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Caracterização mineralógica de um solo do Acre visando à produção de agregados artificiais de Argila Calcinada para uso em pavimentos

Mineralogical characterization of an Acre soil in order to produce calcined clay aggregates for pavements

RESUMO

Esse artigo apresenta os resultados experimentais da avaliação das características mineralógicas de um tipo de solo característico do estado do Acre – localmente conhecido como tabatinga – na confecção de agregados artificiais de argila calcinada visando seu emprego em camadas de bases de pavimentos rodoviários. A correta identificação dos argilominerais através da técnica de Difração de Raios X se mostra mais confiável e eficaz quando precedida de tratamentos preliminares da amostra envolvendo sedimentação, retirada de ferro e preparo de lâminas em condições saturadas e aquecidas. Os resultados indicam que o solo apresenta características mineralógicas compatíveis com a produção de agregados calcinados com características físicas e mecânicas adequadas para o uso proposto, além de indicar que os critérios de classificação preliminares envolvendo índices físicos nem sempre são suficientes.

Palavras-chave
argila calcinada; DRX; argilominerais; pavimentação; Acre

ABSTRACT

This paper presents the experimental results of the evaluation of the mineralogical features of a soil from the Southwest of the Brazilian Amazon used to produce calcined aggregates for road pavements. The identification of clay minerals by X-Ray Diffraction technique is more efficient when preceded by preliminary sample treatments involving sedimentation, iron removal and preparation of microscope slides under glycol-saturated and heated conditions. The results show that the soil presents mineralogical features suitable for the production of calcined aggregates with acceptable mechanical behavior for the proposed use; they also show that the preliminary classification involving physical indexes are not always sufficient to verify the suitability of the soils.

Keywords
calcined clay; X-ray diffraction; clay minerals; paving; Acre

1. INTRODUÇÃO

Desde o início das obras de implantação de estradas no estado do Acre, o meio técnico ligado à área rodoviária vem enfrentando diversas dificuldades de ordem geotécnica. A generalizada ocorrência de solos de elevada atividade (estrutura 2:1) inadequados para emprego direto em camadas de bases de pavimentos devido aos seus altos valores de plasticidade e expansão [11 ACRE. Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Livro temático II: Recursos Naturais I -Geologia, Geomorfologia e Solos do Acre. Programa Estadual de Zoneamento ecológico-econômico do Acre Fase II -Escala 1:250.000. SEMA Acre, Rio Branco, 2010.], aliada à ausência de jazidas de rochas disponíveis para exploração comercial em seu território [22 GUIMARÃES, A. C. R., MOTTA. L. M. G., VIEIRA. A. Contribuição para a aplicação de uma Abordagem Mecanística na Avaliação Estrutural de Pavimentos Asfálticos do Estado do Acre, In: 13ª REUNIÃO DE PAVIMENTAÇÃO URBANA – 13ª RPU, Maceió/AL – Brasil. 2006.], vêm contribuindo para rodovias com graves problemas estruturais e com elevados custos.

O Acre é o único estado do Brasil que não explora a chamada pedra britada, cuja utilização é recorrente em bases granulares de pavimentos, seja mediante brita graduada simples (BGS) ou em misturas solo-agregado. A alternativa utilizada é a importação de agregados pétreos de estados vizinhos, gerando elevados custos de transporte e dificultando a viabilização de diversas obras [22 GUIMARÃES, A. C. R., MOTTA. L. M. G., VIEIRA. A. Contribuição para a aplicação de uma Abordagem Mecanística na Avaliação Estrutural de Pavimentos Asfálticos do Estado do Acre, In: 13ª REUNIÃO DE PAVIMENTAÇÃO URBANA – 13ª RPU, Maceió/AL – Brasil. 2006.]. Como consequência, o Acre é o estado que possui a brita mais cara do Brasil, conforme os índices da Construção Civil - SINAPI [33 CAIXA (Caixa Econômica Federal). SINAPI: Índices da Construção Civil. Disponível em: http://www.caixa.gov.br/, acesso em janeiro de 2017.
http://www.caixa.gov.br/...
].

