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Estudo dos roteiros de experimentos disponibilizados em repositórios virtuais por meio do ensino por investigação

The study of the guide for experiments made available in virtual repositories through inquiry-based teaching

Resumo:

A presença de materiais educacionais na internet é cada vez maior, carecendo de investigações sobre sua qualidade conceitual e pedagógica. Neste estudo buscou-se identificar elementos investigativos nos roteiros de experimentos das propostas de aulas disponibilizadas no portal do professor do Ministério da Educação. A análise dos elementos investigativos foi realizada por meio da Análise Textual Discursiva. A análise indicou que embora muitos roteiros possuam inovações no sentido de ampliar a participação dos estudantes durante os experimentos, a proposição de problemas para a condução dos experimentos não acontece. O problema tem sido percebido como uma questão relacionada a aplicação direta do conceito trabalhado. Além disso, em muitos roteiros os experimentos são concebidos para confirmar conceitos e não para explorá-los. Esses resultados podem contribuir para uma reflexão sobre o papel atribuído pelos professores para a experimentação no ensino de Química, uma vez que tais roteiros são elaborados por professores que atuam na Educação Básica.

Palavras-chave:
Ensino de química; Educação em ciências; Educação básica; Ensino de ciências por investigação

Abstract:

The presence of materials for education on the internet is increasing and its popularization among teachers and students has also been increasing gradually. However, such materials still require research into their conceptual and pedagogical quality. In this study, we intended to identify investigative elements in the guides for experiments in the proposed class available on the teachers’ portal of the Ministry of Education. The analysis of the investigative elements and the understanding of the organization of the guides resulted from criteria established by inquiry-based teaching and Discursive Textual Analysis, respectively. The analysis indicated that although many scripts have innovations in order to increase student participation during the experiments, the proposition of problems for the conduction of the experiments does not actually occur. These results may contribute to a reflection about the role assigned by teachers who work in Basic Education to experimentation in the teaching of Chemistry.

Keywords:
Chemistry teaching; Basic education; Inquiry-based science education

Introdução

A partir de nosso contato com os professores da Educação Básica, no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem, basicamente, dois desafios são colocados por eles. Um deles está relacionado à discussão dos conteúdos escolares de forma clara e eficiente, e o outro ao engajamento dos estudantes para o estudo desses conteúdos. Esses desafios têm levado os professores a buscarem fontes de informação alternativas para o planejamento e construção de suas aulas, e a internet tem estado cada vez mais presente no trabalho dos professores. Giordan (2015, p. 155)GIORDAN, M. Análise e reflexões sobre os artigos de educação em química e multimídia publicados entre 2005 e 2014. Química Nova na Escola, São Paulo, v. 37, n. esp. 2, p. 154-160, 2015. destaca a internet como “... um locus quase universal para o desenvolvimento de práticas educativas” e justifica tal afirmação por conta do baixo custo da criação e/ou uso de diferentes repositórios no campo educacional. Existe uma grande variedade de repositórios que dispõem de bancos de dados e informações que podem ser usadas de forma a contribuir para o trabalho dos professores no planejamento, construção e aplicação de suas aulas. Michel, Santos e Greca (2004)MICHEL, R.; SANTOS, F. M. T.; GRECA, I. M. R. Uma busca na internet por ferramentas para a educação química no ensino médio. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 19, 2004. apresentam uma parte dessa variedade a partir da menção a softwares e sítios educacionais, que podem auxiliar os professores em suas aulas.

Embora a internet possa auxiliar a prática pedagógica do professor, desde o planejamento até a abordagem de um determinado conteúdo, é importante ter acesso a informações atualizadas, conteúdos corretos e a recursos, estratégias e metodologias de ensino sintonizadas com as pesquisas educacionais e com as normativas que orientam o ensino da Química na Educação Básica. Dessa forma, é importante acessar repositórios que passem por um processo de revisão de seu conteúdo ou que sejam objeto de análise de pesquisas do campo educacional.

Dentre diferentes repositórios virtuais, o Portal do Professor2 2 Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html. Acesso em: 15 out. 2019. do Ministério da Educação (MEC) pode ser um suporte interessante para auxiliar os professores na realização de seu trabalho diário, pois: (i) oferece sugestões de aulas de disciplinas que fazem parte do currículo da Educação Básica; (ii) abre espaço para os professores compartilharem suas aulas; (iii) divulga fotos, mapas, vídeos, textos e áudios que tratam de temas e/ou assuntos relacionados às diversas disciplinas; (iv) disponibiliza informações de cursos de formação; (v) apresenta fóruns sobre os mais variados temas, possibilitando que os participantes possam debater entre si; (vi) sugere links nos quais os usuários são direcionados para portais nacionais e internacionais com conteúdos voltados para a formação de professores (PORTAL..., 2019PORTAL do professor: espaço da aula. [Brasília: MEC, 2019]. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/espacoDaAula.html. Acesso em: 4 abr. 2019.
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). O caráter colaborativo desse portal, que possibilita que sequências didáticas sejam elaboradas e utilizadas por diversos professores de diferentes contextos, é um dos principais pontos de destaque, principalmente para a realização deste trabalho. Assim, para o que pretendemos neste artigo, voltamos o nosso olhar para as sugestões de aulas. Este espaço é composto por uma coleção de propostas de aulas que abordam diversos conteúdos escolares das mais variadas disciplinas, possibilitando o uso pelos professores em suas salas de aula. Nessas propostas estão incluídas também, orientações para a condução dessas aulas e sugestões de atividades, textos e etc. Especificamente, no caso da disciplina de Química, em muitas dessas propostas são sugeridos roteiros de experimentos, sendo esses objetos de nossa investigação.

