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Metodologias para determinação da atividade metanogênica específica (AME) em lodos anaeróbios

Methodologies for determining the specific methanogenic activity (SMA) in anaerobic sludges

Resumos

Esse artigo apresenta uma revisão sobre os diferentes protocolos para a determinação da atividade metanogênica específica (AME) de lodos anaeróbios. Os protocolos propostos se diferem tanto em relação aos procedimentos adotados para a incubação do lodo, quanto ao método utilizado para quantificação do metano produzido durante o teste. São discutidos os princípios dos métodos manométricos e volumétricos, e descritos brevemente os protocolos de incubação do lodo, de medição do metano e o procedimento para cálculo da AME obtida pelos métodos mais utilizados pela comunidade científica nacional.

Lodo anaeróbio; dgestão anaeróbia; Atividade Metanogênica Específica; Testes AME


This paper presents a review on the different methodologies to determine the specific methanogenic activity (SMA) of anaerobic sludges. The protocols available in the literature differ not only regarding the procedures adopted to incubate the sludge, but also in relation to the method utilized to quantify the methane produced during the test. This paper discusses the principles of manometric and volumetric methods, and briefly describes the protocols mostly used by the Brazilian research community for sludge incubation, methane measurement and calculation of SMA.

Anaerobic sludge; anaerobic digestion; Specific Methanogenic Activity; SMA tests


ARTIGO TÉCNICO

Metodologias para determinação da atividade metanogênica específica (AME) em lodos anaeróbios

Methodologies for determining the specific methanogenic activity (SMA) in anaerobic sludges

Sérgio F. AquinoI; Carlos A. L.ChernicharoII; Eugênio ForestiIII; Maria de Lourdes Florêncio dos SantosIV; Luiz O. MonteggiaV

IProfessor do Departamento de Química, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP

IIProfessor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

IIIProfessor do Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo – USP/São Carlos

IVProfessora do Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

VProfessor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sérgio F. Aquino Departamento de Química Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP Campus Morro do Cruzeiro 35400-000 Ouro Preto – Minas Gerais - Brasil E-mail: sergio@iceb.ufop.br

RESUMO

Esse artigo apresenta uma revisão sobre os diferentes protocolos para a determinação da atividade metanogênica específica (AME) de lodos anaeróbios. Os protocolos propostos se diferem tanto em relação aos procedimentos adotados para a incubação do lodo, quanto ao método utilizado para quantificação do metano produzido durante o teste. São discutidos os princípios dos métodos manométricos e volumétricos, e descritos brevemente os protocolos de incubação do lodo, de medição do metano e o procedimento para cálculo da AME obtida pelos métodos mais utilizados pela comunidade científica nacional.

Palavras-chave: Lodo anaeróbio, dgestão anaeróbia, Atividade Metanogênica Específica, Testes AME.

ABSTRACT

This paper presents a review on the different methodologies to determine the specific methanogenic activity (SMA) of anaerobic sludges. The protocols available in the literature differ not only regarding the procedures adopted to incubate the sludge, but also in relation to the method utilized to quantify the methane produced during the test. This paper discusses the principles of manometric and volumetric methods, and briefly describes the protocols mostly used by the Brazilian research community for sludge incubation, methane measurement and calculation of SMA.

Keywords: Anaerobic sludge, anaerobic digestion, Specific Methanogenic Activity; SMA tests.

INTRODUÇÃO

A atividade metanogênica específica (AME) pode ser definida como a capacidade máxima de produção de metano por um consórcio de microrganismos anaeróbios, realizada em condições controladas de laboratório, para viabilizar a atividade bioquímica máxima de conversão de substratos orgânicos a biogás. A determinação da capacidade do lodo anaeróbio em produzir metano é importante porque a remoção de elétrons equivalentes, ou seja compostos reduzidos causadores da demanda química de oxigênio (DQO), da água residuária a ser tratada só ocorrerá de fato com a formação do metano, que por ser praticamente insolúvel em água, escapa facilmente da fase líquida.

Desta forma, a AME pode ser utilizada como um parâmetro de monitoramento da "eficiência" da população metanogênica presente em um reator biológico e, como tal, constitui-se ainda em uma importante ferramenta para o controle operacional de reatores anaeróbios (Foresti et al, 1999). O conhecimento da AME do lodo de determinado reator permite estabelecer, em última análise, a capacidade máxima de remoção de DQO da fase líquida, e por isso permite estimar a carga orgânica máxima que pode ser aplicada com minimização do risco de desbalanceamento do processo anaeróbio. Fazendo uma análise inversa, a AME permite determinar a massa mínima de lodo anaeróbio a ser mantida no reator para a remoção de determinada carga orgânica aplicada. Consequentemente o conhecimento da AME possibilitaria a adoção de procedimentos mais racionais para o descarte de lodo de sistemas anaeróbios.

