Acessibilidade / Reportar erro

Fotos da Lua pelo Mundo: um projeto observacional registrado em fotografia sobre como as fases da Lua se comparam quando observadas dos Hemisférios Norte e Sul

Photos of the Moon through the World: an observational project recorded in photography about how the phases of the Moon can be compared when observed from Northern and Southern Hemispheres

Resumo

A Lua traz muita curiosidade para os habitantes da Terra. Diversos mitos e crendices associados ao movimento do astro figuram no imaginário popular, conferindo-lhe um papel que beira o místico e o sobrenatural. Contudo, muitos desses mitos, ou concepções alternativas, são errôneos e persistentes, mas poderiam ser questionados com a simples observação sistemática do nosso único satélite natural. Neste trabalho, o resultado de um projeto que visa auxiliar a elucidação de um dos mitos envolvendo a Lua é apresentado. Mais especificamente, busca-se responder à pergunta de como se comparam suas fases quando observadas de diferentes pontos do globo terrestre. Já que uma imagem vale mais que mil palavras, a questão é abordada através de registros fotográficos de observações da Lua feitas de diferentes latitudes e longitudes do planeta através do projeto Fotos da Lua pelo Mundo. O resultado é conforme o esperado: a fase da Lua é a mesma para qualquer observador, mas o formato percebido muda dependendo da latitude. Ciente de que a abordagem da astrofotografia é muito difícil de ser aplicada na prática em uma sala de aula, propõe-se o uso do programa de computador Stellarium a fim de gerar as imagens que embasam as discussões deste trabalho.

Palavras-chave:
Ensino de astronomia; Fases da Lua; Mitos sobre a Lua; Fotografia; Stellarium

Abstract

The Moon brings plenty of curiosity to the earth inhabitants for being its only natural satellite. Several myths and beliefs associated to the movement of the star figure in the popular imagination, attributing to it a role that approaches to the mystic and supernatural. However, most of these myths, or alternative conceptions, are wrong and persistent, but could be questioned with the simple systematic observation of our only natural satellite. In this work, the result of a project whose objective is helping to solve one of the myths involving the phases of the Moon is presented. More specifically, it is aimed to answer the question on how the phases can be compared when observed from different points of earth Assuming that a picture is worth a thousand words, it is decided to answer this question through a photographies session on the observations of the Moon done from different latitude and longitude coordinates. The result is as expected: the Moon phase is the same for any observer in the earth, but its observed format changes depending on the latitude. As astrophotography from different points on earth is not an easy approach in classroom, it is proposed the use of the software Stellarium in order to generate the images which are the very basis of the discussions in this work.

Keywords:
Astronomy Teaching; Moon Phases; Myths about the Moon; Photography; Stellarium

1. Introdução

Os fenômenos celestes sempre impressionaram o homem, quer por terem sempre lhe sido úteis em sua vida prática quer pela sua interpretação sobrenatural. Os registros astronômicos mais antigos remontam à época da idade antiga como por exemplo, os conjuntos arqueológicos de Newgrange, na Irlanda, e Stonehenge, na Inglaterra, que datam de aproximadamente 3.000 AC, e o observatório maia de Chankillo, no Peru, que data de 250 AC [1C.L.N. Ruggles, Ancient Astronomy: An Encyclopedia of Cosmologies and Myth (Abc-Clio, Santa Barbara, 2005), 2C. Ruggles Ghezzi, Science 315, 1239 (2007).]. Porém, há indícios mais antigos de registros astronômicos ainda sob investigação como as inscrições rupestres das cavernas de Lascaux, na França, datando de aproximadamente 15.000 anos do presente [3]BBC News, Oldest Lunar Calendar Identified, disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/975360.stm, acessado em 4/2/2018.
http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/natur...
, o monumento megalítico de Cromeleque dos Almendres, que pode ter sido construído entre o sexto e o terceiro milênio AC [4]M.V. Gomes, in: Paisagens Arqueológicas a Oeste de Évora, editado por Panagiotis Sarantopoulos (Câmara Municipal de Évora, Évora, 1997), disponível em http://www.bdalentejo.net/BDAObra/BDADigital/Obra.aspx?id=598#, acessado em 4/2/2018
http://www.bdalentejo.net/BDAObra/BDADig...
, entre outros

