Acessibilidade / Reportar erro

Nova abordagem do Índice de Qualidade de Água Bruta utilizando a Lógica Fuzzy

A new approach to the Raw Water Quality Index using the Fuzzy Logic

Resumos

Na análise de desempenho das estações de tratamento de água, as características do afluente adquirem significativa importância. No Brasil, o Índice de Qualidade das Águas Brutas para Fins de Abastecimento Público (IAP) e o Índice de Qualidade da Água Bruta (IQAB), desenvolvidos segundo modelos determinísticos, prestam-se a avaliar a tratabilidade das águas naturais. Todavia, o IAP tem baixa aplicabilidade devido ao custo de implantação, e o IQAB ainda necessita de ajustes com relação aos parâmetros de entrada e critérios de pontuação. Na busca por modelo não determinístico, capaz de lidar com as incertezas, a não linearidade dos parâmetros e o conhecimento de especialistas, foi utilizada a Lógica Fuzzy em nova abordagem para o IQAB. Aplicado em seis mananciais da Região Sudeste, o Índice de Qualidade de Água Bruta Fuzzy (IQABF) apresentou-se mais restritivo, mais consistente para quantificação dos parâmetros e mais flexível para ajustes futuros, apesar de manter praticamente a mesma hierarquização entre os mananciais avaliados.

índice de qualidade de água bruta; Lógica Fuzzy; tratamento de água


For the performance evaluation of water treatment plants, the raw water quality presents significant relevance. In Brazil, the Index of Quality of Raw Water for Public Supply (IAP) and the Index of Quality of Raw Water (IQAB), developed according to deterministic models, can evaluate the treatability of natural waters. However, the IAP presents a high cost for actual implementation and the IQAB needs some adjustments related to the input parameters and grading criteria. Aiming at a non-deterministic model, able to deal with uncertain, nonlinearity of the parameters and expert knowledge, Fuzzy Logic was applied to a new approach of the IQAB. The Fuzzy Raw Water Quality Index (IQABF), in comparison with the original IQAB, presented more restrictive, more consistent and more flexible for future adjustments. Its application for six water sources of Southeast Region showed practically the same hierarchy in terms of the treatability in comparison with the original IQAB.

raw water quality index; Fuzzy Logic; water treatment


INTRODUÇÃO

Índice de qualidade de água

A informação sobre a qualidade da água bruta é fundamental para a definição da tecnologia adequada para o tratamento com objetivo de abastecimento público, bem como para a avaliação do desempenho da própria estação. A escolha do manancial é precedida de inspeção sanitária da bacia hidrográfica e de profundo estudo da qualidade da água. No monitoramento da qualidade da água dos mananciais são utilizados índices que têm como proposta retratar, por meio de um número, a qualidade da água nos pontos de interesse. Os resultados podem ser expressos em mapas hidrográficos com escalas de cores nos trechos dos cursos d'água, tornando a comunicação direta e mais inteligível ao público em geral.

A primeira apresentação formal de um índice de qualidade da água (IQA) deve-se a Horton (1965)HORTON, R.K. (1965) An index-number system for rating water quality. J Water Pollution Control Federation, v. 37, n. 3, p. 300-306.. Brown et al. (1970)BROWN, R.M.; MCLELLAND, N.J.; DEININGER, R.A.; TOZER, R.G. (1970) A Water Quality Index Do We Dare? Water & Sewage Works, p. 339-343. desenvolveram IQA similar à estrutura de Horton, a partir de estudo financiado pela National Sanitation Foundation (NSF), denominado IQA-NSF. Foi utilizada a técnica Delphi, tendo como base a opinião de 142 especialistas para a definição dos parâmetros de interesse. Para cada parâmetro integrante do IQA foram atribuídos pesos e, posteriormente, elaboraram-se curvas que representassem a variação da qualidade da água produzida pelas várias possíveis medidas do parâmetro. As nove curvas utilizadas para o cálculo do IQA constituíram-se das curvas médias obtidas das respostas de todos os painelistas. Os nove parâmetros que o compõem e seus respectivos pesos são: oxigênio dissolvido (OD) (17%), coliformes termotolerantes (15%), pH (12%), demanda bioquímica de oxigênio (DBO) (10%), fosfato total (10%), nitrato (10%), temperatura (10%), turbidez (8%) e sólidos totais (8%). A presença de agrotóxicos, metais pesados e elementos tóxicos no curso d'água leva o IQA a um valor nulo, por serem substâncias consideradas prejudiciais aos seres humanos, aos animais e à vida aquática.

Embora comumente utilizado no Brasil e em vários países, o IQA tem sofrido restrições devido ao seu caráter reducional, à sobreposição de parâmetros — tais como DBO, OD, turbidez e sólidos totais — e ao fato de a seleção dos parâmetros não considerar a finalidade de uso da água. Adicionalmente, o IQA contempla um número muito limitado de parâmetros biológicos e físico-químicos (ZAVALA et al., 2010ZAVALA, M.A.L.; ZUNIGA, H.C.; MAHLKNECHT, J. (2010) Application of a Harmonized Water Quality Index In: World Water Congress. Anais... Canadá: International Water Association (IWA), p. 19-24. CD-ROM.). Com base nessas considerações, o IQA-NSF vem sofrendo modificações ao longo do tempo.

As primeiras variações do IQA-NSF ocorreram com a criação dos índices desenvolvidos por Prati et al. (1971)PRATI, L.; PAVANELLO, R.; PESARIN, F. (1971) Assessment of surface water quality by a single index of pollution. Water Research, v. 5, n. 9, p. 741-751. e Dinius (1972)DINIUS, S.H. (1972) Social accounting system for evaluating water Water Resources Research, v. 8, n. 5, p. 1159-1177., que incluíram no IQA parâmetros como carbono orgânico, sólidos dissolvidos, amônia, cloreto, ferro, manganês, ABS (benzeno), condutividade, dureza, alcalinidade, cor (ABBASI, 2005ABBASI, S.A. (2005) Water Quality Indices - State-of-the-art Center for Pollution Control & Energy Technology. Pondicherry University. Disponível em: <http:/www.nih.ernet.in/general/águade20%Qualidde%20Indices.doc>. Acesso em: 30 nov. 2010.
http://www.nih.ernet.in/general/águade20...
). Posteriormente, desenvolveram-se índices direcionados para uso predefinido da água, tais como os trabalhos apresentados por Walski e Parker (1974), Dinius (1987)DINIUS, S.H. (1987) Design of an Index of Water Quality. Water Resources Bulletin, v. 23, n. 5, p. 833-843., Stonner (1978) e Bhargava (1985)BHARGAVA, D.S. (1985) Expression for drinking water supply standards. ASCE, v. 111, n. 3, p. 304-317..

