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Quantidades médias no movimento de um corpo em trajectória elíptica

Mean values of physical quantities for the motion of a body in an elliptic trajectory

Resumos

Em muitos livros de texto, a terceira lei de Kepler é formulada em termos da distância média entre o Sol e cada um dos planetas, não se especificando de que média se trata. Neste trabalho calculam-se três médias diferentes para esta distância, verificando-se que apenas uma é compatível com a referida lei. Adicionalmente, calculam-se e comparam-se as três médias para todas as quantidades físicas relevantes.

leis de Kepler; modelo de Bohr-Sommerfeld; integrais elípticos


Many textbooks formulate the Kepler's third law in terms of a mean distance between the Sun and each of the planets, but nothing is said about what kind of mean is. In this work we calculate three diferent means for this distance, and verify that only one is compatible with the referred law. We also calculate and compare the three means for all relevant physical quantities.

Kepler laws; Bohr-Sommerfeld model; elliptic integrals


ARTIGOS GERAIS

Quantidades médias no movimento de um corpo em trajectória elíptica

Mean values of physical quantities for the motion of a body in an elliptic trajectory

M.F. Ferreira da Silva1 1 E-mail: mfs@ubi.pt.

Departamento de Física, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal

RESUMO

Em muitos livros de texto, a terceira lei de Kepler é formulada em termos da distância média entre o Sol e cada um dos planetas, não se especificando de que média se trata. Neste trabalho calculam-se três médias diferentes para esta distância, verificando-se que apenas uma é compatível com a referida lei. Adicionalmente, calculam-se e comparam-se as três médias para todas as quantidades físicas relevantes.

Palavras-chave: leis de Kepler, modelo de Bohr-Sommerfeld, integrais elípticos.

ABSTRACT

Many textbooks formulate the Kepler's third law in terms of a mean distance between the Sun and each of the planets, but nothing is said about what kind of mean is. In this work we calculate three diferent means for this distance, and verify that only one is compatible with the referred law. We also calculate and compare the three means for all relevant physical quantities.

Keywords: Kepler laws, Bohr-Sommerfeld model, elliptic integrals.

1. Introdução

O estudo das órbitas planetárias à volta do Sol é um dos assuntos abordados em todos os livros de física elementar, quase sempre inserido na lei da gravitação universal de Newton, e normalmente inclui uma referência explícita às leis empíricas de Kepler.

A terceira destas leis, conhecida como lei harmónica ou lei dos períodos, é enunciada nos textos de mecânica de nível intermédio [1a,2-4] da seguinte forma:

Os quadrados dos períodos do movimento dos diferentes planetas à volta do Sol são directamente proporcionais aos cubos dos correspondentes semieixos maiores das elipses descritas por eles.

Esta formulação corresponde à versão dada por Newton [5] da terceira lei de Kepler. São raros [6-8], no entanto, os textos introdutórios de física que enunciam a lei desta maneira. O mais comum [9-13] é substituir-se a referência ao semieixo maior da elipse pela expressão "distância média do planeta ao Sol" (o que coincide com a formulação original de Kepler [14]), sem qualquer indicação acerca de que tipo de média se trata. Em alguns casos [15,16], é ainda referido que essa média é igual ao semieixo maior da elipse, sem o justficar. Noutros [17], a distância média é descrita como a média aritmética entre a distância máxima e a distância mínima, o que, apesar de ser correcto, não corresponde àquilo que Kepler tinha em mente.

Este trabalho pretende, em primeiro lugar, tirar a limpo este assunto. É que, tendo em conta que a distância Sol-planeta é uma função contínua da posição deste, e que a média de uma função f(x) num intervalo a < x < bé dada por , três médias são imediatamente passíveis de ser calculadas: a média angular, em que é usada como variável independente o ângulo polar que define a posição do planeta quando visto a partir do Sol (ângulo conhecido como anomalia verdadeira); a média espacial, em que é usada como variável independente o comprimento de arco da trajectória descrita pelo planeta; e a média temporal, em que é usada como variável independente o tempo.2 2 Outras variáveis independentes poderiam ainda ser escolhidas, como por exemplo a anomalia excêntrica, mas decidiu-se restringir o estudo às três variáveis mais intuitivas.