O uso prático dos conhecimentos astronômicos proporcionou ao homem certas vantagens de subsistência, como a previsão das temporadas de frio e calor, o que lhe favoreceu na época das migrações nômades, e a marcação precisa da passagem do tempo, o que lhe possibilitou uma maior sistematização do sistema de agricultura, quando já sedentarizado [5A. Daminelli, Fundamentos de Astronomia, disponível em http://www.astro.iag.usp.br/~damineli/aga215/textos/antiguidade%20da%20Astronomia.pdf, acessado em 4/2/2018.
http://www.astro.iag.usp.br/~damineli/ag...
, 6S.O. Kepler e M.F. Saraiva. Astronomia e Astrofísica (Editora Livraria da Física, Porto Alegre, 2004), disponível em http://astro.if.ufrgs.br/, acessado em 4/2/2018.
http://astro.if.ufrgs.br/...
]. Ao mesmo tempo, as observações astronômicas também vinham recheadas de superstições e interpretações sobrenaturais. Os planetas ganharam nomes de deuses locais, a sua posição nos céus ou as próprias fases apresentadas pela Lua eram vistas como sinais de fartura, saúde, doença ou miséria humanas, tempestades e estrelas cadentes indicavam a fúria dos céus com os seres da Terra. A própria astrologia, que afirma que a posição dos astros no momento do nascimento de uma pessoa afeta sua personalidade, vida amorosa, dentre outros aspectos da vida, também data dessa época [1C.L.N. Ruggles, Ancient Astronomy: An Encyclopedia of Cosmologies and Myth (Abc-Clio, Santa Barbara, 2005), 6S.O. Kepler e M.F. Saraiva. Astronomia e Astrofísica (Editora Livraria da Física, Porto Alegre, 2004), disponível em http://astro.if.ufrgs.br/, acessado em 4/2/2018.
http://astro.if.ufrgs.br/...
, 7S. Carlson, Experientia 44, 290 (1988).]. A sua origem é atribuída aos babilônios, que teriam mapeado as constelações do zodíaco e percebido sua importância para o reconhecimento do céu por estarem situadas na eclíptica.

Mesmo após milênios de desenvolvimento humano e séculos de avanços científicos e tecnológicos, a crença de que os fenômenos celestes podem de alguma forma influenciar ou estarem ligados com os acontecimentos da Terra de uma forma sobrenatural ou desconhecida ainda está arraigada na sociedade humana. Não é raro, na verdade é muito comum, as pessoas basearem seus dias por horóscopos que leem pela manhã nos jornais ou deixarem suas escolhas por um par romântico serem influenciadas pelo dia de seu nascimento. Porém, diversos estudos estatísticos sérios já foram realizados no sentido de tentar medir a influência que estas crenças afirmam haver entre os astros e os aspectos sociais da vida humana. A Ref. 6 apresenta uma revisão sobre diversos destes estudos, demonstrando que quando testes quantitativos são feitos em grandes amostras da população (e não apenas baseados na sorte de uma só pessoa) a correlação entre esses fatores é completamente inexistente.

É sabido que conhecimentos alternativos coexistem com conhecimentos científicos, aferindo a um sujeito duas visões diferentes sobre o mesmo assunto. Isso é particularmente comum na astronomia, campo do conhecimento que está presente na vida de qualquer ser humano desde seu nascimento através da observação do céu [8]L.L. Stahly, G. Krockover and D. Shepardson Journal of Research in Science Teaching 36, 159 (1999). Como os modelos científicos sobre o tema só vão começar a ser introduzidos na ocasião da escolaridade básica, mais comumente no ensino fundamental, o sujeito já cria sua própria forma de explicar o universo e fatos do cotidiano associados aos eventos astronômicos. É interessante notar, porém, que os conhecimentos científicos que se vai ganhando ao longo da vida não são capazes de substituir completamente os conceitos construídos preliminarmente, o que acaba por gerar muita confusão. Em uma extensa revisão bibliográfica sobre o assunto, a Ref. 9 faz um apanhado a respeito das concepções alternativas em astronomia em professores e alunos do Brasil e do mundo desde a década de 1970. A conclusão é um tanto quanto perturbadora: as concepções alternativas em astronomia (não diferentemente de outras áreas do conhecimento) são persistentes e aparecem praticamente replicadas em diferentes tempos e lugares. Longe de esmorecer frente a essa conclusão, o autor daquele trabalho elenca possíveis fontes para o problema e sugere, como solução, uma mobilização nacional dos atores envolvidos, tais como a comunidade científica, a comunidade astronômica semiprofissional e a comunidade escolar, na direção da criação de uma unidade nos conteúdos curriculares e metodologias pedagógicas relacionadas à astronomia e seu ensino, especialmente durante a fase da formação do professor.

