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Estruturas de ondas lentas: análise e medidas em laboratório

Slow-wave structures: analysis and laboratory measurements

Resumos

Estruturas de onda lenta possuem aplicações em vários setores tais como aceleradores lineares, usados em aplicações médicas e em física nuclear; em válvulas eletrônicas e em filtros de micro-ondas. Uma compreensão adequada deste tópico requer conceitos de engenharia de micro-ondas, física e instrumentação, que são dificilmente cobertos em sua plenitude durante cursos de graduação. O artigo explora o tópico utilizando uma analogia com circuitos elétricos e também com o uso de um simulador tridimensional de campos eletromagnéticos. Um experimento em laboratório é sugerido de maneira a proporcionar uma atividade prática. A montagem de laboratório requer instrumentação comum em laboratórios de eletrônica e possui construção simples.

laboratório de eletromagnetismo; eletromagnetismo


Slow wave structures have uses in several areas, as linear accelerators used for atomic studies and in medical applications, vacuum tubes and as microwave filters. An adequate understanding of this topic requires knowledge on microwave engineering, physics and instrumentation, which is hardly possible to be covered during normal physics or engineering undergraduate courses. This article aims to explore this topic using a circuit analogy and also a 3D electromagnetic field solver. A laboratory experiment is proposed to have a hands-on experience as well. The laboratory test requires common electronic instrumentation and it is easily constructed.

electromagnetism laboratory; electromagnetism


ARTIGOS GERAIS

Estruturas de ondas lentas - Análise e medidas em laboratório

Slow-wave structures- analysis and laboratory measurements

Marcelo Bender Perotoni1 1 E-mail: marcelo.perotoni@ufabc.edu.br. ; Stilante Koch Manfrin

Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil

RESUMO

Estruturas de onda lenta possuem aplicações em vários setores tais como aceleradores lineares, usados em aplicações médicas e em física nuclear; em válvulas eletrônicas e em filtros de micro-ondas. Uma compreensão adequada deste tópico requer conceitos de engenharia de micro-ondas, física e instrumentação, que são dificilmente cobertos em sua plenitude durante cursos de graduação. O artigo explora o tópico utilizando uma analogia com circuitos elétricos e também com o uso de um simulador tridimensional de campos eletromagnéticos. Um experimento em laboratório é sugerido de maneira a proporcionar uma atividade prática. A montagem de laboratório requer instrumentação comum em laboratórios de eletrônica e possui construção simples.

Palavras-chave: laboratório de eletromagnetismo, eletromagnetismo.

ABSTRACT

Slow wave structures have uses in several areas, as linear accelerators used for atomic studies and in medical applications, vacuum tubes and as microwave filters. An adequate understanding of this topic requires knowledge on microwave engineering, physics and instrumentation, which is hardly possible to be covered during normal physics or engineering undergraduate courses. This article aims to explore this topic using a circuit analogy and also a 3D electromagnetic field solver. A laboratory experiment is proposed to have a hands-on experience as well. The laboratory test requires common electronic instrumentation and it is easily constructed.

Keywords: electromagnetism laboratory, electromagnetism.

1. Introdução

Estruturas de ondas lentas podem ser entendidas como linhas de transmissão cuja velocidade de propagação é reduzida em relação às linhas normais. Esse efeito em geral é obtido através do carregamento (inclusão de elementos externos) periódico ao longo da direção de propagação da onda. Estas estruturas tem aplicação por exemplo em aceleradores lineares (LINACs - linear accelerators), onde o feixe de partículas deve ter sua velocidade de propagação semelhante à da velocidade de fase da onda eletromagnética, de maneira a otimizar a interação onda-partícula. Além disso, tubos de vácuo (válvulas eletrônicas), ainda usados quando altas potências (ordem de dezenas kW) são necessárias em altas frequências (ordem de GHz), possuem várias formas de ondas lentas para que o processo de amplificação de sinal seja obtido [1]. Dessa forma, áreas tais como física médica [2, 3] (notadamente no estudo de equipamentos de radioterapia baseados em LINACs), instrumentação científica e engenharia de micro-ondas [4] necessitam de um correto entendimento do conceito e aplicação de ondas lentas. Temas como velocidade de fase, diagramas de dispersão em estruturas periódicas e estruturas de ondas lentas são frequentemente negligenciados em cursos de graduação, em face da dificuldade didática de aplicar os conceitos em situações cotidianas e em usar recursos computacionais e de laboratório de maneira eficiente.