Mais recentemente, visando a universalizar os índices de qualidade de água existentes foram desenvolvidos:

  • Índice Universal de Qualidade da Água (UWQI) tendo como base o uso da água para consumo humano e as normas europeias (BOYACIOGLU, 2007BOYACIOGLU, H. (2007) Development of a water quality index based on a European classification scheme. Water SA, v. 33, n. 1, p. 101-106. Disponível em: <http://ajol.info/index.php/wsa/article/view/47882>. Acesso em: 19 out. 2010.
    http://ajol.info/index.php/wsa/article/v...
    );

  • Índice Global de Qualidade da Água, desenvolvido pela United Nations Environment Programme Global, Environment Monitoring System (UNEP-GEMS), estabelecido com base nos critérios legais da Ásia, África, América, Europa e Oceania (UNEP-GEMS, 2007). Trata-se de associação de três índices: Drinking Water Quality Index (DWQI), Source Water Quality Index (SWQI) e Acceptability Water Quality Index (AWQI).

Considerando as incertezas e a não linearidade dos parâmetros de interesse na gestão da qualidade das águas, foram desenvolvidos índices utilizando técnicas de inteligência artificial, tais como Lógica Fuzzy (OCAMPO-DUQUE et al., 2006OCAMPO-DUQUE, W.; FERRÊ-HUGUET, N.; DOMINGO, J.L.; SCHUHMACHER, M. (2006) Assessing water quality in rivers with fuzzy inference systems: a case study. Environment International, v. 6, n. 32, p. 733-742. Disponível em: <http://ac.els-cdn.com/S0160412006000407/1-s2.0-S0160412006000407-main.pdf?_tid=42bd804e-22bc-11e2-ade1-00000aacb35d&acdnat=1351620454_d51c8dc47bdbb52269a46786bad676b9>. Acesso em: 5 out. 2012.
http://ac.els-cdn.com/S0160412006000407/...
; LERMONTOV et al., 2009LERMONTOV, A.; YOKOYAMA, L.; LERMONTOV, M.; MACHADO, M.A.S. (2009) River quality analysis using fuzzy water quality index: Ribeira do Iguape river watershed, Brazil. Ecological Indicators, v. 9, n. 6, p. 1188-1197. Disponível em: <http://ac.els-cdn.com/S1470160X09000363/1-s2.0-S1470160X09000363-main.pdf?_tid=b8b1fc26-22b7-11e2-b8a0-00000aab0f02&acdnat=1351618504_43d606930b53626ca40d45bc19ec984e. Acesso em: 10 out. 2012.
http://ac.els-cdn.com/S1470160X09000363/...
; LISBÔA et al., 2011LISBÔA, E.G.; LOPES JUNIOR, E.P.M.; BARP, A.R.B. (2011) Proposição de um Índice de Qualidade da Água: Uma Abordagem Fuzzy. In:Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 26 Anais... Porto Alegre: ABES.; GHARIBI et al., 2012GHARIBI, H.; MAHVI, A.H.; NABIZADEH, R.; ARABALIBEIK, H.; YUNESIAN, M.; SOWLAT, M.H. (2012) A novel approach in water quality assessment based on fuzzy logic. Journal of Environmental Management, n. 112, p. 87-95.), Redes Neurais (ZHANG & STANLEY, 1999ZHANG, Q. & STANLEY S. (1999) Real-Time water treatment process control with artificial neural networks. Journal of Environmental Engineering, v. 125, n. 2, p. 153-160.; SINGH et al., 2009SINGH, K.P.; BASANT, A.; MALIK, A.; JAIN, G. (2009) Artificial neural network modeling of the river water quality — A case study. Ecological Modelling, n. 220, p. 888-895. Disponível em: <http://ac.els-cdn.com/S0304380009000283/1-s2.0-S0304380009000283-main.pdf?_tid=1ddd1fd0-22be-11e2-bb93-00000aacb361&acdnat=1351621251_ce9bfe980b3ea3d0d1c4b960eabe666b>. Acesso em: 10 out. 2012.
http://ac.els-cdn.com/S0304380009000283/...
) e Neuro-Fuzzy (YAN et al., 2010YAN, H.; ZOU Z.; WANG, H. (2010) Adaptive neuro fuzzy inference system for classification of water quality status. Science Direct on line Journal of Environmental Sciences, v. 22, n. 12, p. 1891-1896.). Em todos esses estudos foi realizada a comparação com o IQA-NSF e suas variações, sendo observado que, apesar de os índices apresentarem a mesma tendência, a resposta dos índices desenvolvidos com técnica de inteligência artificial é mais restritiva. Nessa vertente, alguns índices foram desenvolvidos tendo como objetivo o uso específico da água. Utilizando a Lógica Fuzzy destacam-se os trabalhos de Gharibi et al. (2012)GHARIBI, H.; MAHVI, A.H.; NABIZADEH, R.; ARABALIBEIK, H.; YUNESIAN, M.; SOWLAT, M.H. (2012) A novel approach in water quality assessment based on fuzzy logic. Journal of Environmental Management, n. 112, p. 87-95., que propuseram um índice de qualidade da água bruta direcionado para o consumo do gado leiteiro, e o de Kahraman e Kaya (2009)KAHRAMAN, C. & KAYA, I. (2009) Fuzzy process capability indices for quality control of irrigation water. Stochastic Environmental Research and Risk Assessment, v. 23, n. 4, p. 451-462., que apresentaram um índice de controle da qualidade da água para irrigação.

Direcionado ao tratamento da água para potabilização foram desenvolvidos, no Brasil, o Índice de Qualidade das Águas Brutas para Fins de Abastecimento Público (IAP) e o Índice de Qualidade da Água Bruta (IQAB).

O IAP associa o IQA, adaptado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do estado de São Paulo (CETESB), com o Índice de Substâncias Tóxicas e Organolépticas (ISTO). O IQA-CETESB é uma modificação do IQA-NSF com substituição do nitrato pelo nitrogênio total. O ISTO é composto pelo grupo de substâncias tóxicas e que afetam a qualidade organoléptica: potencial de formação de trihalometanos (PFTHM), número de células de cianobactérias, cádmio, chumbo, cromo total, mercúrio, níquel, ferro, manganês, alumínio, cobre e zinco. Teve como referência os padrões estipulados na Resolução CONAMA n° 357/05 e na Portaria n° 518/04 (vigente à época), e, em casos omissos nessas legislações, balizou-se nos limites da Organização Mundial da Saúde (OMS) (CETESB, 2008). Tal índice tem baixa aplicabilidade devido ao número de parâmetros não rotineiramente monitorados pelos sistemas de abastecimento de água, o que faz com que tenha um custo elevado de implementação.

