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Odinofagia em paciente com pênfigo vulgar de esôfago sem alterações dermatológicas: relato de caso

Odynophagia in patient with esophageal pemphygus vulgaris without dermatological changes: case report

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Pênfigo refere-se a um grupo de doenças bolhosas intraepidérmicas imuno-mediadas, caracterizadas pela perda de coesão entre as células epidérmicas. As lesões bolhosas podem envolver pele e mucosas. O acometimento esofágico, quando ocorre, pode ser acompanhado de sintomas como odinofagia e disfagia. O objetivo deste estudo foi relatar o caso de um paciente com odinofagia e dor retroesternal em queimação que recebeu o diagnóstico de pênfigo vulgar esofágico e foi tratado com prednisona. RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 53 anos, procurou atendimento com odinofagia grave para líquidos, associada à dor retroesternal contínua, em queimação, de média intensidade, havia sete dias, com piora acentuada há 12h. Foi solicitada uma endoscopia digestiva alta, que mostrava áreas hiperemiadas ou hemorrágicas ao longo do esôfago, com áreas de descamação espontânea. A impressão diagnóstica foi de esofagite dissecante superficial, com lesões descamativas, sugestivas de pênfigo. CONCLUSÃO: Sugere-se que a suspeita de pênfigo vulgar esofágico seja imperativa diante do quadro clínico compatível, a fim de que o diagnóstico e o tratamento possam ser feitos o mais breve possível.

Doenças autoimunes; Esôfago; Odinofagia; Pênfigo


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pemphygus refers to a group of bullous intradermal and immune-mediated diseases, characterized by loss of cohesion among epidermal cells. Bullous injuries may involve skin and mucosa. Esophageal involvement, when it occurs, may be followed by symptoms such as odynophagia and dysphagia. This study aimed at reporting a case of odynophagia and burning retrosternal pain, diagnosed as esophageal pemphygus vulgaris and treated with prednisone. CASE REPORT: Male patient, 53 years old, who looked for assistance with severe odynophagia for fluids, associated to continuous burning retrosternal pain of intermediate intensity for seven days, with marked worsening for 12h. High digestive endoscopy was performed and showed hyperemic or hemorrhagic areas along the esophagus, with spontaneous peeling areas. Diagnostic impression was superficial esophagitis dissecans, with peeling lesions suggesting pemphygus. CONCLUSION: It is suggested that the suspicion of esophageal pemphygus vulgaris be mandatory when there is a compatible clinical presentation so that diagnosis and treatment are achieved as soon as possible.

Autoimmune diseases; Esophagus; Odynophagia; Pemphygus


RELATO DE CASO

Odinofagia em paciente com pênfigo vulgar de esôfago sem alterações dermatológicas. Relato de caso* * Recebido do Curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza, CE.

Odynophagia in patient with esophageal pemphygus vulgaris without dermatological changes. Case report

Ana Carolina Bastos MagalhãesI; Felícia Holanda PucciI; Henrique Jorge PonteI; Helmano Fernandes Moreira FilhoI; Thiago Maciel de FariasII; Danielle Cristina de Oliveira SoaresIII

IGraduandos do Curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza, CE, Brasil

IIMédico Graduado pela Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte (FMJ). Canindé, CE, Brasil

IIIMédica Residente em Anestesiologia pelo Hospital Dr. Instituto José Frota (IJF). Fortaleza, CE, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Felicia Holanda Pucci Rua Joaquim Nabuco, 1840/301 - Aldeota 6025-120 Fortaleza, CE Email: feliciahpucci@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Pênfigo refere-se a um grupo de doenças bolhosas intraepidérmicas imuno-mediadas, caracterizadas pela perda de coesão entre as células epidérmicas. As lesões bolhosas podem envolver pele e mucosas. O acometimento esofágico, quando ocorre, pode ser acompanhado de sintomas como odinofagia e disfagia. O objetivo deste estudo foi relatar o caso de um paciente com odinofagia e dor retroesternal em queimação que recebeu o diagnóstico de pênfigo vulgar esofágico e foi tratado com prednisona.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 53 anos, procurou atendimento com odinofagia grave para líquidos, associada à dor retroesternal contínua, em queimação, de média intensidade, havia sete dias, com piora acentuada há 12h. Foi solicitada uma endoscopia digestiva alta, que mostrava áreas hiperemiadas ou hemorrágicas ao longo do esôfago, com áreas de descamação espontânea. A impressão diagnóstica foi de esofagite dissecante superficial, com lesões descamativas, sugestivas de pênfigo.

CONCLUSÃO: Sugere-se que a suspeita de pênfigo vulgar esofágico seja imperativa diante do quadro clínico compatível, a fim de que o diagnóstico e o tratamento possam ser feitos o mais breve possível.