Os trabalhos de Valcke & Verstraete (1983), De Zeeuw (1984) e Dolfing & Bloemen (1985) foram pioneiros no desenvolvimento e uso dos testes de AME, como ferramenta de caracterização e avaliação de reatores anaeróbios. No Brasil, pesquisas sobre o teste de AME começaram a ser feitas cerca de dez anos depois, e a tese de doutorado de Penna (1994) talvez tenha sido o primeiro trabalho brasileiro devotado ao estudo das condições de incubação e implantação do teste de AME. Os artigos de Penna et al (1995) e Monteggia (1997) foram de fato as primeiras comunicações científicas nacionais que discutiram a necessidade, e propuseram uma metodologia, para a harmonização do teste de AME. Não obstante as contribuições desses autores, o fato é que há, na literatura nacional e internacional, diferentes protocolos para a determinação da atividade metanogênica de lodos anaeróbios. Os protocolos diferem entre si tanto nos procedimentos adotados para a incubação do lodo (concentração de biomassa, tipo e concentração de substrato, relação alimento/microrganismo, tipo e concentração de nutrientes, tempo de incubação, etc), quanto para a quantificação do metano produzido.

Em relação aos procedimentos de incubação, observa-se que a comunidade científica utiliza diferentes concentrações iniciais de substrato e biomassa, sendo que alguns pesquisadores preferem utilizar glicose como substrato, ao passo que outros utilizam ácido acético ou uma mistura dos principais ácidos orgânicos intermediários da digestão anaeróbia (ácidos acético, propiônico e butírico). Em relação à quantificação de metano, há métodos mais sofisticados, como os que se empregam cromatógrafos a gás e/ou respirômetros interfaciados com micro-computadores, bem como métodos simplificados que se baseiam na purificação do metano do biogás seguida de sua determinação volumétrica.

Em virtude da não existência de um procedimento padrão para a determinação atividade metanogênica, um esforço da International Water Association (IWA) resultou na criação de um grupo de especialistas para harmonizar diversos protocolos de análise, dentre os quais se encontra a AME. Como não há, até o momento, consenso em relação à melhor condição de incubação do lodo anaeróbio, bem como para a medição do metano produzido, não se pode sugerir nesse artigo, um procedimento único para a determinação da AME. Sendo assim, o principal objetivo dessa revisão é apresentar os principais métodos utilizados pela comunidade científica nacional e internacional para a determinação da AME, dedicando-se especial atenção ao princípio de cada método, aos principais equipamentos necessários para sua implantação, bem como ao procedimento para cálculo da AME.

Torna-se importante esclarecer que a falta de uma padronização internacionalmente aceita para o teste de AME dificulta, de certa forma, a comparação dos resultados absolutos obtidos a partir de cada metodologia atualmente disponível. Nesse sentido, entende-se que os resultados obtidos a partir de cada um dos métodos ora descritos devam ser utilizados muito mais como base relativa de comparação em cada local em que vier a ser aplicado e levando-se em conta ainda o objetivo principal de aplicação do resultado. Em outras palavras, uma vez escolhido um determinado método para o teste de AME, os resultados obtidos através do mesmo serão muito mais úteis em termos comparativos, por exemplo, entre determinadas condições e fases operacionais de reatores anaeróbios.

Portanto, a maior contribuição deste artigo será no sentido de fornecer subsídios para a comunidade científica e para os operadores de reatores anaeróbios escolherem um determinado método para medição da AME do lodo, além da proposição de algumas padronizações mínimas a serem empregadas por qualquer método que venha a ser escolhido.

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES DO TESTE DE AME

Tipo e concentração de substrato

Para se avaliar, strictu sensu, a atividade metanogênica de determinado lodo deve-se alimentá-lo com substrato que suporte apenas a atividade metabólica dos microrganismos metanogênicos. Como se sabe, a maior parte do metano produzido, cerca de 70%, advém da clivagem do acetato durante metabolismo dos microrganismos metanogênicos acetoclásticos. Os cerca de 30% restantes de metano são produzidos por microrganismos hidrogenotróficos a partir da redução do dióxido de carbono. Desta forma, muitos pesquisadores utilizam comumente sais de acetato ou ácido acético como substrato. O cálculo da AME através do uso de apenas acetato como fonte de carbono e energia subestima em no mínimo 30% a capacidade máxima de produção de metano, uma vez que microrganismos hidrogenotróficos têm maiores taxas de crescimento que os acetoclásticos (Harper & Poland, 1986; Pavlostathis & Giraldo-Gomez, 1991) e certamente estarão presentes em reatores reais devido à degradação de substrato mais complexo (proteínas, carboidratos e lipídeos) que resulta em produção de hidrogênio (H2) e gás carbônico (CO2).

No sentido de se avaliar a atividade metanogênica de ambos os grupos de microrganismos, acetoclásticos e hidrogenotróficos, alguns pesquisadores (Field et al, 1987; Florencio et al, 1993; Alves et al, 2005) utilizam uma mistura de ácidos graxos voláteis (AGVs), comumente constituída de acetato (C2), propionato (C3) e butirato (C4), na proporção de 100:100:100 g/L, respectivamente. A DQO resultante da mistura de AGVs tem a proporção de 24,3:34,4:41,3 % para C2, C3 e C4, respectivamente. Nesse caso, o teste avaliará não só a atividade dos microrganismos metanogênicos, mas também a capacidade sintrófica do sistema, ou seja, a atividade dos microrganismos que convertem propionato e butirato em acetato. É importante salientar que a avaliação da atividade dos microrganismos sintróficos é fundamental para a boa operação dos digestores anaeróbios. Como os microrganismos metanogênicos não produzem metano a partir de propionato ou butirato, a queda de eficiência de um reator anaeróbio pode estar mais relacionada à baixa atividade dos microrganismos sintróficos produtores de acetato do que à atividade de microrganismos metanogênicos consumidores de acetato.