Considerando as mencionadas sobreposições do IQA e que a maioria dos mananciais de abastecimento há de apresentar baixos valores de DBO e significativa concentração de OD (muitas vezes próximo à saturação) — parâmetros que respondem por 27% do índice —, as respostas obtidas com o IQA, de mananciais escolhidos para abastecimento, tenderiam a resultados de mesma magnitude. Nesse contexto, parâmetros que representam papel relevante no tratamento, como cor verdadeira e contagem de algas, deveriam ser considerados, pois são importantes balizadores para distinção da tratabilidade das águas naturais, mesmo sendo aquele último subliminarmente contemplado no IQA. Nesse contexto, Souza e Libânio (2009)SOUZA, M.E.T.A. & LIBÂNIO, M. (2009) Proposta de Índice de Qualidade da Agua Bruta (IQAB) afluente a estações convencionais de tratamento. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 4, p. 471-478. desenvolveram o IQAB utilizando a metodologia Delphi, com painel composto por 24 especialistas, tendo como referência águas classe 2, inodoras, sem gosto e com agrotóxicos e metais pesados virtualmente ausentes. O IQAB é composto por oito parâmetros cujos pesos podem ser observados na Figura 1.

Figura 1
Relação dos parâmetros integrantes do Índice de Qualidade da Água Bruta e respectivos pesos (%).

No desenvolvimento desse índice os parâmetros e os pesos foram definidos pelo método Delphi; entretanto, as curvas de pontuação foram desenvolvidas com base no conhecimento técnico científico dos autores, podendo ser considerada uma fragilidade. O fato de não se monitorar cor verdadeira na maioria das estações brasileiras, e sim cor aparente, pode ser considerado uma segunda fragilidade do índice.

Um possível questionamento a cerca das sobreposições no índice pode ser associado à presença de algas e cianobactérias. Entretanto, entende-se que algas são um parâmetro mais abrangente associado à definição da tecnologia de remoção de sólidos (sedimentação ou flotação) e à possibilidade de colmatação dos filtros. A presença de cianobactérias é mais preocupante devido ao seu potencial de liberação de toxinas na água por senescência ou lise celular.

Adicionalmente, a rotina de monitoramento proposta pela Resolução CONAMA n° 357/05 e pelas Portarias n° 518/04 e n° 2914/11 para os mananciais não é atendida na íntegra pelas concessionárias de abastecimento de água pertencentes ao universo amostral, principalmente as de pequeno porte, tornando irrisório o número de dados disponíveis referentes aos parâmetros cianobactérias, algas/clorofila-a, ferro e manganês.

Lógica Fuzzy

A teoria dos conjuntos Fuzzy foi introduzida por Zadeh (1965)ZADEH, L.A. (1965) Fuzzy sets. Information and Control, n. 8, p. 338-353. Disponível em: <http://www-bisc.cs.berkeley.edu/Zadeh-1965.pdf>. Acesso em: 5 out. 2012.
http://www-bisc.cs.berkeley.edu/Zadeh-19...
e utilizada na lógica, na modelagem e no controle Fuzzy. Segundo Gomide e Gudwin (1994)GOMIDE, F.A.C. & GUDWIN, R.R. (1994) Modelagem, controle, sistemas e lógica fuzzy. SBA controle & Automação, v. 4 n. 3, p. 97-115. Disponível em: <ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gudwin/publications/RevSBA94.pdf>. Acesso em: 20 out. 2012.
ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gu...
, na Lógica Fuzzy os conceitos são expressos comumente por termos linguísticos em vez de valores quantitativos. Para atribuir significado numérico aos termos linguísticos, utilizam-se conjuntos Fuzzy definidos sobre um universo de valores quantitativos. O conhecimento do processo é expresso por meio de regras do tipo condição-ação, do tipo "se-então", associadas às variáveis de entrada e saída do modelo. A Lógica Fuzzy é apropriada aos sistemas ambientais, uma vez que tem a capacidade de refletir o pensamento humano, lidar com informações não lineares que possuem um grau de subjetividade e trabalhar com informações quantitativas e qualitativas (GHARIBI et al., 2012GHARIBI, H.; MAHVI, A.H.; NABIZADEH, R.; ARABALIBEIK, H.; YUNESIAN, M.; SOWLAT, M.H. (2012) A novel approach in water quality assessment based on fuzzy logic. Journal of Environmental Management, n. 112, p. 87-95.).

A modelagem e o controle Fuzzy são técnicas utilizadas quando é difícil identificar a equação que descreve exatamente um sistema. Especialmente em casos de sistemas complexos que envolvam múltiplas variáveis, como sistemas não lineares, ou que variem ao longo do tempo, e quando se tem o conhecimento do sistema por especialistas como operadores ou projetistas. Sua aplicação resulta em resultados mais acurados, além de apresentar desempenho estável e robusto (GOMIDE & GUDWIN, 1994GOMIDE, F.A.C. & GUDWIN, R.R. (1994) Modelagem, controle, sistemas e lógica fuzzy. SBA controle & Automação, v. 4 n. 3, p. 97-115. Disponível em: <ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gudwin/publications/RevSBA94.pdf>. Acesso em: 20 out. 2012.
ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gu...
).

Com base nessas informações e no fato de a Lógica Fuzzy proporcionar uma forma razoável e simples de interpolação, com muito menos dados e dados inexatos (GOMIDE & GUDWIN, 1994GOMIDE, F.A.C. & GUDWIN, R.R. (1994) Modelagem, controle, sistemas e lógica fuzzy. SBA controle & Automação, v. 4 n. 3, p. 97-115. Disponível em: <ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gudwin/publications/RevSBA94.pdf>. Acesso em: 20 out. 2012.
ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gu...
), entende-se ser tal técnica apropriada para o desenvolvimento de um índice mais acurado do que o IQAB, direcionado à tratabilidade das águas superficiais pela tecnologia convencional de potabilização.

