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Desafios metodológicos da pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho

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Desafios metodológicos da pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho

O presente número especial é um dos produtos do Grupo de Trabalho (GT), que funcionou em 2000 no âmbito do VIII Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), denominado "Desafios Metodológicos da Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho". O GT, herdeiro de outros que funcionaram nos referidos Simpósios, em anos anteriores, vem se preocupando com as questões relativas às atividades da Psicologia nas organizações e no trabalho há mais de dez anos. Uma breve recuperação da trajetória do GT na ANPEPP pode ser lida na síntese histórica elaborada por Jairo E. Borges-Andrade, no trabalho apresentado logo após este Editorial.

Foram muitas as razões para eleger, como tema central dos seus debates, os dilemas metodológicos que marcam a produção científica na mencionada subárea. Primeiro, o fato de que dilemas metodológicos marcam profundamente todo o campo da Psicologia e das ciências humanas e sociais. Tensões sobre pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos expressam-se, em maior ou menor intensidade, nos diversos domínios de pesquisa e, com freqüência, demarcam abordagens conflitantes sobre um mesmo fenômeno. Tais tensões têm sido enfrentadas e discutidas em várias áreas, inclusive na Psicologia. Contudo, a subárea brasileira de "organizações e trabalho" encontrava-se um tanto ausente dessas discussões, deixando de se beneficiar dos avanços que emergem da compreensão das raízes de tais divergências e da apropriação de novas estratégias metodológicas. Ao mesmo tempo, o aumento de sua produção científica, nesses últimos dez anos, indicava que não era mais possível continuar à margem dessas discussões.

Esse debate, atual e importante, tinha se tornado imprescindível face ao crescente peso de uma perspectiva relativista que apontava (e aponta) para a necessária convivência de diversas formas ou estratégias para produção de conhecimento científico. Uma visão que tem levado pesquisadores a explorarem diferentes metodologias, no âmbito de um mesmo problema de investigação, com significativos ganhos na compreensão do problema em si, bem como do processo de produção do conhecimento.

Uma segunda razão prendia-se à necessidade de se lidar adequadamente com a dispersão de pesquisas que se observava (e observa) entre os pesquisadores agrupados no domínio da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), não apenas quanto às temáticas mas também quanto às soluções metodológicas empregadas nos seus estudos. O intercâmbio de experiências – agora centradas no eixo das decisões metodológicas – podia ser um importante fator de aprimoramento da qualidade da produção científica nacional na área de POT. Podia se constituir em uma relevante oportunidade de aprendizado coletivo, cujos reflexos dar-se-iam tanto no nível de futuros intercâmbios e trabalhos conjuntos como na revisão e renovação das estratégias que usualmente cada um dos participantes vinha empregando.

Em terceiro lugar, havia na literatura brasileira uma ausência quase que absoluta de textos discutindo os desafios e as bases para tomada de decisões, quando se construía um estudo no domínio de investigação em "organizações e trabalho". Os pouco capítulos de livros traduzidos que discutiam aspectos metodológicos, faziam-no em uma perspectiva limitada e restrita a uma única estratégia. Essa lacuna estaria acarretando dificuldades para o processo de treinamento de novos pesquisadores na pós-graduação e muito especialmente no nível de graduação. A expectativa era de que os resultados do Grupo pudessem ser transformados em uma publicação que cumprisse a função de disseminar diferentes caminhos – clássicos ou inovadores – para lidar com os problemas que surgem das relações entre os indivíduos, suas organizações, trabalhos e práticas de gestão.