Um dos conceitos alternativos referentes à Lua versa sobre a percepção relativa de sua fase em diferentes pontos do globo terrestre, tal como apontado na Ref. 8. Visando esclarecer esse ponto, realizamos um estudo observacional do fenômeno, onde através de fotografias, o nosso satélite natural foi registrado em diferentes instantes de tempo a partir de várias localidades da Terra. Os resultados desse estudo são apresentados neste trabalho, onde foi possível comprovar que a fase observada é a mesma em qualquer ponto do globo terrestre. Contudo, o formato geométrico observado muda para observadores em diferentes latitudes

Cientes de que essa abordagem é muito difícil de ser adotada na prática em salas de aula da escolaridade básica ou até mesmo no ensino superior, uma proposta de atividade com o uso de imagens geradas pelo programa de computador Stellarium é apresentada

2. Algumas considerações científicas sobre o sistema Sol-Terra-Lua

A Lua é o único satélite natural do nosso planeta1 1 Recentemente, um pequeno asteroide que orbita a Terra foi descoberto, mas ainda é categorizado como um quasi-satélite [10]. . Por ser um corpo frio, ela não emite luz visível. Toda a luz que vemos advinda da Lua é devida ao reflexo da luz do Sol em sua superfície. Como os raios solares chegam à Lua aproximadamente paralelos dada a distância Sol-Lua, apenas uma de suas metades fica iluminada, como mostra a figura 1.

Figura 1
Diagrama de raios luminosos representando a iluminação da Lua pelo Sol.

A Terra e a Lua formam um sistema de dois corpos que orbitam um ponto comum, o centro de massa do sistema. Esse ponto, que se encontra mais próximo do centro da Terra do que da Lua (à 1,2% da distância total entre os astros e à cerca de 4640 km do centro do nosso planeta), orbita o Sol em um período de um ano terrestre. Por estar em um movimento conjunto com nosso planeta, a Lua orbita o Sol no mesmo período de um ano. A órbita da Lua observada por um hipotético observador no Sol não é algo trivial de se imaginar e foi fruto de um estudo interessante realizado na Ref. 11C.E. Aguiar, D. Baroni e C. Farina, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 4 (2009).. Para um observador da Terra, a Lua gira ao redor do planeta como representado pela circunferência pontilhada na figura 2. Assim, a face que está sendo iluminada pelo Sol muda constantemente de posição em relação a nós, fenômeno que chamamos de fases. Dessa forma, ao longo de um período sinódico de 29,5 dias, vemos a Lua mudar da fase Nova, onde a face que está sendo iluminada não aparece visível para a Terra (posição 1 na órbita representada na figura 2), para a fase Crescente, onde a face que está sendo iluminada começa a aparecer e vai aumentando com o tempo para os observadores da Terra, passando pela fase Cheia, onde a face iluminada está completamente virada para a Terra (posição 3 na órbita representada na figura 2), chegando, por fim, na fase Minguante, onde sua face iluminada vai reduzindo de tamanho até sumir completamente ao final do ciclo. As posições 2 e 4 da órbita representada na figura 2 representam os Quartos Crescente e Minguante, respectivamente2 2 É importante destacar a construção apresentada na figura 2, que não mostra a Lua nas 4 posições principais, mas sim apenas uma representação da Lua em sua órbita e os pontos principais indicados pelos números de 1 a 4, aos quais se faz referência ao longo do texto. Pode parecer absurdo, mas a construção representativa das fases da Lua contendo quatro desenhos do astro nas posições principais gera confusões na cabeça dos alunos, chegando ao ponto de alguns acreditarem que a Terra possui quatro satélites naturais [8] .