Nesse contexto, o objetivo geral deste trabalho consistiu em apresentar nova abordagem de desenvolvimento para o IQAB, proposto por Souza e Libânio (2009)SOUZA, M.E.T.A. & LIBÂNIO, M. (2009) Proposta de Índice de Qualidade da Agua Bruta (IQAB) afluente a estações convencionais de tratamento. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 4, p. 471-478., utilizando a Lógica Fuzzy.

METODOLOGIA

Tratamento dos dados

Foram utilizados dados operacionais referentes ao período de 2003 a 2011 de seis sistemas de abastecimento de água dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, operados por concessionárias estaduais e autarquias municipais. Todos os sistemas têm captação superficial com vazão média afluente às respectivas estações de tratamento variando de 36 a 5.400 L.s−1.

Obtidos junto aos gestores dos sistemas, foram utilizados dados diários extraídos dos relatórios de controle operacional. Os parâmetros relacionados à água bruta são: algas/clorofila-a, Escherichia coli, cor aparente, cianobactérias, ferro, manganês, pH e turbidez, necessários ao cálculo dos índices propostos. Os dados da água bruta foram submetidos a tratamento estatístico com identificação de dados censurados e atípicos.

Os valores censurados são frequentes em dados de monitoramento na área ambiental e ocorrem quando as concentrações da amostra estão muito perto de zero, podendo ficar abaixo do limite de detecção (LD) dos métodos analíticos. A presença de dados censurados pode interferir no cálculo de estatísticas descritivas, levando a estimadores enviesados de médias, variâncias e de outros parâmetros da população, além de dificultar a utilização de testes de diferenças entre grupos. A prática mais comumente adotada em estudos ambientais para tratamento de dados censurados consiste na substituição destes por valor correspondente à metade do limite de detecção (LD/2). A United States Environmental Protection Agency (USEPA, 2006) recomenda que esse método não seja utilizado para séries com mais de 15% de dados censurados.

As observações atípicas podem ser consideradas outliers ou dados inconsistentes. Tais dados são substancialmente diferentes do restante e sua ocorrência pode indicar características reais da população ou erros de medição ou registro, o que pode distorcer seriamente os resultados dos testes estatísticos.

Os erros de medição ou registro foram determinados com base nos limites da literatura e da NBR 12.216/92 para o parâmetro pH, para o qual valores fora da faixa de 5 a 9 foram considerados inconsistentes e excluídos da amostra

Segundo Grubbs e Beck (1972)GRUBBS, F.E. & BECK, G. (1972) Extension of sample sizes and percentage points for significance tests of outlying observations. Techometrics, v. 14, n. 4, p. 847-854., a identificação dos outliers pode ser realizada utilizando o método exploratório dos interquartis (IQ): amplitude dos dados entre os percentis 25 e 75%. O dado cujo valor está entre 1,5 e 3,0 × IQ abaixo ou acima dos percentis 25 e 75% são considerados outliers, e aqueles cuja diferença é maior que 3,0 × IQ são considerados valores extremos. Estes dados foram mantidos no banco de dados, pois podem ocorrer naturalmente em alguns dos processos estudados.

Como já comprovado por diversos autores, dados ambientais apresentam distribuição não normal e assimetria positiva, o que dificulta a aplicação de métodos paramétricos. Dessa forma, foi verificada a normalidade dos dados da água bruta por meio do teste gráfico em papel de probabilidade normal, referido como Normal Probability Plot, associado ao teste Shapiro-Wilk para nível de significância de 5%. O software utilizado para elaboração dos testes foi o Statistica 7 (STATSOFT, 2007).

Elaboração do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy

Para desenvolvimento do Índice de Qualidade de Água Bruta Fuzzy (IQABF) foram utilizados os mesmos parâmetros definidos pela metodologia Delphi quando do desenvolvimento do IQAB, com substituição da cor verdadeira pela cor aparente.

Os oito parâmetros de interesse foram divididos em dois grupos para formulação do Índice Biológico Fuzzy (IBF) e do Índice Físico- Químico Fuzzy (IFQF), que por sua vez determinaram o IQABF. Na Figura 2apresenta-se a estrutura do sistema.

Figura 2
Fluxograma do sistema de inferência Fuzzy utilizado para desenvolvimento do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy.

Utilizando a caixa de ferramentas Fuzzy do MATLAB foram desenvolvidas as seguintes etapas:

1. Definição das funções para cada parâmetro de entrada

Foram utilizadas funções trapezoidais nas pontas e triangulares nos meios, segundo equações 1 e 2, forma frequentemente encontrada nos trabalhos técnicos da área.

(1) Triangular: f ( x ; a , b , c ) = { ( a x ) O x < a or c < x ( a b ) ¯ a x b ( c x ) ¯ b x c ( c b ) ¯ }
(2) Trapezoidal: f ( x ; a , b , c ) = { ( a x ) O x < a or d < x ( a b ) ¯ a x b ( d x ) 1 ¯ b x c ( d c ) ¯ c x d }

Os parâmetros de entrada da primeira etapa do sistema foram particionados em três subconjuntos Fuzzy: Baixo (B), Médio (M) e Alto (A). A saída dessa primeira etapa teve como resposta os índices IBF e IFQF, divididos em cinco subconjuntos Fuzzy: Péssimo (P), Ruim (R), Regular (RG), Bom (B) e Ótimo (OT). Conforme o fluxograma da Figura 2 denota, esses índices constituem na entrada da segunda etapa do sistema que tem como saída o IQABF, cuja classificação linguística é a mesma para os índices biológico e físico-químico. As funções de entrada e saída foram representadas conforme ilustrado na Figura 3 sendo que o eixo vertical está representado pelos graus de pertinência (intervalo de 0 a 1), e o eixo horizontal, pelo parâmetro de entrada (intervalo variável) ou índice de saída (intervalo de 0 a 100), em análise.

Figura 3
Representação das funções de pertinência para os parâmetros de entrada e saída do Índice Biológico Fuzzy, do Índice Físico-Químico Fuzzy e do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy.

As faixas estipuladas para cada função foram definidas com base nos limites máximos e mínimos encontrados no banco de dados, nos limites estabelecidos pela Resolução CONAMA n° 357/05 para águas classe 2 e no limite de tratabilidade de uma estação convencional apresentado na literatura por Kawamura (2000)KAWAMURA, S. (2000) Integrated design and operation of water treatment facilities. 2 ed. USA. 628 p. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=cOQKKRUNGrwC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 10 out. 2012.
http://books.google.com.br/books?id=cOQK...
e pela NBR 12216 (ABNT, 1992). As faixas estipuladas para os índices foram definidas com base no IQA-CETESB, como apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Linguagem e faixa utilizadas para Índice Biológico Fuzzy, Índice Físico-Químico Fuzzy e Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy.

