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Efeitos da perda auditiva, escolaridade e idade no processamento temporal de idosos

RESUMO

Objetivo:

avaliar o efeito da perda auditiva, escolaridade e idade no processamento temporal de idosos.

Métodos:

foram avaliados 30 idosos, 15 com perda auditiva e baixa escolaridade e (Grupo 1) e 15 com audição normal e maior escolaridade (Grupo 2). Os participantes foram submetidos a avaliação audiológica, triagem cognitiva e avaliação do processamento temporal (resolução e ordenação temporal).

Resultados:

nota-se que os além da escolaridade os grupos se diferem em relação a idade, os idosos do Grupo 1 são mais velhos (p=0,024) e menos escolarizados (p=0.002). Os idosos do Grupo 1 apresentaram maior limiar e menor porcentagem de reconhecimento de gaps no ruido quando comparados ao desempenho dos idosos do Grupo 2 (GIN Limiar p=0,002; GIN % p=0,005). Os participantes de ambos os grupos apresentaram desempenhos similares na habilidade de ordenação temporal (p=0,691). Nesta amostra houve correlação negativa entre escolaridade e limiar de acuidade temporal (p=0,045), ou seja, quanto maior a escolaridade (em anos) menor o limiar de reconhecimento de gaps. Apesar dos grupos serem distintos em relação a faixa etaria, a idade dos idosos não afetou o desempenho para os testes comportamentais do processamento temporal.

Conclusão:

Idosos com perda de audição e menor escolaridade apresentam maior prejuizo na habilidade de resolução temporal. Não houve correlação da idade com desempenho nos testes temporais.

Descritores:
Audição; Envelhecimento; Perda Auditiva; Transtornos da Percepção Auditiva

ABSTRACT

Purpose:

to assess the effect of age, schooling and hearing loss on temporal processing in elderly.

Methods:

a total of 30 elderly subjects were assessed comprising 15 with hearing loss and low education (Group 1) and 15 with normal hearing (Group 2). Participants were submitted to audiological assessment, cognitive screening and assessment of temporal processing (resolution and temporal sequencing).

Results:

the groups differed for schooling and age, with Group 1 subjects being older (p=0.024) and having less schooling (p=0.002). Group 1 subjects also had higher gaps-in-noise (GIN) detection thresholds and lower GIN detection percentage compared to the performance of Group 2 subjects (GIN Threshold p=0.002; GIN % p=0.005). Participants from both groups had similar performance for temporal sequencing ability (p=0.691). In this sample, a negative correlation was found between schooling and temporal acuity threshold (p=0.045), i.e. the higher the schooling (in years) the lower the gap detection threshold. Despite the fact that the two groups differ as to participants' age, this variable did not affect their performance at behavioral temporal processing tests.

Conclusion:

Temporal resolution ability in elderly individuals with hearing loss and a lesser level of education are impaired to a greater extent. There was no correlation between age and performance at temporal tests.

Keywords:
Hearing; Aging; Hearing Loss; Auditory Perceptual Disorders

Introdução

Com o envelhecimento, ocorre um declínio de funções fisiológicas e sensoriais, entre estes, o déficit de audição é bastante comum nos idosos11. Ciorba A, Bianchini C, Pelucchi S, Pastore A. The impact of hearing loss on the quality of life of elderly adults. Clin Inter Aging. 2012;7:159-63.. Perda auditiva relacionada à idade, também conhecida como presbiacusia, é caracterizada por um declínio da função auditiva, tais como aumento dos limiares auditivos e pobre resolução de frequência22. Li-Korotky HS. Age-related hearing loss: quality of care for quality of life. Gerontologist. 2012;52(2)265-71.),(33. Stam M, Smits C, Twisk JW, Lemke U, Festen JM, Kramer SE. Deterioration of Speech Recognition Ability Over a Period of 5 Years in Adults Aged 18 to 70 Years: Results of the Dutch Online Speech-in-Noise Test. Ear & Hearing. 2015;36(3):e129-37.. A prevalência da perda auditiva relacionada com a idade deverá subir nas próximas décadas, com o aumento da longevidade da população.

