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Estudo da atividade metanogênica específica de diferentes lodos anaeróbios

Study of specific methanogenic activity of different anaerobic sludges

RESUMO

O estudo da atividade metanogênica específica (AME) constitui uma importante ferramenta para o controle operacional de reatores anaeróbios, pois apresenta parâmetros de monitoramento da eficiência e estabilidade de um reator biológico. Nesse sentido, o presente trabalho visou determinar a AME de lodos provenientes de reatores anaeróbios de fluxo ascendente (UASB - upflow anaerobic slugde blanket) de duas indústrias cervejeiras (lodos A e B), uma de processamento de grãos (lodo C), uma leiteira (lodo D) e uma de processamento de couro (lodo E). Os ensaios foram conduzidos em batelada, em ambiente aclimatado a 35°C, utilizando um equipamento para monitorar a geração de biogás em função do tempo de digestão. Também foi realizada a qualificação do gás metano presente no biogás gerado pelos diferentes lodos. O maior valor de AME obtido e a maior porcentagem do gás metano produzido, para uma concentração de biomassa de 5,0 gSTV.L-1 e 4,0 gDQO.L-1 de glicose, foram para o lodo B: 0,36 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 e 58,9%, respectivamente.

Palavras-chave:
atividade metanogênica específica; metano; lodos anaeróbios; reator anaeróbio de fluxo ascendente (UASB)

ABSTRACT

The study of Specific Methanogenic Activity (SMA) is an important tool for operational control of anaerobic reactors, as it presents parameters to monitor the efficiency and stability of a biological reactor. For this reason, the present article aimed to determine the SMA of sludges from UASB reactors, of two different brewing industries (sludges A and B), a grain processing industry (sludge C), a dairy industry (sludge D), and a leather processing industry (sludge E). Assays were performed in batch, at an acclimatized environment (35°C), using a device equipment to monitor the generation of biogas due to digestion time. Also, the quantity of methane gas was measured in the biogas generated by the different sludges. The best SMA value obtained and the greater percentage of methane gas generated, with a biomass concentration of 5.0 gSTV.L-1, and a glucose concentration of 4.0 gCOD.L-1, were for sludge B, with 0.36 gCOD-CH4.gSTV-1.d-1 and 58.9%, respectively.

Keywords:
specific methanogenic activity; methane; anaerobic sludge; upflow anaerobic sludge blanket

INTRODUÇÃO

A eficiência do processo de digestão anaeróbia é influenciada pela atividade metanogênica específica (AME) do lodo, isto é, seu potencial máximo de transformar os substratos, tais como acetato e H2.CO2 -1, em metano, a partir de condições otimizadas em laboratório, adicionando quantidades conhecidas de biomassa (gSTV) e de substratos (gDQO) (AQUINO et al., 2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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; CHERNICHARO, 2007CHERNICHARO, C.A.L. (2007) Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora da UFMG.; HYARIC et al., 2011HYARIC, R.L.; CHARDIN, C.; BENBELKACEM, H.; BOLLON, J.; BAYARD, R.; ESCUDIÉ, R.; BUFFIÈRE, P. (2011) Influence of substrate concentration and moisture content on the specific methanogenic activity of dry mesophilic municipal solid waste digestate spiked with propionate. Bioresource Technology, v. 102, n. 2, p. 822-827. https://doi.org/10.1016/j.biortech.2010.08.124
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). Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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) definem AME como a capacidade máxima de produção de metano por consórcios de microrganismos anaeróbios, realizada em condições controladas de laboratório, para viabilizar a atividade bioquímica máxima de conversão de substratos orgânicos a biogás.

Os procedimentos para os testes de AME diferem-se no emprego da concentração de lodo, substrato e nutrientes, volume do headspace e quantificação do metano produzido (MONTEGGIA, 1991MONTEGGIA, L.O. (1991) The use of specific methanogenic activity for controlling anaerobic reactors. Dissertação (PhD) - University of Newcastle, Upon Tyne, 1991.; AQUINO et al., 2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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).

