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Recomendações da WCAG 2.0 (2008) e a acessibilidade de surdos em conteúdos da Web

WCAG 2.0 (2008) recommendations and accessibility of the deaf to Web content

Resumos

Este artigo apresenta uma discussão a respeito da comunicação de surdos no contexto dos padrões de acessibilidade na web. Primeiramente traz um estudo bibliográfico sobre a comunicação de surdos, o método linguístico adotado nas escolas e o reflexo na história da sua educação. Em seguida, discorre sobre o bilinguismo, as identidades surdas e as diretrizes de acessibilidade propostas pela WCAG 2.0 (2008). A partir de pesquisa bibliográfica, realizada em fontes primárias, selecionaram-se os critérios de sucesso relacionados à surdez a fim de verificar se a língua de sinais, tida como primeira língua dos surdos (L1) na filosofia do bilinguismo, é considerada na concepção dos princípios da WCAG 2.0 (2008). Por fim, o artigo enfatiza a comunicação bilíngue como necessária para que os conteúdos da web possam estabelecer uma uniformidade com a linguagem habitual da cultura surda.

Educação Especial; Bilinguismo; Surdez; Acessibilidade; Web


This article presents a discussion on the communication of the deaf in the context of accessibility standards for the Web. First there is a review of the literature on deaf communication, the linguistic method adopted in schools and a reflection on the history of deaf education. This is followed by a discussion of bilingualism, deaf identities and guidelines on accessibility proposed by WCAG 2.0 (2008). Based on bibliographical research, carried out using primary sources, success criteria in relation to deafness was selected in order to verify if sign language, regarded as the first language (L1) of the deaf in the philosophy of bilingualism, is considered in the design principles of WCAG 2.0 (2008). Finally, the article emphasizes the need to consider bilingual communication in order to ensure that Web content fully conform to everyday language of deaf culture.

Special Education; Bilingualism; Deafness; Accessibility; Web


ENSAIO

Recomendações da WCAG 2.0 (2008) e a acessibilidade de surdos em conteúdos da Web

WCAG 2.0 (2008) recommendations and accessibility of the deaf to Web content

Carla da Silva FlorI; Tarcisio VanzinII; Vânia UlbrichtIII

IMestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Universidade Federal de Santa Catarina. carla.flor@gmail.com

IIDoutor em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina. tvanzin@yahoo.com.br

IIIDoutora em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina. ulbricht@floripa.com.br

RESUMO

Este artigo apresenta uma discussão a respeito da comunicação de surdos no contexto dos padrões de acessibilidade na web. Primeiramente traz um estudo bibliográfico sobre a comunicação de surdos, o método linguístico adotado nas escolas e o reflexo na história da sua educação. Em seguida, discorre sobre o bilinguismo, as identidades surdas e as diretrizes de acessibilidade propostas pela WCAG 2.0 (2008). A partir de pesquisa bibliográfica, realizada em fontes primárias, selecionaram-se os critérios de sucesso relacionados à surdez a fim de verificar se a língua de sinais, tida como primeira língua dos surdos (L1) na filosofia do bilinguismo, é considerada na concepção dos princípios da WCAG 2.0 (2008). Por fim, o artigo enfatiza a comunicação bilíngue como necessária para que os conteúdos da web possam estabelecer uma uniformidade com a linguagem habitual da cultura surda.

Palavras-chave: Educação Especial. Bilinguismo. Surdez. Acessibilidade. Web.

ABSTRACT

This article presents a discussion on the communication of the deaf in the context of accessibility standards for the Web. First there is a review of the literature on deaf communication, the linguistic method adopted in schools and a reflection on the history of deaf education. This is followed by a discussion of bilingualism, deaf identities and guidelines on accessibility proposed by WCAG 2.0 (2008). Based on bibliographical research, carried out using primary sources, success criteria in relation to deafness was selected in order to verify if sign language, regarded as the first language (L1) of the deaf in the philosophy of bilingualism, is considered in the design principles of WCAG 2.0 (2008). Finally, the article emphasizes the need to consider bilingual communication in order to ensure that Web content fully conform to everyday language of deaf culture.

