempo de diagnóstico, variou de um a 15 anos.

Também foram enunciadores deste estudo: cinco profissionais de USFs, duas enfermeiras, dois agentes comunitários de saúde (ACSs), uma médica; três profissionais de ambulatórios especializados - uma auxiliar de enfermagem, uma assistente social e uma fisioterapeuta; três profissionais de clínicas de internação pediátrica - duas enfermeiras e uma técnica de enfermagem; e um médico que atua na mesma instituição, tanto no ambulatório quanto na clínica de internação pediátrica. A idade desses profissionais variou de 30 a 62 anos, e o tempo de atuação nos serviços variou de sete meses a 23 anos.

Foram realizadas várias leituras dos textos transcritos, material empírico bruto, composto pela transcrição, na íntegra, da aplicação do mapa-falante e do ecomapa com os familiares das crianças/adolescentes com doença crônica, e pela realização das entrevistas com os profissionais de saúde. Depois, constituiu-se o corpus do estudo, formado por fragmentos discursivos relacionados ao objeto da investigação que, ao serem analisados, explicitam os sentidos mediante a utilização das perguntas heurísticas, em um ir e vir constantes entre teoria e análise.1717 Souza, SAF. Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus (AM): Instituto Census; 2014.

No processo de análise, a primeira pergunta heurística é: “Qual o conceito-análise presente no texto?”. Neste estudo o conceito-análise foi definido a priori:1717 Souza, SAF. Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus (AM): Instituto Census; 2014. vínculos entre a família da criança/adolescente com doença crônica e os serviços da rede de atenção à saúde. Em seguida, foram identificadas as marcas textuais com as quais se podem evidenciar os sentidos construídos em relação ao conceito-análise proposto, para responder à segunda pergunta heurística: “Como o conceito-análise está sendo construído?”. A partir da verificação da recorrência dessas marcas, seguiu-se para a terceira pergunta heurística: “Que discurso sustenta esse sentido?”, objetivando relacionar o sentido construído com formações discursivas e ideológicas que o sustentam.1717 Souza, SAF. Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus (AM): Instituto Census; 2014.

Convém enfatizar que não foi possível incluir fragmentos discursivos de todos os enunciadores no texto, devido à limitação de espaço para a elaboração do artigo. Porém, todos os participantes foram incluídos na análise e contribuíram para construir o conhecimento acerca da temática.

Atendendo à Resolução nº 466/12 do Ministério da Saúde, que regulamenta a realização de pesquisas que envolvem seres humanos, o estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (sob protocolo n. 054/14, CAAE: 27102214.6.0000.5188). Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para preservar o anonimato, adotou-se a seguinte forma de identificação: para os familiares, utilizou-se a inicial F, seguida do numeral ordinal, que representa a ordem em que as entrevistas foram realizadas (F1, F2, ... F10); para os profissionais de saúde, utilizou-se a categoria profissional, seguida pelo serviço em que trabalha (Enfermeira - USF 1), e assim sucessivamente.

RESULTADOS

Bloco discursivo: Ações favorecedoras para a construção de vínculos

O discurso dos sujeitos deixa claro que a construção de vínculos se inicia com a busca realizada pelos familiares de crianças e adolescentes com doença crônica por resolutividade e significantes do cuidado na rede de atenção à saúde: Eu fui para o PSF [USF], que é para onde a gente vai toda a vida que a gente está com alguma coisa. Minha menina começou manchando a pele. [...] [USF] a médica deu uma requisição para eu ir para o C.C. [ambulatório municipal]. [...] Lá do C.C. me encaminharam para o HV. [hospital pediátrico], [...] fizeram mais exames e os exames só diagnosticavam as plaquetas e os leucócitos baixos, passei pela pediatra com ela [adolescente]: É dengue. [...] Eu não acreditava que aquilo era dengue, fui ao PSF e encaminharam para o C.C. novamente, [...] foi quando ele [pediatra] disse: ‘Provavelmente, sua filha vai estar com Lúpus’ (F2). O postinho [USF] não resolvia, porque o caso dele [criança] era grave, tinha que ir para os hospitais, fui para o A. [hospital pediátrico], [...] com uns dias depois ele teve outras crises, fui para outro hospital, que o outro não resolveu, assim até chegar ao certo. [...] Depois que eu conheci essa Doutora [médica especialista], nunca mais ele teve crise forte (F5).