A questão que se coloca é, portanto, esta: a qual (ou a quais) destas médias nos referimos quando enunciamos a terceira lei de Kepler em termos das distâncias médias dos planetas ao Sol, como Kepler fez?

Em segundo lugar, pretende-se calcular também as três médias referidas para todas as quantidades físicas relevantes na descrição do problema: velocidades, acelerações, forças, energias, etc. Essas três médias serão depois comparadas e, sempre que possível, serão obtidas relações entre elas. Para o cálculo das médias será desenvolvida uma estratégia comum.3 3 Por questões de economia de espaço, a grande maioria dos integrais envolvidos no cálculo das médias não foram incluídos no texto, mas estão disponíveis no seguinte URL: http://www.dfisica.ubi.pt/~mffs/integrais.pdf. Esta página contém três secções que, ao longo do artigo, serão referidas com os símbolos www1 , www2 e www3 , respectivamente.

Convém salientar que a utilidade do estudo destas médias não se restringe à sua aplicação à mecânica celeste (movimento de planetas em torno de uma estrela, ou de satélites em torno de um planeta). Órbitas elípticas surgem também no estudo do movimento de um electrão em torno de um núcleo segundo o modelo de Bohr-Sommerfeld; apesar de este modelo ter sido abandonado quando a velha teoria quântica deu lugar à mecânica quântica, do ponto de vista pedagógico ele ainda é muito útil. Em particular, verifica-se que as médias temporais da energia e da distância protão-electrão dadas pelo modelo de Bohr-Sommerfeld quando aplicado ao átomo de hidrogénio coincidem, respectivamente, com a energia e com a distância média protão-electrão dadas pela mecânica quântica para esse sistema; esta coincidência desempenhou, historicamente, um papel importante [18-21].

2. Descrição matemática a partir das leis de Kepler

A primeira lei de Kepler afirma que os planetas descrevem trajectórias planas de forma elíptica em torno do Sol, ocupando este um dos focos da elipse. A equação da trajectória elíptica descrita pelo planeta Pem torno do Sol S, em coordenadas polares planas (ρ, φ) e colocando o Sol na origem de coordenadas, é [22]

sendo a > 0 o semieixo maior da elipse, e 0 < e <1 a sua excentricidade. O afélio (ponto de afastamento máximo) e o periélio (ponto de aproximação máxima) correspondem, respectivamente, às posições angulares φ= 0 e φ= π (ver Fig. 1)


A distância entre o centro Cda elipse e o Sol é portanto a - ρmín = ae ≡ c, e o semieixo menor da elipse é dado por Refira-se que aé a média aritmética entre ρmáx e ρmín, enquanto que bé a média geométrica entre ρmáx e ρmín. O vector posição do planeta é

e é fácil verficar que

equação cartesiana de uma elipse de semieixos ae b, centrada no ponto (c,0). O elemento diferencial de comprimento de arco em coordenadas polares planas de modo que, para esta trajectória,

Esta relação permite transformar quaisquer integrais no comprimento de arco em integrais angulares. Assim, por exemplo, o comprimento L= ∫ dsda trajectória vem dado por (ver integral I24 em www3)

onde E(e) é o integral elíptico completo de segundo tipo (ver www1).

O elemento diferencial de área em coordenadas polares planas (ρ, φ) vem dado por dA= ρdρdφ. Logo, a área total A= ∫ dAvarrida pelo vector posição do planeta, que é precisamente a área encerrada pela elipse, é (ver integral I16 em www3)

Do ponto de vista cinemático, a segunda lei de Kepler garante que a velocidade areolar é constante. Assim, designando por τo período do movimento e admitindo que este ocorre no sentido anti-horário, temos

que representa a velocidade angular do planeta à volta do Sol; posto de outra forma,

Esta relação permite transformar quaisquer integrais temporais em integrais angulares.