Finalmente, as mutações em curso no mundo do trabalho, no final do século XX, vieram também agregar em complexidade as abordagens metodológicas no âmbito da área de interesse do GT. Se o método científico se assenta justamente na tentativa de redução da complexidade e da incerteza, como tratar cientificamente problemas colocados pelo terreno da investigação em "organizações e trabalho", que se caracteriza justamente por níveis crescentes de complexidade? Se por um lado o olhar interdisciplinar se impõe como uma perspectiva para melhor compreender o que ocorre "in loco" nos campos dessa investigação, este olhar é guiado também pela necessidade de se descobrir categorias de inteligibilidade globais, superando assim as falsas dicotomias impostas por um único modelo de ciência. Por outro lado, interrogando as direções e os cortes epistemológicos acerca do objeto de estudo, aumentam os impasses metodológicos que se apresentam neste contexto. Dito de outra forma, como afinal conciliar abordagens metodológicas diferenciadas e diversas dentro de um mesmo campo epistemológico comum?

Se existia um consenso, poderia ser o da constatação do fim de um ciclo de hegemonia de uma ordem científica única e, com ela, de uma direção metodológica singular. Tornava-se necessária e urgente a reflexão aprofundada sobre os limites do rigor científico, que apontava para a possibilidade de perda da confiança epistemológica, colocando desta forma o próprio método em questão. Que caminho seguir, para fazer a aproximação com o mundo "real" das "organizações e trabalho"? Era para tentar modestamente colaborar no sentido de responder questões dessa natureza que se justificava a proposta do GT: "Desafios Metodológicos da Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho".

Assim, o GT decidiu discutir seus próprios métodos de pesquisa. Ao escolher como tema central a discussão metodológica, a preocupação do Grupo não era, vale ressaltar, a de reeditar velhas discussões e polêmicas, quase todas centradas em dicotomias que pouco refletiam a riqueza e complexidade do processo de produção científica (por exemplo, o tradicional dilema quantitativo - qualitativo). A discussão não pretendia, portanto, localizar-se em um plano epistemológico. Objetivava-se analisar e discutir experiências efetivas que estavam concretizando diferentes formas de apreensão dos processos individuais e coletivos na esfera de "organizações e trabalho". O prisma seria o de contemplar a diversidade existente, buscando destacar práticas bem sucedidas, embasadas em teoria e metodologicamente consistentes, de forma a gerar um painel amplo que pudesse vir a orientar futuros estudos e, de forma sinérgica, colaborar para imprimir novos rumos à pesquisa na subárea.

Face a tais considerações, foi proposto um GT com os seguintes objetivos:

1. realizar intercâmbio de informações, referentes aos métodos de pesquisa definidos;

2. discutir métodos de pesquisa em realização ou finalizados, de modo que cada membro do Grupo pudesse aprender com o que estava sendo realizado pelos demais;

3. discutir as estratégias implementadas de investigação, de forma a contribuir para o aperfeiçoamento e melhor adequação entre seus objetos de estudo, problemas e métodos de pesquisa;

4. organizar ou desenvolver parcerias entre programas de pós-graduação, para realizar trabalhos de pesquisa e ensino relativos aos métodos apresentados e discutidos;

5. discutir políticas e prioridades de pesquisa e ensino, relativas aos métodos definidos;

6. preparar a publicação de textos sobre aspectos relativos a métodos de pesquisa em "organizações e trabalho", os quais estão quase todos apresentados no presente número especial de "Estudos de Psicologia";

7. discutir avanços e problemas relativos à Revista "Psicologia: Organizações e Trabalho" (rPOT), que ainda estava em fase de planejamento;

8. definir estratégias para a preparação de um primeiro encontro científico sobre Psicologia Organizacional e do Trabalho, durante a XXXa Reunião Anual de Psicologia da SBP, ou pelo menos de preparação de uma grande presença de trabalhos científicos nesta Reunião e de discussão sobre a criação de uma Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT).