Keywords: Special Education. Bilingualism. Deafness. Accessibility. Web.

1 INTRODUÇÃO

A comunicação humana se dá pela linguagem, meio que permite ao indivíduo a estruturação de seus pensamentos, a verbalização dos seus sentimentos e o registro de todo conhecimento produzido. A linguagem consubstancia a cultura humana, estabelecendo os meios que permitem tanto a inserção quanto a permanência do homem em seu meio social. Não por acaso, a linguagem tem sido o foco de muitos estudos e discussões (SEESP/MEC, 2006), sobretudo em relação aos indivíduos surdos, cuja dificuldade em se comunicar por meio da língua oral e escrita tem trazido prejuízos à própria socialização. Assim, o tema deste artigo pretende tratar justamente da linguagem no trato da disfunção sensorial proveniente da surdez, que visa a aquisição da linguagem visual-gestual, traduzida na Língua de Sinais.

Embora as pessoas surdas tenham dificuldades para aprender a língua dominantemente utilizada pela sociedade, a vocal-auditiva, os estudos sobre os processos de aquisição da linguagem demonstram que as crianças surdas apresentam as mesmas predisposições para a aquisição da linguagem que as pessoas sem deficiências. No entanto, no processo de aquisição linguística, a exposição a um ambiente que favoreça o seu desenvolvimento é essencial para a ativação da "estrutura latente e para que a pessoa possa sintetizar e recriar os mecanismos linguísticos" (SEESP/MEC, 2006, p. 33). Ou seja, a criança surda possui a mesma capacidade cognitiva que as outras de adquirir a fala, porém, como o seu sistema auditivo a impede de entrar em contato com o ambiente que favoreça o desenvolvimento da linguagem oral, ela acaba desenvolvendo a linguagem por meio do sistema motor, que de acordo com o SEESP/MEC (2006) é a língua natural das pessoas surdas.

Se, por um lado, a falta da audição leva a pessoa surda a ter dificuldade de pronunciar e escutar a linguagem oral, por outro, a falta da estruturação fonética organizada por meio dos sons, faz com que ela tenha dificuldades de entender a estrutura sintática dos textos escritos. Assim, a língua portuguesa, que é a língua oral oficialmente aceita no Brasil, torna-se fortemente dificultosa no aprendizado de surdos, especialmente daqueles que perderam a capacidade auditiva logo nos primeiros anos de vida.

A inclusão das pessoas surdas no contexto escolar está marcada por incontáveis desafios. O estudo da comunicação surda é um tema complexo que se apoia no tripé da identidade surda, do bilinguismo e da formação de pequenos grupos que compartilham as mesmas dificuldades de comunicação. Esta tem sido uma dificuldade adicional na inserção dessas pessoas em salas de aula compartilhadas com ouvintes.

As plataformas de Educação à Distância (EaD), apoiadas na virtualidade da web, vem oferecendo crescentes oportunidades para as pessoas no âmbito da educação formal, mas arrastam consigo problemas semelhantes aos enfrentados nas salas de aula. Isto é, o compartilhamento de conhecimentos entre os grupos de alunos e professores esbarram na língua de sinais que não é dominada indistintamente pelas pessoas ouvintes e que, por conta disso, os surdos mantêm a tendência da formação de grupos e do distanciamento com os demais colegas. Ou seja, a socialização do conhecimento encontra sérias barreiras também na web.

Com o intuito de diminuir essas barreiras na web para surdos e outras pessoas com deficiências existem iniciativas como o da Web Content Accessibility Guidelines - WCAG 2.0 (2008) que normatizam o desenvolvimento de ambientes virtuais de maneira a deixá-lo mais acessíveis. No entanto, as prescrições contidas nessas diretrizes quanto ao acesso de surdos possuem o enfoque das pessoas sem deficiência, que não dão a devida relevância da Língua de Sinais para a acessibilidade na web, predominando as recomendações para legendas textuais. Esse aspecto não desqualifica a WCAG 2.0, pelo contrário, mostra que a complexidade do tema demanda um permanente ajuste e inclusão de novos recursos na medida em que as soluções avançam. A linguagem gestual, sua representação gráfica e sua necessidade de convívio com a oralidade ainda compõe um desafio, principalmente quando essa linguagem gestual passa a ser admitida como a língua materna dos surdos.