Figura 2
Esquema representativo fora de escala do sistema Sol-Terra-Lua visto de um plano superior paralelo ao da órbita da Terra em torno do Sol (curva aberta pontilhada). A linha pontilhada fechada indica a órbita da Lua vista por um observador da Terra.

Outro fenômeno relacionado à dinâmica do sistema Sol-Terra-Lua importante de ser abordado nesta discussão são os eclipses. Durante a órbita acoplada do nosso planeta e seu satélite ao redor do Sol, especificamente nas fases Nova e Cheia da Lua (posições 1 e 3 da figura 2, respectivamente), o sistema se encontra alinhado. Dados os tamanhos dos astros e as distâncias envolvidas, regiões de sombra e penumbra ocorrem. Quando a Lua se encontra na região de sombra e penumbra gerada atrás do planeta Terra (Lua na fase Cheia), ocorre o eclipse lunar. O eclipse solar, por sua vez, será percebido da Terra quando a Lua gerar no planeta uma região de sombra e penumbra, que só ocorrerá quando estiver na fase Nova

Dada a periodicidade do movimento lunar, deveriam ocorrer dois eclipses a cada mês. Porém, isto não ocorre por conta da ligeira inclinação que o plano de órbita da Lua em torno da Terra apresenta em relação ao plano de órbita da Terra em torno do Sol, representada pelo ângulo θLua5,2° entre os planos preenchidos em cinza e em amarelo na figura 3 Por apresentar essa inclinação, o alinhamento dos três astros (condição necessária para ocorrência de eclipses) é prejudicado na maior parte do ano. Na condição representada pela figura 3a, por exemplo, apesar da Lua se encontrar atrás da Terra em relação ao Sol, os habitantes da Terra conseguem vê-la na fase Cheia, pois a luz do Sol consegue chegar até a sua superfície Já na situação da figura 3b, após a Terra e a Lua terem se movimentado em torno do Sol, o alinhamento ocorre e há eclipse lunar.

Figura 3
Ilustração fora de escala da inclinação do plano de órbita da Lua em torno da Terra (preenchido em cinza) com relação ao plano de órbita da Terra em torno do Sol (preenchido em amarelo). Em (a), não há eclipse lunar, mas em (b) sim.

Uma das concepções alternativas mais fortes com relação às fases da Lua é a ideia do eclipse. É muito comum se explicar a parte não iluminada da Lua em alguma de suas fases, excluindo a Cheia, pela sombra causada pela Terra [8L.L. Stahly, G. Krockover and D. Shepardson Journal of Research in Science Teaching 36, 159 (1999), 9R. Langhi Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 373 (2011).]. Por esse motivo, a discussão cuidadosa dos conceitos apresentados nessa seção no processo de ensino aprendizagem se faz extremamente necessária para evitar tal confusão. Uma abordagem metodológica interessante é aquela observada em [12]A.B. Martins y R. Langhi, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 14, 27 (2012)., onde se usa um protótipo tridimensional do sistema Sol-Terra-Lua, o que evita falsas interpretações causadas pela pobreza do modelo bidimensional usado em livros e na lousa didática.

3. A Lua observada de diferentes pontos do planeta Terra

A análise global do movimento da Lua descrita na seção 2 é válida para todos os observadores da Terra. Contudo, tentar imaginar a fase da Lua observada de diferentes pontos do globo terrestre gera confusão. Ao contrário do que se pensa, a fase apresentada pela Lua deve ser a mesma observada por todos os habitantes do planeta. Isso ocorre, pois, o tempo de rotação da Terra em torno do seu eixo (Tdia = 1 dia) é muito menor que o tempo de translação da Lua ao redor da Terra (TLua = 29,5 dias). Dessa forma, enquanto a Terra dá meia-volta ao redor do seu eixo (cerca de 12 horas), a Lua percorreu apenas 1,8% de sua trajetória total ao redor de nosso planeta. Ou seja, com boa aproximação, é possível afirmar que a Lua vista do Brasil às 12:00 h de uma terça-feira tem a mesma aparência daquela observada no Japão no mesmo dia e horário, 12 horas antes (devido à diferença de fuso de 12 horas entre esses dois países)