Cada membro participante deveria escrever um texto que pudesse contribuir para o tema geral do GT no ano 2000: Desafios Metodológicos da Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Esses textos deveriam ter seu foco na descrição de problemas epistemológicos e/ou metodológicos (e suas alternativas de soluções, se houvesse esforço do autor nesse sentido) de pesquisas que os autores estivessem efetivamente fazendo ou que tivessem finalizado recentemente. Não deveriam centrar atenção em questões teóricas ou em resultados. Essas questões e esses resultados poderiam aparecer, como aspectos a considerar para montagem de um quadro referencial, ou como parâmetros ou critérios de decisão em pesquisa, ou como exemplos de soluções encontradas, mas sem tornarem-se o foco dos textos. A maioria desses textos, depois de discutida no VIII Simpósio da ANPEPP e submetida ao sistema de avaliação da presente revista, foi revisada e é aqui apresentada.

Conforme a seqüência em que foi composto o presente número especial, logo após a já mencionada visão histórica elaborada por Jairo E. Borges-Andrade, encontra-se o trabalho de Mirlene Maria Matias, uma síntese da evolução do comportamento organizacional, tendo como ênfase o impacto que a estruturação do campo em níveis de análises, a sua riqueza teórica e a ausência de normalização podem ter sobre as medidas das suas variáveis. No artigo de Gardênia Abbad e Cláudio Vaz Torres discutem-se algumas aplicações das técnicas de análise de regressão múltipla stepwise e hierárquica, muito utilizadas em pesquisas da área de Psicologia Organizacional. Jairo E. Borges-Andrade descreve um conjunto de esforços empreendidos para desenvolver medidas de avaliação de treinamento, organizado em torno de um modelo de cinco níveis de avaliação. Júlia Issy Abrahão e Diana Lúcia Moura Pinho utilizam o referencial norteador da Ergonomia, seus modelos de intervenção e seus limites, para contextualizar a evolução do trabalho, identificando as mudanças ocorridas e como elas transformaram a sua natureza. Livia de Oliveira Borges e José Q. Pinheiro apresentam uma proposta baseada na combinação de técnicas, face à constatação de que, nas pesquisas desenvolvidas no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho no Brasil, os pesquisadores optam por estudar categorias ocupacionais cujos trabalhadores são mais instruídos. Antonio Virgílio Bittencourt Bastos procura caracterizar os mapas cognitivos, especialmente no tocante às decisões metodológicas que configuram seus diferentes tipos, sob o argumento de que têm sido crescentemente utilizados como ferramentas para representar estruturas e processos cognitivos que ajudam a compreender decisões e ações que configuram uma organização. José Carlos Zanelli tem como objetivo o de suscitar o debate sobre os problemas e desafios metodológicos e epistemológicos que se colocam para a pesquisa qualitativa, mais especificamente, em estudos da gestão de pessoas, tendo como base uma síntese de quatorze pesquisas. Finalmente, Ana Magnólia Bezerra Mendes, também com base empírica em pesquisas que vêm sendo desenvolvidas com o referencial psicanalítico, busca fazer uma reflexão sobre alguns aspectos epistemológicos e metodológicos do uso deste referencial em pesquisas sobre organizações.

Originariamente os textos levados ao VIII Simpósio da ANPEPP foram produzidos e debatidos por professores da UnB, UFBA, UFPB, UFMG, UFSC, UFRN e UMESP. Além disso, participaram como ouvintes e debatedores dois professores, da FGV-SP e da UFRGS. Terminado o VIII Simpósio, foi proposto à Revista "Estudos de Psicologia" que apoiasse o GT com a publicação de um número especial, que agora é apresentado ao público leitor. A Revista utilizou, para este número especial, os mesmos procedimentos editoriais que adota para seus números regulares. Os dois autores do presente editorial funcionaram como editores para esse número especial, exceto nos casos dos dois artigos que assinam como autores, para os quais o editor regular da Revista contribuiu a fim de que fossem mantidos sigilo e isenção.

Em nome do GT, gostaríamos de agradecer o apoio recebido e a confiança em nós depositada.

Brasília e Florianópolis, outubro de 2001.

Jairo E. Borges-Andrade (Universidade de Brasília)

José Carlos Zanelli (Universidade Federal de Santa Catarina)

Editores convidados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Set 2002
  • Data do Fascículo
    2002
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