O bilinguismo, que é hoje aceito e adotado na constituição de muitos países é fruto de um processo histórico que deve ser estendido à acessibilidade na web, evitando assim que os problemas da educação dos surdos sejam transferidos à web. Será visto no subtítulo 2, como que a renegação ao uso da língua de sinais trouxe prejuízos ao surdo ao longo dos séculos, o que culminou na adoção da língua de sinais como primeira língua dos surdos e da língua oral como segunda língua. A falta de um consenso quanto ao uso da Língua de Sinais entre os surdos caracterizam as diversas identidades surdas, apresentadas no subtítulo 4, que devem ser consideradas nas práticas e normatizações de conteúdos para a web. No subtítulo 5, serão analisadas as diretrizes da WCAG 2.0 (2008) direcionadas ao público surdo quanto às questões da linguagem apresentadas neste artigo.

2 COMUNICAÇÃO DE SURDOS

No processo atual de educação de surdos tem-se percebido a importância da linguagem gestual como forma principal de comunicação, a partir da Língua de Sinais. A história demonstra, no entanto, que a definição da Língua de Sinais como a primeira língua de surdos (L1) foi o resultado de muitos insucessos de experiências refletidas na educação dessas pessoas. Uma rápida revisão histórica desse processo pode bem comprovar essa afirmação.

Até o final da Idade Média acreditava-se que o surdo era uma pessoa incapaz de ser educada e, por isso, ela deveria permanecer isolada do convívio das outras pessoas. Foi somente a partir do século XV que essa visão começou a ser fragilizada com o aparecimento dos primeiros educadores surdos (GOLDFELD, 2002; PERLIN; STROBEL, 2006). Esses educadores basearam-se em diferentes metodologias para a aprendizagem de surdos: alguns optaram pela Língua oficial de seu país, outros pela Língua de Sinais e outros ainda por códigos visuais que não configuravam propriamente uma Língua. No século XVIII a Língua de Sinais se sobressaiu como a língua mais aceita pela comunidade científica para a educação de surdos, devido aos argumentos de seu principal defensor, o abade L'Epée, contrariando o alemão Heinick, que defendia o modelo oralista (GOLDFELD, 2002).

O auge da Língua de Sinais teve seu fim, no entanto, no século seguinte, com o Congresso Internacional de Educadores de Surdos, em Milão. Esse congresso marcou a história da educação de surdos, consagrando o modelo oralista como o sistema linguístico oficialmente aceito. Acreditava-se que a Língua de Sinais dificultava a aprendizagem da língua oral e, por esse motivo, a Língua de Sinais foi terminantemente proibida (GOLDFELD, 2002; PERLIN; STROBEL, 2006). A substituição da Língua de Sinais pelo método oral provocou perda na qualidade educacional dos surdos, limitando-os das habilidades sociais (PERLIN; STROBEL, 2006). Somente em 1970 a publicação de um artigo intitulado "Sign Language Struture: An Outline of the Visual Communication System of the American Deaf" fez ressurgir a discussão a respeito da utilização da Língua de Sinais. Dois anos antes, com o fracasso do modelo oralista vigente, a Língua de Sinais, misturada a outras formas de comunicação, inclusive a oro-facial, foi utilizada como forma de comunicação de surdos, modelo que ficou conhecido como Comunicação Total (GOLDFELD, 2002).

A Comunicação Total, por misturar a Língua de Sinais com a língua oral, foi rechaçada por alguns autores, pois segundo Perlin e Strobel (2006), ela encoraja o uso inadequado da Língua de Sinais, que possui gramática diferente da língua portuguesa - modelo oral utilizado no Brasil. A partir da década de 1980, e mais fortemente na década de 1990, percebeu-se que a Língua de Sinais deveria ser utilizada de forma independente da Língua oral, constituindo a primeira, a língua oficial do surdo (L1), enquanto a língua portuguesa, tornava-se uma língua secundária (L2). Dava-se início ao que hoje é conhecido por Bilinguismo.

