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Tréplica - Afinal de Contas, Que Bicho é Esse? Tréplica sobre o Empreendedor e o Empreendedorismo

After All, What Kind of Animal Is This? Rejoinder the Entrepreneurs and Entrepreneurship

Introdução

Como narrado por Milne (1926)Milne, A. A. (1926). Winnie-the-Pooh. New York: Dutton, Winnie the Pool estava sempre procurando caçar um heffalump, que era um animal grande e muito importante. No entanto nem ele, nem seu melhor amigo, Piglet, jamais conseguiram capturá-lo. Esse animal permanece, ainda hoje, intrigando as pessoas que procuram capturá-lo, lançando mão das mais engenhosas artimanhas. Aqui e ali surgem rumores que teria sido capturado e que estaria exposto como um troféu. Olhares mais atentos, então, debruçam-se sobre o achado ─ descobrem marcas, cheiros e vestígios importantes. Mas ainda não se conseguiu enxergar todo o animal. Seria esse bicho o empreendedor?

Embora seja possível vislumbrar, nessa pequena narrativa, alguma semelhança com reflexões de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (1998) sobre os cegos descrevendo um elefante – muitos associavam o heffalump a um tipo de elefante – a analogia entre esse animal e um tema de interesse da teoria das organizações é bastante anterior a esses autores. Kilby (1971)Kilby, P. (1971). Hunting the heffalump. In P. Kilby (Ed.), Entrepreneurship and economic development (pp. 1-40). New York, NY: Free Press., em seu texto clássico, prefaciando um livro contendo grandes contribuições na área de empreendedorismo, já identificava a analogia entre o heffalump e o empreendedor. Segundo ele (1971, p. 1), “todos que clamam ter capturado sinais dele registram que ele é enorme, mas descordam em suas peculiaridades”. Desde então, cinco décadas se passaram. O animal foi enriquecido com novas narrativas, novas descrições, novas formas e contextos. Continua estimulando e povoando a imaginação de muitos, ansiosos por capturá-lo. Entre eles, citam-se Gartner (1989)Gartner, W. B. (1989). Who is the entrepreneur? Is the wrong question. Entrepreneurship Theory and Practice. 47-68. Retrieved from http://business2.fiu.edu/1660397/www/definitions%20of%20entrepreneurship/gartner_1989.pdf, Yamada (2004)Yamada, J. (2004). A multi-dimensional view ofentrepreneurship: toward a research agenda on organization emergence. Journal of Management Development, 23(4), 289-320., Busenitz et al. (2003)Busenitz, L. W., West, G. P., Shepherd, D., Nelson, T., Chandler, G. N., & Zacharakis, A. (2003). Entrepreneurship research in emergence: past trends and future directions. Journal of Management, 29(3), 285- 308. doi: 10.1016/S0149-2063_03_00013-8, Low e MacMillan (1988)Low, M. B., & MacMillan, I. C. (1988). Entrepreneurship: past research and future challenges. Journal of Management, 14(2), 139-161. doi: 10.1177/014920638801400202 e Shane (2012)Shane, S. (2012). Reflections on the 2010 AMR decade award: delivering on the promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, 37(1), 10-20. doi: 10.5465/amr.2011.0078.

