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Um esboço da história do conceito de trabalho virtual e suas aplicações

An outline concerning the history of the concept of virtual work and its applications

Resumos

Neste trabalho abordamos a questão concernente à origem do princípio de trabalho virtual e sua consolidação como um dos conceitos fundamentais no estudo da mecânica analítica e, em particular, dos sistemas em equilíbrio estático. Ênfase foi dada às contribuições seminais de Stevin, Galileu e, sobretudo, as de d'Alembert e Lagrange, no tocante ao conceito de trabalho virtual. Além disso, faz-se um comentário geral sobre vínculos holônomos e deslocamento virtual. Alguns exemplos de emprego da equação de d'Alembert-Lagrange são apresentados, para mostrar como o princípio de trabalho virtual pode ser adequadamente aplicado.

trabalho virtual; deslocamento virtual; vínculo; princípio d'Alembert


In this work is discussed the question concerning the origin and development of the principle of virtual work as a fundamental principle in the study of the analytical mechanics, and particularly of the static equilibrium of an initially motionless system. The seminal contributions of Stevin, Galileo, d'Alembert and Lagrange are emphasized. Furthermore, the concept of holonomic constraints and virtual displacements are presented. Some examples of how to apply the D'Alembert's principle expressed under the D' Alembert-Lagrange equation are introduced, in order to show how this fundamental principle of static and dynamics can be successfully employed.

virtual work; virtual displacement; constraint; D'Alembert's principle


HISTÓRIA DA FÍSICA E CIÊNCIAS AFINS

Um esboço da história do conceito de trabalho virtual e suas aplicações

An outline concerning the history of the concept of virtual work and its applications

José Lourenço Cindra1 1 E-mail: jlcindra@uol.com.br.

Universidade Estadual Paulista, Campus de Guaratinguetá, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho abordamos a questão concernente à origem do princípio de trabalho virtual e sua consolidação como um dos conceitos fundamentais no estudo da mecânica analítica e, em particular, dos sistemas em equilíbrio estático. Ênfase foi dada às contribuições seminais de Stevin, Galileu e, sobretudo, as de d'Alembert e Lagrange, no tocante ao conceito de trabalho virtual. Além disso, faz-se um comentário geral sobre vínculos holônomos e deslocamento virtual. Alguns exemplos de emprego da equação de d'Alembert-Lagrange são apresentados, para mostrar como o princípio de trabalho virtual pode ser adequadamente aplicado.

Palavras-chave: trabalho virtual, deslocamento virtual, vínculo, princípio d'Alembert.

ABSTRACT

In this work is discussed the question concerning the origin and development of the principle of virtual work as a fundamental principle in the study of the analytical mechanics, and particularly of the static equilibrium of an initially motionless system. The seminal contributions of Stevin, Galileo, d'Alembert and Lagrange are emphasized. Furthermore, the concept of holonomic constraints and virtual displacements are presented. Some examples of how to apply the D'Alembert's principle expressed under the D' Alembert-Lagrange equation are introduced, in order to show how this fundamental principle of static and dynamics can be successfully employed.

Keywords: virtual work, virtual displacement, constraint, D'Alembert's principle.

1. Considerações preliminares

Uma noção bastante vaga de trabalho virtual parece ter se originado já nos primórdios da mecânica. Como muitos conceitos e princípios da física, o conceito de trabalho virtual, juntamente com outros conceitos correlatos, como o de deslocamento virtual e velocidade virtual, teve sua evolução desde intuições gerais relativamente vagas até ficar bem estruturado no âmbito da concepção diferencial do movimento. Este conceito teve sua origem nos problemas de estática, bem antes do aparecimento das célebres três leis de Newton. Posteriormente, graças às contribuições de d'Alembert e Lagrange, este conceito passou a ser tratado como um princípio fundamental da dinâmica e foi incorporado pela mecânica newtoniana, de modo a dar conta não apenas dos problemas de estática, mas também dos problemas envolvendo corpos em movimento.

Por que abordar o conceito de trabalho virtual, se, nos cursos elementares de mecânica, esse conceito, em geral, nem sequer é citado? À primeira vista, pode parecer que o formalismo estritamente newtoniano com base nas três conhecidas leis da dinâmica resolveria qualquer problema mecânico bem formulado, dispensando, assim, a preocupação com uma nova abordagem baseada em conceitos alternativos. Entretanto, há problemas relativamente simples que não podem ser resolvidos pelo método newtoniano stricto sensu. Um problema dessa natureza é apresentado por Stadler [1]. O exemplo escolhido por ele é o de um pêndulo duplo constituído por duas massas puntiformes m1 e m2 ligadas por duas hastes rígidas de comprimentos desiguais. Ele mostra que o emprego da terceira lei de Newton para esse problema resulta numa incompatibilidade das equações diferenciais do movimento. É preciso, então, em lugar da centralidade das forças internas, introduzir de modo independente, a lei do momento angular, isto é, a derivada temporal do momento angular do sistema de partículas é igual ao momento resultante de todas as forças externas que atuam sobre o sistema. O autor ainda mostra que o problema também pode ser adequadamente resolvido se aplicarmos a ele uma abordagem totalmente alternativa: a lei de conservação da energia e o postulado de que o trabalho virtual de todas as forças internas do sistema se anula.

Comecemos este trabalho, tecendo alguns comentários sobre os precursores e os que formalizaram o princípio do trabalho virtual. Em seguida, iremos apresentar os conceitos de vínculos, de deslocamento virtual e de trabalho virtual. Finalmente, iremos escrever a equação de d'Alembert-Lagrange como sendo a expressão matemática do chamado princípio de d'Alembert, que é um dos princípios mais importantes da mecânica. Achamos conveniente começar esta discussão com algumas considerações sobre Simon Stevin e Galileu.

Simon Stevin (1548-1620) nasceu em Bruges, na Bélgica, e morreu em Haia, na Holanda. Em 1581, os Estados Gerais se declararam independentes da Espanha. Stevin, como físico, matemático e engenheiro, esteve engajado nos esforços militares do príncipe Maurício de Nassau para a consolidação da independência dos Estados Gerais, ou seja, da região que posteriormente viria a constituir os Países Baixos (não confundir com o outro Maurício de Nassau, aquele que esteve à frente do domínio holandês no nordeste brasileiro). Em 1600, Stevin, seguindo instruções de Maurício de Nassau, funda um curso de Engenharia na Universidade de Leyden, onde as aulas eram ministradas em holandês mesmo, e não em latim, como era de hábito na época. Com isso, o curso tornava-se mais acessível a camadas mais amplas da população. Com o mesmo propósito, ele escreveu suas obras científicas em holandês. Isso nos mostra uma nova atitude da burguesia vitoriosa, na sua luta secular contra as instituições feudais.

