Acessibilidade / Reportar erro

Contributos ao ensino de mecânica quântica a partir da análise da complexidade de questões presentes no ENADE à luz da Taxonomia de Bloom revisada

Contributions to the teaching of Quantum Mechanics from the analysis of the complexity of questions present in ENADE in the light of revised Bloom's Taxonomy

Resumo

Nessa pesquisa, estudam-se as questões presentes no Exame Nacional de Avaliação do Desempenho do Estudante (ENADE), no contexto específico da licenciatura em Física, que contemplem tópicos da Mecânica Quântica (MQ), à luz dos fundamentos da Taxonomia de Bloom Revisada (TBR). A TBR nos permite classificar o aprendizado requerido em uma questão na dimensão do conhecimento (efetivo/factual, conceitual, procedimental/procedural e metacognitivo) e dos processos cognitivos (lembrar, entender, aplicar, analisar, avaliar e criar) mobilizados em sua resolução, materializados em uma tabela bidimensional. Os resultados apontaram uma prevalência de questões classificadas nos níveis mais baixos do domínio cognitivo da TBR (lembrar e entender) e uma quase ausência de questões nos níveis mais elevados. Em termos de conteúdos, foram contemplados predominantemente tópicos concernentes à velha MQ, em detrimento da MQ propriamente dita, e que as questões selecionadas e analisadas do ENADE revelam que os discentes não têm avançado na compreensão dos conceitos quânticos. Tais resultados corroboram a necessidade de estudos e propostas que oportunizem futuras adequações no ensino da MQ nos cursos de formação de professores de Física, tendo em conta o que se espera do perfil do futuro professor.

Palavras-chave:
ENADE; Licenciatura em Física; Mecânica Quântica; Taxonomia de Bloom Revisada

Abstract

In this research, we study the National Examination of Student Performance (ENADE, in Portuguese), considering the Revised Bloom's Taxonomy (RBT), in the context of Quantum Mechanics (QM) in an undergraduate Physics course. This taxonomy allows us to classify the required learning in a question considering the dimension of knowledge (effective/factual, conceptual, procedural and metacognitive) and the cognitive processes (remember, understand, apply, analyze, evaluate and create) mobilized in its resolution. The results show a prevalence of questions classified in the lower levels of the cognitive domain of the RBT (remember and understand) and a near absence of questions in the higher levels. Moreover, our analysis reveals that students did not understand quantum concepts. These results corroborate the need for studies and proposals that allow future adjustments in the teaching of QM in physics teacher training courses, taking into account what is expected of the future teacher profile.

Keywords:
ENADE; Undergraduate Physics Course; Quantum Mechanics; Revised Bloom's Taxonomy

1. Introdução

A Física Moderna (FM) nasce a partir de um conjunto de teorias surgidas no começo do século XX, principiando com os trabalhos de Planck (1858-1947) e Einstein (1879-1955). No cerne deste conjunto de teorias estão os campos da Mecânica Quântica (MQ) e a Relatividade. No caso da MQ, desde o seu nascimento até os dias de hoje passou-se mais de um século e seu impacto seguiu-se revolucionário. Hoje, grosso modo falando, o uso de transistores, chips, laser, TVs e celulares é possível porque se aplicaram os fundamentos da MQ aos movimentos dos elétrons. No entanto, sua presença na esfera de ensino segue problemática [1[1] I.M. Greca e O. Freire, in: International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching, edited by M.R. Matthews (Springer Netherlands, Heidelbergm 2014), v. 1, p. 183.-2[2] Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018).].

A maioria das pesquisas sobre FM têm foco na educação básica, com o trabalho de Terrazzan [3][3] E.A. Terrazzan, Perspectivas para a inserção da física moderna na escola média. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (1994). sendo um dos primeiros a abordar o tema de atualização do currículo de Física. As revisões da literatura realizadas por Ostermann e Moreira [4][4] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5, 23 (2000). e por Pereira e Ostermann [5][5] A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 393 (2009). mostram uma ampla gama de estudos que discorrem sobre o ensino da FM no nível médio, dentre os quais também estão presentes trabalhos que tratam da MQ. Especificamente sobre o ensino da física quântica, Cuesta [2][2] Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018). apresenta o estado da arte deste campo de conhecimento científico e afirma que a ausência de reflexão conceitual sobre a física quântica gera dificuldades no processo de formação dos estudantes, e uma alternativa na busca por melhorias seria repensar seu ensino e a formação inicial e continuada dos professores de Física. Estas revisões evidenciam complexidade, atualidade e recomendações da área, bem como propostas para abordagem de tópicos ou unidades de ensino específicas.