Evidencia-se que os vínculos na rede assistencial são construídos a partir da atenção que a família recebe dos profissionais de saúde no momento em que buscam os serviços. Essa atenção tem diversas nuances e se destaca nas marcas textuais que seguem a acessibilidade como forma de atenção: A gente não tem nenhuma dificuldade de ter acesso a ele [médico especialista], até mesmo a gente em casa, se precisar, pode ligar, porque é difícil você ter um médico que tenha atenção assim. [...] passa uma segurança muito grande para a gente (F1). Se for esperar pelo sistema essa criança [com cardiopatia] muitas vezes morre. [...] E para não acontecer isso a gente faz o encaixe, autorizo o pessoal marcar para essas crianças serem atendidas, porque o importante não é a burocracia, o importante é a vida (Assistente social - Ambulatório de Pediatria 2).

Os fragmentos discursivos que seguem evidenciam que a construção de vínculo está igualmente relacionada à resolutividade que os familiares encontram na rede de atenção à saúde. Para que a família volte a buscar o serviço, ele precisa ser para ela uma referência de cuidado contínuo, a fim de que suas necessidades sejam ao menos minimizadas: Ela [ACS] é quem sempre está presente, [...] aqui em casa ela nunca deixa de vim, quando eu tenho algum problema eu procuro por ela, porque ela vai dar uma orientação melhor (F6). A família precisa saber que você quer resolver o problema e que você faz ações para resolver o problema, do encaminhamento de um exame dentro do hospital até brigar na justiça para conseguir remédio. [...] Porque a família confiando, ela vai vim mais ao serviço e vindo ao serviço e vendo que o serviço tem a vontade de resolver o problema, não resolver de forma absoluta, que a gente sabe que não estamos falando de uma doença que tem cura, nós estamos falando de dar resolutividade ao problema em relação à acessibilidade a todas as formas de tratamento dela (Médico - Ambulatório e Clínica de Internação Pediátrica 1).

A escuta qualificada e o apoio emocional que os familiares recebem dos serviços de saúde também se constituem em ações favorecedoras para a construção de vínculos, pois o foco do cuidado está na singularidade de cada encontro entre os sujeitos: Às vezes, a gente acha que só ajuda quando está dando medicamento, mas muitas vezes escutando os problemas de casa, seus temores, [...] só o passo de você escutar, de sentar e permitir que a mãe ou pai se sente e que vá contando o seu contexto, vá dizendo suas dificuldades e você apoiando de alguma forma, mesmo que ainda não concorde, para ele eu acho que já é uma grande ajuda (Enfermeira - USF1). Quando vai atender, às vezes, pelo SUS, não dá muita atenção, não explica, não tem aquela paciência. Ele [médico especialista] atendeu perguntando direitinho desde quando eu fui ser atendida com ele particular, e quando eu fui pelo SUS, ele teve aquele mesmo cuidado. [...] Não vi diferença, eu vi aquele mesmo zelo. [...] O mesmo amor, de olhar no olho, parar para ouvir você (F3).

Embora o oferecimento de apoio seja reconhecido como uma ação que favorece a construção de vínculos, as enunciadoras reconhecem que essa capacidade é intrínseca ao modo de ser de cada profissional de saúde. Isso se dá porque a humanização e a empatia presentes nas relações são próprias de cada indivíduo: Ou você é humano ou você não é, mas assim quando você é humano você faz aquilo porque você gosta de fazer. [...] Ser humano é você saber que a gente está aqui, ver uma mãe que é mais grosseira, ou que tratou a gente mal, mas ela está aqui todo dia, o filho dela está doente, a gente não (Técnica em Enfermagem - Clínica de Internação Pediátrica 1). A empatia está muito dentro de você, de como você é, para poder você passar o que tem dentro de você. [...] Para as nossas crianças a gente vai tentar tratar eles bem, brincar na medida do possível, distraí-los, principalmente durante um procedimento doloroso (Enfermeira - Clínica de Internação Pediátrica 2).

Bloco discursivo: Ações dificultadoras da construção de vínculos

Dentre as ações que podem dificultar a construção de vínculos, evidenciou-se a falta de acesso aos serviços de saúde, tanto na APS quanto na atenção secundária e terciária, o que leva a família a traçar a própria trajetória na rede de atenção, que se revela como um marcador de vulnerabilidade das famílias que vivenciam a doença crônica: Só atende [médico] doze pessoas, se chegar um a mais doente, não quer atender. [...] E a pessoa ter que penar ‘Ah, vá para a UPA [Unidade de Pronto Atendimento], vá para não sei para onde...’, pelo amor de Deus, é postinho [USF], é do bairro, o médico tem que estar disponível ali. [...] A gente se sente humilhada, por saber que é aquele posto que está ali para atender você bem e você não é atendido (F3). Quando você chega para fazer a ficha já é uma demora. [...] Não posso caracterizar tão ruim [atendimento], porque ele [criança] saiu de lá atendido, [...] não tinha dinheiro, tinha que submeter a meu filho e a mim a um atendimento público (F6).

