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Esclerose sistêmica: envolvimento pulmonar, fenômeno de Raynaud e úlceras digitais

Systemic sclerosis: lung involvement, Raynaud’s phenomenon and digital ulcers

ATUALIZAÇÃO EM REUMATOLOGIA UPDATE IN RHEUMATOLOGY

Esclerose sistêmica: envolvimento pulmonar, fenômeno de Raynaud e úlceras digitais

Systemic sclerosis: lung involvement, Raynaud’s phenomenon and digital ulcers

Eduardo José do Rosário e SouzaI; Cláudia NeivaII; Paulo MadureiraIII

IServiço de Reumatologia dos Hospitais Santa Casa e Madre Teresa de Belo Horizonte (MG)

IIServiço de Reumatologia dos Hospitais Santa Casa e Mater Dei de Belo Horizonte (MG)

IIIProfessor titular de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Serviço de Reumatologia do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte (MG)

A esclerose sistêmica ainda se apresenta como um dos maiores desafios para o reumatologista. Com freqüência nos deparamos com dificuldades terapêuticas e baixas taxas de sobrevida. Entretanto, o cenário tem se tornado mais favorável. Há 30 anos, apenas um terço dos pacientes com envolvimento cardíaco e/ou pulmonar alcançavam cinco anos de sobrevida e quase todos morriam em até seis meses diante da crise renal. Nos dias atuais, a sobrevida de cinco anos é de 80% a 90%. O acometimento pulmonar substituiu o renal como principal responsável pela redução da expectativa de vida, e as úlceras digitais respondem por importante morbidade. A melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos tem permitido novas opções de tratamento e repercussões positivas na qualidade de vida dos pacientes. Nessa seção selecionamos alguns artigos que fundamentam novas estratégias na abordagem da esclerose sistêmica (para revisão, consulte Korn JH. Cleveland Clinic Journal of Medicine 70: 954-68, 2003; e Charles C, Clements P, Furst DE. Lancet 367: 1683-91, 2006).

Galié N, Ghofrani H, Torbicki A, et al, for the SUPER study group: Sildenafil Citrate Therapy for Pulmonary Arterial Hypertension (Tratamento com citrato de sildenafila para a Hipertensão Arterial Pulmonar). N Engl J Med 353: 2148-57, 2005. Institute of Cardiology, University of Bologna, Bologna, Itália.

Este foi um estudo multicêntrico conduzido em 53 centros (Estados Unidos, México, América do Sul, Europa, Ásia, Austrália, África do Sul e Israel), entre outubro de 2002 e novembro de 2003. Foi um estudo duplo-cego, placebo-controlado, em que 278 pacientes com hipertensão arterial pulmonar sintomática (idiopática, associada à doença do tecido conjuntivo [n = 84] ou à correção cirúrgica de shunt congênito sistêmico-pulmonar) foram randomizados para receber placebo ou sildenafila (20 mg, 40 mg ou 80 mg por via oral três vezes ao dia) durante 12 semanas. O objetivo primário foi avaliar a variação na distância caminhada em 6 minutos entre a entrada no estudo e a 12ª semana. Secundariamente, a mudança na pressão arterial pulmonar média na classe funcional (OMS) e na incidência de piora clínica também foram avaliadas. Os pacientes que utilizaram sildenafila (20 mg, 40 mg ou 80 mg três vezes ao dia) obtiveram aumento significativo na distância caminhada na 12ª semana (p < 0,001), sem diferença entre os esquemas posológicos. Nos três grupos com sildenafila, houve redução da pressão arterial pulmonar média (20 mg, p = 0,04; 40 mg, p = 0,01; 80 mg, p < 0,001) e da classe funcional (20 mg, p = 0,003; 40 mg, p < 0,001; 80 mg, p < 0,001). A incidência de piora clínica não diferiu significativamente entre os grupos com sildenafila e placebo. Os autores consideraram que o período curto de 12 semanas foi o responsável por esse último resultado e concluíram que o citrato de sildenafila melhorou significativamente a capacidade do exercício (medida pelo teste da caminhada em 6 minutos) em pacientes com hipertensão arterial pulmonar, independentemente se era a forma idiopática, associada a doenças do tecido conjuntivo ou à correção cirúrgica de shunt congênito sistêmico-pulmonar.