Nessa linha de raciocínio alguns pesquisadores defendem que um teste de atividade do lodo anaeróbio deva avaliar todo consórcio microbiano, e para isso o uso de substratos mais complexos, como glicose, seria o recomendado, simulando o que ocorre em um reator em escala real. De fato o uso de glicose suportaria a atividade metabólica de microrganismos fermentativos (acidogênicos), sintróficos (acetogênicos) e produtores de metano (metanogênicos), permitindo avaliar a atividade do consórcio anaeróbio como um todo. Se o teste com glicose evidenciar uma baixa produção de metano, então novos testes com mistura de AGVs ou com acetato poderiam ser feitos para identificar que grupo(s) de microrganismo(s) está(ão) limitando a degradação anaeróbia.

Em relação à concentração do substrato utilizado, é importante ressaltar que o teste de AME deve ser feito com excesso de substrato e nutrientes, de forma que a cinética de degradação se aproxime de uma reação de pseudo ordem zero, passando a depender apenas da concentração dos microrganismos (inóculo) presentes. Desta forma, o importante é que a concentração de substrato seja maior que o valor de Ks, que no caso dos microrganismos metanogênicos acetoclásticos situa-se na faixa de 11 a 421 mg/L de acetato (Harper & Ohlland, 1986; Pavlostathis & Giraldo-Gomez, 1991). Sendo assim uma concentração de 2 g/L de acetato seria suficiente para garantir excesso de substrato e, de fato, essa concentração é o valor de referência recomendado por Monteggia (1997), que concluiu que o uso de concentrações de ácido acético na faixa de 2 a 4 g/L resultaram em valores máximos de AME.

Segundo Penna (1994), para cada quantidade de biomassa, existe uma faixa adequada de quantidade de substrato, que varia com a natureza e atividade do lodo. Ou seja, a relação alimento/microrganismo que resulte em maior valor de AME deve ser pesquisada caso a caso. Além disso, Penna (1994) chega a sugerir a utilização, como substrato durante o teste, da própria água residuária que alimenta o reator que forneceu o lodo para o teste. Essa proposição decorre do fato de o autor ter verificado que a AME obtida com a água residuária foi similar àquela obtida quando se usou uma mistura de AGVs como substrato.

Concentração inicial de inóculo

Assumindo-se que o substrato e os nutrientes estarão presentes em excesso durante o teste de AME, é de se esperar que a concentração inicial de inóculo defina, em última instância, a duração do teste. Ou seja, partindo-se de uma concentração maior de biomassa, haverá uma menor relação alimento/microrganimos (A/M), resultando em degradação mais rápida do substrato disponível, sendo a análise inversa verdadeira. Como o resultado final da AME é expresso de forma normalizada, ou seja, levando-se em conta a massa de inóculo, a concentração inicial de lodo não deveria afetar o valor da AME obtido. Tais fatos foram observados por Monteggia (1997) que, investigando o efeito da concentração de microrganismos no teste de AME feito sob agitação, concluiu que a faixa ótima de valores de AME ocorreu entre 2 e 5 g SSV/L e que, para valores crescentes de SSV, houve redução significativa na duração do teste, ao passo que, para valores de SSV abaixo de 2 g/L ou superiores a 5 g/L, houve redução apenas discreta nos valores de AME. Rocha et al (2001) salientam que se o ensaio é conduzido sem agitação, a concentração de lodo deve ser em torno de 2,0 gSSV/L para se reduzir problemas com a difusão do substrato.

Os resultados de Penna (1995) são concordantes com os de Monteggia (1997), ao mostrarem que a quantidade de biomassa, na faixa de 2,5 a 20 g/L, não influenciou no resultado da AME. Entretanto, Penna (1995) mostrou que, para testes de AME com lodo de esgoto sanitário, nas concentrações iniciais de 5,2 e 10 gSSV/L, os melhores valores de A/M ficaram na faixa de 0,3 a 0,5 gDQO/gSSV. Para testes com lodo a 20 gSSV/L, a melhor relação ficou na faixa de 0,1 a 0,25 gDQO/gSSV, ao passo que para lodo com 2,5 gSSV/L, a faixa de 0,8 a 1,8 gDQO/gSSV foi a que forneceu os maiores valores de AME. Steil et al (2004) corroboram a proposição de Penna (1995), de que é necessário pesquisar para cada lodo a relação A/M que fornece o maior valor de AME, e mostraram que 0,25 gDQO/gSSV foi o valor de A/M mais adequado quando a mistura de AGVs foi escolhida como substrato.