3 BILINGUISMO

A principal diferença do bilinguismo para o discurso oralista e da Comunicação Total é o fato de conceber o surdo como um indivíduo com características próprias. Na visão bilíngue, de acordo com Goldfeld (2002), o surdo não precisa se assemelhar aos ouvintes, mas sim, deve aceitar e assumir a surdez.

Ao contrário das outras modalidades, a filosofia bilíngue rejeita a suposição de que o surdo deve se moldar ao padrão dito como "normal", mesmo que a aprendizagem da língua oral seja almejada. O objetivo principal não é a aquisição da linguagem vocal-auditva como forma de diminuir as diferenças provocadas pela surdez. O método bilíngue prevê que os surdos formem uma comunidade e, por isso, possuam uma cultura e língua própria. (GOLDFELD, 2002).

A cultura surda é representada pelos surdos e legitimada por pesquisadores. Trata de ver o surdo no aspecto da diferença e não da deficiência, como supõe a área médica (SANTANA, 2007). A Surdez (com S maiúsculo) delimita uma área de estudo que se ocupa em estudar o surdo, sua língua, suas particularidades, sua cultura, etc. e não apenas a sua capacidade auditiva (GOLDFELD, 2002).

4 IDENTIDADES SURDAS

Apesar do bilinguismo ter legitimado a formação de uma cultura surda, a identidade dos surdos ainda é muito diversificada e marcada pela busca histórica em alcançar o oralismo. A assimilação dessa identidade pelo surdo é fortemente influenciada pela escolha da própria família na adoção de uma língua, pela idade em que tornou-se surdo e pelo contato com outros sujeitos surdos. Perlin (2012) separou essas identidades em cinco categorias, que chamou de múltiplas identidades surdas.

A primeira dessas identidades, a Identidade Surda, seria marcada pela experiência visual do surdo que recorre mais fortemente à comunicação visual. Essa identidade forma um nicho em que os surdos se identificam e se aproximam, formando uma identidade politicamente surda. A segunda identidade, a Identidade Surda Híbrida, teria como representantes os surdos que não nasceram surdos e que por terem aprendido a língua portuguesa quando ouvintes, utilizam-na. No entanto, esses surdos possuem grande dificuldades em captar do ambiente a informação de maneira visual, entendê-la em português e, posteriormente, transformá-la em sinais. A terceira identidade, a Identidade Surda de Transição, seria uma fase vivenciada pela maioria dos surdos filhos de pais ouvintes, que cresceram sob a ótica oralista e aos poucos foram descobrindo a cultura surda. No momento em que o surdo atinge essa identidade, normalmente ele passa pelo processo de "desouvintização". A quarta identidade, a Identidade Surda Incompleta, seria formada por pessoas surdas que rejeitam a própria identidade e almejam tornar-se como os ouvintes, por achar a língua oral dominante. Temem a ridicularização e o preconceito. Por último, a quinta identidade, seria formada por surdos que não aprenderam a língua oral, tampouco a língua de sinais, por conta da forte hegemonia dos ouvintes.

A partir de cada uma dessas identidades assumidas pelo surdo é que haverá um maior (ou menor) sucesso com relação à sua efetiva comunicação. Nem sempre essas escolhas partem necessariamente do surdo, mas do mundo que está à sua volta: a família, a escola, os colegas, etc. Na internet não é diferente. Assumir que faz parte de uma cultura surda requer assumir também que a sua primeira língua é a língua de sinais, no entanto, esta não é a língua mais difundida nos ambientes da web. Esses ambientes deveriam seguir algumas diretrizes de acessibilidade, como a WCAG 2.0 (2008), que tenta integrar a maior parte das pessoas com deficiência. Mas para que a própria WCAG 2.0 dê conta da problematização dos surdos, deve considerar a surdez sob a ótica do bilinguismo, e não apenas do oralismo.