A terceira lei de Kepler afirma que o quadrado do período do movimento é directamente proporcional ao cubo do semieixo maior da elipse

onde G é a constante de gravitação universal e Mé a massa do Sol.4 4 A massa do planeta considera-se desprezável em relação à do Sol. Na expressão rigorosamente exacta da Eq. (10), a massa M é substituída por M + m, sendo m a massa do planeta. Combinando as expressões (3), (8) e (10), o vector velocidade do planeta pode ser escrito de duas formas alternativas

que permitem identficar as componentes vxe vy, ou e .

Daqui calcula-se a celeridade vdo planeta em qualquer ponto da sua trajectória

Em particular, no afélio e no periélio temos, respectivamente,

Do ponto de vista dinâmico, a força responsável pelo movimento é a força gravitacional; de acordo com a lei de gravitação universal de Newton, a força que actua sobre o planeta vem dada por

onde mé a massa do planeta.5 5 A expressão (15) pode também ser deduzida derivando a Eq. (11) ou a Eq. (12) com respeito ao tempo para obter a aceleração do planeta, e usando depois a segunda lei de Newton para calcular a força.

A energia cinética Tdo planeta e a energia potencial gravítica Udo sistema são

A energia mecânica

é uma das constantes do movimento. A outra é o momento angular do planeta em relação ao Sol,

como se prova a partir da Eq. (3) e das Eqs. (11) ou (12).

3. Médias da distância Sol-planeta

Nesta secção calculamos três médias associadas à distância Sol-planeta. A distância de referência é a; o planeta encontra-se a uma distância ado Sol quando passa pelas posições que estão directamente por cima e directamente por baixo do centro da elipse.

1. Média angular. Temos (ver integral I15 em www3 )

As duas posições angulares φ1 (simétricas em relação ao eixo maior da elipse) para as quais o planeta se encontra separado do Sol por esta distância satisfazem

2. Média espacial. Temos (ver integral I26 em www3 )

As duas posições angulares φ2 (simétricas em relação ao eixo maior da elipse) para as quais o planeta se encontra separado do Sol por esta distância satisfazem

3. Média temporal. Temos (ver integral I18 em www3)

Como foi referido na introdução, esta média é especialmente relevante na descrição do átomo de hidrogénio através do modelo de Bohr-Sommerfeld.

As duas posições angulares φ3 (simétricas em relação ao eixo maior da elipse) para as quais o planeta se encontra separado do Sol por esta distância satisfazem

Uma conclusão pode ser então retirada: quando, em muitos livros de texto, se enuncia a terceira lei de Kepler tal como o próprio Kepler a formulou originalmente, em termos da distância média planeta-Sol, a média que está implícita é a média espacial. Esta era a média que Kepler tinha em mente. Vejamos porquê.

A média espacial está relacionada com a geometria da trajectória, e pode ser obtida de uma forma muito mais simples usando as propriedades da elipse e apelando à simetria. Efectivamente, lembremos que a soma das distâncias de qualquer ponto Pda elipse aos seus dois focos Fe F′ é constante, igual ao eixo maior da elipse (Fig. 2): ρ+ρ′= 2a. Tomando médias espaciais a esta expressão, resulta ⟨ρ⟩s+ ⟨ρ′⟩s = 2a. Mas, por simetria, ⟨ρ⟩s= ⟨ρ′⟩s, de modo que ⟨ρ⟩s= ⟨ρ′⟩s = a.


As três médias aqui calculadas podem ser postas por ordem crescente

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 3 mostra as três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


Que ⟨ρ⟩t ≥ ⟨ρ⟩spercebe-se pelo facto de o planeta passar mais tempo no lado direito da elipse (onde está mais afastado do Sol e move-se com menor celeridade) do que no lado esquerdo, onde está mais próximo do Sol e move-se com maior celeridade.