A dificuldade de compreensão de fala em ambientes ruidosos ou desafiadores é a principal queixa auditiva referida pela população idosa, independentemente da sensibilidade auditiva44. Schoof T, Rosen S. The role of auditory and cognitive factors in understanding speech in noise by normal-hearing older listeners. Front Aging Neurosc. 2014;6:307.. As diversas mudanças que ocorrem no sistema auditivo do idoso, possivelmente interferem na habilidade de processar eficientemente a fala. Estas dificuldades também podem estar relacionadas com a perda da capacidade de realizar o processamento temporal de sons55. Palmer SB, Musiek FE. Electrophysiological gap detection thresholds: effects of age and comparison with a behavioral measure. J Am Acad Audiol. 2014;25(10):999-1007..

Muitos pesquisadores já relataram que o processamento temporal é um dos mecanismos fisiológicos da audição mais afetados pelo envelhecimento66. Snell K. Age-related changes in temporal gap detection. J Acoust Soc Am. 1997;101(4):2214-20.)-(1414. Fitzgibbons PJ, Gordon-Salant S. Age-related differences in discrimination of temporal intervals in accented tone sequences. Hear Res. 2010;264(1-2):41-7.. Para Grose et al.1515. Grose JH, Hall JW, Buss E. Temporal processing deficits in the pre-senescent auditory system. J Acoust Soc Am. 2006;119(4):2305-15. e Ajith, Sangamanatha1616. Ajith KU, Sangamanatha AV. Temporal processing abilities across different age groups. J Am Acad Audiol. 2011;22(1):5-12. referiram que com o envelhecimento os déficits do processamento temporal podem ser observados relativamente cedo no processo de envelhecimento.

Para a maioria dos estudos se torna dificil a interpretação dos impactos da idade no processamento temporal devido à prevalência de perda auditiva relacionada à idade nas amostras testadas, especialmente levando em consideração que a lesão coclear reduz a sensibilidade a informação temporal1717. Henry KS, Heinz MG. Diminished temporal coding with sensorineural hearing loss emerges in background noise. Nat neurosci. 2012;15:1362-4.)-(1919. Gallun FJ, McMillan GP, Molis MR, Kampel SD, Dann SM, Konrad-Martin DL. Relating age and hearing loss to monaural, bilateral, and binaural temporal sensitivity. Front Neurosci. 2014;8:172..

Assim, a idade e perda auditiva podem ser fatores responsável pela capacidade do processamento temporal. Ainda não há um consenso na literatura se o fator determinante do pobre desempenho do processamento temporal nos idosos é o processo de envelhecimento ou a perda auditiva periférica. A hipótese desse estudo é que alterações auditivas periféricas podem ter um impacto substancial sobre a capacidade de processamento temporal de idosos.

O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito da perda auditiva no processamento auditivo temporal de idosos.

Métodos

Foi realizado um estudo exploratório prospectivo de caráter quantitativo. Este estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de São Paulo (CEP 247.182).

Na etapa de seleção da amostra foram realizados: anamnese, otoscopia, Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) e avaliação audiológica básica. Foram incluídos somente indivíduos alfabetizados e com ausência de histórico de cirurgias otológicas; distúrbios neurológicos; exposição a ruído ocupacional/trauma acústico; prática musical sistemática; alterações otológicas e uso crônico de medicamentos psicotrópicos.

Todos os participantes foram submetidos a uma triagem cognitiva por meio do teste Mini-Exame do Estado Mental - MEEM2020. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-exame do estado mental em uma população geral. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52:1-17., visando identificar alterações de funções cognitivas, que influenciariam a aplicação e resultados dos testes de processamento temporal. Foram incluídos na amostra somente os indivíduos que obtiveram, nesta avaliação, uma pontuação igual ou maior do que 24. Esta pontuação foi estabelecida baseada nas sugestões para o uso do MEEM no Brasil²¹, que referiu a pontuação de 24 pontos como o melhor corte para o diagnóstico de alteração cognitiva em idosos com histórico escolar prévio (sensibilidade de 77,8% e especificidade de 75,4%).