Uma vez que a produção de biogás é feita por bactérias, fatores que afetam a sobrevivência destas afetarão diretamente a formação do biogás. Alguns dos fatores mais importantes e que devem ser controlados são: estanqueidade ao ar - as bactérias metanogênicas são estritamente anaeróbias, portanto o reator deve ser perfeitamente vedado, impedindo a entrada de oxigênio; temperatura - as velocidades das reações bioquímicas são diretamente afetadas pela temperatura, ou seja, aumentando-se a temperatura, aumentam-se a produção de biogás e também a porcentagem de metano no biogás (faixa ideal de 30 a 40°C, com ótimo a 35°C); alcalinidade e pH - a instabilidade do reator é gerada pelo acréscimo da concentração de ácidos voláteis e as bactérias que produzem o metano sobrevivem numa faixa estreita de pH (6,5 a 7,5); nutrientes - os principais nutrientes para as populações microbianas são: nitrogênio, enxofre, fósforo, ferro, cobalto, níquel, molibdênio, selênio, riboflavina e vitamina B12 (KOUGIAS et al., 2014KOUGIAS, P.G.; FRANCISCI, D.; TREU, L.; CAMPANARO, S.; ANGELIDAKI, I. (2014) Microbial analysis in biogas reactors suffering by foaming incidents. Bioresource Technology, v. 167, p. 24-32. http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2014.05.080
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; PEREIRA-RAMIREZ et al., 2004PEREIRA-RAMIREZ, O.; QUADRO, M.S.; ANTUNES, R.M.; KOETZ, P.R. (2004) Influência da recirculação e da alcalinidade no desempenho de um reator UASB no tratamento de efluente de suinocultura. Revista Brasileira de Agrociência, v. 10, n. 1, p. 103-110. http://dx.doi.org/10.18539/cast.v10i1.664
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; POVINELLI et al., 2003POVINELLI, J.; NETO, C.O.A.; PINTO, D.L.; MONTENEGRO, M.H.; MACHADO, A.V.; BONDAROVSKY, S.H.; CLAPER, J.R.; FIGUEIREDO, C.M.P. (2003) Digestão anaeróbia de resíduos sólidos orgânicos e aproveitamento de biogás. Vitória: PROSAB - Rede Cooperativa de Pesquisas.).

No sentido de se avaliar a atividade metanogênica de diferentes grupos de microrganismos, diversas pesquisas estão sendo realizadas. Jawed e Tare (1999JAWED, M.; TARE, V. (1999) Microbial composition assessment of anaerobic biomass through methanogenic activity tests. Water AS, v. 25, n. 3, p. 345-350.) encontraram a faixa de valor para AME entre 0,1 e 1,0 gDQO-CH4.gSSV-1.d-1 para digestores em escala laboratorial. Alves et al. (2005ALVES, R.G.C.M.; BELLI FILHO, P.; PHILIPPI, L.S.; HENN, A.; MONTEIRO, L.W.S. (2005) Digestores anaeróbios para tratamento de dejetos suínos - avaliação de partida para diferentes configurações de reatores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 23., 2005, Campo Grande. Campo Grande: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.) realizaram o teste de AME a 35°C para lodos provenientes de um biodigestor de suínos, um de bovinos e mistura de suínos e bovinos, adicionando ao reator 5,0 gSTV.L-1 de lodo e 5,0 gDQO.L-1 de substrato, em regime de agitação. Como substrato, os autores optaram por utilizar uma solução de ácidos orgânicos (ácido acético, propiônico e butírico); a quantificação do volume gerado foi por meio da medição volumétrica de gás metano por deslocamento de líquido (os frascos de Mariotte foram preenchidos com uma solução de NaOH 5% para reter o CO2 produzido). Os resultados obtidos pelos autores foram: 0,0331 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 e 0,0565 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1, para os lodos de suínos e bovinos, respectivamente, e de 0,040 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1 para a mistura.

Em estudo realizado com esgoto sanitário produzido em um campus universitário tratado em reator anaeróbio de fluxo ascendente (UASB - upflow anaerobic slugde blanket), Bertolino, Carvalho e Aquino (2008BERTOLINO, S.M.; CARVALHO, C.F.; AQUINO, S.F. (2008) Caracterização e biodegradabilidade aeróbia e anaeróbia dos esgotos produzidos em campus universitário. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 13, n. 3, p. 271-277. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522008000300005
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) encontraram o valor médio para a AME no trecho de maior atividade do lodo anaeróbio, que foi de 0,0579 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1. O método utilizado foi baseado em Aquino et al. (2007), que recomenda 2 gSSV.L-1 de lodo sem agitação, e a relação de substrato/lodo foi de 0,225 gDQO.gSSV-1, sob temperatura controlada de 35°C.

Bezerra (2007BEZERRA, L.P. (2007) Desenvolvimento de um sistema on line, para a aquisição de parâmetros de projetos de reatores anaeróbios. Dissertação (Mestrado em Tecnologias Ambientais) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande.) realizou o teste de AME para dois lodos, de frigorífico e curtume. Em cada reator, inoculou 2 gSTV.L-1 de lodo na solução de nutrientes, sugerida por Chernicharo (1997CHERNICHARO, C.A.L. (1997) Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora da UFMG.), e o substrato. Os reatores foram incubados à temperatura de 30°C sob agitação de 50 rpm, além de uma agitação manual diária. O método para leitura do volume de gás gerado foi proposto por Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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), sendo esse o método da medição direta do volume de metano, no qual o gás passa por uma solução de hidróxido de sódio a 16%. Os resultados de AME obtidos para o lodo do curtume e de frigorífico foram 0,1043 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1 e 0,1887 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1, respectivamente.