Os desafios enfrentados perpassam também a forma como a atenção é prestada nos serviços de saúde que, muitas vezes, não tem um olhar amplo e integral e se limita a focar a doença da criança/adolescente, excluindo a família desse processo. Ela também necessita de cuidados, visto que vivencia, junto com a criança/adolescente, as implicações da doença crônica: Voltada [a atenção] basicamente para o problema de saúde, muitas vezes, não envolve ele [criança/adolescente] como um todo, não foca também na família. [...] O enfoque é em cima da patologia, é mais tratamento medicamentoso mesmo para estabilizar. Estabilizou, o paciente teve alta (Enfermeira - Clínica de Internação Pediátrica 2).

No ambiente hospitalar, um fator que dificulta a formação de vínculos são os conflitos existentes entre a equipe de saúde e os familiares que acompanham a criança/adolescente. O desgaste físico e emocional desses cuidadores, assim como a rotina de trabalho da equipe, tornam esses sujeitos suscetíveis aos conflitos: Uma paciente que desde que nasceu até o primeiro ano de vida ficou aqui, e a genitora nunca ia para casa, é uma relação boa? Tem que ser, mas vai ter momentos em que tanto o paciente quanto o acompanhante vão estar muito desgastados, só que a partir do momento que essa criança começa a ser muito manipulada pela equipe, [...] em que não há uma melhora imediata do quadro acaba tendo alguns atritos. Algumas vezes porque esses familiares entendem que a não melhora do quadro é responsabilidade da equipe. [...] A gente tenta, na maioria dos casos, manter uma boa relação, porque a gente precisa ter esse familiar como aliado nosso no cuidado a essa criança, então é respirar fundo, ter paciência e lidar com esse processo da maneira mais serena possível, se é que é possível (Enfermeira - Clínica de Internação Pediátrica 1).

Um fator que dificulta a construção de vínculos entre os profissionais de saúde e a família é a falta de informações sobre o cuidado realizado. Isso causa preocupação e insegurança: Me preocupa na A [instituição de apoio a pessoas com necessidades especiais] é que a gente não entra, ela [criança] vai para um atendimento, eu deixo na porta, vai lá para dentro e eu não sei nem o que é que estão [fisioterapeuta e fonoaudióloga] fazendo, um dia ou outro alguém diz alguma coisa (F7).

O atendimento médico na APS, pautado na falta de escuta e de sensibilidade com o problema do usuário, distancia os familiares de crianças e adolescentes com doença crônica do serviço e os leva a não reconhecer a APS como fonte cuidadora, tampouco como coordenadora da atenção: Entrei no consultório com R. [adolescente], [...] ela [médica da USF] foi dizendo: ‘Eu estou lhe atendendo e você ainda está falando?’. Foi quando veio o choro. ‘E você ainda vai chorar?’ [...] Não fui mais lá, quando eu queria atendimento, eu procurava os pediatras do H.V. [hospital pediátrico] (F2). Não deveria ser uma consulta a mais, mas ser um acolhimento de abraçar, veio aqui porque está precisando de ajuda e ajudar, e a gente não encontra isso, encontra ali apenas uma médica [na USF] ‘Diga seu problema, está precisando de que?’, vou passar [prescrição de medicamentos], você falando e passando. [...] Você não encontra uma médica como humana não (F3).

O fato de os profissionais de saúde, especialmente os da APS, desconhecerem as singularidades das doenças crônicas constitui-se em óbice para a construção efetiva de vínculos, pois não é possível oferecer resolutividade às demandas apresentadas se as famílias não acreditam no cuidado oferecido no serviço. A falta de preparo para lidar com a doença crônica na APS leva as famílias a buscarem atendimento apenas nos serviços de atenção secundária e terciária: Quando eu falava com alguma enfermeira, agente de saúde sobre fibrose cística, não sabiam nem o que era. [...] Expliquei que era uma doença rara, mas eles [profissionais da USF] não têm informação, a informação que eles deveriam ter eles não têm (F1). M. [ACS] disse: Tem uma menina na nossa área com síndrome de Rett. Eu digo: Meu Deus, o que é isso? Posteriormente a menina adoeceu e começou aqui, se eu não me engano, veio poucas vezes, eu ainda não peguei o prontuário. [...] Ainda não fui pesquisar não, sei que é uma doença neurológica, perguntei até a Doutora J. [médica da USF], mas ela também não soube me explicar bem (Enfermeira - USF 2). Se você é um profissional na área da saúde e chega uma doença nova, você tem que buscar e tem que atender, porque o básico eu acredito que você aprendeu na universidade. [...] Porque ninguém sabe tudo, mas você não pode negar atendimento, quem é da saúde faz um juramento né? (F4).