A experimentação tem sido amplamente defendida no ensino de Química, visto que essa Ciência lida, basicamente, com os materiais e suas transformações. No entanto, a experimentação por si só não garante a aprendizagem dos conceitos químicos. Diversos estudos têm enfatizado isso, como exemplo, citamos o estudo de Suart e Marcondes (2009)SUART, R. C.; MARCONDES, M. E. R. A manifestação de habilidades cognitivas em atividades experimentais investigativas no ensino médio de química. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 50-74, 2009.. Segundo essas autoras, em uma aula experimental os professores podem oportunizar a resolução de um problema, por meio da elaboração, teste e discussão de hipóteses, levando os estudantes a entenderem o fenômeno discutido e os conceitos envolvidos. Essa abordagem da aula experimental “privilegia o desenvolvimento de habilidades cognitivas e o raciocínio lógico” (SUART; MARCONDES, 2009SUART, R. C.; MARCONDES, M. E. R. A manifestação de habilidades cognitivas em atividades experimentais investigativas no ensino médio de química. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 50-74, 2009., p. 51). Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. também enfatiza a importância do uso de experimentos por meio de uma abordagem investigativa para o processo de ensino e aprendizagem. Essa autora também menciona que no uso de experimentos os professores precisam criar situações que fomentem o processo investigativo, colocando os estudantes frente a problemas que os levem a usar conceitos científicos já discutidos para construir outros ainda desconhecidos por eles.

A partir das ideias dessas autoras e do acesso aos repositórios virtuais pelos professores duas questões surgiram: os roteiros de experimentos das aulas propostas no portal do MEC possuem elementos do ensino por investigação? Nesses roteiros, a experimentação está relacionada a confirmação de um conceito ou a investigação do fenômeno para a exploração do conceito? Norteados pelas duas questões, que se baseiam no interesse em investigar o que tem sido proposto no portal do professor do MEC, e na premissa que os estudantes podem compreender os conceitos científicos de uma forma mais efetiva e conhecer melhor sobre a natureza da ciência quando se envolvem em uma abordagem investigativa; buscamos identificar elementos do Ensino de Ciências por Investigação nos roteiros de experimentos das propostas de aulas selecionadas.

Experimentação no Ensino de Ciências

A experimentação tem sido utilizada no ensino de Ciências visando diversos objetivos: (i) demonstrar um fenômeno; (ii) confirmar um princípio teórico; (iii) coletar dados, testar hipóteses; (iv) desenvolver habilidades de observação ou medida; (v) adquirir familiaridade com montagens; e, (vi) visualizar um show de luzes, barulhos e fumaça (HODSON, 1988HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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). Não pretendemos realizar uma análise crítica sobre cada um dos objetivos que conduzem a realização de práticas experimentais, pois dependendo da modalidade de ensino uma forma pode ser mais útil que a outra em um determinado momento. Por exemplo, em um curso técnico, desenvolver habilidades de observação ou medida são necessárias. No entanto, compartilhamos das ideias de Hodson (1988) que a experimentação pode ser explorada para a compreensão de conceitos científicos, para entendimento de aspectos de natureza da ciência e para aproximar a investigação escolar da investigação científica. As duas últimas exigem um posicionamento sobre a visão que temos acerca dos experimentos na Ciência e no Ensino de Ciências.

Ainda utilizando o trabalho de Hodson (1988)HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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trazemos elementos importantes para essa distinção. Para esse pesquisador os experimentos não são suficientes para produzir conhecimentos teóricos e, nem sempre, são necessários. Ele cita como exemplo algumas áreas da medicina, em que não há possibilidade de realizar experimentos, seja por condições operacionais ou motivos éticos (HODSON, 1988HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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).

Hodson (1988)HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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descreve muito bem sobre o fato de que os experimentos não são independentes de uma teoria, sendo que essa teoria influencia o problema a ser resolvido, o experimento adequado para esse problema, como deve ser conduzido e a interpretação dos resultados. Ele ainda ressalta que as controvérsias na Ciência não são resolvidas por meio de experimentos decisivos, mas por um processo de tomada de decisões que envolvem diversas etapas, discutidas e legitimadas pela comunidade científica. Cabe ressaltar que o quadro teórico que orienta os integrantes dessa comunidade científica, imersos em um contexto e influenciados por interesses sociais, políticos, econômicos etc., determinam as escolhas, os problemas a serem considerados e os que serão ignorados (HODSON, 1988HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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). Reconhecer esses aspectos da natureza da ciência é importante para que não tenhamos uma visão ingênua da atividade científica, de um cientista gênio, isolado e isento de influências externas, que realiza experimentos em um laboratório para construir uma teoria. Para Hodson (1988)HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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a seleção do planejamento experimental pode ser determinada também pela disponibilidade de recursos e os resultados divulgados em um meio (revista, livro etc.), que compartilhe do quadro teórico dos autores e de seus revisores que legitimam o conhecimento produzido. Assim, percebemos que os grupos detentores de mais recursos e que utilizam o quadro teórico vigente conseguirão a aceitação de sua produção pela comunidade científica.

No ensino de Ciências a experimentação possui objetivos distintos dos experimentos realizados pelos cientistas, visto que os estudantes não fazem observações com o mesmo nível de detalhes e profundidade que os cientistas. Além disso, não dispõem de laboratórios com o mesmo grau de sofisticação (HODSON, 1988HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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) e de um quadro teórico consolidado como os cientistas. Hodson (1988)HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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ressignificado por Sasseron e Duschl (2016)SASSERON, L. H.; DUSCHL, R. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 52-6, 2016. ainda afirma que a experimentação pode ser usada pelos professores para: (i) ensinar ciências, no sentido de explorar “conceitos, leis e teorias científicas” (SASSERON; DUSCHL, 2016SASSERON, L. H.; DUSCHL, R. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 52-6, 2016., p. 56); (ii) ensinar sobre a ciência, que significa conhecer “aspectos da natureza da ciência e dos fatores que influenciam sua prática e o entendimento de que existem intrínsecas e mútuas influências entre ciência e sociedade” (SASSERON; DUSCHL, 2016SASSERON, L. H.; DUSCHL, R. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 52-6, 2016., p. 53); e, (iii) ensinar como fazer ciência, no sentido de perceber “a ciência como uma cultura, com normas e práticas a partir e por meio das quais se desenvolve” (SASSERON; DUSCHL, 2016SASSERON, L. H.; DUSCHL, R. Ensino de ciências e as práticas epistêmicas: o papel do professor e o engajamento dos estudantes. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 52-6, 2016., p. 56). No entanto, para que essa função dos experimentos seja atingida, o professor precisa possuir um entendimento claro sobre as formas de abordagem da experimentação na Educação Básica e como se dá sua condução. Seguem as classificações para as formas de abordagem da experimentação na Educação Básica.