Foram incluídos aqueles indivíduos que apresentaram audição normal (média dos limiares de audição igual ou inferior a 25 dB NA nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz) ou perda auditiva neurossensorial de grau leve a moderado2222. Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual o basic audiometry. Baltimore: University Park Press, 1978.. Destaca-se que quatro orelhas consideradas com audição normal apresentaram média das frequências baixas e médias de até 25 dB NA (grau normal) e média das frequências altas (3000 Hz, 4000 Hz e 6000 Hz) na mesma orelha de 30 dB NA (grau leve). Este aspecto parece não ser determinante no desempenho dos testes selecionados, pois estes incluíram como estimulo o ruído branco, cuja magnitude espectral não muda quando o padrão temporal é alterado, e o tom puro de 1000Hz com diferentes durações.

Para os indivíduos com perda auditiva neurossensorial a configuração da perda deveria ser simétrica, foi considerada perda auditiva simétrica uma diferença igual ou menor do que 10 dB NA entre as médias dos limiares auditivos (500,1000 e 2000 Hz) da orelha direita e da esquerda.

Em seguida, os indivíduos que preencheram os critérios de elegibilidade acima citados foram reunidos em dois grupos, conforme a presença ou ausência de perda auditiva e nível de escolaridade. Dessa forma, os grupos deste estudo foram assim compostos: Grupo 1 (G1): 15 idosos de 60 a 78 anos com perda de audição e escolaridade média de 6,13 anos e Grupo 2 (G2): 15 idosos de 60 a 75 anos com limiares auditivos normais e escolaridade média de 9,73 anos .

A avaliação da habilidade de resolução temporal foi realizada por meio do teste Gap In Noise - GIN - gravado em compact disc2323. Musiek FE, Shinn JB, Jirsa R, Bamiou DE, Baran JA, Zaida E. GIN (Gaps-In- Noise) test performance in subjects with confirmed central auditory nervous system involvement. Ear Hear. 2005;26(6):608-18.. Foi utilizada a faixa dois para realizar o treinamento, e a faixa três para avaliação na condição binaural. Cada faixa contém estímulos de seis segundos de white noise, com cinco segundos de intervalo entre os estímulos. Os gaps estão inseridos no white noise em posições e com durações diferentes, podendo ser de 2, 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 15 ou 20 ms. O nível de apresentação foi de 50 dBNS nos indivíduos com audição normal e de 30dBNS nos participantes com perda de audição, a fim de evitar desconfortos.

Todos os indivíduos foram treinados antes de iniciar o teste. Caso o paciente não discriminasse a faixa treino, esta foi apresentada novamente, o teste só foi iniciado após a detecção de pelo menos o gap de maior duração (20ms). Considerou-se o limiar de detecção de gap como sendo o menor gap percebido em pelo menos 67,7% das apresentações, ou seja, quatro vezes, já que cada gap aparece seis vezes em cada faixa-teste. Também foi determinada a porcentagem de reconhecimento de gaps, considerando todos os 60 (100%) gaps existentes.

A habilidade de discriminação e ordenação de padrões sonoros foi avaliada por meio do Teste Padrão de Duração - TPD2424. Musiek FE, Baran JA, Pinheiro ML. Duration Pattern recognition in normal subjects and patients with cerebral and cochlear lesions. Audiology. 1990;29(6):304-13.. Os estímulos do teste são sequências de três tons de 1000 Hz com diferentes duração. Foram apresentadas 30 sequências de três tons, de forma binaural, no nível de 50 dBNS para indivíduos com audição normal e de 30dBNS para indivíduos com perda auditiva. Foi realizado um treinamento prévio antes do inicio do teste, no qual foi apresentado seis sequências de três tons, o teste só teve inicio após a discriminação e ordenação correta de pelo menos de quatro sequências. Os acertos foram pontuados em percentual.

Os dados foram apresentados por meio da estatística descritiva e comparados por meio dos testes Mann-Whitney e T- test. Em todos os testes utilizados foi fixado o nível de significância de 0,05. Os valores estatisticamente significantes foram assinalados com um asterisco [*] sobrescrito.