Diante desse cenário geotécnico desfavorável, a produção de agregados alternativos a partir de recursos locais é uma alternativa com grande potencial para a região. Além disso, o aproveitamento de solos de larga ocorrência, não utilizáveis em pavimentos, pode ser útil como matéria-prima para a fabricação de agregados de argila calcinada. Os agregados produzidos, uma vez que atendam aos critérios de ensaios para uso em bases de pavimentos, conforme prescrito na Norma DNER-ES 227/89 [44 DNER – DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. 1989. DNER-ES 227/89 – Agregados sintéticos graúdos de argila calcinada: emprego em obras rodoviárias. Rio de Janeiro, RJ.], podem ser utilizados em substituição à pedra britada, reduzindo o custo da estabilização de solos com distribuição granulométrica deficiente. Tais alternativas tecnológicas já se mostraram tecnicamente adequadas a partir dos trabalhos desenvolvidos em [55 BARBOSA, V. H. R. Estudo de solos do Acre para a produção de agregados calcinados e misturas para Bases em Pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2017.], onde foram empregados solos provenientes da indústria cerâmica de tijolos, e também em [66 NASCIMENTO, R. R. Utilização de agregados de argila calcinada em pavimentação: uma alternativa para o estado do Acre, Dissertação de M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, 2005.], onde empregou-se um solo de elevada atividade conhecido localmente como tabatinga. Os agregados produzidos em ambos os trabalhos são apresentados na Figura 01.

Figura 1
(a) Agregados calcinados com solos utilizados em cerâmicas do Acre em [55 BARBOSA, V. H. R. Estudo de solos do Acre para a produção de agregados calcinados e misturas para Bases em Pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2017.]; (b) Agregados produzidos a partir da tabatinga do Acre em [66 NASCIMENTO, R. R. Utilização de agregados de argila calcinada em pavimentação: uma alternativa para o estado do Acre, Dissertação de M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, 2005.].

A denominação tabatinga é associada a alguns solos com características mecânicas peculiares bem conhecidas na prática rodoviária regional do Acre, especialmente ao longo da rodovia BR-364, na porção central do estado. Trata-se de um solo silto-argiloso de origem sedimentar e coloração esbranquiçada, apresentando plasticidade superior a diversos solos argilosos locais e elevada expansão quando em contato com a água.

Não obstante, a sua extensa ocorrência territorial pode ser apontada como um dos fatores responsáveis por diversas falhas estruturais em pavimentos construídos no estado. Suas características físicas, químicas e mineralógicas são negligenciadas para fins geotécnicos, uma vez que as principais pesquisas sobre esse material no estado são voltadas para o setor primário da economia, tais como extrativismo vegetal, agricultura ou pecuária.

No tocante à utilização desse solo na indústria cerâmica acreana, seu uso muitas vezes é preterido por solos menos plásticos ou mediante misturas, tendo como consequência materiais cerâmicos de menor qualidade. Um dos motivos é que o produto final – tijolos em sua grande parte –, possui exigências técnicas diferenciadas e muitas vezes mais brandas do que agregados para uso em pavimentação. Dessa forma, não tendo que atender a características específicas para agregados calcinados, a seleção de solos nessa indústria acaba baseando-se nas características físicas de materiais que garantam o atendimento aos critérios mínimos exigidos e uma maior produtividade.

Apesar da importância de se avaliar as características físicas da matéria-prima mediante ensaios granulométricos, os resultados obtidos não podem, isoladamente, assegurar as características finais de um produto cerâmico. Isso porque as partículas responsáveis pela maior parte dos fenômenos físico-químicos possuem diâmetro inferior a 2µm [55 BARBOSA, V. H. R. Estudo de solos do Acre para a produção de agregados calcinados e misturas para Bases em Pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2017.]. Dessa forma, à medida que o diâmetro das partículas do solo diminui, o comportamento da massa passa a depender fundamentalmente de sua composição mineralógica e da presença e natureza da água. Ou seja, em solos muitos finos como a tabatinga estudada, as forças superficiais decorrentes da estrutura cristalina das partículas predominam sobre as forças gravitacionais.