2. Definição das operações da Lógica Fuzzy

As operações utilizadas no sistema são do tipo interseção, união e complementação dos conjuntos, como expresso pelas equações 3, 4 e 5 (ROSS, 2010ROSS, T.J. (2010) Fuzzy Logic with Engineering applications. 2nd ed. England: Wiley. 607 p.):

(3) AND:μ A B ( x ) = μ A (x ) μ B ( x ) = mín ( μ A ( x ) , μ B ( x ) )
(4) OR:μ A B ( x ) = μ A ( x ) μ B ( x ) = máx ( μ A ( x ) , μ B ( x ))
(5) NOT :μ A (x)=1 μ A (x)

3. Definição das regras de inferência da Lógica Fuzzy

As regras têm a função de definir as relações entre os subconjuntos Fuzzy de entrada e saída. As especificações foram definidas com base nos dados disponibilizados referentes aos seis mananciais e ao peso estabelecido para cada parâmetro quando do desenvolvimento do IQAB pelo método Delphi. A modelagem das regras pode acontecer de duas formas: modelo clássico, tendo como expoente os modelos de Mandani e Larsen, e os de interpolação, compreendendo os modelos de Takagi-Segeno e Tsukamoto. Este estudo foi desenvolvido segundo método Mandani (Figura 4) com regras do tipo "se-então" e operador matemático Mín-Máx (ROSS, 2010ROSS, T.J. (2010) Fuzzy Logic with Engineering applications. 2nd ed. England: Wiley. 607 p.).

Figura 4
Método Mandani com composição máx-mín.

4. Determinação dos valores de saída

Nesta etapa ocorre a transformação dos valores qualitativos de saída em valores numéricos que possam ser utilizados para análise comparativa. O método que merece destaque nesta etapa é o Método do Centro de Gravidade (MCG). Tal método corresponde à determinação do centro de gravidade da união de áreas definidas pelas regras. A Figura 4 apresenta um diagrama da composição das regras e defuzzificação utilizando o método Mandani.

Determinação do Índice de Qualidade da Água Bruta

Para determinação do IQAB foi utilizada a formulação proposta por Souza e Libânio (2009)SOUZA, M.E.T.A. & LIBÂNIO, M. (2009) Proposta de Índice de Qualidade da Agua Bruta (IQAB) afluente a estações convencionais de tratamento. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 4, p. 471-478., apresentada pela Equação 6. A partir dos dados operacionais médios diários referentes às características da água bruta dos mananciais pertencentes ao espaço amostral, foram calculados os valores de IQAB médio diário.

(6) IQAB= i = l n q i w i
  • Na qual:

  • Wi: peso atribuído a cada parâmetro definido na pesquisa de opinião;

  • Qi: pontuação atribuída ao parâmetro observada nas curvas de qualidade;

  • I: cada parâmetro incluído no índice;

  • n: número de parâmetros.

Análise e interpretação dos resultados

Para cada índice foram realizados (LEVINE et al., 2008LEVINE, D.M.; STEPHAN, D.F.; KREHBIEL, T.C.; BERENSON, M.L. Estatística: teoria e aplicações. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 752 p.; HAIR et al., 2009HAIR, J.F.; ANDERSON, R.E.; TATHAM, R.L.; BLACK, W.C. (2009) Análise multivariada de dados. 6 ed. Porto Alegre: Bookman. 688 p.):

  • teste de hipótese não para-métrico de Kruskal Wallis seguido do teste de comparações múltiplas, com nível de significância de 5%, para comparação entre os seis mananciais;

  • teste U de Mann-Whitney, com nível de significância de 5%, para comparação entre os períodos hidrológicos.

Buscando identificar se existe diferença significativa entre os dois índices, foi aplicado o teste T de Wilcoxon para amostras pareadas, com nível de significância de 5%.

Concluindo a análise, foi determinada a correlação linear entre os dois índices utilizando o coeficiente de correlação de Spearman para verificar se tais indicadores apresentam a mesma tendência de resposta.

Na Região Sudeste o regime hidrológico é caracterizado por período seco entre os meses de maio a agosto e período chuvoso de novembro a março, além dos meses de transição (abril, setembro e outubro). Dessa forma, esta análise permitiu contemplar as distintas características das águas naturais dos mananciais em estudo, bem como sua variação em função do período hidrológico, além da tendência de respostas dos dois índices.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As características dos seis mananciais podem ser verificadas na Tabela 2.

Tabela 2
Características dos sistemas estudados.

Nos mananciais 1 e 2 não há monitoramento de algas/clorofila-a e cianobactérias, e nos demais mananciais há monitoramento com número ínfimo de dados. Tal situação se deve ao fato de o monitoramento de clorofila-a não ser exigência legal (Portarias n° 518/04 e 2914/11). A floração de algas é uma situação incomum de ser observada em ambientes lóticos, condição dos mananciais em estudo. Para que tal condição se manifestasse dependeria de uma série de fatores como temperatura, luminosidade, disponibilidade de nutrientes, além do tempo de retenção da água. Nesses casos, é recomendado o monitoramento com frequência mensal, nem sempre realizado. Pode ocorrer floração de algas nesses ambientes no final de um período seco após estiagem mais severa, como ocorrido em 2007 no Rio das Velhas, na região central de Minas Gerais. Relatos recentes indicam a ocorrência de florações sucessivas no Rio Doce em condições semelhantes (JARDIM et al., 2014JARDIM, F.A.; VON SPERLING, E.; JARDIM, B.F.M.; ALMEIDA, K.C.B. (2014) Fatores determinantes das florações de cianobactérias na água do Rio Doce, Minas Gerais, Brasil. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 19, n. 3, p. 207-218.).

Os dados censurados foram substituídos pela metade do limite de detecção (LD/2), e a ausência de qualquer parâmetro, a não ser algas e cianobactérias, determinou a exclusão do dia da amostra.

A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva dos dados consolidados, referentes aos mananciais pertencentes ao universo amostral. Pela análise do coeficiente de assimetria constata-se que os parâmetros apresentam assimetria positiva ou assimetria à direita, com exceção da clorofila-a e do pH, que possuem pequena assimetria negativa ou à esquerda com tendência à normalidade, por apresentarem valores mais próximos de 0 (zero).