Resultados

A amostra do presente estudo constitui-se de dois grupos de idosos, os quais distinguiam-se pela presença ou ausência de perda auditiva, sendo o G1, composto por idoso com PANS e o G2 constituido por idosos com audição normal. Pode-se observar que houve uma simetria entre as médias tritonais da orelha direita e da orelha esquerda dos participantes de ambos os grupos, e todos os participantes apresentaram escores do MEEM acima de 24 pontos, como já estabelecido nos critérios de elegibilidade desta pesquisa. Nota-se que os grupos se diferem em relação a escolaridade e a idade (Tabela 1), sendo esta diferença significante, e em torno de 4,2 anos de vida (p=0,024) e 3,6 anos de escolaridade (p=0.002) (Tabela 2).

Tabela 1:
Estatísticas descritivas quanto: Idade (anos), Escolaridade (anos) e média tritonal da Orelha Direita e Orelha Esquerda de ambos os grupos
Tabela 2:
Estatísticas descritivas para idade (Mann-Whitney Teste) e escolaridade (T - test) em cada grupo

Na avaliação descritiva dos teste temporais segundo a variavel presença ou ausencia de perda de audição (G1XG2), observou-se que os sujeitos do G1 apresentaram um maior limiar e uma menor porcentagem de acertos do teste GIN do que os idosos do G2 (GIN Limiar p=0,002; GIN % p=0,005). Já no teste de ordenação temporal, TPD, os indivíduos idosos com perda audição apresentaram desempenho similar aos idosos com audição normal (p=0,691) (Tabela 3).

Tabela 3:
Estatística descritiva para teste GIN Limiar, GIN % e Teste Padrão de Duração em cada grupo (Mann-Whitney Test)

A partir deste resultado, questionou-se a influência do nivel de escolaridade e a idade dos participantes no desempenho dos testes de processamento temporal. Verificou-se uma correlação negativa entre escolaridade dos participantes e desempenho no GIN Limiar, ou seja, quanto maior a escolaridade (em anos) menor o limiar de reconhecimento de gap (ms) (p=0,045). Já o desempenho dos idosos para o GIN% (p=0,067) e TPD (p=0,914) não foi influenciado pelo nivel de escolaridade. Apesar dos grupos serem distintos em relação a faixa etaria, a idade dos idosos não afetou o desempenho para os testes comportamentais do processamento temporal (Tabela 4).

Tabela 4:
Coeficiente de correlação entre os testes temporais e escolaridade, e a idade da amostra total (T-Test)

Discussão

A amostra geral desta pesquisa foi composta por idosos com e sem perda auditiva, verificou-se que os idosos do com perda de audição (G1) são mais velhos e menos escolarizados do que os idosos com audição normal (G2).

Acredita-se que a diferença de idade e escolaridade entre os grupos se deva aos diferentes locais/ambientes de seleção da amostra. Inicialmente os idosos foram selecionados aleatoriamente a partir dos atendimentos realizados na Clinica de Fonoaudiologia - Setor de Audiológica Clinica de Hospital Escola da cidade de São Paulo/SP (atendimentos via Sistema Único de Saúde - SUS). Os idosos do Grupo 1, com perda de audição, foram facilmente selecionados neste ambulatório, no entretanto uma pequena parcela dos atendimentos era realizada com idosos sem alteração auditiva. A fim de completar a casuística do Grupo 2, idosos sem perda de audição, foi realizado uma parceria com um grupo da Terceira Idade que realizavam atividades na mesma região da cidade.

Os idosos que participam de atividades em grupos da Terceira Idade, em sua maioria são idosos mais jovens, compreendidos entre a faixa dos 60-69 anos de idade, bem como são idosos com maior nível de instrução escolar, grande parte possui o segundo graus ou mais2525. Barreto KML, Carvalho EMF, Falcão IV, Lessa FJD, Leite VMM. Perfil sócio-epidemiológico demográfico das mulheres idosas da Universidade Aberta à Terceira Idade no estado de Pernambuco. Rev Bras Saude Mater Infant. 2003;3(3):339-54.. O nível de escolaridade encontrado nos idosos sem perda de audição demonstra uma diferenciação do grupo, no que se refere ao nível de instrução da população idosa em geral. Quando se considera os idosos da população do país como um todo, essa coorte de idosos de hoje vem de uma época em que o acesso à educação era precário.