Stevin introduziu muitos neologismos científicos no idioma holandês. Um exemplo típico é a palavra "matemática", que, em praticamente todos os idiomas europeus tem a mesma origem grega, mas, em holandês ela tem uma origem germânica: Wiskunde. Outros neologismos introduzidos por Stevin foram aftrekken (subtrair) e delen (dividir), middellijn (diâmetro) que continuam os mesmos. Entretanto, menigvuldigen (multiplicar) e verdageren (adicionar) transformaram-se em verminigvuldigen e optellen, respectivamente. Já a palavra zomenigmaal (quociente, "assim muitas vezes"), no moderno holandês é quotient.

Autor de onze livros, Stevin deu contribuição significativa à trigonometria, mecânica, arquitetura, geografia, fortificação e navegação. Calculou a declinação magnética (diferença angular entre o pólo norte magnético e o pólo norte geográfico) em diversos locais; demonstrou geometricamente a impossibilidade do funcionamento de um moto-perpétuo de primeira espécie, compreendeu a diferença entre equilíbrio estável e equilíbrio instável, traduziu obras gregas, introduziu o uso das frações decimais e fez uso da vírgula para representar essas frações.

Em 1586, Stevin publicava De Beghinselen des Waterwichts sobre hidrostática, onde foram introduzidos notáveis melhoramentos em relação ao trabalho de Arquimedes sobre este tópico. Lá se encontra o famoso paradoxo hidrostático: A pressão exercida sobre o fundo de um vaso com água depende da altura do nível da água, mas não depende da forma do vaso nem da área do fundo. Conseqüência: A força exercida por um líquido sobre o fundo do vaso, devido à sua pressão, pode ser muito maior que o peso do volume do líquido nele contido.

Muitos consideram que, com a apresentação de sua lei fundamental da hidrostática, a lei segundo a qual, a pressão hidrostática cresce linearmente com a profundidade, Stevin torna-se o verdadeiro fundador da ciência da hidrostática. Este trabalho de hidrostática foi feito com o intuito de melhorar a construção de plataformas flutuantes usadas em assaltos militares.

Publicou também De Beghinselen der Weegconst, livro que tratava da estática, e uma versão mais completa deste mesmo trabalho apareceu em 1605. Em 1608 Stevin unificou estes trabalhos sob o título de Hypomnemata Mathematica. Em 1634 este trabalho foi traduzido para o francês.

Neste livro se encontra o princípio de composição de forças e a resolução do problema do equilíbrio de um corpo sobre um plano inclinado, por um método completamente original e que foi baseado na impossibilidade do moto-perpétuo de primeira espécie (veja a Fig. 1).


A corrente de Stevin com a legenda Wonder en is gheen wonder (a mágica que não é nenhuma mágica) encontra-se no frontispício do Hypomnemata Mathematica [2]. A corrente contendo quatorze contas igualmente espaçadas está em equilíbrio, com quatro contas sobre o lado maior e duas contas sobre o lado menor do triângulo. Ela está em equilíbrio, visto ser inconcebível que ela comece espontaneamente a se mover sobre os lados do triângulo. Caso isso acontecesse, teríamos realizado um movimento perpétuo.

Stevin foi um dos primeiros a introduzir o princípio de trabalho virtual para a resolução de problemas de estática, indicado em forma de proporções entre grandezas físicas: a distância percorrida por uma força está para a distância percorrida pela resistência, assim como a intensidade da resistência está para a intensidade desta força, ou seja, se F representa a força, R a resistência, d a distância percorrida pela força e s a distância percorrida pela resistência,2 2 The distance traveled by the force actinga is to the distance traveled by the resistance as the power of the resistance is to that of the force acting. U t spatium agentis ad spatium patientis, sit potential patientis ad potentiam agentis (Stevin, Hypomnemata, apud Ref. [7, p. 127]). logo

Isso pode ser verificado por meio da própria "corrente de Stevin". Pois, podemos eliminar a parte de baixo da corrente, sem afetar o equilíbrio das seis contas restantes. Duas contas sobre o lado menor estão em equilíbrio com quatro contas sobre o lado duas vezes maior. Se a corrente se mover sobre o plano inclinado, a mesma proporção de contas entre os dois lados do triângulo será mantida. Portanto, espontaneamente, elas não têm porque mover-se. Nestas considerações está em germe o conceito de conservação da energia.

Stevin conseguiu fazer da estática uma ciência puramente dedutiva. Partindo do princípio da impossibilidade do perpetuum mobile (dispositivo que realizaria trabalho sem consumo de energia), Stevin, de fato, chega à noção de trabalho virtual, sem, contudo, reconhecer explicitamente a importância desse conceito. O que, de fato, Stevin formulou foi algo próximo ao seguinte princípio: "o que é ganho em força é perdido em velocidade". Uma origem remota do princípio de trabalho virtual pode ser encontrada em um tratado atribuído a Aristóteles e denominado Problemas de Mecânica (Mηχαηνικα προβληµαα). Entretanto, possivelmente, trata-se de um texto apócrifo. O autor desse tratado derivou a lei da alavanca a partir do princípio de que "as forças se contrabalançam quando são inversamente proporcionais às velocidades". Na realidade, o nome "velocidade virtual", em lugar de deslocamento virtual foi largamente usado até o século XIX.

É importante ressaltar que Stevin foi um típico representante do estilo de ciência dos tempos modernos. Ele compreendeu a importância de um novo ideal científico: A união indissolúvel da teoria e da práxis. Para ele, a técnica seria sempre uma aplicação de conhecimentos teóricos.

O livro De Beghinselen der Weegconst começa com a seguinte asserção: Na natureza, não há nada de miraculoso. Aquilo que não compreendemos chamamos de um milagre (een wonder, em holandês). Isso acontece simplesmente porque ainda não conhecemos sua causa.3 3 Het is wel waar dat er in de Natuur niets wonderbaars is, maar als we niet begrijpen waarom iets is zoals het is, dan spreken we terecht van een wonder, omdat het zich aan ons zo voordoet (ver http://www.xs4a11.n1/~adcs/stevin).

Galileu Galilei (1564-1642) procurou fundamentar seus estudos de mecânica, e de hidrostática em particular, com base no conceito de momento e de velocidade virtual. É assim que Galileu consegue explicar porque uma pequena quantidade de água pode sustentar e fazer flutuar um corpo de peso muito maior, desde que ele tenha menor densidade do que a da água. É assim que ele tenta mostrar o princípio que está por trás do comportamento peculiar da água nos vasos comunicantes. É assim que ele demonstra a condição de equilíbrio de um corpo pendente com um corpo sobre um plano inclinado. O princípio das velocidades virtuais já havia sido empregado por Guidobaldo del Monte, que o tinha aplicado ao estudo das alavancas e das roldanas móveis. O mérito de Galileu está em dar a este princípio uma maior generalidade, estendendo-o ao estudo dos planos inclinados e de todas as máquinas que deles dependem [3].

