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Revista Ciência & Saúde Coletiva

A revista Ciência & Saúde Coletiva, uma publicação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, é atualmente um dos mais importantes veículos acadêmicos da área. Criada em 1996, hoje com tiragem de 3000 exemplares e periodicidade trimestral, a revista possui grande abrangência não somente no Brasil, mas também na América Latina. Anualmente, são publicados três números temáticos e um número especial de temas livres.

A cada número são publicados, em média, 25 artigos, organizados em diferentes seções: Editorial- apresenta o tema a ser abordado; Debate - artigo encomendado pelos editores a um especialista da área, que é discutido por até seis outros especialistas convidados; Artigos Temáticos - oriundos de pesquisas empíricas, experimentais ou conceituais acerca do assunto tratado; Artigos de Temas Livres - não necessariamente seguem o tema da revista, tratando de pesquisas, análises e avaliações de áreas relacionadas; Opinião - expressa a posição de um especialista da área sobre o assunto em questão; Resenhas - trazem críticas de livros relacionados ao campo temático da revista; e Cartas - apresentam críticas e comentários relacionados ao número anterior da revista.

Apresentaremos o volume 11, número 3, de setembro de 2006, cujo tema é Avaliação da Atenção Básica. Os artigos publicados neste número são decorrentes das pesquisas dos Estudos de Linha de Base (ELB), processo importante para a institucionalização da avaliação em saúde no Brasil, utilizado, entre outras funções, para avaliar a atenção básica em municípios com mais de 100 mil habitantes que fazem parte do Proesf – Projeto de expansão e consolidação da saúde da família. Essas pesquisas foram apoiadas pelo Ministério da Saúde e financiadas pelo Banco Mundial.

A seção Debate traz à tona uma discussão já em andamento sobre a avaliação na atenção básica, introduzindo o assunto na revista. Felisberto (p. 553-563) resgata trabalhos sobre a institucionalização da avaliação publicados nos Cadernos de Saúde Pública (Abril 1999, volume 15, número 2), apresentando a visão de diferentes autores sobre o tema. Cinco outros autores de renome na área comentam o artigo de Felisberto, apontando a relevância do tema da avaliação na atenção básica como um instrumento de mudança e a importância de se fomentar uma cultura da avaliação, não como processo hierárquico, mas participativo, estando presente nas práticas cotidianas dos serviços.

Problematizando o assunto, Contandriopoulos (p. 705-711) questiona a institucionalização da avaliação nos sistemas de saúde, apontando o caráter paradoxal desta institucionalização. Uma vez que os atores que ocupam diferentes posições não conseguem, muitas vezes, chegar a um consenso quanto à pertinência dos resultados, estes podem ser usados como instrumento de poder, atendendo a interesses de determinados grupos. Tensionando com esta posição a avaliação pode, por outro lado, ser um "verdadeiro instrumento de liberação, permitindo uma visão crítica da norma estabelecida" e seus resultados contribuindo para uma transformação efetiva dos serviços (p. 710).

Hartz (p.733-738) apresenta e discute os padrões internacionais para avaliação de políticas sociais, utilidade, exeqüibilidade, propriedade e precisão. A autora introduz a noção de meta avaliação, definida como processo de julgamento de um estudo ou procedimento de avaliação, "fundamentada em padrões e critérios propostos e validados pelas associações profissionais e outros organismos auditores" (p.736).

Nos Artigos Temáticos, há um número importante de trabalhos comparando o Programa de Saúde da Família (PSF) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Elias et al. (p. 633-641), ao pesquisarem a preferência dos usuários por extrato de exclusão social, constataram que, em geral, para os usuários, o PSF é melhor avaliado que as UBS, e para os trabalhadores essa diferença não é expressiva. O que aparece como dado novo é que em extratos de maior exclusão social, os usuários têm maior aceitação pela UBS do que pelo PSF. Piccini et al. (p. 657-667), ao analisarem as necessidades de saúde comuns aos idosos na atenção básica, observaram que o PSF se mostrou mais adequado em relação às UBS, embora ainda de maneira distante da desejável. Por sua vez, Facchini et al. (p. 669-681), comparando o desempenho do PSF no nordeste e no sul do Brasil, afirmam que este programa está mais consolidado nos grandes centros urbanos do nordeste do que no sul, concluindo que esse modelo de atenção representou um esforço bem sucedido na promoção da eqüidade, uma vez que sua presença é maior em regiões mais pobres com populações mais vulneráveis. Ibañez et al. (p. 683-703) avaliaram o desempenho da atenção básica no estado de São Paulo e concluíram que os trabalhadores do PSF consideram esse modelo o melhor, tendendo a avaliá-lo de maneira mais positiva do que os usuários.