Que ⟨ρ⟩φ < ⟨ρ⟩spercebe-se pelo facto de o lado direito da elipse estar associado a um intervalo angular menor do que o lado esquerdo.

4. Médias do vector posição do planeta

Nesta secção calculamos três médias associadas ao vector posição r= (x, y) do planeta. Começamos por observar que

de modo que, fazendo (quaisquer) médias,

Assim, os valores de ⟨x⟩podem ser obtidos a partir dos resultados da secção anterior. Para calcular ⟨y⟩, procedemos por integração, se bem que os resultados (nulos) são facilmente previsíveis devido à simetria do problema em relação ao eixo maior.

1. Média angular. Temos6 6 No segundo cálculo, fizemos a substituição φ = ϕ + π (ver www2) e observámos que o integrando era uma função ímpar de ϕ.

2. Média espacial. Temos5

3. Média temporal. Temos5

Note-se que ⟨x⟩i = ⟨ρ⟩i cos φi para i = 1(φ), 2(s),3(t): a média i do vector posição pode ser obtida projectando sobre o eixo maior os pontos da elipse definidos pelo ângulo φi, pontos em que a distância Solplaneta é igual à média i da distância Sol-planeta. Resumindo,

Note-se que r⟩s localiza o centro da elipse; este resultado era de esperar, por simetria. As três médias da coordenada xdo vector posição satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 4 mostra as três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


A Fig. 5 mostra uma construção geométrica simples baseada nos resultados das duas últimas secções. Esta construção permite visualizar as três distâncias médias a partir dos vectores posição médios. A média angular do vector posição é representada pelo vector FB, a média espacial pelo vector FC, e a média temporal pelo vector FD.


Os pontos C e Destão claramente definidos na figura; o primeiro é o centro da elipse, o segundo é o ponto médio entre o centro da elipse e o foco F′onde não está o Sol. Relativamente ao ponto B, vale a pena observar que

ou seja, o ponto Bdivide o segmento [FC] em dois segmentos cujos comprimentos estão na proporção b/a, a mesma proporção entre os eixos menor e maior da elipse.

5. Médias do inverso da distância Solplaneta

Nesta secção calculamos três médias associadas ao inverso da distância Sol-planeta. Estas médias serão úteis nas próximas secções. A referência para efeitos do inverso da distância é 1/a.

1. Média angular. Temos (ver integral I12 em www3 )

As duas posições angulares φ4 onde o planeta se encontra separado do Sol pela distância a(1-e2) são

A distância a(1 - e2) é muitas vezes designada por semilactus rectume é a média harmónica entre ρmáx e ρmín. Corresponde à coordenada ydo ponto onde a elipse intersecta o eixo ypositivo na Fig. 5.

2. Média espacial. Temos (ver integral I23 em www3 )

onde K(e) é o integral elíptico completo de primeiro tipo (ver www1 ).

As duas posições angulares φ5 (simétricas em relação ao eixo maior da elipse) onde o planeta se encontra separado do Sol pela distância satisfazem

3. Média temporal. Temos

As duas posições angulares φ6 (simétricas em relação ao eixo maior da elipse) onde o planeta se encontra separado do Sol pela distância asatisfazem

6. Médias do quadrado da velocidade do planeta

Nesta secção aproveitamos os resultados da secção anterior para calcular três médias associadas ao quadrado da velocidade do planeta (três velocidades quadráticas médias). A velocidade quadrática de referência é GM/a; o planeta tem uma velocidade quadrática igual a este valor quando se encontra directamente por cima (ou directamente por baixo) do centro da elipse na Fig. 1. Partindo da relação (13), temos, qualquer que seja a média,

1. Média angular. Temos

2. Média espacial. Temos

3. Média temporal. Temos

Estas três médias satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 6 mostra as três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


7. Médias da energia cinética do planeta e da energia potencial gravítica do sistema Sol-planeta

Nesta secção usamos os resultados das duas secções anteriores para calcular três médias associadas à energia cinética T do planeta e à energia potencial gravítica Udo sistema Sol-planeta. Partindo das Eqs. (16) e (17), temos, qualquer que seja a média,

Assim,

Em particular, a relação ⟨U⟩t= -2⟨T⟩t traduz o conhecido teorema do virial[1b]. Sendo a energia mecânica constante [ver Eq. (18)], o seu valor médio é, em todos os casos, Este valor pode ser usado como valor de referência para as energias.