Imagine - escreveu Galileu - um corpo flutuando em um recipiente com água e que esse recipiente tenha uma área muito maior do que a área da base do corpo. Se esse corpo for retirado da água, seu nível irá abaixar muito pouco. Entretanto, se esse mesmo corpo passar a flutuar em um recipiente de dimensões pouco maior que a do próprio corpo, quando ele for retirado da água, seu nível irá abaixar consideravelmente. No primeiro caso, uma grande quantidade de água abaixou seu nível muito pouco, no segundo uma pequena quantidade de água abaixou muito seu nível: Nos dois casos citados, o produto da área do fluido pela velocidade com que seu nível abaixa deve ser o mesmo. Está aí um exemplo do emprego do conceito de velocidade virtual.

No caso dos vasos comunicantes, ocorre um efeito similar. Consideremos dois vasos comunicantes com diâmetros muito desiguais. A água está em equilíbrio nos dois vasos. Imaginemos então que este equilíbrio seja alterado. A água então poderá se elevar muito no vaso mais estreito e descer muito pouco no vaso mais largo, e vice-versa, pois volumes deslocados nos dois sentidos têm o mesmo valor. Além disso, o líquido tenderá a subir com uma velocidade muito maior no vaso mais estreito do que descer no vaso mais largo, e vice-versa. Este é outro exemplo de velocidade virtual [4].

No caso de um plano inclinado (Fig. 2), Galileu representa o comprimento da base do plano por AB, sua altura por BC e o plano inclinado por AC. Se dois corpos: corpo E e corpo F, ligados por um fio E sobre o plano e F pendente, estão em equilíbrio, então o peso F estará para o peso E assim como BC estará para C A


Imaginemos então que este equilíbrio seja ligeiramente perturbado: o corpo E pode sofrer um deslocamento na vertical para cima, enquanto o corpo F sofre outro deslocamento para baixo. Novamente, BC estará para C A assim como o deslocamento de E: deslocamento ΔE (projeção vertical) estará para o deslocamento de F: deslocamento ΔF. Portanto, o deslocamento F está para o deslocamento E assim como o peso F está para o peso E.

Sejam Δ os deslocamentos de E ao longo do plano inclinado e de F na vertical. A componente vertical de Δ para o corpo E é ΔE = Δsenθ, logo,

Galileu, utilizando argumentos desta natureza, conseguiu reduzir o equilíbrio de corpos sobre planos inclinados à lei da alavanca. Nós estamos mais acostumados a resolver este tipo de problema com a decomposição dos pesos em componentes paralela e perpendicular ao plano e o uso concomitante de funções trigonométricas. Aplicamos a segunda lei de Newton a cada corpo, considerando o caso particular de aceleração nula e chegamos à mesma condição de equilíbrio a que chegou Galileu.

Galileu ainda teve o mérito de utilizar uma abordagem dinâmica na resolução de problemas de estática. Neste aspecto, ele deu um passo à frente de Arquimedes e de Stevin. O tempo começa a entrar explicitamente em suas considerações sobre as questões de mecânica. Segundo Stillman Drake [5], Guidobaldo del Monte percebera um hiato intransponível entre a estática e a dinâmica, enquanto Galileu já notou em 1593 que, tendo em vista o fato de que qualquer força por pequena que seja é capaz de perturbar o equilíbrio de um corpo, nenhuma distinção deve ser feita entre o poder requerido para sustentar um peso e o necessário para movê-lo. Em conformidade com isso, ele formulou uma regra geral, segundo a qual há proporcionalidade entre forças, pesos, velocidades, distâncias e tempo, de modo que tudo que é ganho em uma dessas grandezas deve ser perdido em outra.

2. O princípio de trabalho virtual

O princípio de trabalho virtual, como outros grandes princípios da física, teve uma longa história, antes de se tornar um princípio plenamente consolidado. Aristóteles, ou quem quer que tenha escrito os Problemas de Mecânica está remotamente na origem desse princípio. Na realidade, Stevin não o formulou explicitamente, tampouco Galileu; embora Galileu tenha falado de uma certa velocidade potencial ou virtual, e mostrou saber fazer bom uso dessa noção. Parafraseando Koyré [6] a respeito do que ele disse sobre o princípio de inércia, podemos dizer que o princípio de trabalho virtual não saiu já feito, como Atena da cabeça de Zeus, do pensamento de Stevin ou de Galileu. Entre os autores que contribuíram para a emergência e a consolidação desse princípio, podemos, além do próprio Stevin, citar Galileu, Jean Bernoulli, Jaques Bernoulli, d'Alembert e finalmente Lagrange. É com Jean Bernoulli que o princípio de trabalho virtual se aproxima da nossa concepção moderna que temos dele. Parece que ele foi o primeiro a reconhecer o princípio de trabalho virtual como um princípio geral da estática. Cornelius Lanczos chama a atenção para o fato de Bernoulli omitir o uso das proporções [como fizeram Stevin e Galileu] e introduz o produto da força pela velocidade na direção dessa força, tomado com sentido positivo ou negativo, dependendo do ângulo entre a força e a velocidade ser agudo ou obtuso. O produto da força pelo seu deslocamento Bernoulli chamou de energia. Parece que aí se encontra a primeira referência ao termo energia para designar algo já bem próximo do conceito de trabalho mecânico. Ele expressa estas considerações em carta a Pierre Varignon,4 4 Jean Bernoulli wrote, in letter to Varignon, "Imagine several different forces which act according to different tendencies or in different directions in order to hold a point, a line, a surface or a body in equilibrium. Also, imagine that a small motion is impressed on the whole system of these forces. Let this motion be parallel to itself in any direction, or let it be about any fixed point. It will be easy for you to understand that, by this motion, each of the forces will advance or recoil in its direction; at least if one or several of the forces do not have their tendency perpendicular to that of the small motion, in which case that force or those forces will neither advance or recoil. For these advances or recoils, which are what I call virtual velocities, are nothing else than that by which each line of tendency increases or decreases because of the small motion" (Jean Bernoulli, letter to Pierre Varignon, January 26 th, 1717, apud Ref. [7, p. 231-232]). escrita em 26 de janeiro de 1717. René Dugas [7] cita que este princípio fora no século XIII usado implicitamente por Jordanus de Nemore (também conhecido como Jordanus Nemerarius). Mais tarde dele fizeram uso René Descartes e John Wallis. De fato, o mesmo Dugas [7, cap. 3] discorre sobre o Elementa Jordanus super demonstrationem ponderis. Ele assevera que a originalidade de Jordanus está no uso sistemático, em seu estudo do movimento de corpos, do caminho efetivo em uma direção vertical como uma medida do efeito de um peso, que geralmente era colocado na extremidade do braço de uma alavanca. Em conseqüência disso o peso descrevia um círculo. Jordanus expressa a idéia de "peso aparente", segundo o lugar ocupado (gravitas secundum situm). Quanto mais oblíqua é a descida de um corpo, menor é seu peso aparente. Segundo Jordanus, maior obliqüidade de uma descida significa maior ângulo de inclinação a partir da direção vertical. Assim, se uma alavanca estiver em sua posição horizontal, com pesos em suas extremidades e ela girar em certo ângulo, em torno do ponto de apoio, um dos pesos irá subir uma certa distância enquanto o outro irá descer outra distância. Entretanto, se a alavanca não estiver na sua posição horizontal, seu giro em um ângulo igual ao do caso anterior, será acompanhado de menores subida e descida dos respectivos pesos. Portanto, tudo leva a crer que a estática de Jordanus se origina do princípio de trabalho virtual, mas não ainda explicitamente enunciado.