Ainda sobre PSF, Roncalli e Lima (p.713-724) ao pensarem este programa voltado para a saúde da criança, observam que não se verificaram diferenças significativas entre os resultados das áreas cobertas e não-cobertas pelo PSF, destacando-se apenas uma redução da taxa de internação por diarréia. Pinto et al. (p.753-764), num artigo de tema livre, analisam as características do apoio social a que têm acesso idosos moradores de área rural assistida pelo PSF e concluem ser de extrema importância para o programa a identificação das deficiências deste tipo de apoio, pois reflete positivamente nas condições de vida e saúde dessa população

No que concerne às políticas de saúde, Viana et al. (p.577-606) discutem os principais entraves à estruturação da atenção básica nos grandes municípios paulistas. Tais entraves podem ser decorrentes de dois fatores: ou da profunda desigualdade inter e intra-municipais, que devem ser enfrentados com políticas intersetoriais; ou da forma como se distribuem e se organizam os serviços e as tecnologias em saúde, o que pode ser solucionado a partir de políticas de saúde específicas para garantir maior eficácia e sustentabilidade da atenção básica. Em relação aos Conselhos de Saúde, Stralen et al. (p.621-632) observam que há uma heterogeneidade na participação dos representantes dos usuários, uma vez que, em alguns casos essa participação ocorre de maneira burocratizada e, em outros, constituem, de fato, um espaço de discussão. Entretanto, tanto este artigo como o de Guizardi e Pinheiro (p.797-805) apontam para a relevância desse espaço de participação e de controle social, garantido por um princípio constitucional (lei 8.142/1990), que inclui outros atores, antes excluídos do processo de tomada de decisão no que se refere às políticas de saúde.

Ao tratarmos de saúde coletiva, não podemos deixar de lado o campo da saúde mental, dada a inseparabilidade existente entre esses âmbitos. Na referida revista, o artigo de Cardoso e Seminotti (p. 775-783) traz uma contribuição sobre os grupos psicoterapêuticos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ao analisar as relações dos participantes destes grupos destacando a construção de novos vínculos. Neste caso, entende-se vínculo como "uma estrutura inconsciente que liga dois ou mais sujeitos em uma relação de presença" (p.776). Tal vínculo não se dá de modo definitivo, devendo ser constantemente renovado e reconhecido pelos sujeitos envolvidos. Os autores concluem que o CAPS "possibilita novas maneiras de pertencer na família e até na sociedade" (p.782) e que os usuários do grupo terapêutico estabelecem um importante vínculo com este e com o CAPS, embora mantenham, ainda, vínculos com os hospitais psiquiátricos, mesmo quando não os freqüentam mais.

Garcia e Jorge (p.765-774) analisam a vivência dos trabalhadores de um CAPS de Fortaleza, usando a abordagem fenomenológica e concluem que a proposta de reforma do cuidado ao portador de transtorno mental não pode deixar de olhar para o trabalhador do CAPS, pois "a relação entre os trabalhadores é de cumplicidade diante do cuidar do usuário, mesmo às custas do seu próprio sofrimento psíquico" (p.773). Os autores perceberam que na discussão dos trabalhadores do CAPS sobre o cuidado em saúde mental, o hospital psiquiátrico ainda comparece como um referencial importante, seja como algo a ser substituído, seja como algo a ser complementado.

Moreira, Silveira e Andreoli (p.807-816) ao revisarem a bibliografia sobre prevenção do uso de drogas nas escolas, notam que há uma convergência entre a proposta da "redução de danos" como estratégia de prevenção e da "escola promotora da saúde" (EPS). Os autores indicam como pontos de convergência: a ruptura com o maniqueísmo de usar ou não drogas e com o julgamento de valor; as ações inclusivas integrando professores, alunos, familiares e comunidade; as parcerias intersetoriais entre escola, serviços de saúde e ONGs; o incentivo ao protagonismo e autonomia e a abordagem do indivíduo em toda a sua complexidade independente do uso de drogas.