Descritores: Doenças autoimunes, Esôfago, Odinofagia, Pênfigo.

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pemphygus refers to a group of bullous intradermal and immune-mediated diseases, characterized by loss of cohesion among epidermal cells. Bullous injuries may involve skin and mucosa. Esophageal involvement, when it occurs, may be followed by symptoms such as odynophagia and dysphagia. This study aimed at reporting a case of odynophagia and burning retrosternal pain, diagnosed as esophageal pemphygus vulgaris and treated with prednisone.

CASE REPORT: Male patient, 53 years old, who looked for assistance with severe odynophagia for fluids, associated to continuous burning retrosternal pain of intermediate intensity for seven days, with marked worsening for 12h. High digestive endoscopy was performed and showed hyperemic or hemorrhagic areas along the esophagus, with spontaneous peeling areas. Diagnostic impression was superficial esophagitis dissecans, with peeling lesions suggesting pemphygus.

CONCLUSION: It is suggested that the suspicion of esophageal pemphygus vulgaris be mandatory when there is a compatible clinical presentation so that diagnosis and treatment are achieved as soon as possible.

Keywords: Autoimmune diseases, Esophagus, Odynophagia, Pemphygus.

INTRODUÇÃO

Pênfigo refere-se a um grupo de doenças bolhosas intraepidérmicas causadas por autoanticorpos que interferem com a adesão entre os queratinócitos. Apesar de ser uma doença pouco comum, pode ser fatal se não tratada adequadamente. Tipicamente, envolve membranas mucosas e pele. O acometimento esofágico é raro e pode cursar com sintomas como odinofagia e disfagia. Os fatores causais mais frequentes são as infecções e as complicações dos glicocorticoides. A idade avançada, a manifestação difusa e a necessidade de doses altas de glicocorticoides implicam em mau prognóstico1,2.

Pênfigo vulgar e pênfigo foliáceo estão relacionados por serem doenças bolhosas imunomediadas. Entretanto, podem ser diferenciados clinicamente pela presença ou ausência de envolvimento das mucosas e histologicamente pelo nível da epiderme onde ocorre a formação das bolhas1.

O pênfigo vulgar, que acomete pele e membranas mucosas, muitas vezes evolui com lesões bucais erosivas, o que demonstra importância clínica para cirurgiões-dentistas, otorrinolaringologistas e dermatologistas, apresentando diagnóstico e tratamento de origem multidisciplinar3,4. O pênfigo foliáceo acomete a pele e não envolve mucosas.

O pênfigo foliáceo produz autoanticorpos contra a glicoproteína desmossomal desmogleína tipo 1 e o pênfigo vulgar contra a desmogleína tipo 3. Os autoanticorpos inativam apenas as desmogleínas correspondentes, o que pode explicar a perda não generalizada das moléculas de adesão da superfície da pele1.

O objetivo deste estudo foi relatar o caso de um paciente com odinofagia e dor retroesternal em queimação que recebeu o diagnóstico de pênfigo vulgar esofágico e tratamento com prednisona.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 53 anos, branco, procurou atendimento com odinofagia grave para líquidos, associada à dor retroesternal contínua, em queimação, de média intensidade, com duração de sete dias e com piora acentuada cerca de 12h antes do atendimento médico. Tratava-se de paciente cuja única comorbidade era hipertensão arterial. Estava em uso de atenolol (25 mg/dia). Negou outras comorbidades ou uso de outros medicamentos. Negou tabagismo, etilismo e perda de peso. Ao exame, encontrava-se em regular estado geral, prostrado, orientado, eutrófico, eupneico, com ausência de adenomegalias. A ausculta cardiopulmonar era fisiológica. Abdômen com ruídos hidroaéreo presentes e doloroso à palpação profunda em região epigástrica. Não se evidenciavam visceromegalias ou massas palpáveis. Extremidades sem alterações. Não foram encontradas quaisquer alterações dermatológicas. Não foram solicitados exames laboratoriais na abordagem inicial. O paciente foi submetido à laringoscopia, que evidenciava granuloma em pregas vocais.

Foi solicitada endoscopia digestiva alta, que mostrava áreas hiperemiadas ou hemorrágicas ao longo do esôfago, com áreas de descamação espontânea. A impressão diagnóstica foi de esofagite dissecante superficial, com lesões descamativas, sugestivas de pênfigo.

Realizou-se, então, biópsia da mucosa esofágica. O exame anatomopatológico, realizado com material colhido em terços distal, médio e inferior do esôfago e em mucosa jugal, detectou IgG na superfície dos queratinócitos, e o painel de imunofluorescência direta foi, então, compatível com pênfigo vulgar em mucosa esofágica.