Como o resultado do teste será expresso em termos da quantidade de biomassa presente, a quantidade do inóculo usada, em tese, não precisaria ser exatamente a mesma para diferentes ensaios. O importante é que se saiba exatamente a concentração do lodo presente em cada frasco para que se possa calcular com precisão a massa inicial de inóculo. Por isso é indispensável que se faça análise dos sólidos suspensos voláteis (SSV) no lodo utilizado como inóculo. Outro aspecto importante que se deve ter em mente é o crescimento da biomassa durante o ensaio, que interfere diretamente na determinação do valor de AME, uma vez que a concentração de SSV é geralmente medida no início e não no final do teste. Para minimizar este problema, devem ser utilizadas concentrações relativamente altas de lodo e baixas concentrações de substrato (baixa relação A/M). Uma alternativa seria fazer a análise de SSV tanto no início quanto no final do teste, e usar o valor médio para calcular a AME. Esse procedimento informaria, ainda, se houve predominantemente crescimento ou endogenia da biomassa durante o teste.

Solução de nutrientes

A solução de nutrientes ideal, ou água de diluição, deve conter macro (N-NH4+, P-PO43-, Mg, Ca) e micro-nutrientes (Fe, Ni, Zn, Co...), bem como alcalinidade (NaHCO3 ou KH2PO4 + K2HPO4) e agente redutor (Na2S.7H2O). Não há consenso na literatura em relação à solução nutricional a ser usada no teste de AME, havendo inclusive a sugestão de alguns pesquisadores para a não utilização das soluções minerais e nutricionais, para alguns tipos de lodo, como é o caso do lodo de esgoto sanitário (Dolfing & Bloemen, 1985; Penna, 1995). Tal sugestão é motivada pela decorrente simplificação do teste, e tem como premissas a pequena duração do teste e a presença de nutrientes no lodo de esgoto sanitário. Entretanto, a tendência na literatura nacional e internacional é a de se adicionar solução nutricional ao frasco de reação, conforme mostra a Tabela 1, originalmente proposta por Monteggia (1997) e complementada aqui com outras referências.

A solução de nutrientes utilizada por Souza et al (2005) é uma adaptação do meio nutricional apresentado em Chernicharo (1997), por incluir os macro-nutrientes cálcio e magnésio (CaCl2.2H2O e MgCl2), os micronutrientes níquel e boro (NiCl2.6H2O e H3BO3), e por reduzir a quantidade de fósforo (K2HPO4 e KH2PO4) devido à substituição desse sistema tampão pelo sistema bicarbonato (NaHCO3).

No sentido de harmonizar, em termos de Brasil, a solução nutricional a ser usada no teste de AME, recomenda-se que a solução de nutrientes proposta pela referência X (ver Tabelas 1 e 2) seja utilizada e complementada com 50 mg/L de extrato de levedura (fonte de vitaminas). Embora tal procedimento não contribua para a simplificação do teste, tal padronização facilitaria a comparação de resultados de diferentes grupos de pesquisa, uma vez que eliminaria incertezas relacionadas à deficiência nutricional que poderiam eventualmente surgir, a depender da origem do lodo testado.

Tempo de incubação antes da adição de substrato

Durante a execução dos testes de AME é comum incubar frascos de "branco", ou seja, contendo água destilada ao invés da solução de substrato, para se avaliar a produção residual de metano devido ao decaimento endógeno, sendo a produção endógena descontada da produção observada nos frascos contendo o substrato. Tal procedimento pode levar a erros grosseiros no cálculo da AME, uma vez que a endogenia observada no frasco contendo substrato deve ser bem menor que aquela observada no frasco "branco". Para eliminar a incerteza do metano de origem endógena FDZ-Polanco et al (2005) sugeriram a incubação do lodo por 7 dias a 35 ºC, antes que o substrato fosse adicionado, para que o metano produzido pela endogenia pudesse ser desconsiderado no teste. Outros autores (James et al, 1990; Penna, 1994; Monteggia 1997; Silva et al, 2005) também sugeriram a incubação do lodo, na temperatura de realização do ensaio e na presença de nutrientes e solução tampão, previamente à adição do substrato, todavia por períodos menores, da ordem de 6 a 15 horas.

Ressalta-se que, dependendo das condições operacionais do reator (Ex. carga aplicada) no qual o lodo anaeróbio foi amostrado, a produção de metano endógena pode durar horas ou dias. Uma prática segura para garantir que a endogenia não afete os resultados da AME consiste em incubar o lodo, na presença de nutrientes e na temperatura de realização do teste, até que a produção de metano se estabilize. Só então o substrato seria adicionado para início do teste.

O teste de AME pode ser finalizado após o consumo total do substrato, ou seja, quando a quantidade de metano acumulada for igual à teórica (Penna, 1995), o que poderia levar de horas a semanas. A maioria dos pesquisadores prefere adotar uma solução mais prática, encerrando o teste quando a produção acumulada de metano sai da fase exponencial e entra na fase estacionária. Nesse caso é preciso verificar se a produção acumulada de metano ao final da fase exponencial atingiu o mínimo de 50% da produção teórica.