De acordo com [77 SANTOS, P. S. Tecnologia das argilas – Vol 2. Fundamentos. São Paulo, Ed. Edgard Blucher, 1975.], as argilas são constituídas essencialmente por partículas cristalinas extremamente pequenas de um número restrito de minerais conhecidos como argilominerais. Quimicamente, os argilominerais são compostos por silicatos hidratados de alumínio e ferro com a presença predominante de elementos alcalinos e alcalinos terrosos. Além dos argilominerais, as argilas podem conter ainda outros materiais e minerais, tais como matéria orgânica, sais solúveis, quartzo, pirita, mica, calcita, dolomita e outros minerais residuais, ou ainda minerais não-cristalinos ou amorfos.

Dessa forma, em função da necessidade de correlacionar o desempenho obtido nos agregados aos tipos de argilominerais presentes na matéria-prima, este artigo apresenta os procedimentos e os resultados da caracterização mineralógica de um solo que resultou em agregados calcinados de características técnicas satisfatórias para emprego em camadas de bases de pavimentos [55 BARBOSA, V. H. R. Estudo de solos do Acre para a produção de agregados calcinados e misturas para Bases em Pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2017.], constituindo-se a primeira utilização desses procedimentos para essa finalidade.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Caracterização preliminar da matéria-prima

O solo argiloso empregado neste trabalho foi coletado no entorno de Rio Branco, no estado do Acre. O aspecto tátil-visual do material demonstrou alta plasticidade, textura fina e aspecto mosqueado – tonalidades diferentes – com fundo cinza e manchas vermelhas, o que está relacionado à variação do lençol freático e redução de ferro, conforme a Figura 2. Solos com esse aspecto ou similares são identificados regionalmente como tabatinga, cuja escolha para essa investigação se baseou no fato de suas características se assemelharem a grande parte dos solos acreanos.

Figura 2
Local da ocorrência no entorno de Rio Branco e aspecto da matéria-prima (tabatinga) coletada.

A tabatinga não é exatamente uma terminologia que designa uma classe de solo prevista no Sistema brasileiro de classificação de solos (SiBCS), tampouco é objetivo desta pesquisa fazer uma correlação precisa a esse respeito, visto que demandaria uma extensa abordagem específica. Contudo, para fins de classificação preliminar de solos visando ao uso em agregados calcinados, conforme sugerido por [66 NASCIMENTO, R. R. Utilização de agregados de argila calcinada em pavimentação: uma alternativa para o estado do Acre, Dissertação de M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, 2005.], é recomendável identificar características comuns entre o solo estudado e uma ou mais classes pedológicas na região de estudo.

Dentre os principais solos do Acre, especialmente na porção central do estado, destacam-se os Vertissolos e os Cambissolos, os quais apresentam algumas características em comum que podem ser relacionadas ao comportamento do solo estudado nesta pesquisa, tais como: elevada atividade com presença de argilominerais expansíveis (estrutura 2:1), solos rasos, imperfeitamente drenados, consistência extremamente dura quando secos e muito plástica e pegajosa quando úmidos, alta capacidade de troca catiônica (CTC) e estrutura em blocos angulares e subangulares resultantes do processo de expansão e contração [11 ACRE. Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Livro temático II: Recursos Naturais I -Geologia, Geomorfologia e Solos do Acre. Programa Estadual de Zoneamento ecológico-econômico do Acre Fase II -Escala 1:250.000. SEMA Acre, Rio Branco, 2010.], conforme comparativo da figura 3 entre os prismas pedológicos desses solos e o material utilizado nesta pesquisa.

Figura 3
(a) Prisma pedológico do Cambissolos; (b) Prisma pedológico do Vertissolo [11 ACRE. Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Livro temático II: Recursos Naturais I -Geologia, Geomorfologia e Solos do Acre. Programa Estadual de Zoneamento ecológico-econômico do Acre Fase II -Escala 1:250.000. SEMA Acre, Rio Branco, 2010.]; (c) Tabatinga coletada.