A sequência da figura 4 ilustra a afirmação feita no parágrafo anterior para o exemplo da Lua Cheia quando vista por observadores nos dois extremos opostos do planeta. Na situação da figura 4a, às 12:00 h, uma observadora a oeste não vê a Lua, pois a mesma está situada do outro lado no céu. Ao mesmo tempo, observadores a leste são capazes de observar a Lua Cheia às 0:00 h, pois a mesma se encontra no seu campo de visão. As figuras 4b e 4c representam a situação vivenciada pelos observadores em suas posições a partir da perspectiva da superfície. A diferença de 12 horas entre os observadores se dá somente por conta do fuso horário e não da passagem real de metade de um dia.

Figura 4
Esquema ilustrativo da percepção das fases da Lua por observadores em pontos diferentes do globo terrestre em diferentes instantes de tempo. Em (a), a observadora a oeste não observa Lua e os observadores a leste veem a Lua cheia, enquanto em (d), tendo passado 12 horas da situação retratada em (a), a situação se inverte. (b) e (c) são detalhes da figura (a) e (e) e (f) da figura (d).

Após 12 horas, a Terra dá meia-volta e a situação se inverte (figura 4d). A observadora gira junto com a Terra e passa a ver a Lua Cheia que pouco se mexeu, às 0:00 h (figura 4f) Já os observadores que agora se encontram voltados para o Sol às 12:00 h não veem a Lua no céu (figura 4e).

Apesar de verem a mesma fase independente da longitude, observadores ao redor do globo terrestre em diferentes latitudes percebem uma ligeira diferença na forma com a qual a Lua se apresenta no céu. A figura 5 ilustra, de maneira geral, essa mudança de perspectiva. Se tomarmos o Sul como referência, podemos dizer que os observadores do Hemisfério Norte estão “de cabeça para baixo” no planeta e, por isso, verão a Lua em formato invertido daquele observado no Sul. Dessa forma, quando veem a Lua em forma de “D” (porção iluminada à direita) no Quarto Crescente, os observadores do hemisfério Sul a veem em forma de “C” (porção iluminada à esquerda) e vice-versa para Quarto Minguante Nas fases Nova e Cheia não se percebe diferença no formato, uma vez que a Lua aparece completamente sombreada ou iluminada, respectivamente. Mas, como representado pela figura 5, os observadores diriam que a Lua apresenta desenhos invertidos na fase Cheia.

Figura 5
Representação das fases da Lua nos Hemisférios (a) Norte e (b) Sul. É importante notar que, apesar de estar na mesma fase, o formato da Lua muda quando vista dos dois hemisférios. No Quarto Crescente, enquanto aparenta formar um “D” no Hemisfério Norte, forma um “C” no Hemisfério Sul. Já no Quarto Minguante, o oposto acontece.

Porém, nem todos os observadores no mesmo hemisfério veem a Lua da mesma forma. O ângulo com o qual ela se apresenta no céu depende fortemente da latitude do observador e do horário de observação Para compreendermos como se dá essa dependência, devemos realizar uma análise geométrica das posições dos observadores na Terra em relação à posição da Lua no céu exatamente no mesmo horário, como na figura 6. Como mencionado anteriormente, a órbita da Lua em torno da Terra forma um ângulo de θLua5,2° com relação ao plano de órbita da Terra em torno do Sol. Por esse motivo, essa análise deve ser realizada tomando como base o sistema de coordenadas dado pelas direções definidas por θLua com a linha vertical perpendicular ao plano da órbita da Terra ao redor do Sol (linhas sólidas vermelhas na figura 6a) Dessa forma, quando se mencionam os hemisférios do planeta para a observação da Lua, deve-se fazer com relação a este sistema.

Figura 6
Representação da observação da Lua em diferentes pontos da superfície terrestre. São apresentadas, em (a), as posições A - E dos observadores e, em (b), como seria a forma da Lua vista a partir da superfície nos mesmos pontos.