Agitação e controle de temperatura

Deve-se garantir, durante o teste de AME, que haja suficiente contato da biomassa com o substrato e que não haja limitação de transferência de massa do substrato e nutrientes. Sendo assim é comum incubar os frascos de reação sob agitação constante, muito embora não haja na literatura resultados conclusivos sobre a influência da agitação intermitente, e do tipo de agitador utilizado (agitação orbital versus agitação magnética) nos testes de AME. Penna (1994) sugeriu que para lodo de esgoto sanitário seria possível uma simplificação da metodologia substituindo a agitação mecanizada contínua pela agitação manual intermitente. Resultados preliminares de pesquisa em andamento (Souto, 2006) demonstraram que se a agitação magnética for muito intensa, os valores de AME podem ser menores que os valores obtidos com a agitação orbital e com a agitação intermitente (agitação dos frascos uma vez por dia). Esses resultados parecem demonstrar que a agitação muito intensa com barras magnéticas pode levar à ruptura dos flocos microbianos, afetando consequentemente a transferência de produtos e substratos entre os microrganismos do consórcio anaeróbio.

Com relação à temperatura, há consenso na literatura de que o teste de AME deva ser feito na faixa de 30 a 35 ºC, para que os microrganismos metanogênicos mesofílicos tenham as melhores condições de crescimento. Alguns pesquisadores utilizam a temperatura de 30 ºC (Chernicharo, 1997; Souza et al, 2005) enquanto outros preferem a temperatura de 35 ºC (Alves et al, 2005; Monteggia, 1997; FDZ-Polanco, 2005). Como o teste de AME indica a capacidade de formação de metano, o valor de AME obtido pode ser usado para se determinar a carga orgânica que poderia ser aplicada no reator anaeróbio contendo determinada massa de lodo. Contudo, deve-se avaliar criticamente o resultado do teste de AME, uma vez que os reatores anaeróbios em operação nas estações de tratamento ficam submetidos à variação sazonal de temperatura, e raramente trabalham na faixa de temperatura ideal para a atividade metanogênica. Sendo assim, o resultado de AME determinado em laboratório pode superestimar a capacidade de conversão dos microrganismos metanogênicos no reator exposto a condições ambientais diferentes. Pesquisa em andamento (Souto, 2006) se propõe a avaliar a influência da temperatura no resultado da AME, possibilitando a determinação de coeficiente empírico que permita converter os valores de AME obtidos a 30ºC ou 35 ºC para outras temperaturas.

MÉTODOS DE MEDIÇÃO DO BIOGÁS

Há diferentes métodos para a medição de biogás produzido no teste de AME, os quais podem ser classificados em manométricos ou volumétricos.

Métodos manométricos

Os métodos manométricos se baseiam na medição da pressão exercida sobre um sensor (membrana trasdutora de pressão) acoplado ao frasco de reação. Dependendo da configuração do sistema a pressão medida pode ser devido à mistura de gases do biogás, que é constituído principalmente por metano e dióxido de carbono, ou devido somente ao metano. Como é possível, através de calibração do sistema, estabelecer uma correlação entre a pressão medida e a quantidade de metano presente dentro do frasco de reação, o registro diário da pressão permite determinar a taxa diária de produção de metano e, por conseguinte, o valor da AME.

A grande vantagem do método manométrico é a possibilidade de se acoplarem os medidores de pressão a microcomputadores, permitindo assim o monitoramento instantâneo e a automação do processo, enquanto que a principal desvantagem está relacionada ao custo de aquisição e manutenção dos equipamentos. Um exemplo de respirômetro é apresentado na Figura 1, e vários autores já desenvolveram equipamentos semelhantes para a determinação da AME usando o procedimento manométrico (James et al, 1990; Chernicharo & Campos, 1991; Cohen, 1991; Chernicharo et al, 1997; Monteggia, 1991; FDZ-Polanco et al, 2005; Louzada et al, 2005).


O sistema mostrado na Figura 1 consistia de 8 frascos de reação de 1 L submersos em um banho termostatizado, sendo a mistura do seu conteúdo feita com agitadores magnéticos. O sistema de medição de gás era constituído de uma válvula solenóide de 3 vias controlada por um medidor de pressão (manômetro ou transdutor de pressão), de tal forma que duas vias (vias 1 e 2 indicadas na Figura 1) ficavam normalmente abertas permitindo a comunicação do frasco de reação com o reservatório de gás. No decorrer do ensaio de AME a pressão no frasco de reação e no reservatório de gás aumentava e era registrada progressivamente pelo manômetro até atingir um valor limite. Quando a pressão detectada no manômetro atingia o limite estipulado, o controlador emitia um sinal elétrico para a válvula solenóide para fechar a via de entrada para o reator (via 1) e abrir a via de purga (via 3). Isso fazia com que a pressão do sistema fosse aliviada devido à liberação do gás acumulado no reservatório. Após a despressurização o controlador enviava um novo sinal para a válvula para fechar a via 3 e abrir novamente as vias 1 e 2, iniciando assim um novo ciclo (Ince et al, 1995). Outros respirômetros utilizam sistemas de medição semelhantes, substituindo o manômetro por transdutores de pressão (Cohen, 1991; Chernicharo et al, 1997; FDZ-Polanco et al, 2005).