Como etapa de caracterização preliminar do solo para emprego em agregados calcinados, conforme metodologia desenvolvida no Instituto Militar de Engenharia (IME) disponível em [88 CABRAL, G. L. L. Metodologia de produção e emprego de agregados de argila calcinada para pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2005.], foi realizada no laboratório de solos dessa mesma instituição a caracterização física do solo através dos ensaios de granulometria [99 ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. 1984. NBR 7181. Solo – Análise granulométrica.], Limites de Atterberg [1010 ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. 1984. NBR 6459. Solo – Determinação do limite de liquidez.], [1111 ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. 1984. NBR 7180. Solo – Determinação do limite de plasticidade.] e Massa específica real dos grãos [1212 DNER – DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM. 1994. DNER-ME 093/94. Solos – Determinação da densidade real. Rio de Janeiro, RJ.], obtendo-se os resultados apresentados na Tabela 1:

Tabela 1
Características físicas da matéria-prima.

Os resultados dos ensaios de caracterização física da matéria-prima indicaram que o solo argiloso deste estudo é altamente plástico e com partículas muito finas passando totalmente na peneira nº 200 (0,075 mm). Isso se traduz em um solo com elevada superfície específica, o que pode também ser observado através do valor do Limite de Liquidez de 86% e Índice de Plasticidade (IP) de 43%.

Para a produção de produtos cerâmicos convencionais, os resultados apresentados pressupõem a confecção de uma massa com boa plasticidade e alta resistência mecânica (antes e após a queima), porém demandando uma grande quantidade de água. Infere-se também que, nessas condições físicas, o alto grau de compactação de uma massa cerâmica produzida com esse material dificulta a eliminação de água durante o processo de secagem, provocando fortes retrações diferenciais e deformações, o que geralmente é solucionado aumentando o processo de secagem ou adicionando materiais não-plásticos (partículas geralmente acima de 60 µm).

Uma importante ferramenta adotada na indústria cerâmica e também indicada na Metodologia de fabricação de agregados calcinados [88 CABRAL, G. L. L. Metodologia de produção e emprego de agregados de argila calcinada para pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2005.] é o Diagrama de Winkler. Trata-se de um diagrama triangular onde cada vértice é representado por diferentes faixas granulométricas, tendo por objetivo identificar o potencial de utilização de um solo para diferentes tipos de produtos cerâmicos. Trabalhos como os de [66 NASCIMENTO, R. R. Utilização de agregados de argila calcinada em pavimentação: uma alternativa para o estado do Acre, Dissertação de M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, 2005.] e [88 CABRAL, G. L. L. Metodologia de produção e emprego de agregados de argila calcinada para pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2005.] apontam as faixas A e B como as mais propícias a gerar agregados calcinados de boa qualidade, porém são feitas ressalvas de que essa análise isolada não necessariamente garantirá produtos com boas características técnicas, conforme é demonstrado nesta pesquisa. A Figura 4 apresenta a classificação da tabatinga no citado diagrama.

Figura 4
Diagrama de Winkler da matéria-prima.

Observa-se que o solo desta pesquisa não se enquadrou no diagrama nas faixas consideradas ideais para fabricação de agregados de argila calcinada. Porém, tendo em vista privilegiar a investigação de solos que resultam em agregados com boas características técnicas do ponto de vista mecânico, aceitou-se a possibilidade de perdas na produtividade com retração ou secagem, mantendo o solo sem a introdução de outros materiais não plásticos, ou seja, fora das faixas mais recomendadas do Diagrama de Winkler. Nesta etapa do estudo, portanto, torna-se essencial uma maior compreensão das características químicas e mineralógicas do solo visando à fabricação de agregados calcinados.

2.2 Ensaios complementares: MEV e EDS

Objetivando produzir peças de melhor qualidade em menor temperatura, uma das técnicas amplamente utilizadas na indústria cerâmica é a inclusão de solos com a presença materiais fundentes na sua constituição. Os óxidos alcalinos (Na2O e K2O) e alcalino-terrosos (CaO e MgO) são os elementos fundentes mais eficientes utilizados, auxiliando a formação da fase líquida durante o processo de queima e permitindo o preenchimento dos poros da massa cerâmica, com consequente redução da absorção de água.