Segundo Hofstein (2015)HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566., as formas de abordagem da experimentação podem ser classificadas quanto as condições operacionais e a abertura que se dá aos estudantes no momento da realização do experimento. Essas condições operacionais podem ser classificadas quando o experimento é realizado pelo professor (demonstrativa) e quando manipulado individualmente pelos estudantes ou em cooperação com os colegas (HOFSTEIN, 2015HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566.). Para o autor, a vantagem das demonstrações está na possibilidade do professor: (i) controlar todas as ações e dinâmica do experimento, podendo explicar passo-a-passo todas as etapas e o propósito desejado com a sua realização; (ii) concentrar a atenção dos estudantes em aspectos específicos os quais se deseja observar; (iii) evitar riscos à segurança dos estudantes quando os materiais são perigosos; (iv) reduzir custos com a compra de materiais para os estudantes realizarem os experimentos individualmente ou em grupos; e, (v) utilizar a própria sala de aula para a realização do experimento, quando não há espaço adequado para isso. Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. também ressalta que as demonstrações são mais seguras quando se trata do manuseio de aparelhos que oferecem riscos aos estudantes.

No que se refere a abertura que se dá aos estudantes, por meio da adaptação das ideias de Hofstein (2015)HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566., a experimentação pode ser entendida como um momento de confirmação ou investigação. Esse autor ainda enfatiza que na experimentação por meio da confirmação o professor planeja o experimento, coloca as questões durante a aula e fornece instruções processuais detalhadas sobre a atividade. Nessa abordagem, o experimento é inteiramente dirigido pelo professor e os resultados são conhecidos de antemão pelos estudantes (HOFSTEIN, 2015HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566.). O efeito disso para os estudantes, como afirma Carvalho (2013, p. 10)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20., está relacionado à pouca oportunidade para estruturação intelectual, visto que os estudantes não possuem espaço para “levantar e testar [...] hipóteses, passar da ação manipulativa à intelectual estruturando seu pensamento e apresentando argumentações” [...]. Ao contrário dos experimentos para confirmação de uma teoria ou de um fenômeno, Hofstein (2015)HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566. ressalta que os experimentos com uma abordagem investigativa são centrados nos estudantes, fazendo com que eles perguntem, planejem e controlem suas atividades durante os experimentos. Nessa abordagem, os resultados não são conhecidos com antecedência pelos estudantes (HOFSTEIN, 2015HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566.).

Associar os experimentos realizados pelos próprios estudantes à investigação, e a demonstração à confirmação não é adequado, pois conforme indicado por Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. a demonstração pode ocorrer por meio de uma investigação. Para isso é necessário que o professor questione os estudantes antes de realizar a demonstração para resolver o problema que foi proposto. Essa atitude do professor possibilita que os estudantes levantem hipóteses que serão testadas pelo professor para a resolução do problema (CARVALHO, 2013CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.). Ela ainda destaca que a resolução do problema não se encerra com a realização do experimento pelo professor, que é a etapa da ação manipulativa. A finalização ocorre na etapa da ação intelectual que será feita pelos estudantes, quando esses tomam consciência das ações que ajudaram a resolver o problema. Nesse momento é importante que o professor pergunte aos estudantes o que foi feito para resolver o problema, considerando e justificando as principais ações que levaram a solução do problema (CARVALHO, 2013CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.).

Assumindo as ideias de Hodson (1988HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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) de que a experimentação pode ser usada pelos professores para ensinar ciências, ensinar sobre a ciência e ensinar como fazer ciência; acreditamos que a abordagem por meio da investigação é a mais favorável. Dessa forma, buscamos Carvalho (2013, p. 10-13)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. para a compreensão das etapas necessárias para um experimento investigativo: (i) “distribuição do material experimental e proposição do problema pelo professor”; (ii) “resolução do problema pelos estudantes”; (iii) “sistematização dos conhecimentos elaborados nos grupos”; e, (iv) “escrever e desenhar”, conforme descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Descrição das etapas para um experimento investigativo

Cabe aos professores, também, realizarem as sistematizações necessárias em cada etapa, visto que elas não se encerram em si mesmas. Esse “fechamento” favorece a construção dos conceitos científicos discutidos. Solino, Ferraz e Sasseron (2015, p. 2-3)SOLINO, A. P.; FERRAZ, A. T.; SASSERON, L. H. Ensino por investigação como abordagem didática: desenvolvimento de práticas científicas escolares. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 21., 2015, Uberlândia. Anais [...]. Uberlândia: SBF, 2015. p. 1-6. enfatizam que o ensino de ciências deve se apoiar em práticas de investigação típicas da ciência.

Sendo uma prática comumente utilizada pelos cientistas na resolução de problemas, a investigação revela-se em atos intelectuais e manipulativos não, necessariamente, realizados a partir de um roteiro de estratégias e ações previamente definidas. Tomamos a ideia de investigação como os processos por meio dos quais novos conhecimentos são construídos apoiando-se em resultados teóricos, dados empíricos, análise e confronto de perspectivas. A investigação é um processo aberto, desencadeado e dependente de características do próprio problema em análise, tendo forte relação com conhecimentos já existentes e já reconhecidos pelos participantes do processo. Sob esta perspectiva, processos investigativos podem surgir como decorrência, desdobramento e continuidade de investigações em curso ou já realizadas.

Considerando a investigação como um processo fundamental para a construção do conhecimento científico, defendemos uma aproximação entre práticas escolares e práticas científicas. O termo práticas neste contexto não se refere somente a experimentação, mas todas as normas e atividades desempenhadas no âmbito escolar. Nesse sentido, a experimentação está incluída nessas práticas que, concebidas por meio de uma abordagem investigativa, podem favorecer o ensino de, sobre, e como fazer Ciência.