Na figura 6a, cinco posições terrestres são destacadas a fim de apontar as diferenças na forma observada da Lua. A observadora em A está posicionada em um ponto da Terra cuja vertical local forma 90° com a direção da Lua. Dessa forma, ela vê a porção iluminada da Lua formando um ângulo de 90° com a vertical, como representado na figura 6b. O observador em E está em um ponto diametralmente oposto a A e, por isso, vê a porção iluminada da Lua no lado oposto, ou seja a -90° com a vertical. Os observadores em C se encontram em um ponto cuja vertical local está paralela à direção da Lua. Por esse motivo, veem a Lua de uma posição neutra, formando 0° (ou 180° dependendo da época do ano) com a vertical. Os observadores em B se encontram em uma posição mediana entre A e C e devem ver a Lua girada de um ângulo entre 0° e 90° com a vertical. Já os observadores em D, que se encontram entre C e E devem ver a Lua em um ângulo entre 0° e -90° com a vertical

A quantificação da dependência entre o ângulo observado da porção iluminada da Lua e a latitude do observador na Terra não é um dos objetivos desse trabalho. Pode-se apontar, porém, o caminho para tal tarefa. Deve-se levar em consideração as posições do Sol e da Lua no céu, bem como utilizar uma mudança de coordenadas que leva em conta a rotação dos eixos cartesianos do sistema que define as latitudes na Terra e do sistema descrito anteriormente através dos ângulos de Euler. Além disso, deve-se levar em consideração que o plano de órbita da Lua precessiona em torno da vertical com um período de 18,6 anos

4. Projeto Fotos da Lua pelo Mundo

Uma imagem vale mais que mil palavras! Por isso, nada melhor para dissolver a confusão na concepção espontânea e alternativa acerca das fases e formatos da Lua observados de diferentes pontos do planeta que uma sessão de fotografias do astro. Neste projeto, diversos colaboradores auxiliaram enviando fotos da Lua tiradas de diversos pontos do planeta. A possibilidade da tomada das fotografias da Lua dependia muito do clima local nas cidades. Por este motivo, não foi possível sincronizar perfeitamente as fotografias quanto às datas e horários. Tentou-se manter, sempre que possível, a referência do solo ou de algum objeto situado na Terra na fotografia. Dessa forma, pode-se confirmar o formato da Lua vista pelo observador. Apresentando estas fotografias e as discussões pertinentes, pode-se ratificar as afirmações feitas nas seções anteriores.

A figura 7 apresenta duas fotografias da Lua Crescente tiradas em (a) Petrópolis, Brasil, (-22,402513, -43,134717), em 08 de julho de 2016 às 17:58 h e (b) Lisboa, Portugal, (38,752658, -9,158110) em 08 de julho de 2016 às 20:00 h. Todos os horários apresentados são locais e os valores entre parênteses apresentam as coordenadas de latitude e de longitude do local, respectivamente. As imagens apresentadas nas figuras 7c e 7d são ampliações da região onde se encontra a Lua nas figuras 7a e 7b.

Figura 7
Fotografias da Lua Crescente na paisagem em diferentes pontos do globo terrestre em diferentes horários locais: (a) Petrópolis, Brasil, em 08/07/2016 às 17:58 h e (b) Lisboa, Portugal, em 08/07/2016 às 20:00 h. As imagens (c) e (d) são ampliações da região da Lua nas fotografias (a) e (b).

As figuras 7c e 7d ilustram claramente a discussão realizada no final da seção 3. A Lua Crescente apresenta o formato de “C” no Brasil, que se encontra no Hemisfério Sul, e formato de “D” em Portugal, no Hemisfério Norte

As comparações feitas acima foram para a Lua observada no mesmo dia com uma diferença de poucas horas entre as fotografias. Porém, alguém ainda poderia dizer que isso não garante que a Lua esteja realmente na mesma fase nos diferentes países envolvidos no projeto. Para garantir que a Lua apresenta a mesma fase para observadores em pontos diferentes do planeta, acompanhou-se a Lua adentrando em sua próxima fase, ou seja, Cheia, tendo passado mais de uma semana da tomada das primeiras fotografias. Mais uma vez, fotografias do astro foram tiradas nos dois hemisférios, e nas mesmas localidades. A figura 8 apresenta duas fotografias da Lua Cheia tiradas em (a) Petrópolis, Brasil, em 17 de julho de 2016 às 17:40 h e (b) Lisboa, Portugal, em 18 de julho de 2016 às 00:25 h, com uma diferença absoluta de apenas 3:45 h entre as fotos.