Segundo [1313 MOTTA, J. F. M., ZANARDO, A., CABRAL, M. J. “As matérias-primas cerâmicas. Parte I: O perfil das principais indústrias cerâmicas e seus produtos”, Revista Cerâmica Industrial, v.6, n.2. Março/Abril de 2001.], os fundentes estão contidos nas estruturas das argilas ilíticas e esmectíticas presentes ou adsorvidos nos argilominerais, a exemplo dos complexos ferruginosos e sais solúveis, que podem reagir durante a etapa de queima. Os autores destacam que, para produtos da cerâmica vermelha com exigências técnicas mais rigorosas, como telhas e blocos estruturais, são recomendadas preferencialmente argilas mais ilíticas ou estas com a adição de outros fundentes como filitos.

Como etapa da caracterização química da tabatinga, uma amostra foi analisada no Laboratório de Microscopia do Departamento de Ciência dos Materiais do IME/RJ, sendo observada no microscópio eletrônico de varredura (MEV) e, simultaneamente, foi analisada segundo o método da espectrometria de energia dispersiva de raios X (EDS). Os resultados são apresentados na Figura 5 e na Tabela 2.

Figura 5
Imagens MEV da matéria-prima ampliada em 1.159 X e 4.000 X.
Tabela 2
Óxidos presentes na amostra (% em peso).

Conforme observado no MEV (Figura 5), verificou-se que a morfologia da tabatinga apresenta partículas unidas e com grãos levemente arredondados. Nos resultados do ensaio EDS mostrados na Tabela 2, a matéria-prima apresentou elementos fundentes dentro das faixas consideradas favoráveis à produção de agregados calcinados de boas características técnicas [88 CABRAL, G. L. L. Metodologia de produção e emprego de agregados de argila calcinada para pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2005.]. Isso pode ser visto na concentração de elementos como o óxido de potássio (K2O) e o óxido de magnésio (MgO). Além disso, pôde-se observar a presença de matéria orgânica, o que, segundo [77 SANTOS, P. S. Tecnologia das argilas – Vol 2. Fundamentos. São Paulo, Ed. Edgard Blucher, 1975.], pode conferir um caráter plástico muito desejável para produtos cerâmicos.

Os argilominerais possuem grande influência no produto cerâmico, uma vez que, dependendo de suas características e da forma como se combinam no solo, suas partículas absorvem quantidades variáveis de água e íons. Ademais, o tamanho reduzido dos argilominerais, aliado à sua constituição mineralógica, conferem às partículas de argila um comportamento diferenciado em relação às outras frações presentes no solo, como frações silte e areia [1313 MOTTA, J. F. M., ZANARDO, A., CABRAL, M. J. “As matérias-primas cerâmicas. Parte I: O perfil das principais indústrias cerâmicas e seus produtos”, Revista Cerâmica Industrial, v.6, n.2. Março/Abril de 2001.].

No tocante às pesquisas destinadas à obtenção de agregados de argila calcinada tecnicamente adequados, as experiências práticas indicaram que os argilominerais do grupo das ilitas, caulinitas e esmectitas, bem como suas misturas, apresentaram os melhores resultados [88 CABRAL, G. L. L. Metodologia de produção e emprego de agregados de argila calcinada para pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2005.]. Dentre esses argilominerais, os trabalhos de [66 NASCIMENTO, R. R. Utilização de agregados de argila calcinada em pavimentação: uma alternativa para o estado do Acre, Dissertação de M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, 2005.], [1515 VIEIRA, A., BATISTA, F. G. S., LOPES, L. A. S. “Produção e caracterização de agregados artificiais de argila calcinada para uso em pavimentação rodoviária”, In: XVIII ANPET, Florianópolis – SC, 2004.] e [1616 POLIVANOV, H., MOTTA, L. M. G., MODESTO, F. B. F., et al., “Argilas calcinadas para uso em pavimentos rodoviários”, Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (RBGEA), n. 4, 2015.] apontam que a presença da ilita gera uma maior coesão das partículas quando submetidos a processos de sinterização, aumentando a resistência ao mesmo tempo em que reduz a absorção de água.

A identificação dos argilominerais presentes numa amostra de argila pode ser obtida por meio da Difração de Raios X (DRX), a qual é considerada uma das principais ferramentas para a identificação das fases presentes em materiais cristalinos. Nesse sentido, a próxima etapa do estudo busca apresentar um procedimento eficiente para a correta identificação dos argilominerais presentes na matéria-prima empregada nesta pesquisa.