O princípio básico que norteia aceleradores de partículas é o da interação da matéria com ondas eletromagnéticas. Uma analogia útil em sala de aula seria a do surfe [5], onde o surfista obtém a energia que o faz atingir altas velocidades (consequentemente grandes energias cinéticas) para executar manobras a partir do momento que o mesmo atinge uma determinada posição nas proximidades da crista da onda. Dessa forma, há uma transferência de energia da onda para o surfista, mas é necessário que ambos estejam movendo-se em fase (sincronamente) Seguindo a Ref. [5] com analogia com ondas do mar "a velocidade de fase é a velocidade de um pico/máximo em um conjunto de ondas todas com mesma altura'' enquanto "a velocidade de grupo é a velocidade da onda/trem de ondas como um todo''. No caso do surfista, o ponto de interesse está próximo à crista da onda. A sua energia cinética adquirida é proporcional à velocidade com que esse ponto de pico se desloca (velocidade de fase), em relação à onda como um todo (velocidade de grupo).

No caso de um acelerador linear, temos a analogia entre o feixe de partículas (elétrons, prótons, íons) com o surfista; a onda mecânica que se propaga na água representa a onda eletromagnética. Em estruturas guiadas, a velocidade de grupo representa a velocidade efetiva com que a informação contida no envelope do sinal (i.e a soma complexa de todas as componentes espectrais) se propaga ao longo da linha. A velocidade de fase expressa a velocidade com que a fase da onda eletromagnética monocromática varia no tempo e frequentemente apresenta um problema prático para alunos, visto que a mesma pode ser maior que a velocidade da luz.

O objetivo de um acelerador de partículas consiste em aumentar a energia cinética de partículas, como o próprio nome diz. O ganho de velocidade se dá através do fornecimento de energia do campo eletromagnético ao pacote de partículas (interação onda-matéria). Contudo, no caso de aceleradores, é a velocidade de fase da onda que deve ser a mesma da partícula (exatamente como na analogia no caso do surfe). Para o caso de partículas pesadas, como íons, as velocidades obtidas após os estágios iniciais (canhões ou emissores de íons) são razoavelmente menores que a velocidade da luz, assim se fazem necessárias estruturas onde a velocidade de fase da onda eletromagnética seja artificialmente reduzida [6]. Essas estruturas, chamadas de ondas lentas, em geral são construídas a partir de estruturas periódicas, ou linhas de transmissão que possuem periodicamente elementos de carga (capacitores, indutores, íris, etc). No caso de aceleradores lineares, as estruturas de onda lenta podem ser construídas a partir de cavidades de guia de onda acopladas em série A fig. 1 mostra um conjunto de 9 cavidades em série, separadas por íris.

Figura 1
- (a) ilustração de um conjunto de 9 cavidades acopladas em série. (b) O campo elétrico de uma cavidade isolada e (c) o respectivo campo magnético, na frequência eigenmode 2.32 GHz. A cavidade individual possui 5 cm de raio e 2 cm de espessura.

O feixe de partículas movimenta-se ao longo do eixo da estrutura, e é acelerado pelo campo elétrico (conforme Fig. 1.b), que está na mesma direção de sua velocidade. Dessa maneira existe uma transferência de energia eletromagnética da onda ao feixe, que se transforma em aumento de energia cinética. Dentre todos os modos de propagação próprios da estrutura (eigenmodes) a serem escolhidos para a aceleração o critério será aquele que tiver o vetor campo elétrico apontando na mesma direção da velocidade do feixe. Através da cuidadosa escolha das dimensões das cavidades, é possível fazer com que a velocidade de fase desse modo em particular seja o mesmo das partículas a serem aceleradas.

2. Estruturas periódicas: análise por circuitos [7]

Considerando uma estrutura periódica infinita, com admitâncias Y e impedâncias Z, de acordo com a Fig. 2. Podemos escrever para a enésima célula as equações

Através da substituição das duas primeiras equações na terceira é possível obter


Figura 2 - Esquema de uma estrutura periódica genérica com impedâncias Z e admitâncias Y.

Nesse ponto podemos observar que como a estrutura é periódica, pelo teorema de Floquet há apenas uma diferença de fase progressiva entre as células [4]. Ou seja, para uma onda propagando-se na direção das correntes da figura é possível escrever

Sendo o avanço de fase por período (ou célula). Ao substituir esse resultado na Eq. (3) temos

A expressão será nula se

Considerando o caso onde temos um cascateamento de indutores série e capacitores paralelos (shunt), como na Fig. 3 (modelo de uma linha de transmissão simples), teremos e (onde , variável complexa de Laplace). De acordo com a Eq. (1) podemos escrever

Figura 3
- Célula básica da estrutura periódica.