Na Fig. 7 estão representados estes resultados.


8. Médias da celeridade do planeta

Nesta secção calculamos três médias associadas à celeridade vdo planeta. A celeridade de referência é o planeta tem esta celeridade quando se encontra directamente por cima (ou directamente por baixo) do centro da elipse na Fig. 1.

2. Média espacial. Temos (ver integral I19 em www3 )

3. Média temporal. Temos (ver integral I24 www3 )

Vale a pena observar que

relação que teria permitido obter ⟨v⟩tde uma forma mais expedita.

Note-se que a celeridade de referência é precisamente e que pode ser obtida fazendo a média geométrica entre as celeridades no afélio e no periélio [ver Eq. (14)], ou entre as celeridades médias espacial e temporal

As três médias nas Eqs. (52)-(54) satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 8 mostra estas três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


9. Médias do vector velocidade do planeta

Nesta secção calculamos várias médias associadas ao vector velocidade v do planeta. Comecemos pelas componentes cartesianas. Por simetria, a componente segundo xdo vector velocidade média deve ser nula, restando apenas a componente segundo y; verficaremos isso mesmo por integração directa. Para tal, partimos da Eq. (11).

1. Média angular. Temos (ver integral I11 em www3 )

O planeta tem uma velocidade de componente vy= ⟨vy⟩φquando está directamente por cima ou directamente por baixo do Sol na Fig. 1

2. Média espacial. Temos (ver integral I25 em www3 )

3. Média temporal. Temos (ver integral I17 em www3 )

O planeta tem uma velocidade de componente vy= ⟨vy⟩tquando está directamente por cima ou directamente por baixo do centro da elipse na Fig. 1. Nos cálculos de ⟨vx⟩se ⟨vx⟩t, fizemos a mudança de variável φ= ϕ+ π (ver www2 ) e observámos que os integrandos eram funções ímpares de ϕ. Resumindo,

O terceiro resultado era de esperar já que a trajectória do planeta é fechada.

Os valores absolutos das três médias da componente ydo vector velocidade satisfazem

(ver Fig. 9); eles só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0).


Que as médias ⟨vy⟩φe ⟨vy⟩ssejam negativas percebe-se do ponto de vista geométrico: resulta de o movimento do planeta ser anti-horário e de ele se movimentar mais rápido quando está próximo do Sol (lado esquerdo da Fig. 1). Que ⟨vy⟩t seja zero significa que este efeito é anulado pelo facto de o planeta passar menos tempo nessa região.

Passemos agora às componentes radial e angular do vector velocidade. Sendo a órbita fechada, espera-se que a média da componente radial seja nula. Observa-se, comparando as Eqs. (1), (11) e (12), que

1. Média angular. Temos

Refira-se que ⟨vφ⟩φ é a média aritmética entre as celeridades no afélio e no periélio [ver Eq. (14)]: ⟨vφ⟩φ= (vmín + vmáx) /2.

2. Média espacial. Temos

3. Média temporal.

Refira-se que ⟨vφ⟩t é a média harmónica entre as celeridades no afélio e no periélio [ver Eq. (14)]:

Vale a pena também observar que

Confirma-se assim que as três médias associadas à componente radial do vector velocidade são nulas. Quanto às médias da componente angular, refira-se que a média geométrica entre a média angular e a média temporal dá a celeridade de referência: Além disso, as três médias da componente angular satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 10 mostra estas três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


10. Médias da velocidade angular do planeta em torno do Sol

Nesta secção calculamos três médias associadas à velocidade angular do planeta. Da combinação da Eq. (8) com a Eq. (10) resulta

pelo que, para qualquer média,

Assim, o valor de referência para a velocidade angular é A máxima velocidade angular é atingida no periélio, e a mínima no afélio.