O empreendedor é um ator particular e intrigante, multidimensional e complexo, que parece ser, ao mesmo tempo, dotado de uma visão oportunística e utilitarista do mundo (visão derivada da economia), movido por impulsos interiores (ciência do comportamento), por interesses simbólicos e sociais (ciências sociais e sociologia econômica). Parece ser capaz de desencadear, nos lugares onde aflora, mudança, progresso e crescimento econômico. É uma das figuras centrais no campo de estudo do empreendedorismo. Como observado por muitos autores, tal campo carece, ainda hoje, de maior robustez teórica. Para Busenitz et al. (2003)Busenitz, L. W., West, G. P., Shepherd, D., Nelson, T., Chandler, G. N., & Zacharakis, A. (2003). Entrepreneurship research in emergence: past trends and future directions. Journal of Management, 29(3), 285- 308. doi: 10.1016/S0149-2063_03_00013-8, por exemplo, toda boa teoria estabelece suas fronteiras e explicita seu potencial de intercâmbio, tanto interna quanto externamente. No caso do empreendedorismo, “suas fronteiras são altamente permeáveis, o que facilita o intercâmbio com outras áreas de conhecimento, mas desencoraja o desenvolvimento de uma teoria e oblitera sua legitimação” (Busenitz et al., 2003Busenitz, L. W., West, G. P., Shepherd, D., Nelson, T., Chandler, G. N., & Zacharakis, A. (2003). Entrepreneurship research in emergence: past trends and future directions. Journal of Management, 29(3), 285- 308. doi: 10.1016/S0149-2063_03_00013-8, p. 285).

Para se capturar o animal é preciso bem mapear o seu ambiente. Ou seja, é necessária a presença de uma concepção teórica mais estruturada sobre empreendedorismo, capaz de dar maior sustentação à empreitada. Essa é nossa intenção. Pretendemos, neste ensaio, extrair da rica e diversificada literatura, hoje existente, alguns elementos centrais capazes de sustentar uma abordagem mais integrada do empreendedorismo. Ao fazer isso, pretendemos, da mesma maneira que Kilby (1971)Kilby, P. (1971). Hunting the heffalump. In P. Kilby (Ed.), Entrepreneurship and economic development (pp. 1-40). New York, NY: Free Press. e vários outros que o sucederam, sugerir alguns princípios de como capturar o empreendedor. Ou seja, discutir que tipos de abordagens e pesquisas seriam, no nosso julgamento, relevantes.

Ao fazer isso, estaremos, também, sintonizados com uma preocupação maior explicitada pelos autores da réplica - Empreendedores: reflexões sobre percepções históricas e contemporâneas (Machado & Nassif, 2014). Logo no início, o estudo salienta a necessidade de explicitação de limites epistemológicos para o campo de conhecimento do empreendedorismo. Vamos, aqui, refletir, sobre suas fronteiras e possibilidades.

Níveis de Abordagens e suas Possibilidades

Ao analisar a literatura sobre empreendedorismo, observa-se que ela pode ser classificada em diferentes níveis de abordagens. Uma definição e explicitação desses níveis permitiria vislumbrar, de maneira mais clara e articulada, o amplo campo teórico e algumas de suas potencialidades. Tais níveis seriam: micro, meso e macro. Como já explorado no nosso ensaio teórico prévio, que acompanha esta tréplica, o campo do empreendedorismo foi preenchido por contribuições provenientes, sobretudo, de cinco grandes áreas de conhecimentos: ciências do comportamento; ciências sociais; sociologia econômica/abordagem das redes; economia neoclássica; economia e inovação. Cada uma delas, por sua vez, presta-se melhor a certos níveis de abordagens.

Abordagem a nível micro

Proposições sobre o empreendedor, propriamente dito, marcaram o início do pensamento sobre empreendedorismo. A preocupação dos pioneiros e de alguns outros que o sucederam concentrou-se na tentativa de compreensão e explicitação de certas características e atributos desse ator particular, independentemente de seu contexto específico ou do ambiente mais geral. Situa-se aí a abordagem a nível micro, seja, hoje, focada no indivíduo ou no seu empreendimento.

Como exemplos de abordagens centradas no indivíduo, temos estudos sobre motivações, perfis e atributos pessoais, capazes de transformar um determinado ator em empreendedor. No outro caso, temos, por exemplo, investigações sobre o processo de criação e desenvolvimento de empreendimento. O ponto em comum entre elas é, sempre, a preocupação com o empreendedor ou o empreendimento, de maneira relativamente independente de contextos. Alguns aparatos teóricos, hoje existentes, prestam-se mais a tais abordagens que outros. Salienta-se, no caso, a abordagem derivada das ciências do comportamento (foco no empreendedor) e da economia neoclássica (empreendedor/empresa).