Almeida et al. (2011ALMEIDA, M.T.; NUNES, W.A.; BLANK, D.E.; SCHAUN, C.D.; HERNANDEZ, A.C. (2011) Comparação entre atividade metanogênica específica de lodos anaeróbios tratando efluentes de conservas vegetais, laticínios e parboilização do arroz. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 20., 2011, Pelotas. Anais... Pelotas: Universidade Federal de Pelotas.) realizaram o estudo de atividade metanogênica para lodos de laticínios de um reator UASB, no qual obtiveram produção máxima de 0,040 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1. O teste ocorreu a 30°C sem agitação contínua, na concentração de 5,0 gSSV.L-1 de lodo, acetato de sódio na concentração de 4,0 g.L-1 e solução de nutrientes, de acordo com Monteggia (1991MONTEGGIA, L.O. (1991) The use of specific methanogenic activity for controlling anaerobic reactors. Dissertação (PhD) - University of Newcastle, Upon Tyne, 1991.) e Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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).

Visto que a AME é influenciada principalmente pelo tipo de biomassa e pelo substrato, além de outros parâmetros operacionais, o presente estudo teve por objetivo a determinação da AME de diferentes lodos anaeróbios provenientes de reatores UASB, sob condições ideais de crescimento.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os experimentos para determinar a AME foram realizados em garrafas em politereftalato de etileno (PET), designadas de reatores, com capacidade máxima de 2,5 L, sendo 2 L de volume reacional e 0,5 L de headspace. Para a leitura da composição gasosa, foram montados reatores idênticos aos utilizados para determinar a AME. Os frascos foram fechados hermeticamente e agitados uma vez ao dia, conforme descrito na norma alemã VDI 4630 (VDI, 2006VEREIN DEUTSCHER INGENIEURE (VDI). (2006) VDI 4630. Fermentation of organic materials: Characterization of the substrate, sampling, collection of material data, fermentation tests. Alemanha: VDI.).

Os reatores foram inoculados com lodos industriais de quatro diferentes indústrias, todos provenientes de reatores UASB, sendo indústria cervejeira A (lodo A - Região Sul do Brasil), cervejeira B (lodo B - Região Nordeste do Brasil), grãos (lodo C), leite (lodo D) e couro (lodo E). A concentração de lodo utilizada em cada reator foi de 5,0 gSTV.L-1, levando em consideração que, segundo Chernicharo (2007CHERNICHARO, C.A.L. (2007) Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora da UFMG.), os testes devem ser realizados com concentrações entre 2,0 e 5,0 gSTV.L-1.

O lodo foi adicionado a uma solução de nutrientes, cuja composição foi baseada no trabalho de Dolfing e Bloeman (1985DOLFING, J.; BLOEMAN, G.B.M. (1985) Activity measurements as a tool to characterize the microbial composition of methanogenic environments. Journal of Microbiological Methods, v. 4, n. 1, p. 1-12. https://doi.org/10.1016/0167-7012(85)90002-8
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), sendo composta de macronutrientes: - KH2PO4 (300 mg.L-1), K2HPO4 (400 mg.L-1), NaHCO3 (10.000 mg.L-1), NH4Cl (500 mg.L-1) - e micronutrientes - FeCl3·6H2O (2 mg.L-1), ZnCl2 (0,05 mg.L-1), CuCl2·2H2O (0,03 mg.L-1), MnCl2·4H2O (0,03 mg.L-1), (NH4)6Mo7O24·4H2O (0,05 mg.L-1), AlCl3·6H2O (0,05 mg.L-1), CoCl2·6H2O (2 mg.L-1), HCl (concentrado) (1 mL.L-1).

Os reatores foram incubados em uma incubadora refrigerada com agitação (Tecnal®, modelo TE-421), em ambiente com temperatura controlada de 35°C, durante 24 horas, diminuindo a incerteza do metano de origem endógena. Isso ocorre quando o substrato se torna escasso. Logo, os microrganismos buscam outras fontes de matéria orgânica. Essa prática evita que erros grosseiros aconteçam quando calculado o valor da AME (AQUINO et al., 2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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; VDI, 2006VEREIN DEUTSCHER INGENIEURE (VDI). (2006) VDI 4630. Fermentation of organic materials: Characterization of the substrate, sampling, collection of material data, fermentation tests. Alemanha: VDI.). Passado esse período, os reatores foram retirados da incubadora e adicionaram-se 4,0 gDQO.L-1 de glicose (substrato) como fonte de carbono para os microrganismos do consórcio. Chernicharo (2007CHERNICHARO, C.A.L. (2007) Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora da UFMG.) e Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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) descrevem que a concentração ideal de substrato está entre 2,0 e 4,0 gDQO.L-1. Em seguida, os reatores retornaram à incubadora, mantendo-se a 35 ± 1°C durante 144 horas (6 dias) (VDI, 2006VEREIN DEUTSCHER INGENIEURE (VDI). (2006) VDI 4630. Fermentation of organic materials: Characterization of the substrate, sampling, collection of material data, fermentation tests. Alemanha: VDI.).