Em contrapartida, embora se reconheça a carência na formação inicial do professor de Física, as pesquisas que têm por objeto o ensino da MQ são mais incipientes ou, pelo menos, atraíram pouca atenção pedagógica [3[3] E.A. Terrazzan, Perspectivas para a inserção da física moderna na escola média. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (1994)., 6[6] L.C. Mcdermott e E.F. Redish, Am J Phys 67, 755 (1999). [7] I. Greca e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 6, 29 (2009). [8] D.A. Muller, Designing effective multimedia for physics education. Doctoral Thesis, University of Sydney, Sydney (2008). [9] T. Kallio-Tamminen, Quantum metaphysics. The role of human beings within the paradigms of classical and quantum physics. Doctoral Thesis, University of Helsinki, Helsinki (2004). [10] T. Lobato e I.M. Greca, Ciência & Educação 11, 119 (2005). [11] E.F. Mortimer, Sci. Educ. 4, 267 (1995).-12[12] M.T.H. Chi, in: Handbook of Research on Conceptual Change, edited by S. Vosniadou (Routledge, London, 2008), p. 61.]. Na literatura específica, em decorrência de lacunas nos livros e materiais didáticos usuais, das questões estruturais do próprio currículo e das dificuldades de aprendizagem dos estudantes, uma maior ênfase é colocada no desenvolvimento de práticas de ensino. Estas incentivam a compreensão contextual (histórico e/ou filosófico), discussões de questões da natureza da ciência e práticas experimentais com uso de tecnologia [2[2] Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018)., 5[5] A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 393 (2009)., 13[13] I.D. Johnston, K. Crawford e P.R. Fletcher, Int. J. Sci. Educ. 20, 427 (1998). [14] E. Cataloglu e R.W. Robinett, Am. J. Phys. 70, 238 (2002). [15] M.A. Monteiro e R. Nardi, em Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC, Florianópolis, 2007).-16[16] A. Kohnle, I. Bozhinova, D. Browne, M. Everitt, A. Fomins, P. Kok e H. Kragh, Sci & Educ 1, 349 (1992).]. Porém, a compreensão da MQ tem se mostrado deficitária no que diz respeito ao aprendizado dos discentes [5[5] A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 393 (2009)., 17[17] I.M. Greca e O. Freire Jr., em: Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais (EDUEPB, Campina Grande, 2009). [18] N. Didiş, A. Eryilmaz e S. Erkoç, Science & Technology Education 6, 227 (2010). [19] G. Pospiech e M. Schöne, Springer Proceedings in Physics 145, 407 (2014). [20] M.F. Rezende Jr e F.F.S. Cruz, Ciência & Educação 15, 305 (2009).-21[21] R.S. Souza, I.L. Silva e E.S. Teixeira, em: Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (Sociedade Brasileira de Física, Campos do Jordão, 2018).]. Estas questões também são reforçadas por Cuesta [2][2] Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018). ao salientar que, apesar da acentuada presença de propostas didáticas, em geral, que buscam alternativas para diminuir as dificuldades de ensino e aprendizagem, não há uma proposta consensual de como abordar tais conteúdos nos cursos.

No Brasil, mesmo com a recente elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio continuamos com conteúdos tradicionais, que contemplam toda a Física Clássica e, pouco se explora a FM. Na atual conjuntura, embora o objetivo preconizado nas orientações educacionais incentive um ensino da Física que forneça subsídios aos estudantes para que consiga acompanhar os avanços tecnológicos e ser inserido na sociedade capaz de efetuar relações entre a ciência natural, tecnologia e sociedade – o que implicaria alguns conhecimentos sobre MQ, por exemplo – há lacunas quanto ao “o que” e “para que” ensinar de Física e sobre estratégias de ensino que abarquem a elucidação do conteúdo didático [22[22] BRASIL. Parecer CNE/CES 1304/2001, de 03 de abril de 2001. Brasília, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1304.pdf.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
[23] BRASIL. Parecer CNE/CP 2/2015, de 9 de junho de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file.
http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2...
[24] Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias, disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
[25] Ministério da Educação, PCN + Ensino Médio Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
-26[26] BRASIL, Base Nacional Comum Curricular. Ensino Médio, disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf. Acessado em 04/0402018.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-c...
]. O ensino segue fortemente pautado nos conteúdos de Física Clássica, apresentado de forma fragmentada e centrado na resolução de exercícios, muitas vezes, distante do que regulamenta os documentos oficiais [27][27] M.O. Biazus e C.T.W. Rosa, Experiências em Ensino de Ciências 11, 159 (2016)..

Essa consideração nos leva a refletir: se a MQ é um importante conteúdo para se inserir no ensino médio, também é relevante pensar a formação dos professores de Física no sentido de que, estão os professores de Física preparados para ensiná-la? Lembremos que, segundo as diretrizes educacionais para o curso de Física, ao descrever as competências e habilidades gerais dos formandos, são essenciais: Dominar princípios gerais e fundamentos da Física, estando familiarizado com suas áreas clássicas e modernas; utilizar a Matemática como uma linguagem para a expressão dos fenômenos naturais; utilizar a linguagem científica na expressão de conceitos físicos, na descrição de procedimentos de trabalhos científicos e na divulgação de seus resultados; reconhecer as relações do desenvolvimento da Física com outras áreas do saber, tecnologias e instâncias sociais, especialmente contemporâneas; alguns exemplos [22][22] BRASIL. Parecer CNE/CES 1304/2001, de 03 de abril de 2001. Brasília, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1304.pdf.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
. Mas, como observar os resultados formativos dos estudantes de Física? Como são avaliadas as ditas competências no caso da MQ? – destacamos este conteúdo, conforme supracitado, por considerá-lo fundamental para a formação do professor, mesmo perante a amplitude de temas na área de Física.