Com o passar do tempo, começou-se a observar que tal ator encontrava-se inserido em um contexto particular ou em um ambiente específico, que não poderia ser menosprezado, sob o risco de se comprometer a análise. Tais preocupações remetem a abordagem para o nível meso, ampliando-se a lente de observação. Assim, surgem diferentes proposições teóricas e estudos empíricos.

Abordagem a nível meso

Parte-se, aqui, do pressuposto que existiria uma interação, que não pode ser abstraída, entre o empreendedor e o seu ambiente. Analisando-se a literatura, é possível distinguir dois tipos básicos de ambientes particulares, capazes de influenciar o empreendedor e seu empreendimento. Cada um dos ambientes é, por sua vez, originário de uma base teórica distinta. O primeiro, derivado das ciências sociais, enfoca o contexto social mais próximo, onde se insere o empreendedor. Esse contexto pode ser representado pelo estrato ou classe social de origem do indivíduo ou, então, por uma vinculação religiosa, étnica, etc. Situam-se, aí proposições de Weber (1958)Weber, M. (1958). The protestant ethic and the spirit of capitalism. New York: Charles Scribner’s Son., Simmel (1980)Simmel, G. (1980). The stranger. In L. A. Coser (Ed.), The pleasures of sociology (pp. 235-240). New York: A Mentor Book., Hoselitz (1959)Hoselitz, B. F. (1959). Small industry in underdeveloped countries. The Journal of Economic History, 19(4), 600-618. doi: 10.1016/0305-750X(82)90034-1, Volery (2007)Volery, T. (2007). Ethnic entrepreneurship: a theoretical framework. In L.-P. Dana (Ed.), Handbook of research on ethnic minority entrepreneurship (pp. 30-41). Cheltenham: Edgard Elgar Publishing Ltda., entre outros. Para esses autores, o indivíduo (empreendedor) não pode ser bem compreendido fora de seu contexto social particular.

O segundo ─ mais recente, derivado da abordagem das redes/sociologia econômica ─ vislumbra o empreendedor e/ou seu empreendimento, inseridos em uma dada rede de interações e laços sociais e empresariais com outros atores. Tais redes são consideradas fundamentais para a compreensão do empreendedor e da dinâmica de seu empreendimento. Situa-se aí, por exemplo, um amplo e diversificado conjunto de pesquisas mais recentes, que recorrem, direta ou indiretamente, a concepções prévias originárias de Granovetter (1973Granovetter, M. (1973). The strength of weak ties. American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., 1985Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91, 481-510.).

A distinção entre essas duas abordagens possíveis a nível meso não é trivial. Possui repercussões de natureza epistemológica e empírica. Enquanto que os adeptos da primeira narrativa reconhecem a primazia de categorias analíticas tradicionalmente caras às ciências sociais ─ ou seja, raça, etnia, classe, religião, etc. ─ os adeptos da segunda reconhecem a primazia de categorias analíticas baseadas no conceito de redes e relações. Consideram tais categorias adequadas (e suficientes) para a análise dos fenômenos de interesse. No limite, as categorias etnia, cultura, religião, etc. poderiam ser vistas como correlacionadas às estruturas de relações.