Joglekar A, Tsai F, McCloskey D, Wilson J, Seibold J, Riley D: Bosentan in Pulmonary Arterial Hypertension Secondary to Scleroderma (Bosentana na Hipertensão Arterial Pulmonar associada à Esclerose Sistêmica). J Rheumatol 33: 61-8, 2006. University of Medicine and Dentistry of New Jersey, New Jersey, EUA.

Os autores realizaram um estudo retrospectivo para avaliar a eficácia e tolerabilidade da bosentana no tratamento da hipertensão arterial pulmonar associada à esclerose sistêmica (HAP-ES), incluindo pacientes com doença intersticial pulmonar. Foram revisados os dados de 23 pacientes com HAP-ES (definida pelo ecocardiograma como PSAP > 45 mmHg ou pelo cateterismo cardíaco com pressão arterial pulmonar média > 25 mmHg no repouso), atendidos em ambulatório especializado de um único centro norte-americano, das classes funcionais II, III ou IV segundo a OMS. A bosentana foi utilizada nas doses convencionais de 62,5 mg, duas vezes ao dia no primeiro mês, seguida de 125 mg, duas vezes ao dia por pelo menos 18 meses. Avaliação da classe funcional, PSAP (ecocardiograma) e os testes de função pulmonar foram analisados a cada três meses durante 18 meses de tratamento. Considerando a classe funcional (OMS), houve melhora significativa no 3º, 6º e 9º mês (p < 0,02 versus entrada no estudo). Após o 9º mês, não houve melhora significativa. Redução em pelo menos um nível de classe funcional ocorreu em 57% dos pacientes já no 3º mês. Nenhum paciente piorou a classe funcional. A pressão sistólica arterial pulmonar, a capacidade pulmonar total e a capacidade de difusão do monóxido de carbono mantiveram-se inalteradas. Dois pacientes abandonaram o tratamento devido à elevação das transaminases. Com base nesses resultados, os autores concluíram que a bosentana melhora clinicamente os pacientes com HAP-ES (redução e ausência de piora da classe funcional), incluindo aqueles com doença intersticial pulmonar.

Seibold J, et al: Randomized, double-blind, Placebo-controlled study with bosentan on healing and prevetion of Ischemic Digital ulcers in patients with Systemic Sclerosis – RAPIDS-2 (Estudo randomizado, duplo-cego, placebo-controlado com bosentana na cicatrização e prevenção de úlceras digitais isquêmicas em pacientes com Esclerose Sistémica). Poster presentation L2: 552. ACR 2005.

Este estudo, coordenado pelo professor James S. Seibold, da Universidade de Michigan, EUA, envolveu pacientes de 41 centros norte-americanos e europeus. Foram admitidos 188 pacientes portadores de esclerose sistêmica que apresentavam pelo menos uma úlcera digital para tratamento com bosentana (62,5 mg, duas vezes ao dia no primeiro mês, seguida de 125 mg, duas vezes ao dia por um período de 32 semanas) ou placebo. Após a 24ª semana, o número de novas úlceras foi de 1,9 ± 0,2 no grupo com bosentana versus 2,7 ± 0,3 no grupo com placebo (p = 0,035). Secundariamente, o estudo não conseguiu demonstrar diferença entre os grupos na capacidade de reduzir o tempo de cicatrização das úlceras digitais. Melhora na capacidade funcional das mãos (vestir-se, p = 0,033) e redução dos níveis de dor (p = 0,034) também foram observados. Os autores concluem que a prevenção de novas úlceras digitais é uma estratégia válida e possível.

Fries R, Shariat K, von Wilmowsky H, Böhm M: Sildenafil in the Treatment of Raynaud’s Phenomenon Resistant to Vasodilatory Therapy (Uso da sildenafila no tratamento de fenômeno de Raynaud resistente ao tratamento vasodilatador). Circulation 112: 2980-85, 2005. Universitätsklinikum des Saalandes, Homburg/Saar, Alemanha.