Outro fator que obstaculiza a formação de vínculo é a desresponsabilização dos profissionais da saúde, especialmente da APS, pois acreditam que o cuidado cotidiano é responsabilidade da família. Assim, negam seu papel no acompanhamento coordenado e contínuo à criança e ao adolescente com doença crônica e sua família: Eu esqueci o nome dele [criança com hipertensão arterial], é da F.M. [rua onde reside]. [...] A mãe não tem interesse. [...] É uma criança que tem condições, a família tem condições de andar, de procurar, eu não só tenho ela. [...] É uma falta de querer dos pais, e aí todo cuidado tem certo limite. A gente também não pode sair carregando. Não é porque a gente desistiu, mas... Eu acredito que ela nem anda cuidando desse menino (Enfermeira - USF 1).

DISCUSSÃO

A análise discursiva da marca textual acerca da busca pelo diagnóstico da doença crônica e terapêutica adequada explicita uma valorização da APS como acesso de primeiro contato para o SUS. Essa valorização é construída por meio de um interdiscurso sustentado, provavelmente, por experiências anteriores da enunciadora na própria APS. Entretanto, implicitamente, o discurso explicita a fragmentação no cuidado prestado na rede de atenção, pois, mesmo com os encaminhamentos realizados, não houve um serviço que acompanhasse a família nesse processo, e a mãe traçou um caminho solitário pelos serviços de saúde.

Contrariamente, analisando-se discursivamente o segundo enunciado, tem-se um fortalecimento da memória discursiva de que só os hospitais podem resolver os problemas de saúde. Este é um discurso centrado no modelo de atenção à saúde hospitalocêntrico, médico-hegemônico, acentuado pela descrença no cuidado prestado pela APS. Assim, o vínculo entre família e equipe da APS fica fragilizado, ao mesmo tempo em que são favorecidos os vínculos com pontos de atenção secundários e terciários da rede assistencial.

Estudo55 Gomes LM, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 Aug [cited 2016 May 22]; 27(4):348- 55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0348.pdf
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corrobora os achados desta pesquisa, ao concluir que a equipe de saúde da APS não se sente responsável por coordenar o cuidado das pessoas com doença crônica e delega à própria família a busca pelo melhor itinerário para o cuidado, a qual o faz, na maioria das vezes, em serviços secundários e terciários da rede de atenção.

Com o intuito de minimizar os problemas desencadeados pela fragilidade da regulação de vagas, que pode repercutir negativamente na saúde e no bem-estar da criança e do adolescente com doença crônica, assim como de suas famílias, e objetivando oferecer acesso e continuidade na assistência, alguns médicos especialistas lançam estratégias para promover o acompanhamento a esses sujeitos. Como exemplo, tem-se o agendamento de consultas de retorno sem precisar passar pelo sistema de regulação e a disponibilização do contato particular para casos de urgência.77 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery [Internet] 2015 Oct-Dec [cited 2016 May 25]; 19(4):656-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0656.pdf
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Essa ação fortalece os vínculos com esses profissionais, porque a família os reconhece como fonte cuidadora.

Algumas enunciadoras, apesar de viverem contextos sociais diferenciados, atribuem sentidos e significados semelhantes à acessibilidade como uma ação favorecedora para a construção de vínculo. Isso se dá especialmente quando relacionam a atenção a ações que ultrapassam os limites do trabalho voltado para as tecnologias duras do cuidado, com valorização para o trabalho vivo em ato, em detrimento das ações burocratizadas.

No enunciado de F1, porque é difícil você ter um médico que tenha atenção assim, destaca-se a memória discursiva da enunciadora, cujo discurso denota o silenciamento de vivências anteriores que a fizeram constituir um vínculo com o médico especialista, porque ele rompeu com a imagem de médico construída anteriormente e passou a oferecer segurança no cuidado prestado à sua filha e, assim, favorecer a construção de vínculo.

A atenção em saúde precisa ser centrada no trabalho vivo em ato. É preciso prover atenção em saúde com prioridade para as tecnologias relacionais, e todo profissional da saúde, em seu ato de cuidar, deve ser capaz de promovê-las, para favorecer a construção de vínculos, a responsabilização, a autonomização e o acolhimento.1818 Merhy EE. Saúde: cartografia do trabalho vivo em ato. 3ª ed. São Paulo (SP): Editora Hucitec; 2002.