Discussões entre essas duas linhas teóricas alimentam debates acadêmicos nas ciências sociais. De um lado, situam-se Granovetter (1973Granovetter, M. (1973). The strength of weak ties. American Journal of Sociology, 78(6), 1360-1380., 1985Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91, 481-510.) e seus seguidores (abordagem das redes), do outro, seus críticos (Barber, 1995Barber, B. (1995). All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, 62(2), 387- 413.; Krippner, 2004Krippner, G. (2004). Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press.). Para Barber (1995)Barber, B. (1995). All economies are embedded: the career of a concept and beyond. Social Research, 62(2), 387- 413., por exemplo, Granovetter estaria equivocado quando enfatiza o papel central das estruturas sociais no formato de redes de interações. Assim procedendo, Granovetter obliteraria todo o conjunto de diferentes tipos de estruturas sociais e culturais que compõe o sistema social maior. Os críticos da abordagem das redes argumentam, ainda, que tal abordagem subverteria as análises, gerando uma espécie de primazia do método sobre a substância. Segundo eles, seria importante investigar, não exatamente a estrutura formada pelos laços, mas, sobretudo, o conteúdo desses laços (Krippner, 2004Krippner, G. (2004). Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press.). O próprio Granovetter (2004)Granovetter, M. (2004). Polanyi symposium: a conversation on embeddedness. Oxford: Oxford University Press., por sua vez, chegou a reconhecer que, eventualmente, existiriam deficiências em algumas pesquisas empíricas enfocando a temática das redes de relacionamentos. Tais proposições repercutem no campo do empreendedorismo.

A abordagem das redes apresenta três peculiaridades que a tornam particularmente interessante para nossa reflexão corrente. Observa-se, em primeiro lugar, que ela não apresenta incompatibilidade com a abordagem baseada no contexto social. Pelo contrário. É perfeitamente possível analisar-se um determinado aspecto do empreendedorismo, lançando-se mão, concomitantemente, dessas duas categorias distintas de análise (redes e contexto social). Estudos podem enfocar, por exemplo, diferenciações que porventura existam entre redes de empreendedores originários de estratos ou grupos étnicos distintos e o impacto no desempenho de seus empreendimentos. Em segundo lugar, observa-se, atualmente, uma grande difusão de estudos sobre redes no contexto acadêmico. Os autores da réplica salientam a importância do tema competência relacional e network. Observam Machado e Nassif (2014) que, atualmente, o empreendedor seria visto como um ator relacional. De fato, esses estudos encontram-se em plena expansão.

Um terceiro ponto, advém do posicionamento da abordagem das redes ─ como concepção teórica e/ou método de investigação ─ tanto no contexto das ciências sociais, em geral, quanto no empreendedorismo, em particular. Ela pode representar um elemento possível de conexão entre os níveis micro e macro de análises. Como salientado por Lin (2001Lin, N. (2001). Building a theory of social capital. In N. Lin, K. Cook, & R. Burt (Eds.), Social capital: theory and research (pp. 3-30). New York: Aldine de Gruyter., p. vii), a abordagem das redes é capaz de capturar estruturas individuais e sociais, assim, representando um elemento fundamental de união entre ações e características estruturais, entre abordagem micro, meso e macro, entre processos de dinâmica coletiva e relacional. Essa peculiaridade a torna muito promissora no campo de estudos do empreendedorismo. Graças a ela seria possível integrar os níveis micro (foco no ator empreendedor e/ou empreendimento), meso (foco nas relações do ator com outros atores) e macro (foco no ambiente geral onde interagem tais atores).

Abordagem a nível macro

As abordagens de natureza macro, por sua vez, procuram entender o fenômeno do empreendedor e seu empreendimento no contexto de um ambiente socioeconômico ou institucional mais amplo. Também aí convivem duas linhas básicas de análises. A primeira enfatiza o tema das instituições; a segunda, da inovação. Vamos à primeira. Adam Smith (1978)Smith, A. (1978). The theory of moral sentiments. Oxford: Clarendon Press., um dos fundadores das ciências econômicas, já havia observado, na sua obra Theory of Moral Sentiments, publicada em 1759, que o funcionamento da economia de mercado não poderia prescindir de valores morais, capazes de sustentá-la a ampará-la. Um dos maiores expoentes da moderna economia institucional, Douglass North (1991North, D. C. (1991). Institutions. The Journal of Economic Perspectives, 5(1), 97–112.doi: 10.1257/jep.5.1.97, 1996North, D. C. (1996). Economic performance throught time. American Economic Review, 84(2), 359-368. doi: 10.1257/jep.5.1.97), enfatiza que as modernas economias de mercado encontram-se ancoradas em um sistema institucional. O autor define instituições como resultantes de construções humanas que, por sua vez, estruturam a vida política, econômica e as interações sociais. Tais construções incorporam tanto as regras formais (Constituição, leis, direitos de propriedades, normas contratuais, etc.) quanto informais (tabus, sanções, crenças, tradições, códigos de condutas, etc.). São responsáveis pela perpetuação da ordem e segurança dentro dos mercados e na sociedade.