Metodologia

Dentre os diversos repositórios virtuais existentes, o Portal do Professor do MEC foi escolhido por possuir um processo de revisão das propostas de aulas enviadas e já possuir cerca de um milhão de visitantes desde a sua criação em 2007. Para se ter uma ideia da abrangência do portal, há uma aula para os anos iniciais do ensino fundamental com mais de 278 mil acessos (PORTAL..., 2012PORTAL do professor já armazena mais de 16 mil conteúdos digitais. [Brasília: MEC], 10 fev. 2012. Disponível em: http://legado.brasil.gov.br/noticias/educacao-e-ciencia/2012/02/portal-do-professor-ja-armazena-mais-de-16-mil-conteudos-digitais. Acesso em: 4 abr. 2019.
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).

Os roteiros de experimentos analisados foram selecionados no portal do professor do MEC no dia 13 de março de 2018. A seleção desses roteiros foi realizada por meio da busca na seguinte ordem: (i) aba “espaço da aula”; (ii) pasta “sugestões de aula”; (iii) subpasta “aulas”; e, (iv) link “mais opções de busca”. Ao clicar no link “mais opções de busca” foram selecionados o “nível de ensino”, e os espaços apresentados - “tipo de pesquisa”, “componente curricular”, “tema”, “UF”. “Ordem de classificação” - foram preenchidos, conforme indicado a seguir: “Ensino Médio”, “Química”, “Propriedades das substâncias e dos materiais”, “Minas Gerais”, “Relevância”, respectivamente. Os critérios de seleção foram escolhidos em função da elevada quantidade de propostas de aulas disponíveis, conforme indicado no Quadro 2.

Quadro 2
Critérios habilitados para busca das propostas de aulas e as quantidades encontradas

O portal do professor do MEC apresenta uma grande quantidade de propostas de aulas postadas por professores de todo o território nacional. Entretanto, pelo fato dos autores do artigo atuarem no estado de Minas Gerais, foram analisados os roteiros de experimentos postados por professores desse estado, visto que eles são os que mais alimentam o portal com propostas de aulas (PORTAL..., 2019PORTAL do professor: espaço da aula. [Brasília: MEC, 2019]. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/espacoDaAula.html. Acesso em: 4 abr. 2019.
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). Dessa forma, a seleção das propostas de aulas foi direcionada para o componente curricular de Química do Ensino Médio, sobre o tema propriedades das substâncias e dos materiais, postadas por professores do estado de Minas Gerais. Mediante o interesse em analisar as propostas de aulas do portal do professor do MEC, o tema propriedades das substâncias e dos materiais foi escolhido por favorecer diversas possibilidades de experimentos. Todas as 48 propostas de aulas foram lidas, codificadas com a inicial A seguida por um número, e categorizadas para a análise daquelas que envolvessem experimentos em algum momento. Dessas propostas selecionadas, 12 foram descartadas, pois não apresentavam experimentos.

A experimentação por meio de uma abordagem investigativa favorece o levantamento e teste de hipóteses, o debate de ideias, a revisita a conceitos estudados, a exploração de novos conceitos e a compreensão de aspectos da natureza da ciência (CARVALHO, 2013CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.; HODSON, 1988HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x.
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; HOFSTEIN, 2015HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566.). A análise dos roteiros de experimentos envolveu duas fases. Na primeira fase, os critérios utilizados na análise dos roteiros de experimentos foram construídos baseando-se na obra organizada por Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.. Não pretendemos com essa análise classificar os roteiros de experimentos no portal do MEC como investigativos ou tradicionais, mas identificar elementos do ensino de ciências por investigação, propostos por Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.. A seleção do referencial teórico se deu pelo fato de estabelecer critérios importantes para a análise que pretendemos, visto que, as etapas a serem seguidas na elaboração de uma aula experimental investigativa, que favoreça a construção do conhecimento, são descritas detalhadamente. Além disso, optamos pela obra dessa autora pelo fato da mesma apresentar grande inserção na área de Educação em Ciências, sendo utilizada por diversos professores e pesquisadores.

Para estabelecimento dos critérios foram utilizadas quatro categorias adaptadas a partir das etapas propostas por Carvalho (2013, p. 11-13)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. para um experimento investigativo: proposição do problema pelo professor, resolução do problema pelos estudantes, sistematização dos conhecimentos elaborados nos grupos e sistematização individual do conhecimento. Para especificar os critérios utilizados e a identificação dos elementos investigativos nas aulas analisadas, as categorias foram desdobradas, conforme descrito a seguir:

  1. Proposição do problema pelo professor: o problema não pode ser um simples questionamento, mas algo que esteja relacionado com o cotidiano dos estudantes e que promova a construção de novos conceitos. Para análise dos desdobramentos desta categoria foi importante verificar: (i) se o problema proposto não desmotiva os estudantes por ser muito difícil ou algo muito novo para eles; (ii) se permite a exploração de conhecimentos anteriores, indicando que os estudantes tenham uma certa familiaridade com o problema, isto é, há necessidade de um contexto conhecido por eles; (iii) se não leva apenas a aplicação direta do conceito a ser discutido; e, (iv) se não é uma solução óbvia, isto é, facilmente encontrada na internet, por exemplo.

  2. Resolução do problema pelos estudantes: há necessidade de comandos que favoreçam esse momento, como por exemplo, levante suas hipóteses, teste suas hipóteses, indique os procedimentos que devem ser realizados, explique esses procedimentos etc. Além desses comandos, alguns questionamentos também podem favorecer, por exemplo: (i) qual(is) a(s) sua(s) hipótese(s) para este problema?; (ii) como esse problema pode ser resolvido?; (iii) como verificar se sua(s) hipótese(s) está(ão) correta(s)?; (iv) como você vai verificar?; e, (v) quais os procedimentos vai utilizar?. O uso de materiais de fácil acesso, encontrados em farmácias e supermercados, por exemplo, além de não oferecer riscos extremos aos estudantes, possibilita maior familiaridade dos estudantes com os testes de suas hipóteses, visto que, provavelmente, os estudantes já manipularam esses materiais.