O objetivo desta pesquisa é realizar um estudo das questões presentes no Exame Nacional de Avaliação do Desempenho do Estudante (ENADE)1 1 Exame brasileiro que avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação. Tomaremos como base as edições que avaliaram a licenciatura em Física nos anos de 2005, 2008, 2011, 2014 e 2017. , no contexto específico da licenciatura em Física, que contemplem tópicos da MQ, à luz dos fundamentos da Taxonomia de Bloom Revisada (TBR). A TBR nos permite classificar o aprendizado requerido em uma questão na dimensão do conhecimento (efetivo/factual, conceitual, procedimental/procedural e metacognitivo) e dos processos cognitivos (lembrar, entender, aplicar, analisar, avaliar e criar) mobilizados em sua resolução, materializados em uma tabela bidimensional [28][28] L.W. Anderson, A taxonomy for learning, teaching and assessing: a revision of Bloom's Taxonomy of Educational Objectives. (Addison Wesley Longman, Nova York, 2001).. Este estudo visa contribuir para futuras adequações no ensino da MQ nos cursos de formação de professores de Física, considerando-se o perfil do futuro professor de acordo com as diretrizes educacionais.

A pesquisa está organizada em quatro seções. Na primeira parte é feita uma apresentação das atuais questões a respeito do ENADE, a fim de fornecer um entendimento do exame e de sua influência sobre as instituições e cursos; e uma discussão sobre a estrutura das cinco edições em que houve aplicação do exame para a licenciatura em Física. Na segunda parte descreve-se a TBR estabelecendo a estrutura bidimensional (dimensão do conhecimento/processos cognitivos) e suas interrelações. Seguimos com a metodologia da pesquisa, resultados e análise sobre questões do ENADE e o ensino de MQ. Na última parte traz-se uma discussão e conclusões sobre os contributos ao ensino de MQ decorrentes da pesquisa que podem fornecer subsídios para a formação docente.

1.1. Exame Nacional de Avaliação do Desempenho de Estudantes - ENADE

O ENADE, exame brasileiro realizado pelo MEC instituído e regulamentado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), é aplicado a cada três anos para Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas para discentes concluintes em todos os cursos profissionais. Tem a função de avaliar o desempenho dos discentes em relação ao conteúdo programático, habilidades e competências proporcionados pelas orientações curriculares dos seus cursos de graduação; e também de avaliar a adaptação a novos requisitos derivados da evolução do conhecimento e questões atuais brasileiras, internacionais e de outras áreas do conhecimento. Os resultados do exame são combinados com uma série de outras informações para chegar, por exemplo, ao “Conceito Preliminar dos Cursos” [29][29] BRASIL. Lei n° 10.861, 14 de abril 2004. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.861.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
.

Amplamente discutido na literatura a partir de 2004, o ENADE tem sido objeto de profundas críticas. Ao passo que reúne um conjunto de informações que servem de suporte à gestão dos cursos de graduação, também é percebido apenas como uma avaliação utilizada para classificação (conceito variando entre 1 e 5) com grande dependência da participação dos discentes e que se trata de um instrumento análogo ao Provão2 2 Terminologia popular adotada para substituir a abreviação oficial “ENC” (Exame Nacional de Cursos), sistema de avaliação do ensino Superior implementado na metade da década de 90. O processo teve início em 1995 com a Lei 9.131 (BRASIL, 1995), que estabeleceu o exame a ser aplicado a todos os estudantes concluintes de campos de conhecimento pré-definidos. [30[30] M.M. Polidori, C.M. Marinho-Araujo e G. Barreyro, Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação 14, 425 (2006). [31] G.B. Barreyro, Avaliação 13, 863 (2008). [32] T.H.A. Francisco, M.K. Nakayama, I.R. Souza e J.C.F. Zilli, in ANAIS. Encontro Nacional dos Cursos de Graduação em Administração – Administração e Sustentabilidade (ABMES, Foz do Iguaçu, 2015). [33] M.M. Polidori, Avaliação 14, 267 (2009). [34] H.R. Bittencourt, L. Viali, A.C.M. Rodrigues e A.O. Casartelli, Avaliação 15, 147 (2010). [35] J. Dias Sobrinho, Avaliação 15, 195 (2010). [36] G.B. Barreyro e J.C. Rothen, Avaliação 13, 131 (2008). [37] J.C. Rothen e G.B. Barreyro, Educ. Soc. 32, 21 (2011).-38[38] C. Hoffmann, Educação e Pesquisa 40, 651 (2014).]. Em termos de políticas públicas estas discussões são reconhecidas e sobre tal a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCED) publicou um estudo sobre o sistema brasileiro de avaliação da educação superior que reafirma as fragilidades do ENADE [39][39] http://www.oecd.org/brazil/rethinking-quality-assurance-for-higher-education-in-brazil-9789264309050-en.htm, acessado em 23/02/2019.
http://www.oecd.org/brazil/rethinking-qu...
. Em destaque, a OCED recomenda que se faça uma avaliação dos custos e benefícios deste sistema, e inclusive que se considere se vale a pena continuar com o exame, um tipo de avaliação que não existe em nenhuma outra parte do mundo, justamente pelas dificuldades que a experiência brasileira mostra. Recomenda-se também que, em vez de indicadores sintéticos, sejam dadas informações sobre os diferentes aspectos de cada curso e instituição, de forma simples e acessível ao grande público, que informe melhor aos estudantes e à sociedade sobre o que está ocorrendo com o ensino superior brasileiro em seus diversos setores [39][39] http://www.oecd.org/brazil/rethinking-quality-assurance-for-higher-education-in-brazil-9789264309050-en.htm, acessado em 23/02/2019.
http://www.oecd.org/brazil/rethinking-qu...
.