Figura 8
Fotografias da Lua Cheia na paisagem em diferentes pontos do globo terrestre em diferentes horários locais: (a) Petrópolis, Brasil, em 17/07/2016 às 17:40 h e (b) Lisboa, Portugal, em 18/07/2016 às 00:25 h. É importante notar que, apesar das datas serem diferentes, a diferença absoluta no horário entre os dois locais é de apenas 3:45 h.

O primeiro ponto a se observar nas fotografias da figura 8 é a igualdade nas fases da Lua vista dos dois hemisférios. Além disso, confirma-se que a fase da Lua uma semana depois da Crescente, como afirmado anteriormente, de fato, é a Cheia para os dois hemisférios.

5. Abordagem através do programa de computador Stellarium

Levando em conta que um professor dificilmente terá a oportunidade de levar seus alunos para outro ponto do globo terrestre para fazer a comparação no formato observado da Lua, outra proposta de trabalho é apresentada. O programa de computador Stellarium, de acordo com a página de internet oficial, é “um planetário de código aberto para o seu computador. Ele mostra um céu realista em três dimensões igual ao que se vê a olho nu, com binóculos ou telescópio. Ele também tem sido usado em projetores de planetários. Basta ajustar as coordenadas geográficas e começar a observar o céu!” [13]http://stellarium.org/pt/, acessado em 4/2/2018.
http://stellarium.org/pt/...
. Stellarium permite a visualização do céu a partir de qualquer ponto do planeta Terra (e de outros pontos fora também) para qualquer instante de tempo, bem como a posição dos astros com extrema precisão.

Com o uso do programa, o professor pode definir uma data e horário específicos e, conforme vai alterando a localidade, ir comparando, junto com os alunos a fase e o formato observado da Lua nos diferentes pontos do globo terrestre. Um exemplo de tal atividade está representado na figura 9, onde as datas e os locais definidos foram exatamente aqueles das fotografias apresentadas nas figuras 7 e 8.

Figura 9
Imagens retiradas do programa de computador Stellarium representando a Lua observada de diferentes posições terrestres e instantes de tempo (coincidentes com as figuras 7 e 8): em (a) e (c), em Petrópolis às 18:00 h do dia 08/07/2016 e às 17:40 h do dia 17/07/2016, respectivamente, e, em (b) e (d), em Lisboa às 20:00 h do dia 08/07/2016 e às 00:25 h do dia 18/07/2016, respectivamente.

Como se pode ver na figura 9, as fases da Lua e sua forma de acordo com o Stellarium concordam com aquelas apresentadas nas fotografias das figuras 7 e 8, o que traz credibilidade às imagens obtidas com o programa e concorda com toda a discussão realizada nas seções anteriores.

6. Conclusões

Neste trabalho, evidências observacionais acerca da manutenção da mesma fase da Lua para observadores de todo o globo terrestre, ou seja, a partir de longitudes e latitudes diferentes, foram apresentados. Além disso, pode-se demonstrar e discutir que, apesar de apresentar a mesma fase, a Lua apresenta variações em sua forma (direção relativa da porção iluminada) quando observada de latitudes diferentes. Tudo isso foi realizado a partir da análise de fotografias do astro tiradas de diferentes pontos do planeta Terra em condições aproximadamente sincronizadas de tempo.

Apesar dessas demonstrações serem apenas constatações do modelo científico atualmente aceito para a dinâmica do sistema Sol-Terra-Lua, diversos trabalhos apontam que concepções alternativas a respeito das fases da Lua, o que inclui a comparação entre as observações nos dois hemisférios, existem e são persistentes A abordagem do tema através de metodologias diferenciadas, tais como a apresentação de uma sequência de fotografias, a apresentação de um protótipo tridimensional do sistema Sol-Terra-Lua e, até mesmo com o uso de recursos computacionais, pode auxiliar o processo de ensino-aprendizagem a substituir as versões não-científicas pela versão atualmente aceita cientificamente.