  3. Sistematização dos conhecimentos elaborados nos grupos: este momento deve ser rico em comandos que facilitem as interações entre estudantes-estudantes e professor-estudantes, pois o professor sistematiza o conceito que se quer trabalhar. Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. não menciona os níveis de compreensão do conhecimento químico - proposto por Johnstone (1982)JOHNSTONE, A. Macro- and micro-chemistry. School Science Review, Herts, v. 64, n. 227, p. 377-379, 1982. e revisitado por Talanquer (2011)TALANQUER, V. Macro, submicro, and symbolic: the many faces of the chemistry “triplet”. International Journal of Science Education, Abingdon, v. 33, n. 2, 179-195, 2011. - no seu trabalho, visto que seu foco está voltado para o ensino de Ciências em geral, mas ressalta a importância dos estudantes compreenderem as diversas “linguagens” para a construção do conceito. O termo linguagens está entre aspas, pois no contexto original, a autora se refere aos mapas, gráficos, fórmulas matemáticas etc. Dessa forma, justifica-se o uso o uso dos níveis de compreensão do conhecimento químico (submicroscópico, macroscópico e simbólico) para análise dos roteiros de experimentos. Na Química os conceitos construídos para compreendermos os fenômenos que observamos (nível macroscópico) estão quase sempre no nível submicroscópico, e alguns aspectos podem ser descritos usando o nível simbólico (TREAGUST; CHITTLEBOROUGH, 2001TREAGUST, D. F.; CHITTLEBOROUGH, G. Chemistry: a matter of understanding representations. In: BROPHY, J. (ed.). Subject-specific instructional methods and activities. Bingley: Emerald Group Publishing, 2001. p. 239-267.). O uso desses níveis sem estabelecer relações um com o outro pode dificultar o entendimento do conceito. Por isso, comandos que facilitem essas relações devem ser utilizados nos roteiros, como por exemplo: proponha um modelo para explicar o fenômeno observado, escreva a equação que represente a reação etc.

  4. Sistematização individual do conhecimento: este momento é importante para o professor identificar se os estudantes entenderam o conceito ensinado, se eles conseguem explorar outros contextos, resolver outros problemas etc. Há necessidade de comandos no roteiro que proponham atividades individuais, como por exemplo: escreva um texto sobre o que foi discutido, escreva um relatório, realize a atividade a seguir etc.

As categorias com seus respectivos desdobramentos e os elementos utilizados na análise foram sintetizados no Quadro 3.

Quadro 3
Síntese dos critérios utilizados para a análise dos 36 roteiros de experimentos

Após a análise dos roteiros de experimentos a partir dos critérios estabelecidos (Quadro 3), eles foram lidos novamente e uma descrição desses roteiros foi realizada. Na segunda fase da análise, essa descrição foi realizada por meio das seguintes perguntas, que indicaram as etapas de organização dos roteiros: (i) como cada roteiro foi iniciado?; (ii) como se dá a sua sequência?; e, (iii) como ocorre o seu fechamento? Essas etapas compõem toda a estrutura dos roteiros analisados e direcionam a forma como o professor conduzirá a aula. A partir dessa descrição a Análise Textual Discursiva (ATD) foi empregada para a compreensão da organização desses roteiros, explorando os propósitos e os recursos utilizados. A ATD proposta por Moraes e Galiazzi (2016, p. 33)MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 3 ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016. é uma metodologia de análise inserida na abordagem qualitativa que possibilita a “reconstrução de conhecimentos existentes sobre os temas investigados”. Além da ATD possibilitar uma nova compreensão da organização dos roteiros de experimentos, é uma metodologia utilizada para análise de registros escritos, visto que a análise realizada nesta pesquisa baseou-se na descrição da organização dos roteiros de experimentos contidos nas propostas de aulas. Essas descrições realizadas a partir dos roteiros de experimentos foram fragmentadas para o estabelecimento de unidades constituintes relacionadas aos momentos que compõem a estrutura dos roteiros (desmontagem dos textos). As unidades constituintes que se relacionavam foram agrupadas para a construção de categorias (estabelecimento de relações), que nesse processo de categorização permitem uma “compreensão renovada do todo” (MORAES; GALIAZZI, 2016MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 3 ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016., p. 34) (captação do novo emergente). Isso porque as categorias construídas podem se aproximar umas das outras, que levam ao surgimento de novas categorias até o estabelecimento das categorias finais. Cabe ressaltar que essas categorias não foram construídas a priori, mas emergiram no processo de análise. No entanto, os estudos de Hofstein (2015)HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566. forneceram uma categoria para cada etapa da descrição: (i) alguns roteiros foram iniciados por meio da discussão do conceito; (ii) na sequência desses roteiros a execução do experimento foi fomentada; e, (iii) o fechamento se deu pela execução de uma atividade (Quadro 4). A “compreensão renovada do todo” (MORAES; GALIAZZI, 2016MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 3 ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016., p. 34) dialogando com os referenciais teóricos e estudos da literatura promoveram uma nova compreensão do tema investigado (um processo auto-organizado).

Quadro 4
Categorias estabelecidas para compreensão da organização dos roteiros de experimentos

Resultados e Discussão

Elementos investigativos nos roteiros de aula

A análise realizada nesta pesquisa não visa rotular os roteiros de experimentos do portal como investigativos ou tradicionais, visto que somente o que estava escrito nesses roteiros foi analisado. Além disso, não temos a pretensão em dizer como fazer uma aula investigativa, mas identificar elementos do ensino de ciências por investigação, conforme proposto por Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20., e discutir os roteiros a partir desse referencial teórico. Acreditamos que essa discussão pode auxiliar os professores a refletirem sobre o potencial da abordagem investigativa para o processo de ensino e aprendizagem em Ciências e, especificamente, Química.