Apesar destes entraves, os resultados do ENADE podem ser utilizados de modo a nortear ações acadêmicas e administrativas na busca por melhorias para os cursos, por exemplo: usados como elementos orientadores das atividades docentes e/ou norteadores do Projeto Pedagógico de Curso (PPC) [40[40] H.R. Bittencourt, A.O. Casartelli e A.C.M. Rodrigues, Gestão & Produção 14, 667 (2009).-41[41] J.F. Lavor, Qualidade da gestão acadêmica e a docência em cursos de graduação: validando relações com o Conceito Preliminar de Curso (CPC). Tese de Doutorado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (2014).]; ou, em termos de ensino e aprendizagem utilizá-los para uma avaliação diagnóstica em vez do uso de desempenho do discente ao final do curso (média final/score) atribuindo maior ênfase às competências profissionais e educação geral adquiridas, assim como identificando aquelas não desenvolvidas durante o curso.

Em sua estrutura há um questionário socioeconômico (percepção da prova) e uma prova, composta de duas partes: Formação Geral e Componente Específico. O questionário socioeconômico permite traçar o perfil dos discentes, integrando informações do seu contexto às suas percepções sobre a IES e suas vivências. A parte da Formação Geral é comum a todos os cursos participantes daquela edição e avalia a compreensão dos discentes sobre temas transversais, não necessariamente relacionados ao conhecimento específico da profissão. A parte do Componente Específico busca avaliar as competências e habilidades dos discentes tanto do ponto de vista da formação geral do curso como no domínio de conhecimentos e habilidades esperadas para cada perfil profissional. Portanto, a premissa é que as várias IES e cursos usem seus resultados como um ingrediente no processo de avaliação institucional mais amplo que possa medir a trajetória de aprendizagem e não apenas conferir desempenho [29][29] BRASIL. Lei n° 10.861, 14 de abril 2004. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.861.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
.

Desde o estabelecimento da avaliação em 2004 até o presente momento houve 5 aplicações para o curso de Física (bacharelado e licenciatura). Obviamente, o exame passou por ajustes e modificações estruturais entre as edições. A prova passou a ser distinta, uma para a licenciatura e outra para o bacharelado, mas se mantém a presença de questões iguais (núcleo comum) em ambas as provas.

No contexto deste trabalho, analisamos a prova como uma ferramenta indicativa de aprendizagem sobre questões relacionadas com a MQ na licenciatura em Física. Para isso, precisamos entender a organização do exame em termos das questões específicas do perfil profissional. Na Tabela 1, temos a estrutura sumarizada das 5 edições do ENADE que avaliaram o curso de Física.

Tabela 1
Formato da prova e distribuição das questões no caderno do discente

A título de esclarecimento da Tabela 1, a distribuição das questões foi semelhante para o bacharelado e licenciatura, nas edições 2005, 2008 e 2011 (nestas se observam questões específicas ao núcleo comum), enquanto seguiu distinta nos anos 2014 e 2017. Contabilizando, somam-se quarenta questões (n=40) de conhecimento geral/específico e nove (n=9) do questionário de percepção da prova que é igual para todas as edições.

Para a análise que propomos serão consideradas a priori, todas as questões direcionadas ao nosso público-alvo – concluinte da licenciatura em Física – que ao ser contabilizado gera-se um total de duzentas questões (n=200). A posteriori, as questões que abordarem tópicos da MQ serão por fim, analisadas à luz da Taxonomia de Bloom Revisada.

1.2. A Taxonomia de Bloom revisada

A taxonomia de Bloom, ou taxonomia dos objetivos educacionais como também é conhecida, foi criada por Benjamin Bloom e colaboradores com a intenção de elaborar um sistema de classificação de objetivos que se tornasse ponto de partida e base para o planejamento educacional. Para tanto, definiu como primeiro passo a divisão do trabalho de acordo com os domínios cognitivo, afetivo e psicomotor dos objetivos educacionais. No domínio cognitivo, os objetivos educacionais focam a aprendizagem de conhecimentos, desde a recordação e compreensão de algo estudado até a capacidade de aplicar, analisar e reorganizar a aprendizagem de um modo singular e criativo, reordenando o material ou combinando-o com ideias ou métodos anteriormente aprendidos. Já no domínio afetivo, os objetivos dão ênfase aos sentimentos, emoções, aceitação ou rejeição de algo. No domínio psicomotor, os objetivos educacionais são ligados à habilidade motora, manipulação de objetos ou ações que requerem coordenação neuromuscular. São geralmente relacionados à caligrafia, à arte mecânica, à educação física e a cursos técnicos [42][42] B.S. Bloom, Taxonomy of Educational Objectives: The classification of Educational Goals (Longmans, New York,1956)..

Como instrumento de apoio didático-pedagógico, pode apontar inúmeros erros nos campos da educação e avaliação, bem como facilitar a tarefa do professor de planejar e sistematizar a avaliação na tentativa de tornar o ato de avaliar um componente a serviço dos processos de ensino e de aprendizagem. No entanto, não tenta classificar os métodos de instrução usados pelos docentes, os materiais que usam ou a forma como se relacionam com os discentes, mas sim classificar as maneiras como se espera que ajam, pensem ou sintam, combinando o tipo de conhecimento a ser adquirido pela interpolação das categorias do processo cognitivo, como resultado do processo de ensino [28[28] L.W. Anderson, A taxonomy for learning, teaching and assessing: a revision of Bloom's Taxonomy of Educational Objectives. (Addison Wesley Longman, Nova York, 2001)., 42[42] B.S. Bloom, Taxonomy of Educational Objectives: The classification of Educational Goals (Longmans, New York,1956). [43] C. Antunes, A avaliação da aprendizagem escolar (Vozes, Petrópolis, 2012), 4ª ed.-44[44] A.P.C.M. Ferraz e R.V. Belhot, Gestão & Produção 17, 421 (2010).].