Esses autores alemães realizaram um estudo duplo-cego, placebo-controlado, dose fixa e cruzado em 16 pacientes com fenômeno de Raynaud secundário e sintomático resistente ao tratamento vasodilatador convencional. Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um grupo recebeu sidenafila 50 mg duas vezes ao dia e o outro, placebo. Foram seguidos durante oito semanas, com um intervalo de uma semana livre de tratamento (após a 4ª semana) antes do cruzamento. Dos 16 pacientes estudados, 14 tinham esclerose sistêmica e dois, doença mista do tecido conjuntivo. Seis pacientes apresentavam úlceras digitais. A sintomatologia foi acompanhada pelo instrumento validado – o 10-point Raynaud’s Score –, e a velocidade do fluxo capilar foi aferida nos capilares digitais ungueais. Os pacientes, durante o uso de sildenafila, apresentaram menor freqüência de ataques de Raynaud em relação ao placebo (35 ± 14 vs 52 ± 18, p = 0,0064), a duração cumulativa dos ataques foi mais curta (581 ± 133 vs 1046 ± 245 minutos, p = 0,0038) e a média do Raynaud’s Condition Score (varia de 0 a 10) foi significativamente menor (2,2 ± 0,4 vs 3,0 ± 0,5, p = 0,0386). A velocidade de fluxo capilar aumentou em cada paciente individualmente, e a medida de todos quase quadruplicou após o tratamento com sildenafila (0,53 ± 0,09 vs 0,13 ± 0,02 mm/s, p = 0,0004). Dois pacientes apresentaram efeitos colaterais e descontinuaram o tratamento. Esses resultados permitiram que os autores concluíssem que o tratamento com sildenafila para fenômeno de Raynaud secundário é eficaz e bem tolerado.

Liossis SNC, Bounas A, Andonopoulos AP: Mycophenolate mofetil as first-line treatment improves clinically evident early scleroderma lung disease (Micofenolato de mofetila como tratamento de primeira linha melhora doença pulmonar esclerodérmica inicial sintomática). Rheumatology 45:1005-1008, 2006. Division of Rheumatology, University of Patras Medical School, Patras, Grécia.

Micofenolato de mofetila (MMF) é um imunossupressor efetivo com menor toxicidade do que a ciclofosfamida. Nesse estudo prospectivo, aberto e não-controlado, os autores avaliaram o MMF como um tratamento imunossupressor alternativo à ciclofosfamida para a doença pulmonar esclerodérmica. Cinco pacientes portadores de esclerose sistêmica difusa com doença pulmonar de início recente e um paciente com alveolite fibrosante resistente à ciclofosfamida foram tratados com MMF na dose de 2.000 mg/dia e baixas doses de prednisolona (até 10 mg/dia). Os pacientes foram avaliados clinicamente, estudados com tomografia de tórax de alta resolução (TCAR) e por testes pulmonares: a capacidade de difusão de monóxido de carbono (DLCO) e capacidade vital forçada (CVF), antes e após o tratamento. Os efeitos adversos foram documentados. Após seis meses de tratamento, houve melhora significativa da DLCO (75,4% vs 64,2%, p = 0,033) e não-significativa da CVF (76,2% vs 65,6%, p = 0,057). Opacidade em vidro fosco em TCAR melhorou em três pacientes com alveolite de início recente e reduziu em um paciente após 6-8 meses de tratamento. Após três meses de MMF, houve melhora dos sintomas clínicos respiratórios em todos os pacientes com alveolite de início recente. Não houve efeito adverso ao MMF nesse estudo. Os autores concluíram que, apesar do número reduzido de pacientes, o MMF associado a baixas doses de corticóide foi efetivo, bem tolerado e seguro, podendo ser considerado uma alternativa à ciclofosfamida no tratamento do envolvimento pulmonar da esclerose sistêmica difusa. São necessários estudos multicêntricos e randomizados para melhor avaliar essa modalidade de tratamento.