Geralmente idosos que frequentam grupos de terceira idade são melhores cognitivamente, por ter maior acesso a atividades intelectuais e físicas. A presente pesquisa incluiu MEEM, sendo excluídos os idosos que não obtiveram pontuação mínima nesta triagem. Entretanto, sabe-se que para uma maior compreensão da influencia de aspectos cognitivos na avaliação comportamental do processamento auditivo faz-se necessária à realização de pesquisas mais abrangentes, envolvendo escalas que possibilitem identificar déficits sutis em áreas específicas da função cognitiva - especialmente aquelas relacionadas à memória e à velocidade do processamento da informação.

Outro fator importante é a incidência e a gravidade da perda de audição estar significantemente associada com o aumento da idade2626. Sousa MGC, Russo ICP. Audição e percepção da perda auditiva em idosos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):241-6.)-(2828. Liporaci FD, Frota SMMC. Resolução temporal auditiva em idosos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):533-9. 29 Lin FR, Thorpe R, Gordon-Salant S, Ferrucci L. Hearing loss prevalence and risk factors among older adults in the United States. J A Biol Sci and Med Sci. 2011;66(5):582-90.. Dessa forma, provavelmente idosos com perda de audição (G1) seria mais idosos mais velhos do que o grupo de idosos sem perda auditiva (G2).

A capacidade do sistema auditivo em processar informações temporais do som é fundamental para a compreensão da fala1616. Ajith KU, Sangamanatha AV. Temporal processing abilities across different age groups. J Am Acad Audiol. 2011;22(1):5-12.),(1818. Moore BCJ. Auditory Processing of Temporal Fine Structure: Effects of Age and Hearing Loss. Singapore: World Scientific; 2014.),(2020. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-exame do estado mental em uma população geral. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52:1-17.),(3030. Silveira KM, Borges AC, Pereira LD. Memória, interação e integração em adultos e idosos de diferentes níveis ocupacionais avaliados pelos testes da avaliação simplificada e teste dicótico de dígitos. Distúrb Comun. 2004;16(3):313-22.),(3131. Lister JJ, Roberts RA. Effects of age and hearing loss on gap detection and the precedence effect: narrow-band stimuli. J. Speech Lang Hear Res. 2005;48(2):482-93.. O limiar de detecção de gap, ou seja, a capacidade de detectar a menor duração de um intervalo de silêncio em um som, é comumente utilizado para estudar a resolução temporal auditivo. Estudos comportamentais demonstraram que idosos têm limiares de detecção de gap mais elevados do que os adultos jovens.

No presente estudo, ao se analisar o desempenho dos idosos com sensibilidade auditiva periférica normal (G2), a média da porcentagem de reconhecimento de gaps foi inferior e o limiar de acuidade temporal superior aos achados da literatura em adultos1313. Liporaci FD. Estudo do Processamento Auditivo Temporal (resolução e ordenação) em idosos [Dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Veiga de Almeida; 2009.),(3232. Samelli AG, Schochat E. Estudo da vantagem da orelha direita em teste de detecção de gap. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(2):235-40.)-(3636. Dias TLL. Resolução temporal e cognição no idoso saudável [Dissertação]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2010.. O mesmo fato pode ser observado na habilidade de discriminação de padrões sonoros, medida com o TPD, os idosos sem perda auditiva apresentaram 61% de reconhecimento de gaps no ruído, percentual este menor que o referido na literatura para adultos com audição normal3232. Samelli AG, Schochat E. Estudo da vantagem da orelha direita em teste de detecção de gap. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(2):235-40.),(3535. Helfer KS, Vargo M. Speech Recognition and Temporal Processing in Middle-Aged Women. J Am Acad Audiol. 2009;20(4):264-71.. Confrontando estes dados com o presente estudo, pode-se inferir que a idade afeta negativamente o processamento temporal.