Os sentidos e os significados explicitados acerca da resolutividade como forma de atenção e de constituição de vínculos estão relacionados à confiança adquirida nos profissionais de saúde a partir do momento em que os familiares têm suas demandas atendidas. Percebe-se, implicitamente, a relação entre resolutividade, responsabilização e confiança no cuidado, que são fundamentais para a construção de vínculos na rede de atenção.

Uma relação horizontalizada entre os profissionais de saúde e os que vivenciam o adoecimento crônico, por meio de um diálogo efetivo durante os encontros de cuidado, ajuda os usuários a adquirir confiança, a estreitar os laços e a criar espaços onde se sintam respeitados e únicos. Estudo1919 Baião BS, Oliveira RA, Lima VVPC, Matos MV, Alves KAP. Acolhimento humanizado em um posto de saúde urbano do Distrito Federal, Brasil. Rev APS [Internet]. 2014 Jul-Set [cited 2016 Jun 02]; 17(3):291-302. Available from: https://aps.ufjf.emnuvens.com.br/aps/article/view/1870/820
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corrobora esses achados ao afirmar que, além da resolutividade ofertada, a forma como acontece essa interação determina o modo como os vínculos serão construídos. Outro estudo2020 Baratieri T, Mandú ENT, Marcon SS. Compreensão de enfermeiros sobre vínculo e longitudinalidade do cuidado na Estratégia Saúde da Família. Cienc Enferm [Internet]. 2012 Ago [cited 2016 Jun 01]; 18(2):11-22. Available from: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0717-95532012000200002
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salienta que, se houver confiança no vínculo, o sujeito do cuidado se torna mais acessível ao diálogo, porquanto sente que pode expor suas demandas para o profissional, e isso possibilita uma atenção mais abrangente. Portanto, o vínculo é dependente de tecnologias relacionais.

Destaca-se, ainda, a importância do ACS para a construção de vínculos na APS. O contato constante do ACS com as famílias pode ajudar na identificação de crianças e adolescentes com doença crônica e indicar a necessidade de intervenções. Portanto, o ACS é um importante mediador na rede de cuidado na medida em que facilita o acesso da criança/adolescente e da família aos serviços de saúde.99 Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 Oct- Dec [cited 2016 Jun 02]; 24(4):1009-17. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-0707-tce-24-04-01009.pdf
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As relações dialógicas singulares de pessoa para pessoa, a capacidade de se comprometer com as condições reais da família, o estabelecimento de trocas afetivas e efetivas,2121 Ilha S, Dias MV, Backes DS, Backes MTS. Professional-patient bond in a team of the Family Health Strategy. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2014 Jul-Set [cited 2016 Jun 01]; 13(3):556-62. Available from: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/19661/pdf_341
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a escuta qualificada sem hierarquias e imposições e o respeito são ações desenvolvidas durante a interação do profissional com o usuário que podem promover o surgimento de um vínculo efetivo entre os sujeitos,2020 Baratieri T, Mandú ENT, Marcon SS. Compreensão de enfermeiros sobre vínculo e longitudinalidade do cuidado na Estratégia Saúde da Família. Cienc Enferm [Internet]. 2012 Ago [cited 2016 Jun 01]; 18(2):11-22. Available from: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0717-95532012000200002
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fazendo com que esse profissional, com o qual a família da criança/adolescente com doença crônica estabeleceu vínculo, seja uma referência concreta e duradoura para o cuidado qualificado.

Alguns discursos são sustentados por uma filiação ideológica próxima à valorização do cuidado centrado na escuta qualificada, na singularidade e na humanização. No entanto, podem haver deslizamentos nesses discursos, que se materializam na contradição de sentidos, pois, em um mesmo fragmento discursivo, configura-se o caráter pontual e curativista do cuidado, que torna a atenção fragmentada e incapaz de ser integral, especialmente na APS.

A ideologia de mercado sustenta a construção de alguns discursos, pois, para os familiares, na conjuntura atual, só o atendimento privado pode resolver as necessidades de saúde. Todavia, há um rompimento nessa percepção, quando o mesmo médico especialista oferece atendimento tanto no âmbito privado como no SUS e baliza suas ações na escuta qualificada e na humanização da assistência.

No que diz respeito à atenção à saúde, há um forte vínculo entre a expansão dos serviços médicos e o avanço de ordem capitalista, que se manifesta no desenvolvimento e no fortalecimento do complexo médico-industrial,2222 Carvalho SR, Rodrigues CO, Costa FD, Andrade HS. Medicalização: uma crítica (im)pertinente? Physis [Internet]. 2015 [cited 2016 Jun 05]; 25(4):1251-69. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n4/0103-7331-physis-25-04-01251.pdf
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razão por que é imperativo qualificar o serviço público de saúde e transcender a valorização capitalista da assistência. Para tanto, é preciso transformar em ações todos os preceitos que constituem o SUS.