1. Média angular. Temos (ver integral I13 em www3 )

2. Média espacial. Temos (ver integral I21 em www3 )

3. Média temporal. Temos

Obviamente, τ ⟨ω⟩t= 2π.

Estas três médias satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 11 mostra estas três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


11. Médias da magnitude da força que actua sobre o planeta

Nesta secção aproveitamos os resultados da secção anterior para calcular três médias associadas à magnitude da força que actua sobre o planeta. Uma vez que a magnitude dessa força vem dada por resulta, para qualquer média [ver Eq. (75)]

O valor de referência para a magnitude da força é GMm/a2; o planeta fica sujeito a uma força desta magnitude quando se encontra directamente por cima (ou directamente por baixo) do centro da elipse na Fig. 1.

1. Média angular. Temos

2. Média espacial. Temos

3. Média temporal. Temos

Este valor de força ocorre nos dois pontos da trajectória onde a distância do planeta ao Sol é a média geométrica entre os semieixos maior e menor.

Estas três médias estão representadas na Fig. 12 e satisfazem


só coincidindo no caso especial de uma trajectória circular (e= 0).

12. Médias do vector força que actua sobre o planeta

Nesta secção calculamos três médias associadas ao vector força F que actua sobre o planeta. Por simetria, a componente segundo ydo vector força média deve ser nula, restando apenas a componente segundo x; verficaremos isso mesmo por integração directa. Para tal, partimos da Eq. (15).

1. Média angular. Temos (ver integral I14 em www3 )

2. Média espacial. Temos (ver integral I22 em www3 )

3. Média temporal. Temos

Nos cálculos de ⟨Fy⟩φe ⟨Fy⟩s, fizemos a mudança de variável φ= ϕ+π(ver www2 ) e observámos que os integrandos eram funções ímpares de ϕ.

Resumindo,

Tal como no caso de v⟩t, o terceiro resultado era de esperar já que a trajectória do planeta é fechada (movimento periódico).

As três médias da componente xdo vector força satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 13 mostra as três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


Que as médias ⟨Fx⟩φe ⟨Fx⟩ssejam positivas resulta de a força exercida sobre o planeta ser maior quando este se encontra perto do Sol (lado esquerdo da Fig. 1).

Que ⟨Fx⟩t seja zero significa que este efeito é exactamente anulado pelo facto de o planeta passar menos tempo nessa região.

13. Médias associadas à aceleração do planeta

A segunda lei de Newton permite obter as médias, tanto para as componentes segundo x e ycomo para a magnitude, do vector aceleração a do planeta; basta dividir os resultados das duas últimas secções por m. Nesta secção calculamos três médias associadas às componentes tangencial e normal deste vector aceleração. Esperase que qualquer média da componente tangencial seja nula, já que o planeta, no final de cada volta, tem a mesma celeridade que tinha no início. Verficaremos isso por integração directa. Naturalmente, o valor de referência para qualquer aceleração é

Começamos por deduzir as respectivas expressões. Para a aceleração tangencial temos, por definição e usando as Eqs. (8), (10) e (13),

Para calcular a aceleração normal usamos o resultado anterior junto com a Eq. (15)

Os respectivos vectores são dados por [ver Eqs. (11) e (12)]

1. Média angular. Temos (ver integral I30 em www3 )

2. Média espacial. Temos (ver integral I12 em www3 )

3. Média temporal. Temos (ver integral I29 em www3 )

Nos cálculos de aT⟩φe aT⟩t, fizemos a mudança de variável φ= ϕ+π (ver www2 ) e observámos que os integrandos eram funções ímpares de ϕ.