2.3 Análise Mineralógica: Difração de raios X

A análise mineralógica foi realizada no Laboratório de Pedologia e Mineralogia das argilas, pertencente ao Departamento de Geologia da UFRJ. A correta identificação dos argilominerais através do ensaio de DRX foi possível após uma série de etapas segundo o método sugerido por [1818 JACKSON, M. L., Soil Chemical analysis: a advanced course. Madison, University of Wisconsin, 1975.], que consistiu basicamente em: obtenção da fração argila por sedimentação, retirada do ferro livre através do CBD e preparação das lâminas orientadas nas condições natural, glicolada e aquecida a 500 ºC.

As lâminas foram preparadas pelo método do esfregaço, que consistiu em utilizar uma espátula e esfregar a amostra em uma lâmina de vidro até ela ficar completamente orientada, evidenciando seus planos basais. A primeira amostra obtida é chamada de lâmina-guia, a qual deve-se secar por 24 horas antes de ser realizado o ensaio.

Como alguns grupos de argilominerais exibem propriedades expansivas, a adição de água ou outros líquidos polares como o glicol e a glicerina causam expansão por sua entrada nos espaços interplanares. Assim, uma das lâminas preparadas foi submetida à solvatação com etilenoglicol (glicolagem).

Outra característica dos argilominerais é o fato de serem hidratados, apresentando hidroxilas (OH) ou mesmo moléculas de água (H2O) nos espaçamentos interlamelares de sua estrutura. Como o aquecimento a temperaturas elevadas pode eliminar essas moléculas, provocando modificações estruturais passíveis de detecção no difratograma de raios X, seguiu-se então colocando uma das lâminas em um forno mufla e aquecendo-se a amostra a 500 ºC durante 2 horas.

Tendo em vista a grande quantidade de ferro encontrada em alguns solos brasileiros, foi realizada a retirada desse elemento das amostras desse estudo, evitando que quaisquer componentes mascarem os resultados da determinação dos argilominerais.

O ensaio de DRX foi aplicado nas lâminas guia, glicolada e aquecida, com e sem a retirada de ferro. O equipamento utilizado foi Bruker-D4 endeavor, nas seguintes condições de operação: radiação Co Kα (40 kV/40 mA); ensaio executado em ritmo lento, varrendo-se de 2º até 30º (escala 2θ) com velocidade de 1º / min. As interpretações qualitativas do espectro foram efetuadas por comparação com padrões contidos no banco de dados do padrão American Society for Testing and Materials (ASTM). O procedimento completo realizado tendo como base o método de [1818 JACKSON, M. L., Soil Chemical analysis: a advanced course. Madison, University of Wisconsin, 1975.] é mostrado no fluxograma da Figura 6 e detalhado nas Figuras 7, 8 e 9.

Figura 6
Fluxograma ilustrando toda a etapa de caracterização mineralógica realizada nesta pesquisa.
Figura 7
(1) Etapa de defloculação da amostra com a adição de hidróxido de sódio (NaOH 1M) após secagem e destorroamento; (2) Separação da fração argila por sifonamento com o auxílio de tubo plástico; (3) Argila concentrada após centrifugação a 10.000 rotações / min.
Figura 8
(4-a) Preparo da lâmina-guia pelo método do esfregaço; (4-b) solvatação com etilenoglicol (glicolagem); (4-c) aquecimento no forno mufla.
Figura 9
(5-a) Aquecimento da amostra; (5-b) Aspecto translúcido da amostra após retirada do ferro livre pelo CBD; (6) vista do difratômetro em operação durante o ensaio DRX.

3. RESULTADOS

Os resultados obtidos no ensaio DRX são apresentados na Figura 10 e na Tabela 3:

Figura 10
Difratograma da matéria-prima desta pesquisa.
Tabela 3
Argilominerais com seus respectivos planos basais obtidos nas corridas normal, glicolada e aquecida.