Por meio da leitura das propostas de aulas levantamos características que possibilitaram selecionar aquelas que possuíam roteiros de experimentos. A partir dessa seleção classificamos as propostas de aulas em: (i) diversificadas com experimentação contando com 28 propostas de aulas. De um modo geral, elas foram construídas utilizando outros recursos além da experimentação, como por exemplo, figuras, textos, vídeos, pesquisa na internet, debates etc.; (ii) experimentação contando com oito propostas de aulas baseadas somente em experimentos. Isso não significa que nessas propostas não continham figuras e textos, mas as mesmas estavam relacionadas ao(s) experimento(s) proposto(s); (iii) diversificada sem experimentação contando com 11 propostas que foram construídas por meio dos mesmos recursos dos roteiros diversificadas com experimentação, porém sem apresentar um experimento sobre o tema abordado; e, (iv) lúdica contando com uma proposta baseada em brincadeiras. Por exemplo, na proposta de aula codificada como A25 (diversificada sem experimentação), os autores sugeriram duas aulas de 50 minutos compreendidas por 4 atividades, sendo a primeira para discussão de algumas questões e redação de um texto; a segunda realizada no laboratório de informática para os estudantes identificarem as mudanças de estados físicos por meio de uma simulação; a terceira para os estudantes identificarem essas mudanças no cotidiano e, a quarta para os estudantes realizarem uma pesquisa. Já na aula codificada como A48 (lúdica), os autores sugeriram uma aula de 50 minutos e 20 minutos de uma segunda aula para os estudantes construírem uma tabela periódica usando diferentes cores da borracha EVA (poli[(etileno)-co-(acetato de vinila)], do inglês poly[(ethylene)-co-(vinyl acetate)]). Considerando o objetivo da pesquisa, somente os roteiros de experimentos contidos nas propostas de aulas, diversificadas com experimentação e experimentação, foram analisados, totalizando 36 roteiros.

A partir das categorias, desdobramentos e elementos de análises elaborados (Quadro 3) para identificar a abordagem investigativa nos 36 roteiros de experimentos, sintetizamos os resultados. Em nenhum roteiro foi proposto um problema que fomentasse o levantamento e teste de hipóteses. Muitos professores confundem problema com exercício. No exercício o resultado é encontrado a partir de métodos já pré-estabelecidos, ao contrário do problema, em que há necessidade de encontrar métodos para resolvê-lo (SASSERON; MACHADO, 2017SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização científica na prática: inovando a forma de ensinar física. São Paulo: Livraria da Física, 2017.). O problema vai além da aplicação de um conceito, mas a elaboração de um novo conceito (CARVALHO, 2013CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.). Dessa forma, apoiando nos referenciais utilizados neste estudo, percebemos que os roteiros de aula forneciam alguns exercícios, e não, um problema, conforme exemplificado a seguir:

“Algumas pessoas usam bolinhas de naftalina no armário para afastar traças. Depois de algum tempo, essas bolinhas ‘somem’. Qual o estado físico que se encontra as bolinhas de naftalina antes de ‘sumirem’? E depois de ‘sumirem’? O que será que acontece com elas?”. “Sabemos que o ouro é encontrado na natureza em forma de pedras ou grãos? Qual o estado físico do ouro? Quando colocamos roupas molhadas no varal em dias quentes, percebemos que as roupas, depois de um tempo, ficam secas. Qual o estado físico que se encontra a água nas roupas molhadas e nas roupas secas?” (A2).

Não negamos aqui a importância dos exercícios, pois permitem conhecer como os estudantes estão compreendendo determinado conceito, e dessa forma, revisitá-lo com outra abordagem. No entanto, conforme já discutido, os exercícios apresentados nos roteiros de aula promovem a aplicação direta de um conceito já dado, e não as condições para que os estudantes possam raciocinar e construir o novo conceito (CARVALHO, 2013CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.). Borges (2002)BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002. destaca duas dificuldades principais dos professores na utilização de experimentos investigativos com os estudantes. A primeira relacionada à insegurança em realizá-los e a segunda, à condução da turma durante o experimento, devido aos questionamentos que podem surgir. Ainda hoje pode haver resistência dos professores em utilizar experimentos com essa abordagem, visto que demandam um maior número de aulas, além de situações inesperadas que podem ocorrer. Como não foi proposto um problema nos roteiros de experimentos de acordo com as ideias de Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20., não identificamos espaços para o levantamento e testes das hipóteses. O problema proposto não pode ser o do professor ou do livro didático, mas percebido pelos próprios estudantes, que são levados a executar ações e buscar novos conhecimentos para a resolução do problema (SASSERON; MACHADO, 2017SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização científica na prática: inovando a forma de ensinar física. São Paulo: Livraria da Física, 2017.). Assim “a problematização aparece como um processo de transformação, de construção de um novo olhar sobre aquilo que, aparentemente, já nos é familiar, e não como o acesso a algo que já vem pronto” (CAPECCHI, 2013CAPECCHI, M. C. V. M. Problematização no ensino de ciências. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 21-39., p. 25). Embora os roteiros apresentassem comandos e/ou orientações para o levantamento de hipóteses, como por exemplo:

  • - Organizar a turma em grupos de 4 alunos para que elaborem e escrevam suas respostas às questões-desafio (Resposta 1). Essas respostas constituirão as hipóteses dos alunos que poderão [ser] confirmadas, complementadas ou refutadas no segundo momento da aula.

  • Questões-desafio

  • - Uma pessoa ao se levantar de manhã, coou o café, adoçou-o com açúcar, em seguida, separou o feijão das pedrinhas. Foi ao quintal, lavou as roupas e as colocou para secar ao sol. Resolveu, a seguir, limpar a sala usando um aspirador de pó. Quais as misturas heterogêneas bifásicas e quais os métodos de separação que você pode identificar quando a pessoa realiza essas atividades?

  • - Proponha um procedimento para separar uma mistura de areia, ferro em pó e iodo sólido (A37).