É importante ressaltar que os procedimentos manométricos só dispensam o uso de cromatógrafo caso haja a absorção do dióxido de carbono em etapa prévia à medição de pressão. Nos respirômetros utilizados por James et al (1990), Chernicharo & Campos (1991), Monteggia (1991), Ince et al (1995) e Chernicharo et al (1997), a pressão registrada correspondia às pressões parciais do gás carbônico e metano e, por isso a determinação cromatográfica dos gases era necessária para quantificação do metano produzido. Recentemente, FDZ-Polanco et al (2005) desenvolveram um respirômetro acoplado a um sistema de absorção de gás carbônico (Figura 2), de forma que a pressão medida pelo trasdutor é devida apenas ao gás metano.


Um outro sistema respirométrico que pode ser utilizado e, que também utiliza a concepção de absorção do gás carbônico previamente à medição de pressão, é uma adaptação do kit comercial Oxitop® disponível no mercado e usualmente empregado nas determinações da demanda bioquímica de oxigênio (DBO).

A determinação da DBO com o sistema Oxitop® (Figura 3) se baseia no fato de que durante a respiração aeróbia haverá consumo de oxigênio dissolvido na fase líquida, com conseqüente reposição pelo oxigênio molecular presente na fase gasosa. Desta forma a pressão parcial do oxigênio no headspace tende a diminuir devido à reposição do oxigênio consumido pela atividade microbiana. Como há, durante a degradação aeróbia, produção de gás carbônico, é preciso que se tenha um dispositivo para sua absorção antes que a pressão seja medida, de forma que a queda de pressão devido ao consumo de oxigênio seja percebida e quantificada corretamente. Nos equipamentos Oxitop®, a absorção de gás carbônico é feita por pastilhas de NaOH colocadas em uma ‘cestinha’ suspensa, através da qual os gases são obrigados a passar antes de atingirem o trasdutor de pressão.


Com base no exposto é possível adaptar o equipamento Oxitop® para sua utilização nas determinações de AME, só que nesse caso o equipamento registraria acréscimos de pressão, devido à produção de metano, ao invés da redução de pressão devido ao consumo de oxigênio.

No processo manométrico é preciso calibrar o equipamento e determinar a constante do frasco (K, em unidade de volume/unidade de pressão), de forma que o volume do biogás produzido (V, em unidade de volume) possa ser relacionado à pressão medida (P, em unidade de pressão) através da Equação 1 (Chernicharo, 1997):

A determinação experimental da constante K pode ser feita através da calibração de frascos de reação contendo um volume de água correspondente ao volume líquido utilizado no teste com o lodo. Para minimizar, durante o teste de calibração, a solubilização de gases na água, principalmente do CO2, deve-se utilizar água previamente saturada com NaCl. A simulação da produção de gás seria feita injetando-se, a cada 30 minutos ou outra frequência mais conveniente, quantidades conhecidas de uma mistura padrão contendo gás carbônico e metano em concentrações conhecidas. O acréscimo de pressão registrado pode ser então relacionado com a quantidade de metano adicionada, possibilitando a determinação de K (Figura 4).


Métodos volumétricos

Os métodos volumétricos se baseiam na determinação do volume de biogás ou metano produzido em um frasco reacional que contém o lodo a ser testado. A literatura reporta três metodologias comumente utilizadas que empregam procedimentos volumétricos: i) medição do volume e composição do biogás, ii) medição apenas da composição do biogás, iii) medição direta do volume de metano.

Medição do volume e composição do biogás

Nesse procedimento, frascos de vidro (tipo antibiótico por exemplo) são inoculados com lodo a ser testado, substrato e solução de nutrientes, e incubados à 30 oC por um período que varia de 7 a 20 dias. O teste deve ser finalizado quando a produção acumulada de metano se estabilizar, ou seja, é fundamental que a taxa máxima de produção de metano (ponto de máxima inclinação na curva obtido em gráfico tipo "volume acumulado de metano" versus "tempo de incubação") seja obtida antes que o teste seja encerrado. O monitoramento da produção de metano pode ser feito diariamente com o auxílio de uma seringa esmerilhada (que não ofereça resistência ao deslocamento), e a determinação da composição do biogás amostrado pode ser feita por cromatografia gasosa.

Nesse procedimento a produção volumétrica de metano é calculada diariamente, multiplicando-se o volume de biogás pela porcentagem de metano no biogás. A porcentagem de metano no biogás pode ser encontrada a partir de uma curva de calibração construída injetando-se volumes fixos de diferentes gases padrão que contenham metano em diferentes porcentagens, ou injetando-se diferentes volumes de um mesmo gás padrão. A taxa máxima de produção de metano pode ser obtida ao se construir um gráfico temporal da produção acumulada de metano. A AME pode ser então determinada no gráfico "volume acumulado de metano" versus "tempo de incubação" (Figura 5), pelo coeficiente angular no trecho de maior inclinação. Deve-se assegurar que a taxa máxima seja determinada no trecho linear que corresponda ao consumo mínimo de 50% do substrato adicionado.