A materialidade linguística, ao ser analisada nos fragmentos textuais das profissionais da enfermagem acerca da humanização e da empatia, que prestam assistência aos que vivenciam o adoecimento crônico na infância e na adolescência, explicita, por meio do não dito, que há uma descrença na possibilidade de haver mudanças no comportamento dos sujeitos. Permite, ainda, inferir que a construção de vínculos depende do modo de ser e das ações singulares de cada profissional nos encontros de cuidado com os familiares.

A discursividade de alguns familiares de crianças/adolescentes com doença crônica é fortemente marcada pela expectativa não satisfeita tanto na APS quanto em outros pontos da rede de atenção, bem como pela submissão a um atendimento na rede pública devido à falta de recursos financeiros para encontrar outras fontes cuidadoras. Essas famílias referem que a rede não é capaz de atendê-las de forma efetiva, e elas se tornam vulneráveis e sofrem prejuízos em seu bem-estar físico e mental, prejuízos esses que também atingem as crianças e os adolescentes.

A dificuldade de ter acesso à rede de atenção à saúde é um importante marcador de vulnerabilidades vivenciadas pelas famílias, especialmente no que diz respeito às vulnerabilidades programáticas. Essas acontecem quando os serviços de saúde apresentam organização e gestão de recursos inadequadas. Esse modo de organizar o trabalho prejudica a qualidade da atenção oferecida e faz com que a criança/adolescente e a família se tornem vítimas de uma situação que escapa ao seu controle.2323 Pedroso MLR, Motta MGC. Children and family living with chronic conditions: mesosystem in connection with program vulnerability. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 Abr-Jun [cited 2016 Jun 01]; 22(2):493-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/en_v22n2a27.pdf
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Apesar de os vínculos das famílias serem mais efetivos com os serviços de atenção secundária e terciária da rede, existem ações nesses serviços que dificultam ou fragilizam o vínculo com as famílias. Na fala de uma enunciadora que trabalha em uma instituição hospitalar, ela refere que não há preocupação com a integralidade da atenção, com formação discursiva centrada no processo saúde-doença, o que dificulta as possibilidades de adquirir confiança e segurança e de formar vínculos.

A assistência integral em saúde requer um cuidado centrado na família. Sua ênfase é dada na colaboração mútua entre pacientes de todas as idades, famílias e profissionais na rede de atenção e em todas as instituições de saúde.2424 Institute for Family-Centered Care. Partnering with patients and families to design a patient-and family-centered health care system: recommendations and promising practices. 2008 Abr [cited 2016 May 29]. Available from: http://www.familycenteredcare.org/pdf/PartneringwithPatientsandFamilies.pdf
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Tanto a criança/adolescente quanto sua família têm demandas de cuidado que merecem a atenção dos profissionais de saúde. Isso só será possível por meio da escuta qualificada das necessidades da família, do apoio em suas escolhas e da orientação na busca de caminhos que a fortaleçam para enfrentar cotidianamente a doença do filho.2525 Machado AN, Sousa MLXF, Silva MEA, Coutinho SED, Reichert APS, Collet N. Dificuldades para a efetivação do acolhimento hospitalar durante a internação de crianças com doença crônica. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2015 Jul-Ago [cited 2016 Jun 02]; 23(4):556-61. Available from: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/5960/14250
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Os sentidos e os significados que surgem ao se analisar a marca textual relacionada aos conflitos no ambiente hospitalar denotam uma formação discursiva de imposição, pois há um deslizamento inconsciente, percebendo-se que a relação entre o profissional e a família é boa, porque tem que ser. Isso requer um esforço diário em prol dessa boa relação.

Os conflitos surgidos no cotidiano da hospitalização podem interferir na formação de vínculo e prejudicar a qualidade do cuidado. Alguns deles são marcados pelo recebimento de informações insuficientes, ausência de diálogo, falta de sensibilidade dos profissionais em relação ao momento vivenciado e ao estabelecimento de interações interpessoais difíceis.2525 Machado AN, Sousa MLXF, Silva MEA, Coutinho SED, Reichert APS, Collet N. Dificuldades para a efetivação do acolhimento hospitalar durante a internação de crianças com doença crônica. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2015 Jul-Ago [cited 2016 Jun 02]; 23(4):556-61. Available from: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/5960/14250
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A análise discursiva do fragmento de F7, no qual a mãe explicita a falta de informações sobre a atenção prestada à sua filha, possibilita a inferência pela identificação do não dito, de que as informações relacionadas ao cuidado permitem a construção da confiança no trabalho executado pelo profissional. Quando ela não acontece de forma efetiva, provoca um distanciamento entre os sujeitos e a construção de vínculos é interrompida.