Alguns sistemas institucionais seriam mais adequados ao empreendedorismo e à livre-iniciativa que outros. O livre jogo do mercado, considerado, por muitos, como fundamental para o crescimento econômico e fortalecimento do empreendedorismo, só prosperaria na presença de instituições capazes de garantir regras claras, transparência legal, segurança jurídica e incentivo ao risco privado. Nesse contexto, países dotados de um emaranhado de regras e normas, excesso de burocracia e/ou instabilidade jurídica, política ou econômica não parecem adequados ao pleno florescimento do empreendedorismo. Essas proposições permitiriam, eventualmente, melhor entender diferenciações na maneira de empreender, presentes entre países. Tal fato foi comentado pelos autores da réplica ao referir-se aos contextos americano, francês, africano e asiático. Salienta-se, apenas, que diferenciações dentro do conjunto designado asiático são muito grandes para permitir um tratamento integrado. O respeito à hierarquia, que se constitui em um dos pilares do sistema empresarial japonês, é muito distinto do princípio de guanxi ─ baseado nas redes de conexões familiares e pessoais ─ que sustenta a vida empresarial chinesa.

Vamos, agora, à segunda linha de análise, esta associada ao tema da inovação. A vertente da economia da inovação, que nasceu com Schumpeter, permite observar que a inovação, levada a cabo por empreendedores, é um elemento de disrupção no sistema econômico. Se muito radical, pode desencadear um novo ciclo de crescimento e desenvolvimento. Derivam daí dois pontos de interesse. O primeiro advém da observação que é possível estabelecer uma conexão entre o nível micro (ator inovador) e o macro (sistema produtivo). O segundo deriva do fato de que a abordagem sobre inovação não é incompatível com a abordagem sobre instituições. Pelo contrário, elas se complementam. Países dotados de instituições capazes de estimular o empreendedorismo constituir-se-iam, também, em palcos adequados para o florescimento de empreendedores inovadores, capazes de introduzir mudanças no sistema produtivo.

Esse nível de abordagem não vem sendo muito explorado. Um esforço que merece destaque, mencionado pelos autores da réplica, é o do Global Entrepreneurship Monitor (GEM). O GEM propõe-se a verificar, através de pesquisas empíricas realizadas em dezenas de países, se o nível de empreendedorismo varia entre eles; se tais níveis afetam a taxa de crescimento econômico e; o que torna um país empreendedor (GEM, n.d.). Os dados, divulgados periodicamente pelo GEM, podem, inclusive, servir de insumos para novas pesquisas sobre empreendedorismo e crescimento econômico.

Integrando os Níveis de Abordagens

À luz das reflexões aqui realizadas, é possível tecer algumas considerações sobre os níveis de análises e suas repercussões. Cada um desses níveis é dotado de certa densidade interna ─ capaz de gerar interações e diálogos intraníveis. Ao mesmo tempo, todos eles são, também, dotados de certa porosidade e permeabilidade, capazes de permitir diálogos interníveis. As respectivas posições e interações gerais entre eles podem ser melhor visualizadas na Figura 1.

Figura 1
Níveis de Análises sobre Empreendedorismo.

Como pode ser observado, a visão micro é mais específica e limitada. A visão meso, por sua vez, é capaz de abarcar e ultrapassar a micro. A macro, mais ampla, abarca e ultrapassa ambas. Uma concepção teórica mais geral sobre o empreendedor e o empreendedorismo envolveria, ao mesmo tempo, os três níveis. Assim explicitada, tal concepção apresenta-se de maneira mais coerente, integrada e articulada.