Furtado (p.785-795) apresenta em seu artigo a atual situação dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) para egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos no Brasil e discute os entraves para que o número de SRTs existentes ainda esteja muito aquém do necessário, já que apenas (10% dos 14 mil potenciais beneficiários estão inseridos em SRTs. Para tal, o autor analisa as mensagens de uma lista virtual criada para debater a reformulação da portaria 106/2000 que regulamenta os SRTs, que teve como participantes gestores e profissionais ligados a esses serviços, assim como os anais do I Encontro Brasileiro sobre Residências Terapêuticas, ocorrido em 2004. Ao constatar a existência de 11 principais problemas que afetam a implantação das SRTs, a maioria deles relacionados à gestão e financiamento, Furtado conclui que, apesar de ser um dispositivo consolidado, as principais questões acerca de sua ampliação são: a dificuldade em garantir que os financiamentos para os SRTs sejam de fato empregados; a importância do gestor municipal estar implicado na implantação e expansão desse dispositivo; a necessidade de divulgação para a população de informações sobre a reforma psiquiátrica, para que esta seja "mais permeável" às ações de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos de internações psiquiátricas.

Todo este debate em torno do tema avaliação mostra a relevância de se pensar não somente como a avaliação se insere no campo da saúde coletiva, mas também que sentidos que o avaliar assume e que práticas vêm sendo produzidas no campo da saúde mental. Neste campo, existem pesquisas que se dedicam a avaliar os serviços que compõem a rede, como por exemplo, a que os autores desta resenha participam. A "Pesquisa avaliativa de uma rede de Centros de Atenção Psicossocial: entre a saúde coletiva e a saúde mental", realizada em parceria UFF/UNICAMP, busca justamente aproximar as áreas da saúde coletiva e da saúde mental através do desenvolvimento de pesquisa avaliativa, uma investigação especificamente dirigida aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), considerados serviços estratégicos na consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Nossa pesquisa é focada na análise dos modelos assistencial (sua clínica), de gestão, de formação de pessoal e de outras questões eventualmente identificadas pelos profissionais e usuários ligados a esses serviços. Assim, o tema da revista aqui resenhada, a avaliação em saúde, é um outro campo de atuação que se coloca para a psicologia e se faz necessária uma apresentação e discussão do tema na formação e na prática desses profissionais.

I Resenha: revista ciência & saúde coletiva rio de janeiro: abrasco, v. 11, n. 3, jul./set. 2006 Por: Eduardo PassosI; Regina BenevidesII; Ariadna Patrícia Estevez Alvarez; Helena Fialho de Carvalho; Lívia Cristina CostaIII

  • Resenha: revista ciência & saúde coletiva rio de janeiro: abrasco, v. 11, n. 3, jul./set. 2006

    Por: Eduardo PassosI Professor do Departamento de Psicologia da UFF, Psicólogo, Doutor em Psicologia. Endereço: Campus do Gragoatá, bloco O, 2º andar. Niterói/RJ. E-mail: e.passos@superig.com.br II Professora do Departamento de Psicologia da UFF, Psicólogo, Doutora em Psicologia Clínica, Pós-Doutorado em Saúde Coletiva. E-mail: rebenevi@terra.com.br III Graduandas UFF / Psicologia, bolsistas IC. ; Regina BenevidesII; Ariadna Patrícia Estevez Alvarez; Helena Fialho de Carvalho; Lívia Cristina CostaIII
  • Professor do Departamento de Psicologia da UFF, Psicólogo, Doutor em Psicologia. Endereço: Campus do Gragoatá, bloco O, 2º andar. Niterói/RJ. E-mail:
    II Resenha: revista ciência & saúde coletiva rio de janeiro: abrasco, v. 11, n. 3, jul./set. 2006 Por: Eduardo PassosI; Regina BenevidesII; Ariadna Patrícia Estevez Alvarez; Helena Fialho de Carvalho; Lívia Cristina CostaIII
    Professora do Departamento de Psicologia da UFF, Psicólogo, Doutora em Psicologia Clínica, Pós-Doutorado em Saúde Coletiva. E-mail:
    III Resenha: revista ciência & saúde coletiva rio de janeiro: abrasco, v. 11, n. 3, jul./set. 2006 Por: Eduardo PassosI; Regina BenevidesII; Ariadna Patrícia Estevez Alvarez; Helena Fialho de Carvalho; Lívia Cristina CostaIII
    Graduandas UFF / Psicologia, bolsistas IC.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
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