Não resta dúvida que o princípio de trabalho virtual foi o primeiro princípio a ser estabelecido para a mecânica. Este princípio, em seu enunciado moderno simplesmente afirma o seguinte:

Um sistema mecânico está em equilíbrio se, e somente se, o trabalho virtual total de todas as forças aplicadas for nulo.

Para entendermos de modo operacional como esse princípio pode ser aplicado efetivamente na resolução de um problema de estática, precisamos considerar alguns conceitos e grandezas físicas auxiliares imprescindíveis. O primeiro conceito que temos que levar em conta é o conceito de vínculo.

2.1. Conceito de vínculo

Em mecânica, um vínculo é, em geral, uma restrição de natureza geométrica imposta ao movimento do sistema. Consideremos o caso do movimento de uma única partícula. Se essa partícula puder se mover em todas as três direções no espaço, ela está livre de vínculos. Dizemos então que ela tem três graus de liberdade. Se, pelo contrário, ela estiver condicionada a se mover ao longo de uma superfície dada, ela está submetida a um vínculo, geometricamente falando, ela está restrita a se mover ao longo dessa superfície. Ela terá então dois graus de liberdade. Mas, se ela estiver condicionada a mover-se ao longo de uma curva, esta curva é o vínculo a que ela está submetida. Ela terá apenas um grau de liberdade. Um exemplo típico de sistema vinculado e formado de uma única partícula, possuindo apenas um grau de liberdade, seria o pêndulo simples. Esse pêndulo é constituído de um fio de comprimento L e de uma massa m, e que pode oscilar em um plano vertical, digamos plano xy. O movimento da partícula é ao longo de um arco de circunferência de raio L. Um sistema formado por duas partículas livres tem seis graus de liberdade: três para o movimento do centro de massa do sistema e três para o movimento das partículas em relação ao centro de massa. Entretanto, se essas mesmas partículas estiverem ligadas por uma haste de comprimento fixo, o sistema estará submetido a um vínculo e ele terá ao todo cinco graus de liberdade: três para o movimento do seu centro de massa e dois para rotação em torno do centro de massa.

Equação de vínculo. Em muitos casos, a equação de vínculo é uma função algébrica das coordenadas. Por exemplo, no caso do pêndulo oscilando no plano xy, as equações de vínculos são

f1 = x2 + y2 - L2 = 0 e f2 = z = 0.

Para uma partícula condicionada a se mover na superfície de uma esfera de raio R, a equação de vínculo é f = x2 + y2 + z2 - R2 = 0.

Nestes dois exemplos, e em muitos outros, as equações de vínculos não dependem explicitamente do tempo. Significa então que o vínculo é estacionário. Casos há, entretanto, em que as equações de vínculo dependem explicitamente do tempo. Temos então o que chamamos de vínculos não-estacionários. Por exemplo, no caso de uma partícula que se move sobre a superfície de uma esfera cujo raio cresce linearmente com o tempo, isto é, quando R(t) = Ro + αt, estamos em presença de um vínculo não-estacionário.

Em geral, os vínculos se classificam em vínculos holônomos ou integráveis (do grego: (ολος) ólos = todo ou inteiro e (νοµος ) nómos = lei) e vínculos não-holônomos. Os vínculos holônomos são expressos por equações algébricas das coordenadas, e eventualmente do tempo: f(r, t) = 0. Os vínculos não-holônomos não podem ser expressos por equações algébricas, e sim por formas diferenciais não integráveis do tipo df = Adx + Bdy + Cdz + (f/t)dt. Os vínculos ainda podem ser classificados como estacionários ou escleronômicos (do grego: σκληρος (sclerós) = duro, rígido + nómos = lei) quando as equações de vínculo não dependem explicitamente do tempo; caso contrário, os vínculos são chamados não-estacionários ou reonômicos (do grego: ρεω (réo) = fluir, correr + nómos = lei).

2.2. Deslocamento real, deslocamento possível e deslocamento virtual

Em se tratando de uma partícula sujeita a mais de um vínculo, ou a um único vínculo, o deslocamento infinitesimal real desta partícula, como todos que estudaram um pouco de cálculo já sabem, é, em geral, representado por dr, onde dr deve ser compatível com a equação de vínculo e com as forças aplicadas sobre a partícula. Este deslocamento ocorre em um tempo infinitesimal dt. Tanto é assim que se a equação de vínculo da partícula for dada por f(r, t) = 0, o deslocamento dr acompanha a sua diferencial

O deslocamento possível é um "deslocamento" dr permitido pelo vínculo. Mas, ao contrário do deslocamento real, o deslocamento possível satisfaz apenas a equação de vínculo: O deslocamento real está contido no conjunto dos deslocamentos possíveis.

Entretanto, na mecânica analítica, que é o ramo da ciência que estuda as equações do movimento com o emprego de um formalismo matemático mais bem elaborado, ou mais sofisticado, se assim quisermos dizer, fez-se necessária a introdução do conceito de deslocamento virtual. Galileu, por exemplo, em alguns de seus trabalhos sobre o movimento dos corpos sólidos, sobre a estática dos sólidos e sobre hidrostática, fez uso de um conceito muito próximo daquele de deslocamento virtual, que é o de velocidade virtual. Autores modernos abandonaram o conceito de velocidade virtual a favor do conceito de trabalho virtual. Galileu reconheceu o importante fato de que ao formular o princípio de velocidades virtuais, não é a velocidade, mas a componente da velocidade na direção da força que deve ser levada em conta. Com isso, é como se Galileu tivesse reconhecendo a importância da grandeza trabalho, o produto da força pelo deslocamento na direção da força. Chegando, assim, muito próximo do conceito de trabalho virtual propriamente dito.

O deslocamento virtual é, em geral, representado por dr e tem o seguinte significado: novamente, estamos em presença de um deslocamento infinitesimal, mas não se trata de um deslocamento real, trata-se de um deslocamento imaginário, que, entretanto, deve ser compatível com a equação de vínculo, em um dado instante de tempo: um deslocamento virtual não tem duração: dt = 0. Portanto, se o vínculo depender explicitamente do tempo, o deslocamento virtual é obtido com a condição de que é feito um deslocamento idealizado em dado instante fixo. É como se o vínculo "congelasse" naquele instante dado. Seria como uma espécie de experiência de pensamento que imaginamos realizar com o sistema. Se o sistema estiver em equilíbrio, imaginemos a saída desse sistema do equilíbrio, por meio de um pequeno deslocamento (virtual) do sistema como um todo.