Confirma-se assim que as três médias associadas à componente tangencial do vector aceleração são nulas. Quanto às médias da componente normal, elas satisfazem

e só coincidem no caso especial de uma trajectória circular (e= 0). A Fig. 14 mostra as três médias em função da excentricidade da órbita do planeta.


14. Médias do raio de curvatura da trajectória do planeta

Nesta secção calculamos três médias do raio de curvatura Rda elipse descrita pelo planeta. Tendo em conta que , combinando as Eqs. (13) e (94) obtém-se

O valor de referência para o raio de curvatura é a. A expressão (104) permite mostrar que o mínimo raio de curvatura, atingido no afélio (φ = 0) ou no periélio (φ= π), é (o semilactus rectumreferido na secção 5), e que o máximo raio de curvatura, atingido nos pontos da elipse que se encontram directamente por cima ou por baixo do centro da elipse da Fig. 1 (onde cos φ= e), é

1. Média angular. Temos (ver integral I27 em www3 )

2. Média espacial. Temos (ver integral I20 em www3 )

Faz-se notar que esta média é uma propriedade geométricada elipse.

3. Média temporal. Temos (ver integral I28 em www3 )

As três médias do raio de curvatura da elipse mostram-se na Fig. 15; elas satisfazem

e, embora só coincidam no caso especial de uma trajectória circular (e= 0), são praticamente iguais (e iguais ao semieixo maior da elipse) para 0 < e <0.3.

15. Médias da aceleração angular do planeta

Nesta secção calculamos três médias associadas à aceleração angular αdo planeta. Partindo da Eq. (8) e usando a Eq. (10) obtemos

1. Média angular. Temos

2. Média espacial. Temos

3. Média temporal. Temos

Uma média temporal nula era de esperar devido à periodicidade do movimento.

Nos três cálculos anteriores fizemos a mudança de variável φ = ϕ+π(ver www2 ) e observámos que os integrandos eram funções ímpares de ϕ.

16. Síntese de resultados

Na seguinte tabela são condensados os principais resultados obtidos neste trabalho. A primeira coluna contém a quantidade física Q, a segunda contém o valor de referência associado q, e as três últimas contêm os factores multiplicativos f(funções da excentricidade e) associados ás médias angular, espacial e temporal, respectivamente.

Omitiram-se da tabela as médias de algumas acelerações e forças (a, ax, ay, FT e FN) que podem ser obtidas directamente a partir das correspondentes médias de força e aceleração usando a segunda lei de Newton.

17. Conclusões

Foi feita uma análise exaustiva das médias angular, espacial e temporal associadas a todas as quantidades físicas relevantes no movimento de um planeta em torno do Sol.

Veriçou-se que a única distância média planeta-Sol que é igual ao semieixo maior ada elipse é a média espacial. Esta média espacial pode ser obtida por argumentos geométricos (era isto o que Kepler tinha em mente), e coincide com a média aritmética entre as distâncias máxima e mínima.

Relacionaram-se também as distâncias médias com os vectores posição médios correspondentes através de uma construção geométrica simples. Aplicando esta construção às médias temporais, é possível visualizar claramente a distância média entre um electrão e um protão no átomo de hidrogénio, com base no modelo de Bohr-Sommerfeld. Da análise das celeridades médias concluiu-se que a média geométrica entre as velocidades máxima e mínima coincide com a média geométrica entre as médias espacial e temporal da celeridade, sendo ambas iguais à raiz quadrada da média temporal da velocidade quadrática. Também a média geométrica entre as médias angular e temporal da componente angular da velocidade deu o mesmo valor.

O teorema do virial foi confirmado através do cálculo das médias temporais das energias cinética e potencial gravítica.

