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Controle e produção de hemoderivados indústria nacional e inovação

Blood derivatives control and production, national industry and innovation

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Controle e produção de hemoderivados indústria nacional e inovação

Blood derivatives control and production, national industry and innovation

Anna Bárbara F. C. ProiettiI; Júnia G. M. CioffiII

IMédica hematologista e hemoterapeuta. Presidente da Fundação Hemominas & Belo Horizonte-MG

IIMédica hematologista e hemoterapeuta. Diretora Técnica da Fundação Hemominas & Belo Horizonte-MG

Correspondência Correspondência: Anna Bárbara de Freitas Carneiro-Proietti Fundação Hemominas Rua Grão Pará, 882 30150-340 & Belo Horizonte, MG Fone: (55 31) 32807490 Fax: (55 31) 32849579 E-mail: anna.proietti@hemominas.mg.gov.br

O mundo moderno demonstra, cada vez mais, preocupação com o padrão de qualidade dos produtos industrializados. Em relação aos medicamentos industrializados do sangue, os hemoderivados, este cuidado é cada vez mais pertinente, o que evita situações deploráveis como a que diversos países desenvolvidos vivenciaram nas décadas de 80 e 90, quando pacientes hemofílicos foram contaminados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), através do uso de produtos industrializados derivados do plasma.1 Mudanças drásticas nos processos de obtenção, triagem e tratamento dos produtos derivados de sangue e tecidos humanos seguiram-se à dramática epidemia de AIDS em pacientes hemofílicos, com a inovação de técnicas para a detecção de viroses transmissíveis pelo sangue e para a inativação viral nos produtos plasmáticos.2

O Brasil, que hoje ainda depende inteiramente de produtos de coagulação e outros hemoderivados importados, tem-se empenhado em acompanhar a evolução na tecnologia, e o trabalho do INCQS, apresentado neste exemplar, sobre o controle de qualidade de produtos hemoderivados, aponta para a direção correta do desenvolvimento de tecnologias para que se possa fazer o monitoramento sistemático da qualidade dos derivados do sangue. E a divulgação destes resultados para a comunidade técnica e científica reveste-se de importância, para que possa ser dada ao paciente a garantia de que os produtos tenham a qualidade esperada.

No entanto, além de programa de controle de qualidade eficaz, é necessário atentar para a questão da extrema dependência externa em que o país ainda se encontra, evidenciada pela dificuldade nas aquisições de fatores em quantidade adequada e também em tempo hábil, para atender à demanda dos pacientes brasileiros. Grandes investimentos estão sendo feitos pelo país, não só para a produção de produtos plasmáticos, através da indústria de hemoderivados, a Hemobrás, mas também buscando desenvolver a tecnologia recombinante, através de investimentos em pesquisas em centros avançados de pesquisa no país. É esperado que estes investimentos levem à progressiva independência de produtos importados e que seja estimulada a inovação para que a indústria nacional possa incorporar novos produtos à lista de medicamentos ofertados aos pacientes que deles necessitem. Para isto, é necessário que a nascente empresa tenha uma filosofia de inovação, com um forte setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

O que as equipes multidisciplinares, que têm por missão atender aos pacientes dependentes de hemoderivados em todo o país, acompanharam no último ano foi uma grande dificuldade em fornecer fatores de coagulação em quantidade suficiente para tratamentos já considerados estabelecidos no acompanhamento de pacientes hemofílicos. Tratamentos cirúrgicos e fornecimento de doses para utilização domiciliar de urgência foram suspensos, ocasionando desconforto e apreensão entre os pacientes, que se viram, por certo tempo, sem perspectivas do restabelecimento do atendimento.

Esses contratempos evidenciam que, apesar de conseguirmos resultados positivos no procedimento de avaliação dos produtos, o país tem tido muitos problemas nos processos de aquisição dos hemoderivados, o que tem prejudicado os pacientes que deles necessitam. A própria redução do número de doadores mundialmente, devido, entre outros fatores, ao maior rigor na triagem clínica e sorológica, tem ocasionado estas dificuldades. Além disso, a melhoria do atendimento aos pacientes hemofílicos nos países em desenvolvimento leva a uma maior demanda do produto, com consequente aumento do custo do produto, o que tem dificultado as compras nacionais.

Com as dificuldades enfrentadas, os pacientes buscam o apoio dos canais legais pertinentes, que, muitas vezes, por ignorarem as instâncias de responsabilidades na aquisição dos produtos, pressionam as instituições e os profissionais que estão na linha de frente. Estas instâncias, instituições de referência no tratamento das coagulopatias, possuem a função de atender e oferecer ao paciente o melhor tratamento para sua patologia, mas não têm autonomia e poder de decisão nas aquisições dos medicamentos.

A retomada do envio do plasma brasileiro para fracionamento no exterior reabre o caminho para aproveitamento do plasma excedente nacional, que demonstra qualidade e potencial crescentes, visto que o Ministério da Saúde tem feito esforços especiais na qualificação do mesmo, visando o máximo aproveitamento desta preciosa matéria-prima.

Espera-se ainda que a anunciada produção dos hemoderivados no País, a partir de 2011, possa aumentar a disponibilidade dos produtos e rumar para a futura independência, sobretudo de Fator VIII da coagulação, que é o mais crítico em relação às quantidades produzidas versus as utilizadas. Vale destacar a importância de que os investimentos consideráveis feitos pelo poder público na obtenção do Fator VIII recombinante possam ser recuperados através da produção do mesmo em grande escala, em médio prazo.

Se esses empreendimentos nacionais forem coroados de sucesso, os processos de qualificação apresentados por Adati e colaboradores3 no presente volume, bem como futuras inspeções sanitárias nos processos de produção, garantirão aos usuários que os medicamentos derivados do sangue serão colocados no mercado somente após demonstrarem as devidas qualidade e segurança.

Recebido: 26/05/2009

Aceito: 04/06/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Evatt BL. The tragic history of AIDS in the hemophilia population, 1982-1984. J Thromb Haemost. 2006 Nov;4(11):2295-301.
  • 2. Leventon LB, Sox Jr HC, Stoto MA. Editores. HIV and the blood supply: an analysis of crisis decisionmaking. Washington, EUA. National Academy Press, 1995
  • 3. Adati MC, Gemal AL, Guedes HCB. Resultados do controle de qualidade de produtos hemoderivados & Análise sanitária. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2009;31(4):235-240.
  • Correspondência:

    Anna Bárbara de Freitas Carneiro-Proietti
    Fundação Hemominas
    Rua Grão Pará, 882
    30150-340 & Belo Horizonte, MG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
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