Considerações Finais: Explorando Fronteiras

A partir dessa concepção, seria possível tecer alguns comentários sobre a natureza de investigações e a capacidade de contribuição para o campo de conhecimento. A medida em que se amplia o nível de abordagem, aumenta-se a complexidade das análises. E, também, as novidades capazes de estender e enriquecer esse campo. O nível micro vem sendo muito explorado ao longo do tempo. Embora importante, não traz promessas de grandes novidades. O nível intermediário (meso), sobretudo na vertente das redes, encontra-se em plena expansão. Parece apresentar bom potencial para futuras pesquisas. As maiores promessas, no entanto, advêm, sobretudo, da exploração de seu potencial de conexão com os outros níveis. O nível macro vem sendo o menos explorado. Parece, a princípio, muito promissor.

A Tabela 1 apresenta, de maneira sintética, os níveis aqui sugeridos, associando-os às suas respectivas perspectivas teóricas, categorias analíticas básicas e exemplos de pesquisas possíveis.

Tabela 1
Níveis de Análises, Perspectivas Teóricas, Categorias Analíticas e Pesquisas Possíveis

Ao integrar níveis distintos de análises, futuras pesquisas poderiam enriquecer ─ em nível teórico, metodológico e/ou empírico ─ o campo de conhecimentos sobre empreendedorismo, desse modo, cobrindo lacunas hoje existentes. Com isso, seria possível avançar na construção de uma teoria do empreendedorismo, dotada de densidade conceitual, capacidade analítica e habilidade preditiva. Com o terreno assim mapeado, a caça ao empreendedor mostrar-se-á mais desafiadora e frutífera.

Finalmente - mas não menos importante - observa-se que a visão aqui sugerida permite incorporar os três elementos que, na visão dos autores da réplica, não poderiam ser negligenciados, na explicitação dos limites epistemológicos para o campo de pesquisa do empreendedorismo. Como salientado por elas, estes seriam: (a) a interações entre quatro variáveis, incluindo “o indivíduo, o processo, a organização e o ambiente” (Machado & Nassif, 2014, p. 894); (b) a interação entre o indivíduo e a oportunidade; (c) a dimensão temporal da análise do fenômeno. O primeiro deles ─ a interação entre as diferentes variáveis ─ encontra-se na essência de nossa proposição sobre as possibilidades ─ e necessidade ─ de integração entre os níveis micro, meso e macro, que fluem entre o indivíduo e o ambiente. O segundo ─ indivíduo e oportunidade ─ situa-se entre os temas possíveis de análises em nível micro ou, então, meso. Para muitos analistas, entre os traços distintivos do empreendedor estaria sua capacidade de vislumbrar, perseguir, construir e usufruir de oportunidades (Kirzner, 1979)Kirzner, I. M. (1979). Perception, opportunity, and profit: studies in the theory of entrepreneurship. Chicago: University of Chicago Press.. Estudos nessa área podem enfocar o nível micro (indivíduo) ou, então, expandir a análise, a exemplo de estudos mais recentes, que enfoca a interação dos traços individuais e características ambientais (Nuttin, 1984Nuttin, J. (1984). Motivation, planning, and action. Leuven: Leuven University Press & Lawr.; Townsend, Busenitz, & Arthurs, 2010Townsend, D. M., Busenitz, L. W., & Arthurs, J. D. (2010). To start or not to start: outcome and ability expectations in the decision to start a new venture. Journal of Business Venturing, 25(2), 192-202. doi: 10.1016/j.jbusvent.2008.05.003). Quanto ao terceiro elemento ─ a dimensão temporal ─ observa-se que ela pode estar presente em estudos associados a quaisquer dos níveis. E será sempre muito bem-vinda. Seja oferecendo sua contribuição à compreensão da dinâmica de evolução de um empreendimento, em particular, seja em análises mais amplas, associadas a mudanças no ímpeto empreendedor em diferentes regiões e momentos históricos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014
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