Dada uma equação de vínculo holônomo f(r, t) = 0, representemos sua variação (não é uma diferencial) por δf = ∇f δr = 0. Notemos que δt = 0, pois, para efetuar um deslocamento virtual, o tempo permanece fixo. Portanto, apenas quando lidamos com vínculos estacionários, os deslocamentos possíveis e os deslocamentos virtuais coincidem.

A Enciclopédia Larousse Cultural define "virtual" (lat. virtualis, fr. virtuel) como sendo o que não se realizou, mas é suscetível de realizar-se, potencial.

Esta definição não nos satisfaz plenamente, pois, no contexto da mecânica, um deslocamento virtual não é o mesmo que um deslocamento possível ou potencial. Do ponto de vista filosófico, o adjetivo virtual se contrapõe ao real, enquanto o possível se contrapõe ao atual ou concreto. Assim como há uma certa semelhança entre o real e o atual, e uma nuança de significados distinguindo esses dois termos, também o virtual e o possível se assemelham sob certos aspectos, mas não são a mesma coisa. Em alguns casos, a diferença entre o que é virtual e o que é possível pode ser muito sutil, mas casos também há em que a diferença de significado entre eles é bastante acentuada.

Lembremos o conceito de imagem virtual num espelho, não se trata de uma imagem possível, do mesmo modo que uma partícula virtual em teoria quântica de campo, não significa uma partícula possível, no sentido de ter algum poder de se transformar em algo concreto, algo atual.

No âmbito da mecânica analítica, o conceito de deslocamento virtual é peculiar a ela e matematicamente definido, não se confundindo com o real nem com o possível. Entretanto, para o estudante, esse conceito pode ainda parecer pouco claro. Por isso, vamos mostrar o seguinte exemplo, que pode servir para dissipar algumas dúvidas no tocante ao significado do deslocamento virtual, deslocamento possível e deslocamento real.

Consideremos uma partícula que se move sobre um plano horizontal animado de um movimento vertical uniforme, com velocidade u (Fig. 3) (ver também Ref. [8]). A equação de vínculo não-estacionário é f = z - ut = 0.


O deslocamento possível dz satisfaz a equação de vínculo, logo

dz - udt = 0 ou dz = udt.

O deslocamento virtual é δz = 0, visto que δt = 0.

Geometricamente, o deslocamento virtual δz = 0 estaria sobre o plano xy, em dado instante, como se "congelasse" uma fotografia do plano em movimento. Já o deslocamento possível dz = udt poderia unir dois pontos em dois planos paralelos: um ponto no instante t e outro no instante t + dt.

Finalmente, o deslocamento real dz deverá satisfazer também as forças aplicadas sobre a partícula. Esse deslocamento real será então um deslocamento realizado e concreto. Entretanto, ele se encontra entre os deslocamentos possíveis; ele pertence ao conjunto dos deslocamentos possíveis, para um dado sistema mecânico.

2.3. Representação matemática do trabalho virtual das forças aplicadas e o das forças de vínculo

Em muitos casos, sobre um sistema de N partículas em equilíbrio atuam forças aplicadas e forças oriundas dos próprios vínculos. Podemos representar essas forças de reação de vínculos por Ri (i = 1, 2,...N). Os vínculos são chamados ideais, se o trabalho virtual das forças de reação de vínculos é nulo. Exemplos de vínculos ideais são: a) Interconexão rígida entre partículas (corpo rígido), b) movimento de deslizamento sobre uma superfície lisa. c) rolamento sem deslizamento. Entretanto, estes exemplos não esgotam todos os casos de vínculos ideais. Mesmo os vínculos reonômicos, como é o caso de uma haste de comprimento variável com o tempo, podem ser vínculos ideais, visto que o tempo é considerado fixo durante um deslocamento virtual (ver Ref. [9]). Representemos as forças aplicadas por Fi, de modo que a condição de equilíbrio do sistema é que a soma de todas as forças aplicadas mais as forças de reação de vínculo seja nula

Podemos formalmente multiplicar toda a expressão acima por δri. Portanto

Mas, como estamos considerando vínculos ideais, Conseqüentemente

Princípio de trabalho virtual

O princípio de trabalho virtual afirma que um sistema mecânico estará em equilíbrio se, e somente se, o trabalho virtual de todas as forças aplicadas sobre ele for nulo

Este é o princípio de trabalho virtual aplicado à estática.

Sommerfeld [10] chama as forças de reação de vínculos de forças de origem geométrica. De fato, elas são devidas aos contatos de vínculos, e os vínculos, por sua vez, têm uma estrutura essencialmente geométrica. Ele denomina as forças aplicadas de "forças de origem física", e ainda chama atenção para as forças de atrito estático e atrito cinético. As primeiras são automaticamente eliminadas pelo princípio do trabalho virtual, ou seja, elas podem ser consideradas forças de reação de vínculos ideais; as últimas devem ser introduzidas como forças aplicadas.

2.4. Exemplos de emprego do princípio de trabalho virtual

Exemplo 1: Consideremos uma alavanca de braços desiguais (Fig. 4), ela estará em equilíbrio, na posição horizontal, se pesos desiguais forem colocados em suas respectivas extremidades. Qual a relação entre estes pesos e os braços da alavanca?


Sejam b1 e b2 os comprimentos desses braços.

Suponhamos que a alavanca esteja em equilíbrio sob ação dos pesos P1 e P2, colocados nas extremidades dos seus braços. Para aplicar o princípio do trabalho virtual é preciso que imaginemos o que aconteceria se um dos braços saísse um pouco da posição de equilíbrio (por ação de um peso infinitesimal acrescentado a um dos pesos). É razoável supor que um dos braços irá abaixar um pouco enquanto o outro irá subir proporcionalmente ao seu comprimento. Seja δs1 o arco descrito pela extremidade do braço b1 e δs2 o arco descrito pelo braço b2. Estes deslocamentos são gerados devido a um deslocamento angular δφ, isto é, δs1 = b1δφ e δs2 = -b2δφ. O princípio de trabalho virtual exige que

δW = P1δs1 + P2δs2 = P1b1δφ- P2b2δφ = 0,

ou, simplesmente,

(P1b1 - P2b2)δφ = 0.

Como δφ é arbitrário, a expressão se anula, apenas se

P1b1 = P2b2.

Esta relação entre pesos e braços da alavanca é, de fato, a condição de equilíbrio da alavanca. Ela foi obtida a partir do princípio de trabalho virtual.

Exemplo 2: Vejamos agora outro exemplo, desta vez, trata-se de um problema de hidrostática. Consideremos uma prensa hidráulica (Fig. 5). Um tubo de área transversal A1 se comunica com um tubo de área A2, sendo A2 > A1. Se estes contêm um líquido incompressível cujo nível se encontra a uma altura h, o sistema estará em equilíbrio. E ele continuará em equilíbrio, mesmo quando pesos de determinados valores são colocados sobre as respectivas superfícies do líquido. Se sobre a superfície menor for colocado um peso P1, qual deverá ser o peso P2 a ser colocado sobre a superfície A2, de modo a manter o equilíbrio do sistema?