Condensando resultados, observamos que quantidades Qcujas médias são directamente proporcionais a asatisfazem ⟨Q⟩φ < ⟨Q⟩s < ⟨Q⟩t, enquanto que quantidades Q′cujas médias são directamente proporcionais a a-1/2, a-1, a-3/2 ou a-2 satisfazem ⟨Q′⟩t < ⟨Q′⟩s <⟨Q′⟩φ. As únicas excepções são a média do raio de curvatura R(directamente proporcional a a), para a qual ⟨R⟩φ < ⟨R⟩t < ⟨R⟩s, e a média da magnitude Fda força que actua sobre o planeta (directamente proporcional a a-2), para a qual ⟨F⟩t < ⟨F⟩φ < ⟨F⟩s. Como pode ver-se na tabela da secção anterior, quase um terço das médias obtidas são nulas, e cerca de outro terço tiveram de ser expressas através dos integrais elípticos completos Ee K.

Foi desenvolvida uma abordagem sistemática na determinação dos integrais envolvidos no cálculo das médias.

Recebido em 6/5/2010; Aceito em 30/6/2011; Publicado em 11/10/2011

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  • [11] F.J. Keller, W.E. Gettys and M.J. Skove, Physics (McGraw-Hill, New York, 1993), 2nd ed., p. 156.
  • [12] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica, v. 1 Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 1996), 3Ş ed., p. 197.
  • [13] R. Resnick, D. Halliday and K.S. Krane, Physics, v. 1 (Wiley, New York, 2002), 5th ed., p. 312.
  • [14] Johannes Kepler, Harmonices Mundi (1619), Book V, Chapter III, Proposition VIII, p. 189-190. Pode-se ver o original em http://posner.library.cmu.edu/Posner/books/book.cgi?call=520_K38PI
  • [15] L.S. Lerner, Physics for Scientists and Engineers (Jones & Bartlett, Sudbury, Massachusetts, 1996), p. 366.
  • [16] P.A. Tipler and G. Mosca, Physics for Scientists and Engineers (Freeman, New York, 2004), 5th ed. extended , p. 341.
  • [17] A.P. French, Newtonian Mechanics (Norton, New York, 1971), p. 589.
  • [18] F. Caruso e V. Oguri, Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos (Elsevier, Rio de Janeiro, 2006), p. 381-407.
  • [19] R. Eisberg y R. Resnick, Física Cuántica: Atomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos y Partículas (Editorial Limusa, México, 1979), p. 129-149.
  • [20] A. Messiah, Mecánica Cuántica, tomo I (Editorial Tecnos, Madrid, 1973), pp. 31-35.
  • [21] L. Pauling and E.B. Wilson, Introduction to Quantum Mechanics with Applications to Chemistry (McGraw-Hill, Tokyo, 1935), p. 36-47 e 112-150.
  • [22] A.L. Fetter and J.D. Walecka, Theoretical Mechanics of Particles and Continua (McGraw-Hill, New York, 1980), Eq. (3.20b), p. 14.
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Outras variáveis independentes poderiam ainda ser escolhidas, como por exemplo a anomalia excêntrica, mas decidiu-se restringir o estudo às três variáveis mais intuitivas.
  • 3
    Por questões de economia de espaço, a grande maioria dos integrais envolvidos no cálculo das médias não foram incluídos no texto, mas estão disponíveis no seguinte URL:
    http://www.dfisica.ubi.pt/~mffs/integrais.pdf. Esta página contém três secções que, ao longo do artigo, serão referidas com os símbolos www1 , www2 e www3 , respectivamente.
  • 4
    A massa do planeta considera-se desprezável em relação à do Sol. Na expressão rigorosamente exacta da Eq. (10), a massa M é substituída por M + m, sendo m a massa do planeta.
  • 5
    A expressão (15) pode também ser deduzida derivando a Eq. (11) ou a Eq. (12) com respeito ao tempo para obter a aceleração do planeta, e usando depois a segunda lei de Newton para calcular a força.
  • 6
    No segundo cálculo, fizemos a substituição φ = ϕ + π (ver www2) e observámos que o integrando era uma função ímpar de ϕ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      11 Out 2011
    • Revisado
      30 Jun 2011
    • Recebido
      06 Maio 2010
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