A taxonomia original de Bloom define seis principais categorias do domínio cognitivo: conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. As categorias são ordenadas da mais simples para a mais complexa e, possuem uma hierarquia cumulativa, sendo a categoria mais simples pré-requisito para a próxima. São associadas ações (verbos) que auxiliam na classificação das questões da avaliação em um dos níveis da taxonomia. Esta, em 1990, passou por um processo de revisão e, em 2001, foi publicada por Lorin Anderson e seus colaboradores o que hoje se conhece como Taxonomia de Bloom Revisada (TBR) [28[28] L.W. Anderson, A taxonomy for learning, teaching and assessing: a revision of Bloom's Taxonomy of Educational Objectives. (Addison Wesley Longman, Nova York, 2001)., 42[42] B.S. Bloom, Taxonomy of Educational Objectives: The classification of Educational Goals (Longmans, New York,1956). [43] C. Antunes, A avaliação da aprendizagem escolar (Vozes, Petrópolis, 2012), 4ª ed.-44[44] A.P.C.M. Ferraz e R.V. Belhot, Gestão & Produção 17, 421 (2010).].

Na TBR foram combinados o tipo de conhecimento a ser adquirido e o processo utilizado para a aquisição desse conhecimento. O tipo de conhecimento passou a ser designado por substantivos e os processos para atingi-los passaram a ser descritos por verbos. Embora mantida parte da estrutura original, o nível do conhecimento, compreensão e síntese foram renomeados para lembrar, entender e criar, respectivamente como se pode observar na Figura 1. Além disso, uma nova categoria do domínio cognitivo foi inserida, conhecimento metacognitivo, que envolve processos de aprendizagem baseados em estratégias adotadas pelos discentes que facilitam sua própria aprendizagem incluindo o conhecimento estratégico e o autoconhecimento [45][45] P.R. Pintrich, Theory Into Practice 41, 219 (2002)..

Figura 1
A Taxionomia revisada de Bloom.

Conforme descrição apresentada no Quadro 1, na TBR foram combinados o tipo de conhecimento a ser adquirido (Dimensão do conhecimento) e o processo utilizado para a aquisição desse conhecimento (Dimensão do processo cognitivo). Estas mudanças permitem um enfoque bidimensional, tornando mais fácil a tarefa de definir com clareza os objetivos de aprendizagem e alinhá-los com as atividades de avaliação. Por exemplo, a utilização/avaliação da dimensão do conhecimento conceitual transfere maior complexidade ao último nível da dimensão do processo cognitivo criar, que envolve o desenvolvimento de ideias, métodos, procedimentos através da percepção da interdisciplinaridade e interdependência entre conceitos [44][44] A.P.C.M. Ferraz e R.V. Belhot, Gestão & Produção 17, 421 (2010).. Este processo de escolha depende da realização de julgamentos, como escolher o procedimento mais adequado a determinado problema exposto.

Quadro 1
Estrutura bidimensional da dimensão do conhecimento (níveis e subcategorias) x processos cognitivos da Taxonomia de Bloom Revisada

Para melhor compreensão no Quadro 1 (abaixo), foram sintetizadas as dimensões do conhecimento, suas categorias e as respectivas subcategorias do conhecimento associado e as habilidades a serem adquiridas. A dimensão do processo cognitivo foi listada de acordo com os verbos de ação e substantivos pertencentes às diferentes dimensões.

Neste estudo optou-se, portanto, pela classificação bidimensional das questões do ENADE cruzando uma dimensão do conhecimento, isto é, “o que” o discente deve saber para resolver a tarefa proposta, com os processos cognitivos que deveriam estar envolvidos para uma resolução exitosa da tarefa, refletindo “como” o problema deveria ser resolvido. A classificação das questões pela TBR pautou-se na análise do processo da resolução e na identificação de comandos verbais, realizada pelos autores, determinando o domínio do conhecimento e os processos cognitivos exigidos. Consideramos que para resolver uma questão do ENADE o discente deve demonstrar domínio de uma dimensão do conhecimento (efetivo, conceitual, procedural ou metacognitivo), usando um ou mais processos cognitivos. Segundo a TBR, lembrar é o processo mais simples utilizado na resolução de uma questão, seguido de entender, aplicar, analisar, avaliar e criar. Desta maneira, será possível estabelecer as relações exigidas entre as competências e habilidades necessárias aos discentes para resolverem questões com tópicos da MQ.

2. Procedimentos Metodológicos

2.1. Instrumentos e coleta de dados

Essa pesquisa configura-se por uma investigação qualitativa exploratória de cunho interpretativo. A pesquisa não intenciona uma generalização dos resultados, mas uma reflexão dos mesmos, tomando por base o quadro teórico descrito [46[46] J.W. Creswell, Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (Artmed, Porto Alegre, 2007).-47[47] R.A. Dal-Farra e P.T.C. Lopes, Nuances: estudos sobre Educação 24, 67 (2013).].

Para tal, inicialmente, foi feita uma investigação documental centrada na análise dos exames do ENADE. Realizou-se uma busca de todas as edições do exame, desde o estabelecimento do exame em 2004, aplicadas para o curso de licenciatura em Física. Foram analisadas as edições de 2005, 2008, 2011, 2014 e 2017 por meio de uma consulta online no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)3 3 INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, ENADE. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/provas-e-gabaritos3 [Acesso em 06 dez. 2018]. . Para compor os dados desta pesquisa foram consideradas questões presentes no ENADE que contemplem e explorem conceitos físicos da MQ para os licenciados em Física.