O paciente recebeu, assim, diagnóstico de pênfigo vulgar, mesmo sem alterações dermatológicas. Tal situação, apenas com acometimento esofágico, tem-se mostrado rara e com poucos casos descritos na literatura.

O paciente recebeu terapia com prednisona 90 mg/dia (1 mg/kg), evoluindo com melhora nas primeiras 48 horas. A terapia foi mantida por seis semanas, com redução gradual da medicação. O paciente utilizou azatioprina (50 mg/dia), assim que teve início a suspensão do corticoide. Ele permaneceu com o uso desses medicamentos por 5 meses, quando foi feita nova biópsia e foi diagnosticada a resolução do quadro.

DISCUSSÃO

O pênfigo vulgar afeta tanto as membranas mucosas como a pele, porém alguns pacientes têm acometimento apenas das mucosas, sem nenhuma lesão de pele. A acantólise ocorre nas camadas mais profundas da epiderme, devido aos autoanticorpos contra desmogleínas 3. O exame de pele perilesional por imunofluorescência direta mostra deposição, em quase todos os pacientes, de IgG na superfície dos queratinócitos e a imunofluorescência indireta detecta os autoanticorpos no soro5.

Pênfigo vulgar pode ser uma causa de odinofagia e disfagia, e deve ser levado em conta no diagnóstico diferencial de disfunção desses sintomas. O diagnóstico tardio ou errado pode ser evitado através da realização de esofagogastroduodenoscopia em pacientes com história de pênfigo vulgar ou que relatam sintomas esofágicos que não respondem à terapia medicamentosa. A suspeita é primordial para o diagnóstico. Além disso, a obtenção de amostras de tecido em todos os pacientes com lesões suspeitas em qualquer órgão deve ser realizada para evitar perder o diagnóstico de doenças raras e tratáveis6.

Apesar da doença ser bem controlada com tratamento medicamentoso, o pênfigo pode estar relacionado com tumores malignos como sarcoma de Kaposi e neoplasias linfoides, incluindo o de Hodgkin e linfomas não-Hodgkin e leucemia linfocítica crônica5. Além da terapia com fármacos, o pênfigo paraneoplásico exige essencialmente diagnóstico precoce e ressecção completa do tumor7. Portanto, a realização de exames periódicos para rastreio de neoplasias, mesmo após a cura da doença bolhosa, deve ser mandatória para todo paciente.

A prednisona configura-se como fármaco de escolha para o tratamento do pênfigo vulgar; entretanto, alguns pacientes apresentam efeitos adversos mesmo em baixas doses. Portanto, o acompanhamento destes pacientes por períodos prolongados, bem como o esclarecimento da história natural da doença aos indivíduos acometidos é fundamental para o sucesso do tratamento4.

CONCLUSÃO

Apesar do acometimento esofágico pelo pênfigo vulgar ser raro, o quadro clínico compatível deve levar a confirmação do diagnóstico, pois o tratamento precoce é fundamental para a melhoria da qualidade de vida do paciente.

Apresentado em 22 de março de 2011.

Aceito para publicação em 18 de junho de 2011.

  • 1. Stanley JR, Amagai M. Pemphigus, bullous impetigo, and staphylococcal scalded skin syndrome. N Engl J Med 2006;355(17):1800-9.
  • 2. Balbinotti RA, Balbinotti S, Braga DC, et al. Pênfigo vulgar de esôfago- relato de caso. Revista AMRIGS 2003;47(1):68-70.
  • 3. Araújo DB, Simões CC, Araújo RPC. Manifestações bucais do pênfigo. R Ci Med Boil 2006;5(2):181-7.
  • 4. Miziara ID, Ximenes Filho JA, Ribeiro FC, et al. Acometimento oral no pênfigo vulgar. Rev Bras Otorrinolaringol 2003;69(3):327-31.
  • 5. Ahmed AR, Avram MM, Duncan LM. Case 23-2003: A 79-year-old woman with gastric lymphoma and erosive mucosal and cutaneous lesions. N Engl J Med 2003;349(4):382-91.
  • 6. Kanbay M, Selcuk H, Gur G, et al. Involvement of the esophagus in a patient with pemphigus vulgaris who was on immunosuppressive therapy. J Nat Med Assoc 2006;98(8):1369-70.
  • 7. Porro AM. Pênfigo paraneoplásico. Boletim Dermatológico UNIFESP 2008;20:1-3.
  • Endereço para correspondência:
    Felicia Holanda Pucci
    Rua Joaquim Nabuco, 1840/301 - Aldeota
    6025-120 Fortaleza, CE
    Email:
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    Recebido do Curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza, CE.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2011
    • Aceito
      18 Jun 2011
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