Como o resultado de AME é geralmente expresso como gDQOCH4/gSSV.d, é preciso conhecer também a massa de lodo inoculada (em gramas de SSV), bem como converter a produção volumétrica de metano (Ex. ml CH4/d) em DQO (gDQO/d). Isso pode ser feito sabendo-se o coeficiente estequiométrico de oxidação do metano (Equação 2).

A Equação 2 mostra que 1 mol de metano equivale a 2 moles de O2 ou 64 g de DQO. Como 1 mol de qualquer gás, na CNTP (O ºC e 1 atm), ocupa um volume de 22,7 L, pode-se dizer que 1 g de DQO destruída equivale, na CNTP, a 0,354 L de metano formado. Como as condições do teste de AME não se encontram na CNTP, é preciso usar a Equação 3 para ajustar a relação teórica:

Supondo que o teste de AME seja feito em um laboratório localizado em uma região onde a pressão atmosférica é de 1 atm, e sendo a temperatura de incubação de 30 ºC (303 K), tem-se:

Ou seja, nas condições em que a produção de metano foi determinada, 1 mol de metano ocupará um volume de 25,19 L. Desta forma é possível dizer que a 30 ºC e 1 atm, 394 ml de metano produzido equivalem a 1 g de DQO destruída. Através dessa correlação é possível expressar a taxa máxima de produção de metano determinada graficamente em equivalentes de DQO (gDQOCH4/d).

Medição apenas da composição do biogás

De forma similar ao procedimento descrito anteriormente, frascos de vidro (tipo antibiótico por exemplo) são inoculados em triplicata com lodo anaeróbio, substrato e solução de nutrientes, e incubados até que a produção acumulada de metano se estabilize. A diferença principal para o método descrito anteriormente está relacionada à forma de medição do metano produzido. Nesse caso o monitoramento da produção de metano é feito diariamente amostrando-se um volume fixo de biogás (Ex. 0,5 ml) de dentro do frasco de reação e deteminando-se a quantidade de metano (massa ou número de moles) produzida, por cromatografia gasosa (Steil et al, 2004).

A grande vantagem dessa metodologia é que ela dispensa a medição do volume de biogás e o uso de seringas de vidro. Por outro lado sua grande desvantagem reside no fato de que o frasco de reação trabalha sob pressões muito maiores, aumentando o risco de perda de biogás, principalmente durante o procedimento de amostragem do volume fixo. Além do mais, para evitar erros na construção da curva de calibração, é preciso que o volume de biogás amostrado seja exato (Ex. 1 ml), uma vez que esse volume determinará a quantidade de metano injetada no cromatógrafo.

Por ser um gás pouco solúvel, a quantidade de metano presente na fase líquida é desprezada na metodologia de AME descrita na seção anterior, uma vez que a pressão no interior do frasco é "zerada" (igualada à atmosférica) periodicamente. Entretanto, no procedimento em que se mede apenas a composição do biogás, um pequeno volume de gás é amostrado periodicamente, causando a elevação contínua da pressão no interior do frasco de reação. Nesse caso a solubilização do metano não pode ser desprezada, e necessita ser calculada.

A solubilidade de metano em água pode ser facilmente calculada pela Lei de Henry, conforme a Equação 5 (Manahan, 1994).

Onde:

Xl = concentração metano dissolvida (mol.L-1)

K = Constante da Lei de Henry (Para CH4 a 25ºC, K = 1,34.10-3 mol.L-1.atm-1)

Pg = pressão parcial do metano (atm), função da pressão total e da % de metano no headspace (PCH4 = Ptotal × %CH4)

Conhecendo-se os volumes da fase líquida e gasosa, pode-se encontrar então a quantidade de metano produzida a partir da Equação 6.

Onde:

n = quantidade de metano dentro do frasco (em moles)

Xg = concentração de metano determinada na fase gasosa (em mol.L-1)

Vg = volume (em L) da fase gasosa (headspace)

Xl = concentração de metano calculada na fase líquida (em mol.L-1)

Vl = volume da fase líquida

O inconveniente do procedimento descrito acima é a necessidade de se saber a pressão dentro do frasco para se determinar de forma exata a quantidade de metano dissolvida.

Para se determinar a produção diária de metano é preciso construir uma curva de calibração que relacione número de moles de metano no headspace com a área sob o pico de metano separado e detectado por cromatografia gasosa (Figura 6). Conforme discutido anteriormente, isso pode ser feito injetando-se diferentes quantidades de um gás contendo porcentagem fixa de metano, ou volumes fixos de gases contendo diferentes porcentagens de metano. Por sua vez, o número de moles de metano que é injetada no cromatógrafo durante a construção da curva de calibração é obtido conhecendo-se o volume de metano injetado bem como a temperatura e pressão local.


A curva de calibração permite então que o número de moles de metano produzido diariamente no frasco de reação seja determinado a partir da injeção de um volume fixo de amostra (Ex. 1 ml). Uma vez conhecido o número de moles de metano produzido diariamente, pode-se obter a produção diária em termos de ml CH4/d, bem como a produção acumulada em termos de gDQOCH4 conforme raciocínio desenvolvido anteriormente. De forma similar, o valor da AME, em gDQOCH4/gSSV.d, pode ser calculado conhecendo-se a quantidade de lodo usada como inóculo (g SSV) e a taxa máxima de produção de metano (gDQOCH4/d) obtida no trecho de maior inclinação.