Donald PT, Robert E, Philip JC, Jonathan G, Michael D, Daniel EF, et al: for Scleroderma Lung Study Research Group: Cyclophosphamide versus Placebo in Scleroderma Lung Disease (Ciclofosfamida versus placebo na doença pulmonar esclerodérmica). N Engl J Med 354: 2655-66, 2006. University of California at Los Angeles, Los Angeles, EUA.

Este foi um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, desenhado com o objetivo de avaliar a segurança e os efeitos da ciclofosfamida via oral em pacientes portadores de doença pulmonar esclerodérmica. Foram incluídos 158 pacientes portadores de esclerose sistêmica com evidência de doença pulmonar intersticial inflamatória ativa sintomática avaliados clinicamente, com testes de função pulmonar, tomografia de tórax de alta resolução e exame do lavado bronco-alveolar. Os pacientes foram divididos em dois grupos, sendo que 79 receberam ciclofosfamida via oral (2 mg/kg/dia) e 79 receberam placebo por um ano e foram seguidos por mais um ano. Ao final de 12 meses, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos na capacidade vital forçada (CVF) (p < 0,03), favorecendo a ciclofosfamida, mas não houve melhora significante nas medidas da difusão de monóxido de carbono (p = 0,43). Também houve melhora significativa da capacidade pulmonar total (p = 0,026), dispnéia (p < 0,001), espessamento cutâneo (p = 0,008) e medidas de qualidade de vida (p = 0,009). O efeito favorável da ciclofosfamida na CVF foi sustentado nos dois anos do estudo. O número de eventos adversos foi maior no grupo da ciclofosfamida, significante para leucopenia e neutropenia. A diferença entre os dois grupos no número de eventos adversos sérios não foi significante. Os autores concluíram que ciclofosfamida via oral, durante um ano, em pacientes portadores de esclerose sistêmica com doença pulmonar intersticial sintomática teve um efeito benéfico significativo na função pulmonar durante os dois anos do estudo. O risco-benefício parece ser favorável ao uso de ciclofosfamida.

Pakas I, Ionnidis JPA, Malagari K, Skopouli FN, Moutsopoulos HM, Vlachoyiannopoulos PG: Cyclophosphamide with low or high dose prednisolone for systemic sclerosis lung disease. (Ciclofosfamida com baixa ou alta dose de prednisolona para doença pulmonar na esclerose sistêmica). J Rheumatol 29(2) 298-304, 2002. National University of Athens, Grécia.

Os autores compararam em estudo prospectivo e aberto a segurança e eficácia de pulsos mensais de ciclofosfamida intravenosa (IV), em combinação com doses baixas ou altas de prednisolona, em pacientes portadores de doença intersticial pulmonar relacionada à esclerose sistêmica com capacidade vital forçada (CVF) < 70% do previsto. Foram avaliados 28 pacientes ambulatoriais por 12 meses, com tomografia de tórax de alta resolução, testes de função pulmonar, envolvimento cutâneo e dispnéia. Pacientes foram tratados com pulsos mensais de ciclofosfamida IV por seis meses, e com pulsos bimensais por mais seis meses em combinação com prednisolona em baixas doses (< 10 mg/dia, n = 12) ou altas doses (1 mg/kg/dia, máximo de 60 mg, por quatro semanas, reduzindo progressivamente, n = 16). Não houve melhora dos pacientes em todos os parâmetros avaliados no grupo tratado com baixa dose de corticosteróide aos seis e 12 meses do seguimento. No grupo tratado com altas doses de corticosteróide, houve melhora do aspecto em vidro fosco do parênquima pulmonar após 12 meses (p = 0,003), melhora da capacidade vital forçada (p < 0,001), da difusão de monóxido de carbono (p = 0,029), do envolvimento cutâneo (p = 0,01) e da intensidade da dispnéia (p = 0,012). Os autores concluíram que a combinação de pulsoterapia de ciclofosfamida IV com altas doses de corticosteróide apresenta eficácia no tratamento clínico, evolução fisiológica e radiológica da doença intersticial pulmonar relacionada à esclerose sistêmica. Entretanto, um acompanhamento mais longo desses pacientes é essencial para estabelecer a segurança desse tratamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007
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