A concentração de sólidos totais voláteis (STV) dos lodos anaeróbios estudados foi determinada conforme método descrito por Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (AWWA, 1998AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION (AWWA). (1998) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 20. ed. Washington, D.C.: American Public Health Association.).

A AME experimental foi calculada utilizando-se a Equação 1, proposta por Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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):

A M E = 1 X 0 . d V d t (1)

Em que:

  • AME =  parâmetro expresso em gDQO-CH4.gSTV-1.d-1;
  • X0 =  massa de biomassa (gSTV);
  • V =  volume de biogás gerado (mL);
  • t =  tempo de reação (d).

A relação do volume pelo tempo (dV.dt-1) foi obtida algebricamente no intervalo de maior inclinação da curva de geração de biogás. Para estimar a produção teórica de biogás de um efluente ou resíduo sólido, utilizou-se equação estequiométrica de Buswell, baseada na composição química do despejo e por meio da estimativa da demanda química de oxigênio (DQO) degradada (METCALF E EDDY, 2003METCALF & EDDY. (2003) Waste water engineering: treatment, disposal and reuse. 4. ed. Nova York: McGraw-Hill.; CHERNICHARO, 1997CHERNICHARO, C.A.L. (1997) Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora da UFMG.). Em termos de DQO degradada e nas condições normais de temperatura e pressão (0°C e 1 atm), tem-se a produção de 350 mL de metano para cada grama de DQO removida (0,35 m3.kg-1DQO), valor obtido com base na degradação da glicose. Corrigindo-se esse valor para a temperatura do ensaio utilizada neste trabalho (35°C), tem-se que, para cada grama de DQO removido, são gerados 401 mL de metano. Nesse caso, são esperados 3.208 mL de gás metano para cada experimento.

As análises de pH foram realizadas por meio do método potenciométrico e a da DQO, conforme Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (AWWA, 1998AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION (AWWA). (1998) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 20. ed. Washington, D.C.: American Public Health Association.). Ambas as análises foram realizadas no início, após a adição de substrato, e no término do experimento (seis dias).

Durante todo o período do experimento, o biogás gerado passou por uma solução de hidróxido de sódio 15%, para a retirada do gás carbônico, quantificando, por volume de líquido deslocado, apenas o gás metano. Obteve-se o volume de metano produzido a cada hora por meio da leitura do volume de água deslocado do frasco de Mariotte, com auxílio de uma máquina fotográfica programada para fotografar o equipamento, conforme metodologia proposta por Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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) e Jawed e Tare (1999JAWED, M.; TARE, V. (1999) Microbial composition assessment of anaerobic biomass through methanogenic activity tests. Water AS, v. 25, n. 3, p. 345-350.) (Figura 1).

Figura 1 -
Aparato experimental para lavagem do biogás e leitura do volume de metano gerado.

Paralelamente, prepararam-se reatores idênticos aos realizados no experimento de AME, para a leitura da composição do biogás gerado na decomposição anaeróbia. A leitura ocorreu por meio do aparelho GEM 2000 Plus, Landtec®. Esse equipamento possui uma bomba interna para sucção do biogás no momento da leitura e sua composição é indicada na tela do equipamento. As faixas de valores de leitura são: metano (CH4) de 0 a 100%; gás carbônico (CO2) de 0 a 100%; oxigênio (O2) de 0 a 25%; balanço (todos os outros gases que não podem ser lidos separadamente pelo equipamento) de 0 a 100%; hidrogênio (H2) de 0 a 1.000 ppm; monóxido de carbono (CO) de 0 a 1.000 ppm; e gás sulfídrico (H2S) de 0 a 500 ppm. Todos os ensaios foram realizados em duplicata, e os valores apresentados são os médios.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados dos volumes de gás metano gerado durante as 144 horas de monitoramento para os cinco lodos testados, bem como o resultado teórico são apresentados na Figura 2.

Figura 2 -
Volume cumulativo de metano em função do tempo de digestão para os cinco lodos estudados.

A Tabela 1 apresenta os valores da atividade metanogênica específica e o volume de gás metano gerado para os cinco lodos em estudo após as 144 horas de experimento, assim como o volume teórico de gás metano.

Tabela 1 -
Valores de atividade metanogênica específica e volume de gás metano gerado para os cinco lodos anaeróbios estudados.

De acordo com Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
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), o valor da AME deve ser calculado a partir de 50% de substrato consumido. Essa atividade foi calculada utilizando-se a faixa linear com maior inclinação das curvas de geração de biogás, apresentadas na Figura 2, o que corresponde à faixa de tempo de 18 a 32 horas. Para o lodo A, o valor da AME foi de 0,33 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1; e para o B, também proveniente de cervejaria, obteve-se o indicador de 0,36 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1. Como a diferença no valor da AME entre o lodo A e o B é pequena, esta pode ser considerada desprezível. Portanto, o consórcio de microrganismos presentes em ambos os lodos das indústrias cervejeiras apresentou um desempenho semelhante para transformar os substratos presentes no reator em biogás.