A comunicação efetiva, com troca de informações, é essencial para a interação entre pais, criança/adolescente e os profissionais da saúde, pois a explicação acessível e com linguagem compreensível influencia significativamente as possibilidades de compreensão e de aprendizagem e favorece a continuidade dos cuidados pela família.88 Zanello E, Calugi S, Rucci P, Pieri G, Vandini S, Faldella G, et al. Continuity of care in children with special healthcare needs: a qualitative study of family's perspectives. Ital J Pediatr [Internet]. 2015 Feb [cited 2016 Mai 30]; 41(7). Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25882884
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Ao analisar a materialidade linguística de familiares de crianças e adolescentes com doença crônica, é possível explicitar sentidos e significados construídos no nível do esquecimento número 2. Na teoria da AD, é nesse esquecimento que o sujeito seleciona, em um processo inconsciente, o que vai dizer.1111 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas (SP): Pontes; 2009.,1717 Souza, SAF. Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus (AM): Instituto Census; 2014. Isso nos leva a inferir que o atendimento médico recebido, na maioria das vezes, é desumano e prestado às famílias como um favor.

A figura do médico é valorizada em seu papel social hegemônico e medicalizador, o que é explicitado em um discurso construído socialmente e sustentado por uma filiação ideológica, no âmbito do esquecimento número 1, quando o sujeito esquece que é sujeito ideológico.1111 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas (SP): Pontes; 2009.,1717 Souza, SAF. Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus (AM): Instituto Census; 2014. Esse posicionamento não permite que haja um encontro humanizado com o usuário, tampouco de cuidado singular que favoreça a construção de vínculos.

Na sociedade atual, os médicos continuam tendo status quo instituído, que se configura nas relações sociais e de poder. Sua prática é pautada no modelo clínico e individualista, muitas vezes, com posturas autoritárias. Porém, é evidente que seu lugar social vem sendo paulatinamente modificado.2222 Carvalho SR, Rodrigues CO, Costa FD, Andrade HS. Medicalização: uma crítica (im)pertinente? Physis [Internet]. 2015 [cited 2016 Jun 05]; 25(4):1251-69. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n4/0103-7331-physis-25-04-01251.pdf
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Os profissionais da APS não conseguem dar resolutividade ao cuidado prestado às crianças/adolescentes com doença crônica. Isso gera insatisfação e desencantamento, podendo ocasionar ruptura de vínculos e o afastamento do usuário do serviço, que buscará atendimento para suas demandas em outros pontos de atenção.77 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery [Internet] 2015 Oct-Dec [cited 2016 May 25]; 19(4):656-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0656.pdf
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A forma como o serviço é organizado na APS ainda privilegia a assistência às condições agudas.99 Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 Oct- Dec [cited 2016 Jun 02]; 24(4):1009-17. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-0707-tce-24-04-01009.pdf
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Então, é fundamental superar esse modo de cuidar, a fim de construir vínculos mais estáveis e duradouros com os usuários, para que sejam instituídas estratégias que orientem os usuários em seu caminhar na rede de atenção à saúde77 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery [Internet] 2015 Oct-Dec [cited 2016 May 25]; 19(4):656-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0656.pdf
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de acordo com suas demandas singulares.

A discursividade dos enunciadores deste estudo evidencia, ainda, que a falta de conhecimento dos profissionais de saúde, especialmente da APS, sobre os aspectos de algumas doenças crônicas na infância e na adolescência, assim como de sua forma de cuidar, deslegitima seu papel, enquanto construção social.

Os profissionais da APS, muitas vezes, não estão preparados, no que diz respeito ao conhecimento, às habilidades e às atitudes para atender à pessoa com doença crônica. Além disso, existe a percepção de que o acompanhamento para as enfermidades crônicas é complexo e de competência exclusiva dos outros serviços da rede de atenção.55 Gomes LM, Pereira IA, Torres HC, Caldeira AP, Viana MB. Access and care of individuals with sickle cell anemia in a primary care service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 Aug [cited 2016 May 22]; 27(4):348- 55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0348.pdf
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,99 Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 Oct- Dec [cited 2016 Jun 02]; 24(4):1009-17. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n4/0104-0707-tce-24-04-01009.pdf
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Quando os usuários buscam diretamente o atendimento especializado, sem a coordenação da APS, há uma perda na continuidade dos cuidados e na implementação do plano terapêutico. Isso ocorre devido à falta de comunicação efetiva entre a APS e os pontos secundários e terciários da rede de atenção.66 Katz A, Martens P, Chateau D, Bogdanovic B, Koseva I. Do primary care physicians coordinate ambulatory care for chronic disease patients in Canada? BMC Family Practice [Internet]. 2014 [cited 2016 Jun 01]; 15(148). Available from: http://bmcfampract.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2296-15-148
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A maioria dos enunciadores deste estudo - especialmente os profissionais da APS - está filiada a um discurso sustentado pelo esvaziamento, pelo apagamento de sua responsabilidade em relação ao cuidado dispensado à criança e ao adolescente com doença crônica. Esse apagamento os impede de participar da coordenação do cuidado voltado para essa população. Vê-se, aqui, a formação discursiva de um processo de trabalho pautado nas demandas agudas, que não foca as singularidades da doença crônica, tampouco as especificidades da faixa etária para o acompanhamento contínuo e coordenado pela APS.