Assim, consultadas as 5 edições do exame, obtivemos um total de duzentas questões (n=200) direcionadas para os estudantes de licenciatura em Física. Este número representa o universo de questões da prova incluindo as partes de Formação geral e de Componente específico (ver Tabela 1). Foram excluídas as setenta e sete (n=77) questões de Formação geral e todas as questões discursivas, sejam voltadas para o bacharelado ou licenciatura, por não incluir conteúdos da MQ. Tampouco foram analisadas nenhuma das questões unicamente voltadas para o bacharelado. Das questões objetivas (n=123) ao serem analisadas, uma a uma, restaram dezessete questões (n=17) que contemplam tópicos da MQ. Logo, estas compõem o corpus de questões que serão analisadas com uso da TBR. Outros dados coletados, também obtidos online na página do ENADE do INEP, foram os percentuais gerais de acertos dos concluintes das IES contidos nos relatórios detalhados dos cursos. Estes serão utilizados para contrastar a dificuldade da questão em função do rendimento dos discentes.

2.2. Técnicas para análise de dados

Conforme supracitado, a TBR é utilizada para a análise dos dados, pois possibilita uma classificação bidimensional da tarefa proposta. A análise das questões, além de serem respondidas pelas duas primeiras autoras e observadas à luz da TBR, ainda terão suporte na análise de conteúdo proposta por Bardin [48][48] L. Bardin, Análise de conteúdo (Edições 70, São Paulo 2011). tendo em conta três etapas: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise e a classificação das questões foram realizadas pelas duas primeiras autoras de forma independente, com um índice de coincidência do 77%. As não coincidências foram resolvidas por consenso. O tratamento dos resultados, inferência e interpretação foram feitos pelo conjunto de autores.

A pré-análise compreende a leitura geral do material que compõe o corpus da pesquisa. Nesta etapa dados relevantes, dos 5 exames selecionados do ENADE, foram transcritos e organizados em tabelas. Na exploração do material, dos exames de 2005 a 2017, foram observadas 17 questões objetivas aplicadas a licenciatura em Física que tratam especificamente de tópicos da MQ. Salientamos que, devido à estrutura dos exames de 2005, 2008 e 2011, 10 destas questões fazem parte do “núcleo comum objetivas” e, portanto, foram respondidas por estudantes do bacharelado e da licenciatura (ver Tabela 1). A verificação dos percentuais de acertos dos concluintes foram obtidos para ambos (dados são apresentados na Tabela 2).

Tabela 2
Índice de Facilidade

Posteriormente, realizou-se a classificação bidimensional das questões (ver Tabela 3) segundo a TBR por meio das dimensões dos processos cognitivos apresentadas no Quadro 1. Para classificá-las foram considerados os seguintes critérios: enunciados e comandos verbais, nível de abstração, extensão e profundidade dos objetivos educacionais requeridos, resolução da questão. Na classificação das questões o uso das subcategorias e dos verbos associados à dimensão cognitiva (Quadro 1) são aspectos facilitadores que, em nosso caso permitiram diminuir as diferenças de classificação.

Tabela 3
Índice de Discriminação

Por fim, na interpretação dos resultados, discutiu-se acerca do processo cognitivo exigido sobre o conhecimento em MQ presente nos respectivos exames. Através da justaposição das categorias e subcategorias da TBR, percentuais de acerto nas questões, ou índice de facilidade, inferiram-se aspectos considerados relevantes para a formação do discente de Física, concluindo sobre fragilidades observadas na formação destes futuros professores no que tange à MQ.

3. Análise e Resultados

3.1. Caracterização e complexidade das questões de MQ no ENADE

A primeira caracterização das questões analisadas foi obtida através dos relatórios do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). O relatório contém os índices de facilidade e discriminação calculados para cada questão que é calculado levando em conta o índice de correção de cada questão, ou seja, a porcentagem de discentes que a acertaram (Tabela 2). Para avaliar os discentes de um curso, uma questão deve ter mais acertos de discentes que tiveram um bom desempenho do que aqueles que tiveram um desempenho ruim. Para medir esse poder de discriminação da questão, o ENADE usa a correlação ponto bisserial. A Tabela 3 apresenta a classificação das questões de acordo com seu poder de discriminação. Questões com índice de discriminação fraco são eliminadas no cômputo das notas.

As questões com tópicos de MQ presentes no ENADE são apresentadas por edição do exame na Tabela 4. Destacamos o tema predominante e os resultados decorrentes por índice de facilidade e percentuais de acertos dos discentes que responderam as questões a cada edição.

Tabela 4
Incidência das questões que apresentam tópicos da MQ e os resultados decorrentes (índice de facilidade de percentual de acertos dos discentes)

Em cinco edições da prova, 17 questões contemplaram tópicos da MQ. Entre os temas predominantes, que se repetem e estão relacionados, em sua maioria são concernentes a velha MQ – formulada entre 1900 e 1925. Temas como radiação de corpo negro (n=4), modelo atômico (n=2) e efeito fotoelétrico (n=4) são conceitos mais básicos da FM. Já conteúdos mais avançados pertencentes a MQ propriamente dita – a partir de 1927 – são pouco explorados. Por exemplo uma única questão aborda o Princípio da Incerteza ou a Equação de Schrödinger. Deste fato, podemos inferir que a MQ, propriamente dita, está pouco presente, de forma efetiva nas avaliações nacionais.