Diversos pesquisadores, como Ho e Sung (2010HO, J.; SUNG, S. (2010) Methanogenic activities in anaerobic membrane bioreactors (AnMBR) treating synthetic municipal wastewater. Bioresource Technology, v. 101, n. 7, p. 2191-2196. http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2009.11.042
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), James, Chernicaro e Campos (1990JAMES, A.; CHERNICHARO, C.A.L.; CAMPOS, C.M.M. (1999) The development of a new methodology for the assessment of specific methanogenic activity. Water Research, v. 24, n. 7, p. 813-825. https://doi.org/10.1016/0043-1354(90)90131-O
https://doi.org/10.1016/0043-1354(90)901...
) e Jawed e Tire (1999JAWED, M.; TARE, V. (1999) Microbial composition assessment of anaerobic biomass through methanogenic activity tests. Water AS, v. 25, n. 3, p. 345-350.), apresentaram o cálculo do valor da AME por meio dos sólidos suspensos voláteis (SSV). Porém, como a concentração de SSV é próxima à de STV, porque o lodo é um material granular, denso e grosso e por ter sido peneirado em peneira com abertura de 2 mm, de forma que foram removidas as partículas finas, ficaram praticamente com a mesma concentração tanto os STV como os SSV, o que sugere Miranda, Henriques e Monteggia (2005MIRANDA, L.A.S.; HENRIQUES, J.A.P.; MONTEGGIA, L.O. (2005) A full-scale UASB reactor for treatment of pig and cattle slaughterhouse wastewater with a high oil and grease content. Brazilian Journal of Chemical Engineering, v. 22, n. 4, p. 601-610. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-66322005000400013
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-66322005...
).

Na Figura 3, é possível a visualização do lodo anaeróbio proveniente da indústria cervejeira (lodo A). De acordo com Aquino et al. (2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007...
), esse tipo de lodo apresenta densidade e velocidade de sedimentação maior do que o floculento, evitando que a população microbiana ativa seja levada para fora do reator. Sua forma esférica proporciona uma relação máxima entre o microrganismo e o volume. Além disso, o estudo realizado por Pereira-Ramirez et al. (2004PEREIRA-RAMIREZ, O.; QUADRO, M.S.; ANTUNES, R.M.; KOETZ, P.R. (2004) Influência da recirculação e da alcalinidade no desempenho de um reator UASB no tratamento de efluente de suinocultura. Revista Brasileira de Agrociência, v. 10, n. 1, p. 103-110. http://dx.doi.org/10.18539/cast.v10i1.664
http://dx.doi.org/10.18539/cast.v10i1.66...
), que comparou dejeto suíno com lodo proveniente de reator UASB, comprovou que a biomassa granulada possui maior atividade metanogênica específica, quando comparado à biomassa não granular.

Figura 3 -
Lodo granular da indústria cervejeira (lodo A): percentagem retida na malha de 2 mm.

Rocha, Florencio e Kato (2003ROCHA, M.A.G.; FLORENCIO, L.; KATO, M.T. (2003) Aplicação de teste de biodegradabilidade anaeróbia para efluentes de indústrias de bebidas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 22., 2003, Joinville. Anais... Joinville.) utilizaram lodo granular proveniente de cervejaria e obtiveram o valor de AME de 1,13 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1, com 0,25 gSTV.L-1 de lodo e 4,0 gDQO.L-1 de acetato utilizado como substrato, sendo a alimentação dividida em duas partes. Os autores constataram que, na primeira alimentação, o lodo se adapta à degradação do substrato e, nas posteriores, houve pequeno aumento na atividade do lodo devido à adaptação ao meio e ao crescimento de novas bactérias. A AME obtida pelos autores foi superior aos valores encontrados neste trabalho, o que se deve ao fato de que os autores utilizaram acetato como substrato. Na metanogênese, última etapa do processo de digestão anaeróbia, as bactérias metanogênicas acetoclásticas utilizam o acetato como substrato, as quais são responsáveis por 60 a 70% de toda a produção de metano.

Souza (2011SOUZA, F.A.F. (2011) Adaptação de lodo sanitário e industrial ao tratamento do vinhoto. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.) estudou a AME utilizando lodo de cervejaria na concentração de 2,5 gSTV.L-1 e dois substratos - acetato e sacarose -, variando-se a concentração de 1,0 a 2,5 gDQO.L-1, em temperatura de 37°C. Os valores de AME obtidos pelo autor foram de 0,50 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 e 0,37 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 para a sacarose e o acetato, respectivamente. Comparando-se esses resultados com os obtidos no presente trabalho, verifica-se que a AME foi aproximadamente igual quando Souza (2011) utilizou acetato como substrato. Já a AME utilizando sacarose como substrato foi superior ao obtido neste estudo, o que se deve possivelmente à diferença nas características físico-químicas e microbiológicas do lodo anaeróbio. Por meio dos resultados de AME obtidos neste trabalho - 0,33 e 0,36 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 dos lodos provenientes da indústria cervejeira para os lodos A e B, respectivamente -, pode-se afirmar que a capacidade das bactérias formadoras de metano está em um valor aceitável quando comparado com o trabalho apresentado por Souza (2011).