Solução: Se o peso P1 provoca um pequeno deslocamento para baixo no fluido do tubo 1, o peso P2 irá sofrer um deslocamento vertical para cima. Pelo princípio do trabalho virtual, temos P1δh1 + P2δh2 = 0. Por outro lado, como o líquido é incompressível, os volumes de líquido deslocados nesse processo têm o mesmo valor absoluto. Logo, δV1 = A1δh1 e δV2 = -A2δh2, mas δV1 = δV2, portanto, A1δs1= -A2δh2, ou seja, δh2 = - A1/A2δh1 e

(P1 - A1/A2P2) δh1 = 0.

Portanto, temos a seguinte relação simples entre P1 e P2

P1 = (A1/A2)P2.

Como A2 > A1, logo P1 < P2. Portanto, nestas condições, um peso muito pequeno pode equilibrar um peso muito maior. Este é o princípio de funcionamento de uma prensa hidráulica. Este resultado pode também ser deduzido a partir do princípio de Pascal, reconhecendo a igualdade de pressão em todos os pontos de líquido em equilíbrio. O emprego do trabalho virtual para a solução desse problema dispensou o conhecimento do princípio de Pascal.

3. Princípio de D'Alembert-Lagrange

Já vimos que, para um sistema em equilíbrio, o trabalho virtual de todas as forças aplicadas é nulo. D'Alembert teve uma idéia engenhosa, ao perceber que um sistema em movimento poderia ser tratado como se estivesse em repouso. Sabemos que se uma partícula não está em equilíbrio, a resultante das forças que atuam sobre ela é dada pela massa da partícula multiplicada pela sua aceleração (segunda lei de Newton), ou seja, F1 + F2 + ... Fn = ma. D'Alembert concluiu que podemos reescrever esta equação na forma F1 + F2 + ... Fn-ma = 0.

Ou ainda, como o termo -ma representa uma força de inércia, podemos afirmar que um sistema em movimento está formalmente em equilíbrio, se levarmos em conta todas as forças aplicadas conjuntamente com as forças de inércia. Este enunciado é comumente chamado de princípio de d'Alembert.

É que Jean le Rond d'Alembert 1717-1783) em seu Traité de Dynamique (Paris, 1743) apresentou a primeira versão deste princípio. É preciso, entretanto, notar que, ao contrário do que vemos em livros didáticos, D'Alembert não fez uso explícito do conceito de força, principalmente de forças externas, como se procede na abordagem newtoniana da segunda lei da dinâmica, visto que, na realidade, ele estava apresentando uma nova versão da mecânica newtoniana, onde o conceito de força não seria um conceito primário, mas sim derivado de outros conceitos primitivos. D'Alembert recusa-se a fazer apelo à noção de força concebida como exterior aos corpos, pois isso seria recorrer a uma abordagem metafísica. Newton e Euler viam as forças externas como causas que provocam as alterações do movimento de um corpo. Segundo d'Alembert, as causas são "efeitos que resultam de outros efeitos" [11]. De fato, o que D'Alembert fez, tanto na edição do Traité de Dynamique de 1743, como também na edição de 1758, foi introduzir explicitamente três princípios como fundamento da mecânica, os "princípios do movimento": princípio de inércia, princípio de composição dos movimentos e princípio de equilíbrio. O princípio de inércia é o mesmo que Newton coloca em sua primeira lei do movimento, o princípio de composição dos movimentos já havia sido utilizado por autores, tais como Stevin, Galileu, Pierre Varignon e outros, enquanto o princípio de equilíbrio remonta aos trabalhos de Stevin. A grande originalidade de D'Alembert foi, realmente, a de introduzir o princípio de equilíbrio e a generalização dos outros dois princípios, com o intuito de oferecer um fundamento mais sólido para a mecânica, "o princípio do equilíbrio, juntamente com o de inércia e do movimento composto, nos conduz à solução de todos os problemas em que consideramos o movimento de um corpo na medida em que ele pode ser alterado por um obstáculo impenetrável e móvel, ou seja, em geral, por um outro corpo ao qual ele deve comunicar movimento para conservar uma parte do seu".5 5 Le principe de l'equilibre, joint à ceux de la force d'inertie et du mouvement composé, nous conduit donc à la solution de tous les problèmes ou l'on considère le mouvement d'un corps, en tant qu'il peut être altere par um obstacle impénetrable et móbile, c'est-à-dire, em general, par un autre corps à qui il doit nécessairement communiques du mouvement pour consrver une parte du sien (Jean Le Rond d'Alembert, Enciclopédie Méthodiques, Mathématiques, article "Mécanique", Paris, 1785, apud Ref. [12, p. 309]).

Para fim de completeza, vamos também apresentar o enunciado do que seria o "princípio de d'Alembert", na forma em que ele foi, pela primeira vez, publicado por d'Alembert no Traité de Dynamique de 1743:

"O princípio para achar o movimento de vários corpos que atuam uns sobre os outros é o seguinte: Decomponha os movimentos a. b. c etc. impressos a cada corpo, cada um em dois outros a e α; b e β; c e χ; etc tais que se tivéssemos imprimido aos corpos os movimentos a, b, c, etc, eles teriam permanecido inalterados; e se lhes tivessem sido impressos somente os movimentos α, β, χ, etc o sistema teria permanecido em repouso. E claro que a, b, c serão os movimentos que esses corpos irão adquirir em virtude de sua ação recíproca".6 6 "Le Principe suivant pour trouver le mouvement de plusieurs corps qui agissent les uns sur les autres: Décomposés les mouvements a, b, c etc. imprimes à chaque corps, chacun em deux autres a e α; b e β; c e χ; qui soient tels, que si l'on n'eut imprime aus corps que les mouvements a ; b ; c etc ils eussent pûr conserver ces mouvements sans se nuire réciproquement; et que si on ne leur eût imprime que les mouvements α, β, χ; etc le systéme fut demeuré au repôs; il ést clair que a, b, c seront les mouvements que ces corps prendront em vertu de leur action" (Je Le Rond d'Alembert, Traité de Dynamique, Paris, 1743, apud Ref. [12, p. 309]).

Por sua vez, escreveu Blay [12]:

Se compararmos estes três princípios d'alembertianos (inércia, composição do movimento e equilíbrio) com os três axiomas ou leis do movimento de Newton, associados à concepção euleriana da força, é uma abordagem totalmente diversa da ciência do movimento que está surgindo.7 7 Si l'on compare maintenant les trois principes d'alembertiens (inertie, composition dês mouvements et equilibre) aux trois axiomes ou lois du mouvement de Newton (voir partie II, chapitre 4 [de ce livre]), associes à la conception eulérienne de la force, c'est bien um approche toute differente de la science du mouvement qui se fait jour, apud Ref. [12, p. 309].