5 DIRETRIZES DA WCAG 2.0 (2008) E A SURDEZ

A WCAG 2.0 (2008) é um conjunto de diretrizes elaboradas pelo World Wide Web Consortium - W3C que visa a normatização do conteúdo web para que pessoas com deficiências possam cada vez mais acessar e utilizar os mais variados serviços disponíveis na internet. No geral a WCAG 2.0 não trata especificamente da surdez, mas de uma gama de deficiências em geral, que envolve as deficiências auditivas, visuais, físicas, cognitivas e de linguagem. Por ser tão abrangente, ela procura estabelecer padrões que permitam que essas pessoas possam acessar os conteúdos da web sem a necessidade de um design especializado, ou seja, sem a necessidade de que cada conteúdo da web seja planejado e elaborado em diversas versões para atender cada deficiência.

No total, a WCAG 2.0 traz 12 recomendações de acessibilidade, que se dividem em 61 critérios de sucesso, que são itens que podem ser testados. Para essa pesquisa foram selecionados apenas os critérios que tratam da questão da linguagem na surdez, não incluindo outras recomendações relacionadas à deficiência auditiva como a baixa audição. Dos 61 critérios de sucesso, apenas seis foram relacionados à surdez e, após essa seleção, foi feita uma análise quanto à aplicação da língua de sinais (L1) e do texto (L2). Também foi feita uma comparação quanto ao nível de conformidade (ordem e prioridade) entre os critérios para língua de sinais (quando encontrada) e para as legendas de texto. O Quadro 1 apresenta os seis critérios selecionados e as orientações descritas pela WCAG 2.0.


De acordo com o Quadro 1, a WCAG 2.0 (2008) recomenda que se devam providenciar alternativas para mídias que são baseadas no tempo (critério 1.2.8). Em relação aos áudios pré-gravados (critério 1.2.1), ela recomenda que seja disponibilizada uma alternativa para a mídia, que forneça o conteúdo equivalente ao áudio. A sua acepção quanto ao que seria essa alternativa de mídia prevê uma versão em texto, como deixa claro a definição a seguir: "documento que inclui descrições de texto, corretamente sequenciadas, de informações auditivas e visuais baseadas no tempo, e que fornece um meio para atingir os resultados de qualquer interação baseada no tempo" (WCAG, 2008, p.21).

Na sequencia, a WCAG 2.0 trata das legendas (critérios 1.2.2 e 1.2.4), em substituição aos conteúdos de áudio, que devem ser fornecidas para o conteúdo de mídia de maneira sincronizada com os momentos em que o som é reproduzido. Nesse ponto, a WCAG 2.0 prevê como legenda todo o conteúdo decorrente dos diálogos, mas também os efeitos sonoros envolvidos na compreensão do conteúdo, como risadas, músicas, etc. Em outro ponto, a WCAG 2.0 recomenda a Língua de sinais (critério 1.2.6) como uma interpretação para o áudio (pré-gravado) existente nas mídias baseadas no tempo. No entanto, essa diretriz está em um nível de conformidade tido como AAA, que seria o terceiro nível a ser satisfeito, ou seja, primeiramente deveriam ser atendidas as recomendações relacionadas à versão em texto e legendas (níveis A). Essa diferença entre os níveis de conformidade para as versões em texto e língua de sinais demonstra que a língua oral-escrita está sendo tratada pela WCAG 2.0 como prioritária, contrariando os pressupostos estabelecidos pela comunicação bilíngue.

Em relação ao áudio transmitido ao vivo (critério 1.2.9), a WCAG 2.0 menciona apenas a legenda e a alternativa de mídia e não faz referência a língua de sinais. Para o texto, em momento algum é mencionada uma alternativa em Língua de Sinais que substitua o texto escrito. Ao contrário, a língua de sinais é introduzida apenas como alternativa ao áudio, e não ao texto. Analisando o Quadro 1, é possível perceber que dos seis critérios de sucesso relacionados à surdez, apenas um trata claramente da inserção da língua de sinais, demonstrando uma deficiência das normas da WCAG (2008) em relação à cultura bilíngue dos surdos, uma vez que privilegia a língua oral escrita.