Notando que representa a frequência própria do circuito (circuito tanque isolado).

A Fig. 4 ilustra o diagrama de dispersão para a estrutura (velocidade angular normalizada vs. diferença de fase ).

Figura 4
- Diagrama de dispersão para a estrutura periódica composta de impedâncias indutivas e admitâncias capacitivas.

A representação de cavidades eletromagnéticas acopladas capacitivamente, por sua vez, pode ser modelada por um circuito como na Fig. 5. Nesse caso temos e . Aplicando na Eq. (8) e após alguma manipulação algébrica temos


Figura 5 - Modelo de circuito tanque (L e C) acoplado capacitivamente com células adjacentes através do capacitor Cc.

O diagrama de dispersão da estrutura pode ser visualizado na Fig. 6, para = 1 e normalizado em relação a C. Percebe-se que o desejado na prática, que o valor do capacitor de acoplamento é pequeno em relação ao capacitor C do ressoador, produz uma faixa de frequências quase constante, independentes do avanço de fase.

Figura 6
- Diagrama de dispersão para a estrutura periódica acoplada capacitivamente.

3. Experimento por simulação computacional eletromagnética

A implementação de estruturas de ondas lentas em geral usa altas frequências (faixa de MHz a GHz), usando linhas de transmissão. Uma das estruturas mas simples se trata do coaxial, que transporta uma onda transversal eletromagnética TEM (sem dispersão, i.e velocidade de fase independe de w [4]. A Fig. 7 ilustra os campos elétricos e magnéticos para uma seção transversal de uma linha de transmissão coaxial, obtidos através do software de simulação computacional CST Microwave StudioTM [8]. O condutor central possui raio de 1 mm e o externo 2.3 mm, sendo utlizado dielétrico ar em seu interior, para resultar numa impedância característica de 50 .

A implementação de uma estrutura de onda lenta a partir de uma linha de transmissão coaxial pode ser realizada utilizando-se anéis concêntricos, conforme a Fig. 8 ilustra. As corrugações possuem espaçamento periódico d, muito menores que o comprimento de onda, e possuem espessura desprezível em comparação com o comprimento de onda. São modeladas como sendo metálicas. Nessa condição, as configurações de campo usuais do coaxial não corrugado se modificam: o campo magnético não é afetado pelas corrugações, mas os anéis impõem ao campo elétrico uma condição de fronteira que o anule no volume compreendido entre as corrugações. Assim, o campo elétrico fica majoritariamente restrito na área entre o condutor central e o início dos anéis (raio Rc. Dessa maneira a indutância por unidade de comprimento L permanece inalterada em relação ao coaxial comum, mas a capacitância torna-se aproximadamente (visto que a distância diminui) [7]

Figura 7
- (a) Campos elétrico e (b) magnético resultantes do modo de propagação fundamental TEM associado a uma linha de transmissão coaxial.
Figura 8
- Vista em corte de uma estrutura coaxial de ondas lentas.

O estudo analítico de estruturas de ondas lentas reais possui uma grande complexidade. Para análise e projeto, simuladores computacionais são empregados para resolver as equações de Maxwell de forma numérica [8]. A Fig. 9 ilustra o diagrama de campo para uma estrutura coaxial onde Ri = 1 mm, Rc = 1.5 mm e Re = 2.3 mm, comprimento total de 36 cm, com 31 anéis concêntricos, separados entre si de 6 mm Além disso também é apresentada a resposta em frequência da perda de inserção (ou parâmetro de espalhamento S21), onde é possível visualizar que existe o efeito de bandas proibidas tipico da estrutura periódica, notadamente entre 7 e 10.5 GHz (atenuação em torno de 50 dB). O campo elétrico fica menos intenso entre as corrugações.

Figura 9
- Simulações do (a) campo elétrico em 5 GHz e (b) perda de inserção (em dB) para a estrutura.

Montando uma célula unitária com as condições de fronteira periódicas (estabelecidas dentro do ambiente computacional ) é possível obter o diagrama de dispersão para a estrutura infinita (frequência eigenmode do primeiro modo vs. avanço de fase por célula). A Fig. 10 mostra o diagrama de dispersão computada para a estrutura da Fig. 9. A figura assemelha-se ao diagrama de dispersão da Fig. 4, com o capacitor distribuído da linha em paralelo com a capacitância introduzida pelos anéis periódicos.

A estrutura coaxial, embora de fácil entendimento em comparação com guias de onda (como da estrutura da Fig. 1) não pode ser usada na prática em aceleradores lineares, em função de que a direção do campo elétrico (oscilando na direção transversal) não permite uma aceleração de um feixe de partículas movendo-se axialmente, pois ambos estão 90° defasados espacialmente.