Tabela 3
Estatística descritiva dos dados referentes aos seis mananciais.

Utilizando-se o teste gráfico Normal Probability Plot com teste Shapiro- Wilk (Figura 5), evidenciou-se que, para nível de significância de 5%, os parâmetros não podem ser representados por distribuição normal, nem mesmo os parâmetros clorofila-a e pH, devendo ser utilizados testes estatísticos não para-métricos para a interpretação dos resultados.

Figura 5
Teste de normalidade para os parâmetros clorofila-a e pH.

Determinação do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy

A divisão dos parâmetros de interesse em dois grupos se fez necessária, em função do grande número de regras que teriam de ser desenvolvidas caso todos os parâmetros fossem tratados como um único sistema (38= 6.561 regras).

Na Tabela 4 apresentam-se os valores máximos e mínimos do banco de dados para cada parâmetro, bem como os limites da legislação e literatura. Esses dados foram utilizados para a composição das funções de pertinência e termos linguísticos utilizados nos subconjuntos de entrada do sistema, como apresentado na Tabela 5.

Tabela 4
Valores mínimos e máximos dos parâmetros da água bruta dos seis mananciais pertencentes ao banco de dados e limites da legislação e literatura.
Tabela 5
Função de pertinência Fuzzy e termos linguísticos utilizados para parâmetros de entrada da primeira parte do sistema utilizado no cálculo do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy.

Como os mananciais não apresentam indícios de floração de algas, foi considerada pontuação igual a 100 para os dias com ausência de dados de clorofila-a e cianobactérias.

As funções e os termos linguísticos utilizados nos subconjuntos de saída foram desenvolvidos como apresentado na Tabela 6.

Tabela 6
Função de pertinência Fuzzy e termos linguísticos utilizados nos subconjuntos de saídas.

A Figura 6 ilustra a função da clorofila-a (como parâmetro de entrada) e do IQABF (como parâmetro de saída).

Figura 6
Representação das funções de pertinência para clorofila-a (parâmetro de entrada) e Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy (parâmetro de saída).

Foram definidas ao todo 295 regras, sendo 27 (33) para a determinação do IBF, 243 (35) para determinação do IFQF e 25 (52) para determinação do IQABF Algumas regras são apresentadas a seguir:

Para determinação do IBF:

  • R1 → Se Ciano=B, Clorofila-a=B e E.coli=B, então IBF=OT;

  • R2 → Se Ciano=B, Clorofila-a=B e E.coli=M, então IBF=B;

  • R11 → Se Ciano=M, Clorofila-a=B e E.coli=M, então IBF=RG;

  • R19 → Se Ciano=M, Clorofila-a=A e E.coli=M, então IBF=R;

  • R25 → Se Ciano=A, Clorofila-a=A e E.coli=B, então IBF=R;

  • R26 → Se Ciano=A, Clorofila-a=A e E.coli=M, então IBF=P.

Para determinação do IFQF:

  • R10 → Se Turbidez=B, Cor=B, pH=M, Ferro=B e Manganês=B, então IFQF=OT;

  • R37 → Se Turbidez=B, Cor=M, pH=M, Ferro=B e Manganês=B, então IFQF=B;

  • R98 → Se Turbidez=M, Cor=B, pH=M, Ferro=A e Manganês=M, então IFQF=RG;

  • R125 → Se Turbidez=M, Cor=M, pH=M, Ferro=A e Manganês=M, então IFQF=R;

  • R208 → Se Turbidez=A, Cor=M, pH=M, Ferro=A e Manganês=A, então IFQF=P.

Para determinação do IQABF:

  • R2 → Se IBF=P e IFQF=R, então IQABF=P;

  • R9 → Se IBF=R e IFQF=B, então IQABF=R;

  • R15 → Se IBF=RG e IFQF=OT, então IQABF=RG;

  • R20 → Se IBF=B e IQF=OT, então IQABF=B;

  • R25 → Se IBF=OT e IFQF=OT, então IQABF=OT.

Conforme salientado, como não há indícios de floração de algas nos mananciais, foi considerado valor nulo, na ausência de informações, para os parâmetros clorofila-a e cianobactérias.

Na Tabela 7 apresenta-se a mediana do IQABF por manancial considerando o conjunto de dados e os períodos hidrológicos.

Tabela 7
Mediana do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy para os mananciais.

Determinação do Índice de Qualidade da Água Bruta

O cálculo do IQAB foi realizado utilizando a formulação proposta por Souza e Libânio (2009)SOUZA, M.E.T.A. & LIBÂNIO, M. (2009) Proposta de Índice de Qualidade da Agua Bruta (IQAB) afluente a estações convencionais de tratamento. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 4, p. 471-478.. Alguns ajustes tiveram de ser realizados, conforme descrito a seguir:

  • como os mananciais não apresentam indícios de floração de algas, foi considerada pontuação igual a 100 para os dias com ausência de dados de clorofila-a e cianobactérias;

  • os dados de cor fornecidos pelos sistemas reportam-se à cor aparente, pois não há monitoramento da cor verdadeira (por não ser exigência legal). Analisando os gráficos de dispersão, observou-se significativa correlação entre os registros de cor aparente e turbidez da água bruta (R2≈91%), sendo possível afirmar que a cor verdadeira é baixa nos sistemas estudados. Utilizando cor aparente no cálculo do IQAB minimizou-se a pontuação deste parâmetro, já que para valores de cor verdadeira acima de 120 uH a pontuação é igual a 30, para um peso de 19% dentro do índice. Dessa forma, o valor do IQAB calculado foi menor do que o real.

Na Tabela 8 apresenta-se a mediana do IQAB por manancial considerando o conjunto de dados e os períodos hidrológicos.

Tabela 8
Mediana do Índice de Qualidade da Água Bruta para os mananciais.

Análise dos índices e validação do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy

O teste Kruskal-Wallis para o nível de significância de 5% indicou que há diferença significativa entre os valores de tendência central dos dois índices nos mananciais estudados. Com o teste de comparações múltiplas, foi possível indicar que há diferença significativa entre o Manancial 4 e os demais mananciais (Figura 7). Constata-se com essas informações que o Manancial 4 possui água em melhores condições de tratabilidade, quando comparado aos demais.

Figura 7
Comparação entre o Índice de Qualidade da Água Bruta e Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy em função dos mananciais.

Ainda analisando a Figura 7 pode-se afirmar que o IQABF é um pouco mais restritivo do que o IQAB. Tal afirmativa é corroborada pelo teste de hipótese T de Wilcoxon, como observado na Figura 8.