Analisando a Figura 2, pode-se observar a geração cumulativa de metano para o lodo C, proveniente de uma indústria de grãos, durante os seis dias do processo, para o qual obteve-se um valor de AME de 0,27 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 (Tabela 1).

Rocha, Florencio e Kato (2003ROCHA, M.A.G.; FLORENCIO, L.; KATO, M.T. (2003) Aplicação de teste de biodegradabilidade anaeróbia para efluentes de indústrias de bebidas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 22., 2003, Joinville. Anais... Joinville.) avaliaram a atividade metanogênica específica do lodo granular de uma refinaria de milho nas seguintes condições: temperatura constante de 30°C, concentração de biomassa de 0,25 gSTV.L-1 e 4,0 gDQO.L-1 de acetato como substrato. O valor obtido de AME foi de 0,70 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1. Os autores também avaliaram a AME do lodo utilizando-se uma concentração de biomassa de 2 gSTV.L-1 e obtiveram como resultado 0,27 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1.

Com o aumento da concentração de lodo no reator, provavelmente ocorrem problemas de difusão do substrato por meio do leito de lodo, em decorrência de o teste ter sido realizado sem agitação permanente. Consequentemente, ocorre baixa eficiência na conversão do substrato em biogás. Comparando o valor da AME obtido por Rocha, Florencio e Kato (2003ROCHA, M.A.G.; FLORENCIO, L.; KATO, M.T. (2003) Aplicação de teste de biodegradabilidade anaeróbia para efluentes de indústrias de bebidas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 22., 2003, Joinville. Anais... Joinville.) - para 4,00 gDQO.L-1 de substrato, 0,70 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1 - com o encontrado neste trabalho - 0,27 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 -, verifica-se que o valor ficou bem inferior, o que se deve possivelmente ao fato de o substrato utilizado neste trabalho não ser acetato, e sim glicose, portanto as bactérias acidogênicas precisam metabolizar a glicose para produção de compostos mais simples para, então, as bactérias acetogênicas converterem esses produtos em compostos como acetato, e este ser convertido em metano e dióxido de carbono na metanogênse.

Verifica-se, pela Tabela 1, que a AME do lodo D (indústria de laticínio) apresentou valor abaixo dos demais lodos testados, 0,10 ­gDQO-CH4.­gSTV-1.d-1. Segundo Saleh e Mahmood (2004SALEH, M.M.A.; MAHMOOD, U.F. (2004) Anaerobic digestion technology for industrial wastewater treatment. In: INTERNATIONAL WATER TECHNOLOGY CONFERENCE, 8., 2004, Alexandria. Anais...), o tratamento de águas residuárias de soro de queijo e produtos lácteos por degradação anaeróbia é limitado pela queda do pH, que inibe a conversão dos ácidos orgânicos em gás metano. Os efluentes gerados pelas indústrias de laticínio contêm grandes quantidades de gorduras e proteínas, as quais têm baixo coeficiente de biodegradabilidade, resultando em baixos valores de AME.

Almeida et al. (2011ALMEIDA, M.T.; NUNES, W.A.; BLANK, D.E.; SCHAUN, C.D.; HERNANDEZ, A.C. (2011) Comparação entre atividade metanogênica específica de lodos anaeróbios tratando efluentes de conservas vegetais, laticínios e parboilização do arroz. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 20., 2011, Pelotas. Anais... Pelotas: Universidade Federal de Pelotas.) obtiveram também baixo valor de AME para lodo de laticínio, 0,040 gDQO-CH4.gSSV-1.d-1, afirmando a teoria de que o azedamento do reator anaeróbio impede a conversão do substrato em gás metano. Possivelmente, a AME obtida no presente trabalho - 0,10 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 - foi baixa quando comparada aos demais lodos, em função de possível azedamento do reator, por causa da queda do pH, conforme pode ser visualizado na Tabela 2.

Tabela 2 -
Valores de pH e demanda química de oxigênio no início dos ensaios e após 144 horas, e a porcentagem de gás metano gerado no fim do experimento para os cinco lodos estudados.

Para o lodo E, proveniente de indústria processadora de couro, a AME obtida foi de 0,27 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1 (Tabela 1). Comparando-se com os demais utilizados no presente estudo, percebe-se a boa atividade desse lodo.