É com Lagrange, na sua Mécanique Analytique (1788), que aparece o princípio de d'Alembert escrito em forma de trabalho virtual. O resultado da soma dos produtos escalares das resultantes das forças aplicadas sobre cada uma das N partículas pelos seus respectivos deslocamentos virtuais mais a soma dos produtos escalares das forças de inércia pelos seus respectivos deslocamentos virtuais é nulo. Em outras palavras, o trabalho virtual das forças aplicadas mais o trabalho virtual das forças de inércia do sistema é nulo. Modernamente, em geral, este enunciado é escrito de uma forma bastante compacta

É importante compreender que nesta expressão é a soma por todos os valores de i que é nula, e não apenas cada termo entre parênteses. É necessário prestar bastante atenção neste fato, visto que, em geral, nem todos os deslocamentos virtuais ou variações δri são independentes. Além disso, embora esta equação se aplique aos problemas de dinâmica, ela tem a mesma estrutura da equação para o princípio do trabalho virtual aplicado em problemas de estática, quando então

Embora na maioria dos livros de mecânica analítica esta equação é denominada princípio de d'Alembert, achamos mais conveniente chamá-la de equação de d'Alembert-Lagrange ou equação geral da mecânica, reservando a expressão "princípio de D'Alembert" apenas para designar as concepções gerais que estão em sua origem. Essas concepções já foram comentadas acima, mais ou menos como d'Alembert as expressou em seu Tratado de Dinâmica de 1743 e na Enciclopédie, em 1785. Sobre este assunto ver também a Ref. [8].

Lanczos [13] ressalta a grande importância do princípio de d'Alembert-Lagrange no contexto da mecânica analítica. Outros princípios mais sofisticados desta ciência, como é o caso do princípio variacional de Hamilton ou o princípio de Jacobi não passam de formulações matemáticas alternativas do princípio de d'Alembert-Lagrange. Realmente, por meio de uma transformação matemática adequada, o princípio de Hamilton pode ser obtido, diretamente a partir da equação de d'Alembert-Lagrange.

Lanczos ainda enumera outras vantagens inerentes ao princípio de d'Alembert-Lagrange. Uma delas é que ele não envolve integração no tempo, outra é que ele se aplica tanto a sistemas sujeitos aos vínculos holônomos como também a sistemas não-holônomos. Lanczos ainda acrescenta que, apesar de todas as vantagens apresentadas, este princípio não é isento de, pelo menos, uma deficiência. É que, enquanto as forças aplicadas Fi, em muitos casos, mas não em todos, são forças potenciais, isto é, forças monogênicas, oriundas de uma única função escalar, já as forças de inércia não gozam desta propriedade. A conseqüência disso é que o princípio de d'Alembert-Lagrange, escrito sob a forma da equação acima, não é muito adequado para o emprego de coordenadas curvilíneas. Por isso, os físicos matemáticos posteriores a Lagrange acharam conveniente obter as equações de movimento de um sistema de partículas a partir de um princípio em que se emprega apenas coordenadas generalizadas independentes, de modo que todas as variações são independentes. Essas coordenadas generalizadas e suas variações são, geralmente, representadas por qj e δqj, respectivamente.

3.1. Exemplos de emprego da equação de d'Alembert-Lagrange em casos concretos

Exemplo 1: Consideremos um plano inclinado em forma de uma cunha de massa M (Fig. 6). Sobre o plano inclinado é colocado um bloco de massa m que pode escorregar sobre ele sem atrito. Também não há atrito entre o plano horizontal e o corpo em forma de cunha. Enquanto o corpo de massa m desliza sobre a cunha, esta, por sua vez, é capaz de se mover ao longo do plano horizontal. Use a equação d'Alembert-Lagrange para achar as equações do movimento dos dois corpos.


Solução. Escolhemos x1 e y1 como as coordenadas instantâneas do corpo de massa M. Sejam x2 e y2 as coordenadas instantâneas do corpo de massa m, todas em relação a um referencial fixo no plano horizontal, onde o eixo x é orientado horizontalmente para a direita e o eixo y verticalmente para cima. A única força aplicada sobre o corpo de massa M é a força gravitacional -Mgj e sobre o corpo de massa m é -mgj. A equação de d'Alembert-Lagrange toma a seguinte forma

É fácil notar que x2 = x1+s cosθ e y2 = s senθ, onde s é a posição do corpo de massa m, medida ao longo do plano inclinado, a partir do topo. Portanto, temos δy2 = δs senθ e x2 = δx1 + δs cosθ. Substituindo estes valores na equação acima, encontramos facilmente as equações de movimento do sistema, escritas sob a forma abaixo

Exemplo 2: Um cilindro de massa m e de raio R que se encontra em repouso sobre um bloco de massa M, o qual, por sua vez, repousa sobre uma mesa horizontal sem atrito (Fig. 7). Se uma força F é aplicada horizontalmente sobre o bloco, este é acelerado e o cilindro rola sem deslizamento. Encontre a aceleração do bloco e a aceleração do cilindro, em relação a um referencial inercial fixo à mesa.


Solução: Na direção horizontal, as forças que atuam sobre o bloco são F e uma força de atrito estático fcb(força devida ao cilindro), em sentido contrário. Sobre o cilindro, atua apenas uma força de atrito estático fbc (força devida ao bloco), sendo que fcb = -fbc. Entretanto, as forças de atrito estático não são forças ativas, elas não realizam trabalho, portanto, podem ser consideradas como forças de vínculo. Por isso, elas não entram na equação de d'Alembert-Lagrange.

A equação de d'Alembert-Lagrange toma a seguinte forma

Como a força de inércia -m está orientada para a esquerda (sentido contrário ao da força F), podemos introduzir a seguinte representação para x1

x1 = x + xo,

onde x é posição do CM do bloco de massa M, enquanto xo é a posição do cilindro em relação ao bloco.

Com esta notação, encontramos a expressão

Por outro lado, o termo

xoδxo está associado ao movimento de rotação do cilindro pela ação da força de inércia aplicada horizontalmente em seu centro de massa. Esta força produz um torque em relação ao eixo instantâneo de rotação do cilindro, eixo este, paralelo ao eixo de simetria do cilindro e que passa pelo ponto de contato do cilindro com o bloco, ponto P, na Fig. 7. Logo

Substituindo estas expressões na equação acima, encontramos

Podemos considerar δx e δxo como variações independentes. Portanto, cada parêntese deve anular-se identicamente. Por isso, temos

Além disso, IP = 3/2 mR2, portanto

Finalmente, encontramos a solução do problema

A aceleração (aceleração do cilindro em relação ao bloco) é para a esquerda; a aceleração (aceleração do cilindro em relação ao referencial fixo à mesa) é para a direita. A aceleração do bloco de massa M sob a ação da força horizontal F, naturalmente, também está orientada para a direita.