7. Créditos das imagens

Créditos das fotografias da figura 7: (a) Daniel A. Silva e (b) João Paulo Fernandes, e da figura 8: (a) Daniel N. Micha e (b) Diego S. Esteves. O autor agradece a todos os colaboradores do trabalho por terem cedido suas fotografias, mesmo as que não foram utilizadas nesse trabalho. O uso das imagens originais aqui divulgadas é livre desde que se citem os autores.

O crédito da fotografia da Lua, usada em todas as ilustrações deste trabalho, é de Gregory H. Revera. A fotografia, tirada em 22 de outubro de 2010, foi colocada sob licença pública concedida por Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported, sob as condições do autor. A fotografia da Terra, usada em todas as ilustrações deste trabalho, é de domínio público e foi tirada pelos integrantes da missão Apollo 17 (NASA), em 7 de dezembro de 1972. A fotografia do Sol, usada em todas as ilustrações deste trabalho, é de domínio público e foi tirada do Observatório de Dinâmica Solar, da NASA, em 19 de agosto de 2010.

Referências

  • C.L.N. Ruggles, Ancient Astronomy: An Encyclopedia of Cosmologies and Myth (Abc-Clio, Santa Barbara, 2005)
  • C. Ruggles Ghezzi, Science 315, 1239 (2007).
  • BBC News, Oldest Lunar Calendar Identified, disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/975360.stm, acessado em 4/2/2018.
    » http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/975360.stm
  • M.V. Gomes, in: Paisagens Arqueológicas a Oeste de Évora, editado por Panagiotis Sarantopoulos (Câmara Municipal de Évora, Évora, 1997), disponível em http://www.bdalentejo.net/BDAObra/BDADigital/Obra.aspx?id=598#, acessado em 4/2/2018
    » http://www.bdalentejo.net/BDAObra/BDADigital/Obra.aspx?id=598#
  • A. Daminelli, Fundamentos de Astronomia, disponível em http://www.astro.iag.usp.br/~damineli/aga215/textos/antiguidade%20da%20Astronomia.pdf, acessado em 4/2/2018.
    » http://www.astro.iag.usp.br/~damineli/aga215/textos/antiguidade%20da%20Astronomia.pdf
  • S.O. Kepler e M.F. Saraiva. Astronomia e Astrofísica (Editora Livraria da Física, Porto Alegre, 2004), disponível em http://astro.if.ufrgs.br/, acessado em 4/2/2018.
    » http://astro.if.ufrgs.br/
  • S. Carlson, Experientia 44, 290 (1988).
  • L.L. Stahly, G. Krockover and D. Shepardson Journal of Research in Science Teaching 36, 159 (1999)
  • R. Langhi Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 373 (2011).
  • Jet Propulsion Laboratory, Small Asteroid Is Earth's Constant Companion disponível em https://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?feature=6537, acessado em 4/2/2018.
    » https://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?feature=6537
  • C.E. Aguiar, D. Baroni e C. Farina, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 4 (2009).
  • A.B. Martins y R. Langhi, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 14, 27 (2012).
  • http://stellarium.org/pt/, acessado em 4/2/2018.
    » http://stellarium.org/pt/
  • 1
    Recentemente, um pequeno asteroide que orbita a Terra foi descoberto, mas ainda é categorizado como um quasi-satélite [10]Jet Propulsion Laboratory, Small Asteroid Is Earth's Constant Companion disponível em https://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?feature=6537, acessado em 4/2/2018.
    https://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?f...
    .
  • 2
    É importante destacar a construção apresentada na figura 2, que não mostra a Lua nas 4 posições principais, mas sim apenas uma representação da Lua em sua órbita e os pontos principais indicados pelos números de 1 a 4, aos quais se faz referência ao longo do texto. Pode parecer absurdo, mas a construção representativa das fases da Lua contendo quatro desenhos do astro nas posições principais gera confusões na cabeça dos alunos, chegando ao ponto de alguns acreditarem que a Terra possui quatro satélites naturais [8]L.L. Stahly, G. Krockover and D. Shepardson Journal of Research in Science Teaching 36, 159 (1999)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2017
  • Revisado
    04 Fev 2018
  • Aceito
    18 Fev 2018
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br