Bezerra (2007BEZERRA, L.P. (2007) Desenvolvimento de um sistema on line, para a aquisição de parâmetros de projetos de reatores anaeróbios. Dissertação (Mestrado em Tecnologias Ambientais) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande.) estudou a AME de lodo proveniente de curtume e obteve AME de 0,1043 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1. Esse valor está abaixo do encontrado no presente trabalho, pela influência de diversos fatores - como controle operacional, concentração de biomassa, substrato utilizado, adaptação do lodo ao substrato, bem como temperatura do ensaio (30°C). Segundo a VDI 4630 (VID, 2006VEREIN DEUTSCHER INGENIEURE (VDI). (2006) VDI 4630. Fermentation of organic materials: Characterization of the substrate, sampling, collection of material data, fermentation tests. Alemanha: VDI.), a temperatura ótima de crescimento das bactérias anaeróbias é de 37°C ± 2°C, sabendo-se que, quanto maior a temperatura do ensaio dentro da faixa ideal, melhor será a atividade das bactérias formadoras de metano.

Verifica-se, também pela Tabela 1, que quanto maior a AME, maior é o volume de gás gerado. Esse comportamento já era esperado, visto que a AME é um parâmetro que representa a capacidade de transformar substratos em gás metano, hidrogênio e dióxido de carbono (AQUINO et al., 2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007...
).

A Tabela 2 apresenta os resultados das análises de pH e DQO no início dos ensaios e após 144 horas, além da concentração de gás metano gerado no fim do experimento para os cinco lodos estudados.

Verifica-se, pela Tabela 2, que a solução de nutrientes escolhida manteve o pH na faixa ideal das arqueas metanogênicas, de 6,5 a 7,5 (AQUINO et al., 2007AQUINO, S.F.; CHERNICHARO, C.A.L.; FORESTI, E.; SANTOS, M.L.F.; MONTEGGIA, L. (2007) Metodologias para determinação da Atividade Metanogênica Específica (AME) em lodos anaeróbios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 12, n. 2, p. 192-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007000200010
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-41522007...
), exceto para o lodo D, que encerrou o teste com o pH em 5,4. Nesse caso, os ácidos produzidos na acidogênese não foram removidos na metanogênese, ocorrendo instabilidade no reator, levando ao chamado “azedamento”, caracterizado pela elevada produção líquida de ácidos orgânicos. Isso explica o valor da AME ter sido inferior aos demais lodos.

Com relação à DQO, observa-se, pela Tabela 2, que houve uma remoção de 80, 90 e 80% da matéria orgânica presente no reator com os lodos A, B e C, respectivamente. Esses valores são relativamente altos e importantes para o controle ambiental, que é uma grande preocupação governamental e dos centros de pesquisa que estudam tecnologias adequadas para reverter a tendência à degradação, a fim de minimizar prejuízos e garantir a melhoria de qualidade de vida dos ambientes naturais. Em regime contínuo, a eficiência em reatores de manta de lodo com fluxo ascendente (UASB) para remoção da matéria orgânica varia de 65 a 75% (METCALF E EDDY, 2003METCALF & EDDY. (2003) Waste water engineering: treatment, disposal and reuse. 4. ed. Nova York: McGraw-Hill.), o que mostra que a remoção ficou acima dos valores médios apresentados por Metcalf e Eddy (2003METCALF & EDDY. (2003) Waste water engineering: treatment, disposal and reuse. 4. ed. Nova York: McGraw-Hill.). Quando comparados à porcentagem de remoção da matéria orgânica presente nos reatores contendo os lodos D e E, estes ficaram abaixo da média.

Na Tabela 3, estão apresentados os resultados das porcentagens de gás metano, dióxido de carbono e oxigênio e as concentrações dos gases sulfeto de hidrogênio, monóxido de carbono e hidrogênio gerados durante o período de digestão, nas primeiras 24 horas e em 144 horas do processo:

Tabela 3 -
Quantificação do biogás gerado em 24 e 144 horas para os cinco lodos estudados

A porcentagem de gás metano gerado para os cinco lodos em 24 e 144 horas pode ser mais bem visualizada na Figura 4.

Figura 4 -
Porcentagem de gás metano gerado em 24 e 144 horas para os cinco lodos estudados.

Sabe-se que a quantidade de metano presente na mistura gasosa varia de acordo com o substrato e tipo de lodo usado para o teste. Pesquisas como a de Povinelli et al. (2003POVINELLI, J.; NETO, C.O.A.; PINTO, D.L.; MONTENEGRO, M.H.; MACHADO, A.V.; BONDAROVSKY, S.H.; CLAPER, J.R.; FIGUEIREDO, C.M.P. (2003) Digestão anaeróbia de resíduos sólidos orgânicos e aproveitamento de biogás. Vitória: PROSAB - Rede Cooperativa de Pesquisas.) apontam que lodos que produzem biogás com maior teor de metano são provenientes daqueles utilizados para degradar dejetos de animais, os quais podem chegar a valores de aproximadamente 90% de metano no biogás. Contudo, a norma internacional alemã para digestão anaeróbia preconiza a porcentagem de gás metano para cada tipo de substrato - por exemplo, para carboidratos, a concentração é de 50% de gás metano e 50% de dióxido de carbono; para lipídeos, 72% gás metano e 28% de dióxido de carbono; e para proteínas, 60% gás metano e 40% de dióxido de carbono (VDI, 2006VEREIN DEUTSCHER INGENIEURE (VDI). (2006) VDI 4630. Fermentation of organic materials: Characterization of the substrate, sampling, collection of material data, fermentation tests. Alemanha: VDI.).