A doença crônica da criança/adolescente traz uma imprevisibilidade que é habitual na rotina das famílias e ainda mais corriqueira quando a APS não toma providências para continuar a oferecer o cuidado.2626 Hummel K, Mohler MJ, Clemens CJ, Duncan B. Why parents use the Emergency Departament during evenings hours for nonermergent pediatric care. Clin Pediatr [Internet]. 2014 [cited 2016 May 30]; 53(11):1055-61. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24990368
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Além de oferecer continuidade, a APS precisa responsabilizar-se por esse cuidado e se comprometer a oferecer o serviço a essa população, a gestão do cuidado dessas pessoas e sua responsabilidade econômica e sanitária, que deve ser conhecida intimamente pela equipe de saúde.44 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. 2ª ed. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.

O estabelecimento de vínculo e a responsabilização gerada por causa dele poderão contribuir para ações de saúde singulares e efetivas.2121 Ilha S, Dias MV, Backes DS, Backes MTS. Professional-patient bond in a team of the Family Health Strategy. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2014 Jul-Set [cited 2016 Jun 01]; 13(3):556-62. Available from: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/19661/pdf_341
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Ao coordenar o cuidado na rede de atenção, a APS pode contribuir para que cada serviço buscado pelas famílias constitua-se em um ponto do sistema que ofereça vínculo e responsabilização. Desse modo, ampliam-se as possibilidades de proporcionar um cuidado que favoreça o manejo adequado da doença.

Os resultados deste estudo explicitaram que o cuidado prestado às crianças/adolescentes com doença crônica tem sido realizado de forma fragmentada na rede assistencial, pois os vínculos são construídos entre as famílias e os pontos secundários e terciários da rede de atenção à saúde. Assim, a APS não tem conseguido cumprir seu papel de coordenadora do processo de cuidar.

É imperativo que se reflita sobre o processo de trabalho desenvolvido nos serviços, que os profissionais busquem, cada vez mais, constituir vínculos de cuidado com as famílias da criança/adolescente com doença crônica e que se desenvolvam novas pesquisas a respeito da temática, para que as lacunas existentes na assistência prestada na doença crônica na infância e na adolescência sejam minimizadas.

CONCLUSÃO

O referencial da AD foi escolhido para este estudo, porque traz a possibilidade de se compreender, por meio da discursividade, tanto a historicidade que produz realidade, presente na linguagem, como o posicionamento histórico e ideológico dos sujeitos. Com a AD, foi possível identificar os diferentes sentidos e significados que envolvem a constituição de vínculos entre famílias de crianças e adolescentes com doença crônica e os serviços da rede de atenção à saúde.

A discursividade dos enunciadores evidencia que o sentido de vínculo está relacionado à atenção oferecida pelos profissionais de saúde. A atenção explicitada nas marcas textuais analisadas é um conceito-base, que pode ser parafraseado em seus vários sentidos, como: acessibilidade, resolutividade, responsabilização, humanização, empatia e expectativa satisfeita. Ao se importar com o outro, o indivíduo cria um espaço possível para a construção de vínculos, o que é fundamental para o manejo qualificado da doença crônica na infância e adolescência, especialmente para coordenar e orientar essa família, a fim de facilitar sua caminhada pela rede de atenção à saúde, que, não raras vezes, é solitária.

É preciso que cada ponto de atenção da rede assistencial a que a família recorre lhe seja uma referência ampla, concreta e duradoura. Isso deve acontecer especialmente na APS, que necessita cumprir seu papel de coordenadora do cuidado e ser uma fonte cuidadora para essa família. Assim, será possível constituir vínculos efetivos com as famílias e ajudá-las a enfrentar as implicações da doença crônica e contribuir para manter o controle da doença e, consequentemente, diminuir as hospitalizações que possam ser evitadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2016
  • Aceito
    29 Jun 2017
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