Medição direta do volume de metano

A única diferença entre o "método de medição do volume e composição" descrito anteriormente e o "método da medição direta de metano" é que, para se medir o volume de apenas metano, deve-se lavar o biogás com uma solução de soda (Ex. NaOH 15%) para que haja a absorção do CO2 de acordo com as seguintes reações:

Esse procedimento assume que o CO2 e o CH4 são os principais constituíntes do biogás formado durante o teste de AME. Essa consideração é válida uma vez que em pH neutro a maior parte da amônia (NH3) e metade do sulfeto de hidrogênio (H2S), se presentes, estarão ionizados e dissolvidos na fase líquida como NH4+ e HS-.

Diferentes grupos de pesquisa brasileiros usam esta metodologia (Rocha et al, 2001; Alves et al, 2005), e o monitoramento da produção de metano também é feito diariamente, com o auxílio de uma seringa conectada a um recipiente para absorção do CO2. A grande vantagem dessa metodologia é que ele dispensa o cromatógrafo para determinação da composição do biogás. Por isso essa técnica tem baixo custo e pode ser implementada em, literalmente, qualquer laboratório de monitoramento, e mesmo em ETEs pequenas sem grande capacidade de infra-estrutura. A medição de metano do biogás pode ser realizada como ilustrado na Figura 7.


A Figura 7 mostra que o volume de metano produzido pode ser aferido medindo-se o volume do biogás lavado (Aparato I), ou o volume de solução de hidróxido deslocado pelo gás lavado (Aparato II). No "Aparato I" pode-se, no momento da leitura, conectar o frasco de incubação ao frasco de NaOH por meio de um sistema "agulha-mangueira latex-agulha", de forma que a introdução da agulha da seringa esmerilhada no septo do frasco de NaOH cause a automática despressurização do frasco de incubação. Como o gás entra no frasco de NaOH abaixo do nível da solução, garante-se que o gás medido na seringa esmerilhada seja predominantemente metano. No caso do "Aparato II", o sistema "agulha-mangueira latex-agulha" também seria usado para conectar o frasco de incubação ao frasco de NaOH, entretanto a despressurização do frasco de incubação será seguida da expulsão de solução de soda, que corresponde ao volume deslocado pelo metano. O volume de metano produzido pode ser conhecido através da medição do volume ou peso da soda expulsa do frasco. Caso se opte pela pesagem do liquido também deve ser conhecida a densidade da solução alcalina. A grande vantagem do "Aparato I" é a sua simplicidade e a dispensa da necessidade de recomposição periódica do volume da solução de NaOH, enquanto que a vantagem do "Aparato II" é a dispensa do uso das seringas esmerilhadas. Salienta-se que para o correto funcionamento dos aparatos I e II, as mangueiras utilizadas nas conexões "agulha-mangueira-agulha" devem ser impermeáveis a gases (Ex.: mangueiras tipo "cristal" ou de látex, impermeáveis a gases).

Uma vez conhecido o volume de metano produzido diariamente, pode-se obter a produção acumulada em termos de gDQOCH4/d conforme raciocínio desenvolvido anteriormente. De forma similar, o valor da AME, em gDQOCH4/gSSV.d, pode ser calculado conhecendo-se a quantidade de lodo usada como inóculo (g SSV) e a taxa máxima de produção de metano (gDQOCH4/d) obtida no trecho de maior inclinação e que corresponda a uma utilização de, pelo menos, 50% do substrato adicionado.

CONCLUSÕES

Esse artigo apresentou uma revisão sobre os diferentes testes normalmente utilizados para a determinação da atividade metanogênica específica (AME) de lodos anaeróbios. Apesar do esforço de alguns pesquisdores, não há, na literatura nacional e internacional, consenso sobre as melhores condições de incubação do lodo (concentração de biomassa, tipo e concentração de substrato, relação alimento/microrganismo, tipo e concentração de nutrientes, tempo de incubação), bem como procedimentos de medição de metano (manométricos, volumétricos) para a execução do teste.

A não existência de um procedimento padrão para a determinação da AME, dificulta a comparação dos resultados obtidos por diferentes estudos, e limita a aplicabilidade e disseminação do teste de AME como ferramenta de controle dos processos anaeróbios. Dessa forma é importante que novas pesquisas investiguem a possiblidade de harmonização do teste de AME, tanto pela adoção de procedimentos comuns de incubação do lodo, como pela avaliação da confiabilidade dos diferentes métodos de medição do metano durante o teste.

Recebido: 21/07/06 Aceito: 26/03/07

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  • Endereço para correspondência:
    Sérgio F. Aquino
    Departamento de Química
    Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP
    Campus Morro do Cruzeiro
    35400-000 Ouro Preto – Minas Gerais - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Mar 2007
    • Recebido
      21 Jul 2006
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