Em oposição a este resultado, a literatura brasileira especializada da área apresenta o argumento de que o ensino de MQ não pode ser dissociado de conceitos que evidenciam a apropriação de uma fenomenologia propriamente quântica [17[17] I.M. Greca e O. Freire Jr., em: Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais (EDUEPB, Campina Grande, 2009)., 49[49] I.M. Greca e V.E. Herscovitz, Enseñanza de las Ciencias 20, 327 (2002). [50] F. Ostermann e T.F. Ricci, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 22, 9 (2005). [51] R.A. Carvalho Neto, Aspecto Preditivo da Mecânica Clássica e da Mecânica Quântica: Uma Proposta Teórico-Metodológica para Alunos do Ensino Médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador (2006).-52[52] R.A. Carvalho Neto, O. Freire Jr. e J.L. Silva, Investigação em Ensino de Ciências 3, 75 (2008).]. Fazem parte da lista desses: o Princípio da Superposição como a ideia mais fundamental da MQ; o fenômeno da Interferência quântica ou o aspecto preditivo fundamentalmente Probabilístico da MQ. No entanto, estes conceitos não aparecem nas questões analisadas. De forma análoga, pesquisadores internacionais [53[53] H. FIschler e M. Lichtfeldt, in: Research in Physics Learning: Theoretical Issues and Empirical Studies (University of Bremen, Bremen, 1991), p. 240.-54[54] H. Fischler e M. Lichtfeldt, International Journal of Science Education 14, 181 (1992).] sugerem que se apresente, o quanto antes, o princípio da Incerteza e que, desde o primeiro momento, se fale do emaranhamento quântico.

Sobre os percentuais de acertos para a licenciatura, conforme os relatórios do SINAES, das 17 questões objetivas da prova, foram consideradas de dificuldade mediana cinco questões (com percentuais de acerto entre 27,7% e 55,5%), onze foram classificadas como difíceis (com percentuais de acerto entre 21,9% e 53,4%) e apenas uma foi considerada muito difícil com percentual de acerto de 14,6%. Nenhuma questão obteve índice fácil ou muito fácil. Nas mesmas configurações, das 10 questões que fazem parte do “núcleo comum”, se observa uma pequena diferença comparativamente entre o rendimento dos licenciandos e dos bacharelandos – apenas na edição de 2011 na qual o relatório síntese dos cursos foi feito separadamente –, sendo o maior deles 66,5%. Em linhas gerais, os percentuais de acerto para todas as questões (o maior deles 55,5% para licenciatura e 66,5% para bacharelados ambos referentes a Questão 14, ENADE – 2011 de dificuldade média) parecem indicar que os estudantes não têm avançado na compreensão dos conceitos físicos dessa área.

Embora onze questões (n=11) sejam consideradas difíceis, os conteúdos explorados, como já indicado diz respeito à velha MQ. Trataram-se de conceitos antigos presentes em maior frequência no currículo desde o ensino médio [21][21] R.S. Souza, I.L. Silva e E.S. Teixeira, em: Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (Sociedade Brasileira de Física, Campos do Jordão, 2018).. No entanto, apesar de uma provável familiaridade por parte dos discentes, o índice de acerto geral é baixo. Dessa forma, a estrutura das questões e resultados apresentados pelos relatórios do ENADE fornecem indícios das lacunas presentes na formação inicial dos professores de Física: uma graduação baseada em uma FM, por vezes deficitária de acordo com a literatura atual [2[2] Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018)., 7[7] I. Greca e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 6, 29 (2009)., 13[13] I.D. Johnston, K. Crawford e P.R. Fletcher, Int. J. Sci. Educ. 20, 427 (1998)., 14[14] E. Cataloglu e R.W. Robinett, Am. J. Phys. 70, 238 (2002)., 16[16] A. Kohnle, I. Bozhinova, D. Browne, M. Everitt, A. Fomins, P. Kok e H. Kragh, Sci & Educ 1, 349 (1992).], que parece não atender à demanda dos documentos oficiais que defendem ser inegável a importância de se ensinar FM no ensino médio, incluindo os fenômenos quânticos [25[25] Ministério da Educação, PCN + Ensino Médio Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
-26[26] BRASIL, Base Nacional Comum Curricular. Ensino Médio, disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf. Acessado em 04/0402018.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-c...
].

3.2. Análise das questões na perspectiva da TBR

Como já indicado, a TBR é composta por categorias ordenadas com certa hierarquia de complexidade e abstração, de modo que atingir uma categoria significa dominar as antecessoras, podendo ocorrer entrelace entre as categorias. O uso do Quadro 1 possibilita verificar qual a extensão e a profundidade das questões mediante a observação da dimensão do conhecimento e dos processos cognitivos.

Os resultados decorrentes da análise das questões na escala bidimensional da TBR indicam que na dimensão mais baixa do conhecimento a Efetivo/Factual relacionada ao conhecimento de terminologias e elementos específicos, que requer do discente reproduzir conhecimento memorizado, há uma ocorrência de 29,5% (5 questões). Em segunda instância, entre as questões selecionadas, identifica-se 47% (8 questões) na dimensão do conhecimento Conceitual e na dimensão do conhecimento Procedural 23,5% (4 questões), enquanto que na dimensão do conhecimento Metacognitivo, que seria a mais elevada dentro da TBR, não houve nenhuma ocorrência que a avaliasse. Esses dados são apresentados ao término da sessão na Tabela 4.