Figura 8
Comparação entre o valor de tendência central do Índice de Qualidade da Água Bruta e do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy.

Pela Figura 9 observa-se que o IQAB é maior nos períodos secos, período em que a qualidade água bruta apresenta baixa variabilidade e, usualmente, melhor qualidade. Esta afirmativa é corroborada pelo teste U de Mann-Whitney, para nível de significância de 5%, que identifica diferença significativa entre os valores de IQAB e IQABF dos períodos seco e chuvoso.

Figura 9
Comparação da variabilidade do Índice de Qualidade da Água Bruta e do Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy em função do período hidrológico.

CONCLUSÕES

A partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que:

  • Utilizando-se a Lógica Fuzzy e o modelo de Mandani e Larsen obtiveram-se valores do IQAF com mediana de 37 a 78. Comparando o IQABF para os seis mananciais pode-se concluir que o Manancial 4 possui água de melhor qualidade para fins de potabilização pela tecnologia convencional, quando comparado aos demais.

  • A despeito de apresentar resultados inferiores aos obtidos com a formulação original do IQAB — ainda que mantendo praticamente a mesma hierarquização entre os seis mananciais avaliados —, a Lógica Fuzzy mostrou-se mais consistente para a quantificação de cada um dos oito parâmetros integrantes do índice do que as curvas anteriormente elaboradas para o IQAB, favorecendo sua aplicação como ferramenta de avaliação da qualidade dos mananciais pelas concessionárias de abastecimento de água. No mesmo contexto, com relação ao período hidrológico, os valores de tendência central obtidos com os dois índices para cada manancial apresentaram a mesma tendência de resposta (Figura 10), afirmativa corroborada pela correlação linear de Spearman (R=95%).

  • Por fim, a limitação mais proeminente à aplicação em escala real do IQABF ainda prende-se aos parâmetros clorofila-a e algas, não rotineiramente monitorados em diversos mananciais, como o número de dados considerados viáveis para os mananciais 5 e 6 testifica.

Figura 10
Correlação linear entre Índice de Qualidade da Água Bruta e Índice de Qualidade da Água Bruta Fuzzy.

Contudo, a Lógica Fuzzy parece conferir ao índice maior flexibilidade com relação às futuras e necessárias adaptações em função das peculiaridades de cada manancial, havendo de favorecer sua aplicação pelos gestores dos sistemas de abastecimento de água.

  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparto à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