4. DISCUSSÃO

No difratograma da figura 10 observam-se picos correspondentes aos argilominerais com distância basal de d = 14,97 Å, típicos de argilominerais com estruturas 2:1. Quando glicola-se a amostra, o pico principal vai para 16,66 Å, indicando a expansão do argilomineral, o que remete a valores e características típicos da esmectita. Outro fator que reforça a presença da esmectita é que, quando este argilomineral é aquecido, a perda de água provoca o desmoronamento das estruturas intercamadas, ou seja, colapsam. Neste caso, o difratograma da Fig. 10 demonstra a mudança do pico principal para 9,98 Å.

A ilita apresenta picos bem definidos a 10Å, 5Å e 3,3Å, não sofrendo nenhuma alteração de posição ou de intensidade quando glicoladas ou aquecidas [77 SANTOS, P. S. Tecnologia das argilas – Vol 2. Fundamentos. São Paulo, Ed. Edgard Blucher, 1975.]. Comparando esses dados com os valores observados no difratograma da Fig. 10, constata-se a presença desse argilomineral, uma vez que não há deslocamento dos picos mesmo variando-se o procedimento de obtenção das lâminas.

A caulinita, por sua vez, apresenta picos a 7 Å e a 3,5Å nas corridas normal e glicolada. Sua presença se confirma na corrida aquecida, pois sua estrutura cristalina não resiste ao aquecimento, de forma que ospicos a 7Å e 3,5Å desaparecem totalmente, o que condiz com os valores encontrados no difratograma.

Nesta amostra há também a presença de uma pequena quantidade de quatzo (3,34Å e 4,26Å, principal e secundário, respectivamente). No caso do pico a 3,34 Å observado, além de ser característico do pico do argilomineral ilita, é também o pico principal do mineral quartzo, Assim, em função do aparecimento dopequeno pico a 4,26Å, secundário do quartzo, conclui-se que o mesmo se encontra presente na amostra e o pico a 3,34Å trata-se da contribuição dessas duas espécies.

Tendo em vista a composição mineralógica obtida (esmectita, ilita e caulinita) ter resultado em agregados calcinados que atendem aos critérios mínimos exigidos em norma para uso em bases de pavimentos [44 DNER – DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. 1989. DNER-ES 227/89 – Agregados sintéticos graúdos de argila calcinada: emprego em obras rodoviárias. Rio de Janeiro, RJ.], bem como não terem apresentado qualquer tipo de falha durante sua fase de produção [55 BARBOSA, V. H. R. Estudo de solos do Acre para a produção de agregados calcinados e misturas para Bases em Pavimentação, Dissertação de M.Sc., Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, RJ, 2017.], constata-se que a utilização da tabatinga é tecnicamente viável para essa finalidade, mesmo quando se tratar de solos que não possuem distribuição granulométrica adequada para produtos cerâmicos segundo o diagrama de Winkler.

5. CONCLUSÕES

O procedimento utilizado para a identificação dos argilominerais por difração de raios X permitiu identificar de forma eficiente e confiável os argilominerais presentes no solo argiloso estudado. A despeito da granulometria fina do material (100% passando na peneira nº 200 e 30,6% de fração argila) encontrar-se fora das faixas granulométricas consideradas adequadas para produtos cerâmicos segundo o diagrama de Winkler, a composição mineralógica obtida, com a presença de esmectita, ilita e caulinita, compõe um solo que resultou em agregados calcinados com perda de material dentro do admitido para os ensaios de Perda de massa após fervura e Desgaste por abrasão Los Angeles, previstos na Norma DNER-ES 227/89 e que atestam o uso de agregados de argila para bases de pavimentos rodoviários. Como consequência, o aproveitamento dessas argilas de elevada atividade – que são abundantes ao longo do principal segmento rodoviário do estado (BR-364) – pode proporcionar agregados para pavimentação a custos menores que as opções atualmente utilizadas. Dessa forma, os procedimentos descritos neste trabalho traduzem-se em uma identificação mais racional de jazidas de solos para emprego na produção de agregados calcinados no estado do Acre, viabilizando diversas obras de infraestrutura rodoviária e possibilitando uma maior inclusão social e econômica da região.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Professora Helena Polivanov, do Departamento de Geologia da UFRJ, que generosamente contribuiu para o desenvolvimento deste trabalh

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2017
  • Aceito
    19 Fev 2018
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