Ao ler e interpretar as normas, um desenvolvedor de sites da internet, leigo em relação à comunicação de surdos, acreditaria que alternativas para o áudio na forma de texto seriam suficientes para comunicar o site ao surdo. Isso porque as recomendações priorizam a forma de legendas e equivalentes na forma textual, voltando ao momento histórico da educação dos surdos, na qual eles deveriam almejar a semelhança aos ouvintes.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento humano passa pelo processo da aquisição da linguagem. É por meio da língua que o ser humano estabelece a comunicação com os outros a sua volta, o que lhe permite a produção de novos conhecimentos. Quando fatores sensoriais impedem que língua oral seja estabelecida, novas formas de manifestação linguística começam a surgir, essencialmente a linguagem gestual, o que permite ao surdo uma nova possibilidade de contato com o mundo.

A comunicação dos surdos passou por um processo histórico em que os modelos gestual e oral foram caracterizados como sistemas contrários, ora prevalecendo a língua oral/escrita e ora a língua de sinais. Frente aos desafios e insucessos ao longo da história de sua educação, percebeu-se que não deve haver uma dicotomia entre a língua oral e gestual e que ambas devem ser ensinadas aos surdos, por meio do bilinguismo. Com essa nova perspectiva, o surdo passa a aceitar e assumir a sua identidade, reforçando a sua cultura surda.

A inserção do surdo no meio digital, no entanto, enfrenta os mesmos desafios já vivenciados ao longo de sua história. Se por um lado as normas estabelecidas pela WCAG 2.0 favorecem a acessibilidade de pessoas com deficiência no ambiente da web, por outro, a questão da linguagem continua sendo o entrave que distancia o surdo da sua primeira língua (L1 - língua de sinais).

A WCAG 2.0 contempla apenas parte dos desafios da comunicação de surdos na web. Embora estabeleça diretrizes para que os conteúdos sonoros possam ser disponibilizados por meio de legendas e alternativas de mídia, essas recomendações quase sempre se traduzem para a língua oral de cada país, e apenas um, dos seis critérios de sucesso relacionados à surdez, refere-se à língua de sinais. Além disso, a língua de sinais é considerada pela WCAG 2.0 em nível de conformidade AAA, que significa que deve ser satisfeita apenas quando a legenda e alternativa de mídia (ambos textuais), que são de conformidade A, já estiverem plenamente atendidas. Por esse aspecto, percebe-se que a WCAG 2.0 não considera a língua de sinais como a língua materna dos surdos, visto que o texto escrito da língua oral é privilegiado.

As diretrizes da WCAG 2.0 também não trazem iniciativas quanto a versões simplificadas ou explicativas das seções do site em língua de sinais, visto que em um site normalmente prevalece o texto escrito. No geral, a WCAG 2.0 trata pouco da surdez, enquanto seus esforços se concentram em outras deficiências. Seria necessário, em versões futuras, que a WCAG 2.0 estabelecesse padrões que estivessem em consonância com o que está sendo divulgado nos estatutos educacionais para que o surdo seja integrado de maneira plena na web e para que não haja divergências entre o que ele aprende na escola e fora dela. Embora o estudo da língua de sinais tenha se fortalecido mais recentemente a partir da década de 1980 e 1990, ela é importante para o estabelecimento e fortalecimento de uma cultura surda e deve ser considerada pelos órgãos que se propõem a melhorar a acessibilidade dos surdos na web.

Recebido em: 05/09/2012

Reformulado em: 23/04/2013

Aprovado em: 20/05/2013

  • GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. 2. ed. São Paulo: Plexus. 2002.
  • PERLIN, G. T. T. Identidades Surdas. In: SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças. 6. ed. Porto Alegre: Mediação. 2012.
  • PERLIN, G.; STROBEL, K. Fundamentos da educação de surdos Florianópolis: UFSC. 2006.
  • SANTANA, A. P. Surdez e linguagem: aspectos e implicações neurolingüísticas. São Paulo: Plexus. 2007.
  • SEESP/MEC - SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL / MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. 2. ed. Brasília: SEESP/MEC. 2006.
  • WCAG 2.0 - WEB CONTENT ACCESSIBILITY GUIDELINES 2.0. W3C. 2008. Disponível em: <http://www.w3.org/TR/WCAG/>. Acesso em: 06 ago. 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2012
  • Aceito
    20 Maio 2013
  • Revisado
    23 Abr 2013
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