Pelas Tabela 3 e Figura 4, percebe-se que, no decorrer do processo, a quantidade de metano presente na mistura aumenta, chegando a 53,7% para o lodo A. Isso ocorre por conta da geração de gás carbônico no início do processo, realizado pelas bactérias acidogênicas, tornando-se substrato para as metanogênicas. Esse aumento na porcentagem de metano na mistura está previsto na literatura, que considera que o gás carbônico e o gás hidrogênio presentes no meio atuam como substrato para as arqueas metanogênicas, transformando-os em gás metano (CHERNICHARO, 2007CHERNICHARO, C.A.L. (2007) Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora da UFMG.).

Verifica-se a mesma variação na concentração do gás metano para o lodo B, chegando a 58,9% de gás metano. Porém, nota-se uma alta produção de gás sulfídrico - > 500 ppm -, o qual é prejudicial à vida útil dos equipamentos, como compressores, caldeiras e motogeradores utilizados nas estações de tratamento de efluentes e geração de biogás, corroendo-os com muita rapidez.

Para o lodo D, obteve-se a menor porcentagem de metano, 46,9%. Esse fato pode ser explicado devido ao efluente ser altamente proteico, uma vez que o lodo é proveniente de indústria de laticínios, fazendo com que as bactérias hidrolíticas realizem a quebra desses compostos gerando ácidos orgânicos de cadeias curtas para as próximas etapas que, por sua vez, transformam-nos em acetato, gás carbônico e hidrogênio para as arqueas metanogênicas, e estas não converteram em gás metano, ocorrendo o azedamento do reator. Esse fato pode ser confirmado pela comparação do pH no início - 7,11 - e no fim do processo - 5,40.

Quanto ao lodo E, a percentagem de metano obtida foi de 54,4%. A porcentagem de oxigênio presente no biogás gerado de reatores contendo dejetos de animais, esgoto urbano e aterro sanitário foi inferior a 1% para todos os reatores (ANTUNES, 1981ANTUNES, A.J. (1981) Apontamentos sobre Biogás. Belo Horizonte: EMATER. 58 p.; METCALF; EDDY, 2003METCALF & EDDY. (2003) Waste water engineering: treatment, disposal and reuse. 4. ed. Nova York: McGraw-Hill.; CASTILHO JÚNIOR, 2003CASTILHO JÚNIOR, A.B. (2003) Resíduos sólidos urbanos: aterro sustentável para municípios de pequeno porte. Rio de Janeiro: ABES/Rima. 294 p. (Projeto PROSAB).), valor inferior ao obtido neste trabalho para o Lodo E no início do processo, 13,9%, o que pode ter causado toxicidade às bactérias anaeróbias e, consequentemente, baixa produção de gás metano.

CONCLUSÃO

Este trabalho apresentou ensaios com o objetivo de avaliar o parâmetro de AME em lodos de diferentes indústrias. O valor da AME foi superior para a indústria cervejeira, seguida das de grão e curtume e, por fim, das de laticínios - 0,35, 0,27 e 0,10 gDQO-CH4.gSTV-1.d-1, respectivamente.

A eficiência de remoção da DQO, para os lodos A, B e C, revelaram valores satisfatórios, demostrando ser esse sistema uma opção viável no tratamento de efluentes e produção do biogás. Para D e E, os valores ficaram abaixo da média (75%), o que sugere que outros processos para hidrólise de compostos, presentes no efluente, de difícil degradação, sejam implementados, a fim de favorecer a digestão anaeróbia.

Os valores de pH mantiveram-se constantes para todos os lodos, exceto para o D, no qual, possivelmente, ocorreu o azedamento do reator, prejudicando também a geração de gás metano (46,9%). Os resultados obtidos com a realização desta pesquisa mostraram-se favoráveis para o tratamento anaeróbio, tanto no ponto de vista da remoção da DQO, bem como uma fonte de energia. O lodo que se apresentou mais eficiente para geração do biogás foi o da indústria de cervejaria. Verifica-se que a digestão anaeróbia, além de apresentar como produto o biogás, que serve como fonte de energia térmica, elétrica e mecânica, pode ser utilizado em processos industriais, garantindo a remoção da matéria orgânica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2014
  • Aceito
    19 Jul 2019
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