Figura 10 - Frequência (em GHz) vs. avanço de fase (em graus) para a estrutura coaxial da Fig. 9 infinita.

4. Experimento prático

A implementação prática de uma linha de transmissão onda lenta foi investigada, para que o processo seja analisado em um laboratório universitário moderadamente equipado. Foi idealizada uma estrutura que apresentasse atrasos nas faixas de frequência de dezenas de MHz, que usualmente é coberta por geradores de sinais e osciloscópios comuns, de baixo custo. Alternativas para a faixa de GHz beneficiam-se de dimensões físicas menores, mas a instrumentação exigida possui custo relativamente alto, e são inexistentes em muitas instituições de ensino.

Algumas alternativas investigadas foram:

A segunda opção foi inicialmente escolhida, mas não foi viabilizada a corrosão artesanal em solução de Percloreto de Ferro de uma placa PCB comprida (faixa de 50 cm). Assim, usou-se a linha de transmissão de fitas paralelas (impedância de 300 Ohms) da terceira opção, usualmente disponibilizada para conexões de televisores antigos a antenas dipolos. Essa linha é uma linha balanceada, ou seja, necessita-se de um dispositivo balun para fazer a conexão a uma fonte de sinal desbalanceada, caso dos coaxiais presentes em geradores de sinal. As fitas e os baluns também foram adquiridos em lojas de equipamentos eletrônicos e possuem um custo relativamente baixo.

A fita paralela carregada é apresentada na Fig. 11. Os capacitores possuem 1.8 pF e o resistor 290 Ohms (para reduzir reflexões), separados entre si de 5 cm, em 11 células. A distância e a capacitância foram escolhidas de maneira a otimizar o atraso na faixa possível de ser visualizada com os instrumentos disponíveis (na faixa de MHz).

Figura 11
- Detalhe da fita com os capacitores em detalhe.

A Fig. 12 mostra o diagrama de conexão da montagem, juntamente com a foto dos aparatos.

Figura 12
- (a) Esquema da montagem (b) respectiva foto.

O processo de medida é realizado primeiramente com o ajuste da frequência no gerador. Posteriormente, no osciloscópio é visualizada a diferença entre o atraso produzido entre a linha normal e a lenta (usando os recursos do osciloscópio de medidas de tempo). Na Fig. 11 observa-se que como o osciloscópio usado possui 4 canais, um terceiro canal monitora diretamente o sinal proveninente do gerador (traço vermelho na figura na versão eletrônica). O resultado é apresentado na Fig. 13.


Figura 13 - Medida da frequência (em MHz) vs. atraso (em ns) para a estrutura de linhas paralelas.

De acordo com a medida, é possível perceber que a partir de aproximadamente 4.2 MHz o delay se torna maior que o período da onda (360°), razão pela qual a curva não se apresenta monotonicamente crescente. Atrasos pequenos são também mais sensíveis no processo de medição, em função da estabilidade do sinal visualizado no osciloscópio.

5. Conclusão

O presente artigo demonstra como é possível em um laboratório moderadamente equipado mostrar ao aluno conceitos relacionados a estruturas de ondas lentas, fundamento para aplicações de física moderna e engenharia. Visto que usualmente tais estruturas são usadas em altas frequências (micro-ondas), o instrumental necessário é complexo e de alto custo. Além das medidas em laboratório, o uso de simuladores de campo eletromagnético também possibilita complementar as medidas de laboratório com recursos tais como diagramas de dispersão e figuras de campo, de difícil visualização prática.

Recebido em 7/8/2012;

Aceito em 11/2/2013;

Publicado em 24/4/2013

  • [1] A.S. Gilmour Jr., Microwave Tubes (Artech House, Norwood, 1986).
  • [2] R.J. Perez, Design of Medical Electronic Devices (Academic Press, San Diego 2002).
  • [3] A.W. Chao and M. Tigner, Handbook of Accelerator Physics and Engineering (World Scientific, Singapore, 1999).
  • [4] D.M. Pozar, Microwave Engineering (John Wiley and Sons, New York, 2005).
  • [5] Ronald Edge, The Physics Teacher 39, 272 (2001).
  • [6] Thomas P. Wangler, RF Linear Accelerators (Wiley VCH, Verlag GmbH 2008).
  • [7] Stanley Humphries Jr., Principles of Charged Particle Acceleration (John Wiley and Sons, New York, 1999).
  • [8] CST Microwave Studio, versão 2012, www.cst.com.
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2012
    • Aceito
      11 Fev 2013
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