REFERÊNCIAS

  • ABBASI, S.A. (2005) Water Quality Indices - State-of-the-art Center for Pollution Control & Energy Technology. Pondicherry University. Disponível em: <http:/www.nih.ernet.in/general/águade20%Qualidde%20Indices.doc>. Acesso em: 30 nov. 2010.
    » http://www.nih.ernet.in/general/águade20%Qualidde%20Indices.doc
  • ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. (1992) NBR 12.216: Projeto de estação de tratamento de água para abastecimento público. Rio de Janeiro: ABNT. 18 p.
  • BHARGAVA, D.S. (1985) Expression for drinking water supply standards. ASCE, v. 111, n. 3, p. 304-317.
  • BOYACIOGLU, H. (2007) Development of a water quality index based on a European classification scheme. Water SA, v. 33, n. 1, p. 101-106. Disponível em: <http://ajol.info/index.php/wsa/article/view/47882>. Acesso em: 19 out. 2010.
    » http://ajol.info/index.php/wsa/article/view/47882
  • BRASIL (2004). MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria 518, de 25 de março de 2004. Procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Ministério da Saúde, 2004, 15 p. (Substituída pela Portaria 2914/11).
  • BRASIL (2005). CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução CONAMA 357/05 Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459. Acesso em: 20 out. 2009.
    » http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459
  • BRASIL (2011). MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria 2914, de 12 de dezembro de 2011. Procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Ministério da Saúde, 2011, 34 p.
  • BROWN, R.M.; MCLELLAND, N.J.; DEININGER, R.A.; TOZER, R.G. (1970) A Water Quality Index Do We Dare? Water & Sewage Works, p. 339-343.
  • CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (2008). Qualidade das Águas interiores no Estado de São Paulo, Apêndice B, Índices de Qualidade da Água, Critérios de avaliação da qualidade dos sedimentos e indicador de controle de fontes. São Paulo. Governo do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente. 29 f. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/Agua/rios/publicacoes.asp>. Acesso em: 12 nov. 2010.
    » http://www.cetesb.sp.gov.br/Agua/rios/publicacoes.asp
  • DINIUS, S.H. (1972) Social accounting system for evaluating water Water Resources Research, v. 8, n. 5, p. 1159-1177.
  • DINIUS, S.H. (1987) Design of an Index of Water Quality. Water Resources Bulletin, v. 23, n. 5, p. 833-843.
  • GHARIBI, H.; MAHVI, A.H.; NABIZADEH, R.; ARABALIBEIK, H.; YUNESIAN, M.; SOWLAT, M.H. (2012) A novel approach in water quality assessment based on fuzzy logic. Journal of Environmental Management, n. 112, p. 87-95.
  • GOMIDE, F.A.C. & GUDWIN, R.R. (1994) Modelagem, controle, sistemas e lógica fuzzy. SBA controle & Automação, v. 4 n. 3, p. 97-115. Disponível em: <ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gudwin/publications/RevSBA94.pdf>. Acesso em: 20 out. 2012.
    » ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/gudwin/publications/RevSBA94.pdf
  • GRUBBS, F.E. & BECK, G. (1972) Extension of sample sizes and percentage points for significance tests of outlying observations. Techometrics, v. 14, n. 4, p. 847-854.
  • HAIR, J.F.; ANDERSON, R.E.; TATHAM, R.L.; BLACK, W.C. (2009) Análise multivariada de dados 6 ed. Porto Alegre: Bookman. 688 p.
  • HORTON, R.K. (1965) An index-number system for rating water quality. J Water Pollution Control Federation, v. 37, n. 3, p. 300-306.
  • JAFELICE, R.S.M.; BARROS, L.C.; BASSANEZI, R.C. (2012) Teoria dos Conjuntos Fuzzy com aplicações. Notas em Matemática Aplicada, v. 17. 119 p. Disponível em: <http://www.sbmac.org.br/arquivos/notas/livro_17.pdf>. Acesso em: 20 de out. 2012.
    » http://www.sbmac.org.br/arquivos/notas/livro_17.pdf
  • JARDIM, F.A.; VON SPERLING, E.; JARDIM, B.F.M.; ALMEIDA, K.C.B. (2014) Fatores determinantes das florações de cianobactérias na água do Rio Doce, Minas Gerais, Brasil. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 19, n. 3, p. 207-218.
  • KAHRAMAN, C. & KAYA, I. (2009) Fuzzy process capability indices for quality control of irrigation water. Stochastic Environmental Research and Risk Assessment, v. 23, n. 4, p. 451-462.
  • KAWAMURA, S. (2000) Integrated design and operation of water treatment facilities. 2 ed. USA. 628 p. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=cOQKKRUNGrwC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 10 out. 2012.
    » http://books.google.com.br/books?id=cOQKKRUNGrwC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
  • LEVINE, D.M.; STEPHAN, D.F.; KREHBIEL, T.C.; BERENSON, M.L. Estatística: teoria e aplicações. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 752 p.
  • LERMONTOV, A.; YOKOYAMA, L.; LERMONTOV, M.; MACHADO, M.A.S. (2009) River quality analysis using fuzzy water quality index: Ribeira do Iguape river watershed, Brazil. Ecological Indicators, v. 9, n. 6, p. 1188-1197. Disponível em: <http://ac.els-cdn.com/S1470160X09000363/1-s2.0-S1470160X09000363-main.pdf?_tid=b8b1fc26-22b7-11e2-b8a0-00000aab0f02&acdnat=1351618504_43d606930b53626ca40d45bc19ec984e. Acesso em: 10 out. 2012.
    » http://ac.els-cdn.com/S1470160X09000363/1-s2.0-S1470160X09000363-main.pdf?_tid=b8b1fc26-22b7-11e2-b8a0-00000aab0f02&acdnat=1351618504_43d606930b53626ca40d45bc19ec984e
  • LISBÔA, E.G.; LOPES JUNIOR, E.P.M.; BARP, A.R.B. (2011) Proposição de um Índice de Qualidade da Água: Uma Abordagem Fuzzy. In:Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 26 Anais... Porto Alegre: ABES.
  • MATLAB (2010) The MathWorks, Inc., version 7.0.
  • OCAMPO-DUQUE, W.; FERRÊ-HUGUET, N.; DOMINGO, J.L.; SCHUHMACHER, M. (2006) Assessing water quality in rivers with fuzzy inference systems: a case study. Environment International, v. 6, n. 32, p. 733-742. Disponível em: <http://ac.els-cdn.com/S0160412006000407/1-s2.0-S0160412006000407-main.pdf?_tid=42bd804e-22bc-11e2-ade1-00000aacb35d&acdnat=1351620454_d51c8dc47bdbb52269a46786bad676b9>. Acesso em: 5 out. 2012.
    » http://ac.els-cdn.com/S0160412006000407/1-s2.0-S0160412006000407-main.pdf?_tid=42bd804e-22bc-11e2-ade1-00000aacb35d&acdnat=1351620454_d51c8dc47bdbb52269a46786bad676b9
  • PRATI, L.; PAVANELLO, R.; PESARIN, F. (1971) Assessment of surface water quality by a single index of pollution. Water Research, v. 5, n. 9, p. 741-751.
  • ROSS, T.J. (2010) Fuzzy Logic with Engineering applications 2nd ed. England: Wiley. 607 p.
  • SINGH, K.P.; BASANT, A.; MALIK, A.; JAIN, G. (2009) Artificial neural network modeling of the river water quality — A case study. Ecological Modelling, n. 220, p. 888-895. Disponível em: <http://ac.els-cdn.com/S0304380009000283/1-s2.0-S0304380009000283-main.pdf?_tid=1ddd1fd0-22be-11e2-bb93-00000aacb361&acdnat=1351621251_ce9bfe980b3ea3d0d1c4b960eabe666b>. Acesso em: 10 out. 2012.
    » http://ac.els-cdn.com/S0304380009000283/1-s2.0-S0304380009000283-main.pdf?_tid=1ddd1fd0-22be-11e2-bb93-00000aacb361&acdnat=1351621251_ce9bfe980b3ea3d0d1c4b960eabe666b
  • SOUZA, M.E.T.A. & LIBÂNIO, M. (2009) Proposta de Índice de Qualidade da Agua Bruta (IQAB) afluente a estações convencionais de tratamento. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 4, p. 471-478.
  • STATSOFT, INC. (2007) Statistica (data analysis software system), version 7
  • STONER, J.D. (1978) Water Quality Indices of Specific Water Use, U.S. Geological Survey, Reston, Y.A. Circular 140-770.
  • USEPA - United States Environmental Protection Agency. (2006) Data Quality Assessment: Statistical Methods for Practitioners Disponível em: <http://www.epa.gov/QUALITY/qs-docs/g9s-final.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2010.
    » http://www.epa.gov/QUALITY/qs-docs/g9s-final.pdf
  • UNEP-GEMS - United Nations Envronment Programme GlobalEnvironment Monitoring System (2007) Global drinking water quality index development and sensitivity analysis report Disponível em: <http://www.twentyten.net/LinkClick.aspx?fi1eticket=qnibZr%2FtUlA%3D&tabid=84&mid=776>. Acesso em: 20 nov. 2010.
    » http://www.twentyten.net/LinkClick.aspx?fi1eticket=qnibZr%2FtUlA%3D&tabid=84&mid=776
  • YAN, H.; ZOU Z.; WANG, H. (2010) Adaptive neuro fuzzy inference system for classification of water quality status. Science Direct on line Journal of Environmental Sciences, v. 22, n. 12, p. 1891-1896.
  • ZADEH, L.A. (1965) Fuzzy sets. Information and Control, n. 8, p. 338-353. Disponível em: <http://www-bisc.cs.berkeley.edu/Zadeh-1965.pdf>. Acesso em: 5 out. 2012.
    » http://www-bisc.cs.berkeley.edu/Zadeh-1965.pdf
  • ZAVALA, M.A.L.; ZUNIGA, H.C.; MAHLKNECHT, J. (2010) Application of a Harmonized Water Quality Index In: World Water Congress. Anais... Canadá: International Water Association (IWA), p. 19-24. CD-ROM.
  • ZHANG, Q. & STANLEY S. (1999) Real-Time water treatment process control with artificial neural networks. Journal of Environmental Engineering, v. 125, n. 2, p. 153-160.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2013
  • Aceito
    10 Abr 2014
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: esa@abes-dn.org.br