Percebemos que essas hipóteses se referiam às respostas para os exercícios apresentados, e não o reconhecimento da(s) possível(is) variável(is) que será(ão) usada(s) para resolver o problema. Essa(s) variável(is) fornece(m) o(s) caminho(s) para como o problema pode ser resolvido, que se refere ao teste das hipóteses, isto é, o experimento que será realizado (SASSERON; MACHADO, 2017SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização científica na prática: inovando a forma de ensinar física. São Paulo: Livraria da Física, 2017.). No entanto, os experimentos propostos podem ser facilmente manipulados, visto que os materiais são fáceis de serem encontrados, não requerem habilidades muito específicas para manuseá-los e não oferecem riscos extremos aos estudantes. Somente na proposta de aula codificada como A1 que não haveria necessidade de manuseio, pois o experimento já se encontrava realizado.

  • - Providencie seis copos com os seguintes materiais: copo 1: água do mar ou água e sal; copo 2: água e areia; copo 3: água e álcool; copo 4: água e gelo; copo 5: água e óleo; e copo 6: areia (A1).

  • Todos esses materiais são conhecidos pelos estudantes, facilitando o trabalho dos estudantes para testarem suas hipóteses. Se os materiais são desconhecidos ou demandam uma sofisticação para o seu manuseio, os estudantes podem ficar receosos e/ou perdidos de como usar esses materiais para o teste de suas hipóteses (CARVALHO, 2013CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.).

  • Na maioria dos roteiros foi indicado comandos que podem favorecer interações entre os estudantes e o professor, conforme ilustrado a seguir.

Socialização e discussão das observações nos grupos de 4 alunos/as

  • - Discuta com seus colegas as respostas dadas às questões propostas. O grupo deverá verificar as respostas comuns e as diferentes.

  • - Eleja um/a componente do grupo para socializar as respostas na discussão envolvendo toda a turma (A46).

No entanto, percebemos que essas interações se restringiram as respostas fornecidas pelos estudantes para as questões propostas. E essas respostas se referiam a apresentação imediata dos conceitos trabalhados, isto é, os estudantes não são confrontados, diferentes perspectivas não são consideradas etc. Apoiados nas ideias de Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20., acreditamos que comandos, tais como: (i) solicite que os estudantes expliquem os motivos que os levaram a acreditar que suas ideias estão corretas; e, (ii) solicite que os estudantes expliquem os motivos que os levaram a acreditar que a ideia de um determinado grupo está errada, seriam mais eficazes para a promoção das interações. Esses comandos nos roteiros de experimentos favoreceriam interações discursivas entre os estudantes e o professor. A promoção de interações discursivas demanda dar tempo e incentivar que os estudantes respondam e, ter conhecimento do tema para que as perguntas feitas evidenciem, confrontem e exigem aprofundamentos das respostas dos estudantes (SASSERON, 2013SASSERON, L. H. Interações discursivas e investigação em sala de aula: o papel do professor. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 41-61.). Além da problematização e incentivo da resolução do problema, a função do professor também se destaca no favorecimento das interações discursivas, desde a apresentação das ideias que os estudantes possuem, passando pela refutação das hipóteses e, culminando com comunicação e justificativa da resolução desse problema.

Quanto à relação entre os níveis de compreensão do conhecimento químico, não foi identificado na maioria dos roteiros, pois os comandos se referem, por exemplo:

  1. Desenhe em seu caderno a fórmula estrutural para as moléculas representadas. Para isso, substitua as bolinhas pelas letras que representam os átomos correspondentes. A bolinha vermelha representa o oxigênio, a bolinha branca o hidrogênio e a cinza o carbono;

  2. Para cada molécula desenhada, escreva a fórmula molecular correspondente (A4).

O nível simbólico aparece como algo a mais para ser decodificado, e não, como uma relação entre os níveis macroscópico e/ou submicroscópico apresentados anteriormente nos roteiros. O nível simbólico aparece completamente desvinculado do nível submicroscópico, como se não representasse uma parte desse (TREAGUST; CHITTLEBOROUGH, 2001TREAGUST, D. F.; CHITTLEBOROUGH, G. Chemistry: a matter of understanding representations. In: BROPHY, J. (ed.). Subject-specific instructional methods and activities. Bingley: Emerald Group Publishing, 2001. p. 239-267.). Diversos estudos já indicaram as dificuldades dos estudantes transitarem entre os diferentes níveis de compreensão do conhecimento químico (JOHNSTONE, 1993JOHNSTONE, A. H. The development of chemistry teaching: a changing response to changing demand. Journal of Chemical Education, Washington, v. 70, n. 9, p. 701-705, 1993.; TALANQUER, 2011TALANQUER, V. Macro, submicro, and symbolic: the many faces of the chemistry “triplet”. International Journal of Science Education, Abingdon, v. 33, n. 2, 179-195, 2011.; TREAGUST; CHITTLEBOROUGH, 2001TREAGUST, D. F.; CHITTLEBOROUGH, G. Chemistry: a matter of understanding representations. In: BROPHY, J. (ed.). Subject-specific instructional methods and activities. Bingley: Emerald Group Publishing, 2001. p. 239-267.) e, mesmo assim, há pouco avanço na construção e organização de materiais didáticos de Química que promovam relação entre os níveis.

As atividades propostas de finalização dos roteiros de aula não favorecem a sistematização individual do conhecimento, pois evidencia que a maioria dos autores usaram somente atividades em grupo, não demandando um trabalho individual do estudante. Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. enfatiza a importância da sistematização individual do conhecimento, que pode ser realizada por meio da escrita para realçar a construção individual do conhecimento. No que se refere ao critério de análise sobre a exploração de outros contextos foi encontrado em apenas três roteiros de experimentos. Para exemplificar em um desses roteiros (A22) foram apresentadas algumas transformações químicas para que os estudantes discutissem o conceito. Essa discussão se deu basicamente pelas evidências das transformações que ocorreram. No fechamento do roteiro foi apresentado a reação de produção de sabão, não no contexto das evidências, mas utilizando as propriedades do produto formado como indicativo de que a reação ocorreu.