4. Conclusão

Concluindo este artigo, ressaltemos que o princípio de trabalho virtual, aplicado na resolução de problemas de estáticas, ou a equação de d'Alembert-Lagrange para tratar de problemas dinâmicos, à primeira vista, pode parecer equivalente ao método newtoniano. Entretanto, esta abordagem da mecânica fornece uma visão mais geral e unificadora dos problemas do que o método estritamente newtoniano tendo como base as forças e momentos de força (torques). Ainda mais, Stadler [1] mostra que há alguns problemas bastante simples, como é o caso de um pêndulo rígido duplo, em que o método newtoniano, com base nos postulados da segunda lei da dinâmica e da terceira lei de Newton a suposição de que as interações são forças centrais, resulta num impasse. É então preciso introduzir a lei do momento do momento (a derivada do momento angular pelo tempo é igual ao torque resultante vetorial de todos os torques causados pelas forças externas). Entretanto, o método analítico com base no princípio de trabalho virtual e da energia mecânica total (energia potencial mais energia cinética) do sistema conduz a uma solução aceitável do problema.

Não podemos esquecer de dizer que a equação de d'Alembert-Lagrange exposta acima representa, do ponto de vista histórico e conceitual, apenas o primeiro patamar alcançado pela mecânica analítica. Um patamar mais elevado é aquele em que se utiliza apenas coordenadas generalizadas independentes, fazendo com que todas as variações passam ser independentes. Em lugar das forças aplicadas introduz-se uma função escalar, obtida a partir de uma combinação sui generis da energia cinética T com a energia potencial U; mais precisamente, esta função escalar é a lagrangiana L do sistema: L = T - U. Ela mostra ser suficiente para encontrar as equações diferenciais do movimento do sistema. Com isso, torna-se possível simplificar ainda mais os problemas da dinâmica. Este é o método lagrangiano, o qual não foi abordado neste trabalho.

5. Agradecimento

Agradeço a Douglas Calzzetta Filho, estudante do curso de Engenharia da Computação do Instituto Nacional de Telecomunicações, em Santa Rita do Sapucaí, MG, pela colaboração na confecção das figuras que acompanham o texto deste artigo.

Recebido em 11/1/2008; Revisado em 16/4/2008; Aceito em 18/4/2008; Publicado em 18/9/2008

  • [1] W. Stadler, American Journal of Physics 50, 595 (1982).
  • [2] http://www.xs4all.nl/ ~ adcs/stevin, 15 de dezembro de 2007.
    » link
  • [3] L. Geymonat, Galileu Galilei (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1997), p. 39.
  • [4] S. Drake, Cause, Experiment & Science (The University of Chicago Press, Chicago, 1981), p. 49-50.
  • [5] S. Drake, Galileu at Work (Dover, Nova York, 1995), p. 35.
  • [6] Koyré, A. Estudos Galilaicos (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1986), p. 203.
  • [7] R. Dugas, A History of Mechanics (Ed. Dover, Nova York, 1988), p. 231-233.
  • [8] N.A. Lemos, Mecânica Analítica (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2004), 1 ed., p. 14-15.
  • [9] D. Greenwood, Classical Dynamics (Dover, Nova York, 1997), p. 13-23.
  • [10] A. Sommerfeld, Mechanics: Lectures on Theoretical Physics (Academic Press, Nova York, 1970), v. 1, p. 53-54.
  • [11] M. Paty, ScientiÆ Studia 2, 9 (2004).
  • [12] M. Blay, La Science du Mouvement de Galilée à Lagrange (Éditions Belin, Paris, 2002), p. 305-310.
  • [13] C. Lanczos, The Variational Principles of Mechanics (Dover, Nova York, 1986), 4 ed., p. 77, 92-93.
  • 1
    E-mail:
  • 2
    The distance traveled by the force actinga is to the distance traveled by the resistance as the power of the resistance is to that of the force acting. U
    t spatium agentis ad spatium patientis, sit potential patientis ad potentiam agentis (Stevin,
    Hypomnemata,
    apud Ref. [7, p. 127]).
  • 3
    Het is wel waar dat er in de Natuur niets wonderbaars is, maar als we niet begrijpen waarom iets is zoals het is, dan spreken we terecht van een wonder, omdat het zich aan ons zo voordoet (ver
  • 4
    Jean Bernoulli wrote, in letter to Varignon, "Imagine several different forces which act according to different tendencies or in different directions in order to hold a point, a line, a surface or a body in equilibrium. Also, imagine that a small motion is impressed on the whole system of these forces. Let this motion be parallel to itself in any direction, or let it be about any fixed point. It will be easy for you to understand that, by this motion, each of the forces will advance or recoil in its direction; at least if one or several of the forces do not have their tendency perpendicular to that of the small motion, in which case that force or those forces will neither advance or recoil. For these advances or recoils, which are what I call
    virtual velocities, are nothing else than that by which each line of tendency increases or decreases because of the small motion" (Jean Bernoulli, letter to Pierre Varignon, January 26
    th, 1717,
    apud Ref. [7, p. 231-232]).
  • 5
    Le principe de l'equilibre, joint à ceux de la force d'inertie et du mouvement composé, nous conduit donc à la solution de tous les problèmes ou l'on considère le mouvement d'un corps, en tant qu'il peut être altere par um obstacle impénetrable et móbile, c'est-à-dire, em general, par un autre corps à qui il doit nécessairement communiques du mouvement pour consrver une parte du sien (Jean Le Rond d'Alembert,
    Enciclopédie Méthodiques, Mathématiques, article "Mécanique", Paris, 1785,
    apud Ref. [12, p. 309]).
  • 6
    "Le Principe suivant pour trouver le mouvement de plusieurs corps qui agissent les uns sur les autres: Décomposés les mouvements a, b, c etc. imprimes à chaque corps, chacun em deux autres a e
    α; b e
    β; c e
    χ; qui soient tels, que si l'on n'eut imprime aus corps que les mouvements a ; b ; c etc ils eussent pûr conserver ces mouvements sans se nuire réciproquement; et que si on ne leur eût imprime que les mouvements
    α,
    β,
    χ; etc le systéme fut demeuré au repôs; il ést clair que a, b, c seront les mouvements que ces corps prendront em vertu de leur action" (Je Le Rond d'Alembert,
    Traité de Dynamique, Paris, 1743,
    apud Ref. [12, p. 309]).
  • 7
    Si l'on compare maintenant les trois principes d'alembertiens (inertie, composition dês mouvements et equilibre) aux trois axiomes ou lois du mouvement de Newton (voir partie II, chapitre 4 [de ce livre]), associes à la conception eulérienne de la force, c'est bien um approche toute differente de la science du mouvement qui se fait jour,
    apud Ref. [12, p. 309].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Abr 2008
    • Revisado
      16 Abr 2008
    • Recebido
      11 Jan 2008
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