Ao verificar as respostas auditivas comportamentais do processamento temporal de idoso, segundo a variável perda auditiva (G1xG2), pode-se observar que tanto na analise do limiar de acuidade temporal e quanto da porcentagem de reconhecimento de gaps, os idosos com perda de audição (G1) apresentaram um desempenho significantemente pior quando comparado aos idosos com audição normal (G2), ou seja, a presença da perda auditiva resultou em uma menor percentagem de reconhecimento de gap e um maior limiar de acuidade temporal em idosos.

Segundo Henry, Heinz1717. Henry KS, Heinz MG. Diminished temporal coding with sensorineural hearing loss emerges in background noise. Nat neurosci. 2012;15:1362-4.) e Füllgrabe3737. Fullgrabe C. Age-dependent changes in temporal-fine-structure processing in the absence of peripheral hearing loss. Am J Audiol. 2013;22(2):313-5.) a perda auditiva neurossensorial diminui a sensibilidade à estrutura temporal do som, o que compromete o desempenho dos idosos em tarefas de resolução temporal. A sensibilidade para a estrutura temporal do sinais acústicos parece ser importante para a identificação bem sucedida de fala em condições de escuta complexas1818. Moore BCJ. Auditory Processing of Temporal Fine Structure: Effects of Age and Hearing Loss. Singapore: World Scientific; 2014.. O presente resultado ajuda a explicar os problemas de percepção da fala em idosos deficientes auditivos comumente surgem em condições barulhentas.

No presente estudo não houve diferença no desempenho de idosos com ou sem perda de audição na tarefa de discriminação de padrões sonoros (TPD). Estes achados corroboram com o estudo de Mesquita e Pereira3838. Mesquita LG, Pereira LD. Processamento temporal em idosos: o efeito da habilidade de resolução temporal em tarefas de ordenação de série de sons. Rev CEFAC. 2013;15(5):1163-9.) em que idosos com perda de audição de grau até moderado mostraram desempenho do TPD semelhantes ao de idosos com audição normal.

Na presente pesquisa houve uma correlação linear entre escolaridade e limiar de acuidade temporal do GIN (p-valor 0,045), ou seja, conforme aumenta a escolaridade, há um decréscimo no limiar de acuidade temporal. Pinheiro et al. 3939. Pinheiro MMS, Dias KZ, Pereira LD. Acoustic stimulation effect on temporal processing skills in elderly subjects before and after hearing AID fitting. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(4):9-16.) inferiram que a escolaridade influencia nas tarefas que envolvam participação das habilidades auditivas de resolução e ordenação temporal.

O forte efeito da educação pode ser explicado pela interação de habilidades inferencial com outras funções cognitivas, como memória de trabalho, período de vocabulário, bem como conhecimento de mundo. O nível educacional é positivamente correlacionado com a capacidade de realizar tarefas cognitivas de alto exigentes. Essa diferença também pode ser parcialmente explicada pela interação bem conhecido entre o número de anos de estudo e desempenho envolvendo várias tarefas cognitivo-linguístico, tais como memória episódica, atenção, leitura, vocabulário e funções executivas.

Apesar dos grupos serem distintos em relação a faixa etaria, a idade dos idosos não afetou o desempenho para os testes comportamentais do processamento temporal. Salienta-se que ao dizer que a idade não influenciou nesta habilidade, estamos nos referindo à variação da faixa etária que tiveram dentro desta pesquisa (60 a 78 anos), mesmo porque, já foi abordada a diferença de nossos resultados com os de pesquisa com adultos jovens.

Os resultados demonstram que a presença de perda de audição somada ao envelhecimento compromete o desempenho de idosos em tarefas de resolução temporal. Esta alteração pode ser acentuar em indivíduos com baixa escolaridade, acarretando uma maior dificuldade de distinguir os sons da fala e captar as diferenças dos sinais acústicos do dia a dia. Estes achados são relevantes e devem ser considerados na avaliação e reabilitação de idosos com perda de audição.

Conclusão

Idosos com perda de audição e menor escolaridade apresentam prejuízo na habilidade de resolução temporal. Entre os idosos, não houve correlação da idade com desempenho nos testes temporais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2015
  • Aceito
    12 Nov 2015
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