Usando as ideias de Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20. percebemos que poucos elementos do ensino de ciências por investigação foram identificados. O ponto marcante dessa análise foi a ausência da proposição de um problema, desfavorecendo o aparecimento de outros elementos essenciais. Isso porque o problema leva a investigação, que “envolve conceitos, procedimentos, atitudes, debates e reflexão” (SASSERON; MACHADO, 2017SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização científica na prática: inovando a forma de ensinar física. São Paulo: Livraria da Física, 2017., p. 25). A ausência do problema nos roteiros de experimentos fomentou, por meio da ATD, a busca pela compreensão de como esses roteiros foram organizados.

Organização dos roteiros de experimentos

O planejamento de um experimento com abordagem investigativa, segundo Carvalho (2013)CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20., envolve, inicialmente, o levantamento do problema, seguido pela resolução do problema e sistematização coletiva, finalizando pela sistematização individual. Dessa forma, para compreendermos a organização dos roteiros utilizamos a ATD, estabelecendo categorias para cada etapa identificada na descrição dos roteiros, conforme mostrado no Quadro 4.

O portal do professor do MEC é um espaço utilizado pelos professores para o auxílio no planejamento e elaboração de suas aulas. Portanto, é imprescindível que estudos sejam realizados para determinar como o material deste portal está sendo elaborado, como este portal pode ser usado da melhor forma possível e como os resultados dessas pesquisas podem orientar a construção dos novos materiais. Isso não significa que os estudos realizados, a partir desses materiais que alimentam o portal, devam estar relacionados a discussão de sua qualidade. Consideramos que tais pesquisas devam contribuir no sentido de fornecer melhorias, tanto para os professores que utilizam o portal quanto para os seus estudantes. Dessa forma, as contribuições deste artigo estão relacionadas à iniciativa de se olhar para um portal de acesso público e colaborativo, e trazer discussões que contribuam para a reflexão dos professores, que cada vez mais utilizam esses repositórios virtuais.

Podemos perceber que a maioria dos roteiros de experimentos foi organizado da seguinte forma: discussão do conceito, execução do experimento e, por fim, alguma atividade. Essa forma de abordagem se aproxima da confirmação, conforme indicado por Hofstein (2015)HOFSTEIN, A. Laboratory work, forms of. In: GUNSTONE R, R. (ed.). Encyclopedia of science education. Dordrecht: Springer, 2015. p. 563-566.. O conceito é apresentado, o experimento mesmo que executado pelos estudantes, contém todos os procedimentos detalhados e direcionados para o que o estudante deve observar. No entanto, alguns roteiros se distanciam dessa forma de abordagem, como por exemplo o A2, iniciando pelo levantamento de concepções prévias, seguindo pela execução do experimento e, finalizando pela execução de atividades. Percebemos propostas diversas nesses roteiros, como por exemplo, discussão do conceito após a execução do experimento (A10), apresentação de texto histórico (A15) e discussão do conceito ao longo das etapas propostas, e não, no início (A2). Os roteiros de experimentos propostos podem ser organizados com elementos do ensino por investigação. Para isso os professores podem atentar para: (i) proposição do problema que fomente o processo de investigação; (ii) materiais disponíveis para os estudantes; (iii) delimitação das variáveis que serão realmente trabalhadas; e, (iv) favorecimento das interações entre estudantes-estudantes, estudantes-professor e estudantes-materiais (SASSERON; MACHADO, 2017SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização científica na prática: inovando a forma de ensinar física. São Paulo: Livraria da Física, 2017.).

Considerações e implicações

Acreditamos que os estudantes podem compreender os conceitos científicos de uma forma mais efetiva e conhecer melhor sobre a natureza da ciência, quando se envolvem em uma abordagem investigativa. Dentro dessa abordagem, a experimentação pode ser um momento rico para atingir essa finalidade. Sendo assim analisamos os roteiros de experimentos do espaço aula do portal do professor disponibilizado pelo MEC, buscando identificar elementos do ensino por investigação. A ausência de um problema proposto em todos os roteiros de experimentos nos levou a investigar como esses roteiros foram organizados. A partir dos resultados obtidos, embora existam algumas inovações, observamos que os roteiros de aula ainda são organizados com uma abordagem de confirmação de conceitos. Reconhecemos que avaliar somente o que está escrito dificulta conclusões mais consistentes, mas a ausência de elementos do ensino por investigação e a organização das propostas nos fornece elementos interessantes para as considerações que foram feitas. Mesmo que as abordagens dos experimentos já tenham sido debatidas exaustivamente pela área, os professores ainda encontram dificuldades para utilizarem uma abordagem investigativa. Além dessas dificuldades, pode haver uma resistência também por parte dos professores, visto que, essa abordagem demanda um número maior de aulas. A construção do conhecimento científico se dá pela investigação, o que nos leva a concordar com Sasseron e Machado (2017, p. 16)SASSERON, L. H.; MACHADO, V. F. Alfabetização científica na prática: inovando a forma de ensinar física. São Paulo: Livraria da Física, 2017.: “a investigação torna-se importante em sala de aula, pois por meio dela criam-se oportunidades para que os alunos entrem em contato com elementos da cultura científica”. Isso nos leva a sugerir a ampla discussão dos objetivos da experimentação na Educação Básica, tanto nos cursos de formação inicial quanto nos de formação continuada.

Referências

  • BORGES, A. T. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 19, n. 3, p. 291-313, 2002.
  • CAPECCHI, M. C. V. M. Problematização no ensino de ciências. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 21-39.
  • CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, A. M. P. (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 1-20.
  • GIORDAN, M. Análise e reflexões sobre os artigos de educação em química e multimídia publicados entre 2005 e 2014. Química Nova na Escola, São Paulo, v. 37, n. esp. 2, p. 154-160, 2015.
  • HODSON, D. Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, Abingdon, v. 20, n. 2, p. 53-66, 1988. DOI: https://doi.org/10.1111 /j.1469-5812.1988.tb00144.x
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2018
  • Aceito
    03 Maio 2019
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