Vamos agora apresentar como foi feita essa categorização. As questões da dimensão conhecimento Efetivo/Factual são simples e priorizam mobilizar conhecimentos básicos adquiridos ao longo do curso e reproduzidos de forma direta. Nas questões desse nível de conhecimento, o estudante reproduz os conceitos aprendidos, sem interpretar uma situação ou utilizar métodos e critérios. Exemplifica-se com a questão 29 (Quadro 2).

Quadro 2
Questão 29 da prova objetiva do núcleo específico de licenciatura em Física do ENADE 2008

Com alternativa correta “E”, a questão explora aspectos da evolução das ideias da Física através da qual o discente poderá demonstrar o domínio de conceitos básicos, sem requerer a mobilização de conhecimentos apurados para sua resolução. A questão encontra-se na dimensão Efetivo/Factual do conhecimento em que se deve reconhecer uma informação da situação, nesse caso lembrar que o oscilador harmônico pode ser usado para entendermos melhor as vibrações moleculares e os estados de energia discretos. Enquanto que no Princípio da Correspondência, Bohr afirma que para grandes números quânticos a MQ se reduz à mecânica clássica, criando uma relação entre as duas teorias. Outro exemplo da mesma dimensão Efetiva/Factual - lembrar é a questão 42 (Quadro 3).

Quadro 3
Questão 42 da prova objetiva do núcleo específico de licenciatura em Física do ENADE 2008

Para responder corretamente é suficiente o discente lembrar do efeito fotoelétrico, “o aumento da intensidade da luz implica um aumento do número de fótons de mesma energia que incide sobre o sensor” (alternativa A). Apesar de requerer do discente o reconhecimento de informações memorizadas, o enunciado da questão alude a um experimento realizado por Hertz, e se refere explicitamente à relação entre a frequência da radiação luminosa emitida e a ocorrência perceptível de descargas elétricas entre sensores, associando esse fenômeno ao efeito fotoelétrico estudado por Einstein. Logo, com uma alteração na configuração da questão seria possível aferir habilidades para além de demonstrar domínio dos princípios e conceitos básicos da Física. Essa alteração poderia ser alcançada, por exemplo, requerendo conhecimento da História da Física e/ou Metodologia do Ensino de Física ao passo que reelaborassem a questão solicitando outros aspectos do conhecimento.

O conhecimento Conceitual avalia se o estudante consegue fazer a inter-relação entre aprendizados básicos adquiridos em um contexto mais detalhado. Essa dimensão é avaliada em questões que requerem relacionar informações apresentadas com conhecimentos adquiridos. O estudante deve conhecer princípios, generalizações, teorias e modelos e suas relações com as informações apresentadas. Essa dimensão do conhecimento foi observada em 47% (8 questões) das questões. Exemplifica-se com a questão 25 (Quadro 4).

Quadro 4
Questão 25 da prova objetiva do núcleo específico de licenciatura em Física do ENADE 2011.

Novamente, uma questão que requer conhecimento básico do Efeito Fotoelétrico. Para responder corretamente, alternativa C, é preciso lembrar que: a energia dos elétrons emitidos depende da frequência da radiação incidente; a intensidade da radiação incidente fará com que mais ou menos elétrons sejam emitidos; a energia com que o elétron é ejetado é proporcional à frequência da radiação incidente, quanto maior a frequência, maior será a energia cinética do elétron ejetado; o potencial de corte para um dado metal só irá depender da frequência da radiação incidente; a relação carga-massa é a mesma, pois se trata da mesma partícula. Portanto, o discente precisa analisar a questão para obter a alternativa correta através de uma escolha combinada, inter-relacionando o conhecimento das teorias e diferenciando-as.

Na mesma categoria, encontra-se a questão 14 apresentada no Quadro 5.

Quadro 5
Questão 14 da Prova Objetiva do Núcleo Específico de Licenciatura em Física do ENADE 2014.

Essa questão requer dos processos cognitivos mobilizados entender a situação, diferenciando o exposto nas alternativas e analisando os conhecimentos específicos na situação proposta. Para resolver corretamente essa questão, o discente deve ter em mente os conceitos básicos acerca da interação da radiação com a matéria e então, concluir que a alternativa B é correta. Ainda na categoria Conceitual, observamos que a questão 09 (Quadro 6) entre os 47% (8 questões) é a única que exigem competências cognitivas mais elevadas, avaliar.

Ou seja, requer do discente avaliar as situações propostas nas questões, checando sua viabilidade de acordo com a interpretação e análise do enunciado, concluindo que a alternativa A é correta.

Quadro 6
Questão 9 da prova objetiva do núcleo específico de licenciatura em Física do ENADE 2017

No nível do domínio do conhecimento Conceitual, portanto, se observa que as questões 25 (Quadro 4) e 9 (Quadro 6) relacionam elementos mais simples – 1. Lembrar, conectando-os em contextos mais elaborados – 4. Analisar e 5. Avaliar. Já a questão 14 (Quadro 5), exige um pouco mais, inicialmente 2. Entender para só então 4. Analisar. Dessa forma, requer do discente utilizar conteúdos básicos em contextos mais elaborados, sem prever métodos, algoritmos ou técnicas de aplicação a determinadas situações, mas exigindo conhecimentos de princípios e teorias da Física.

Questões que mobilizam conhecimento Procedimental/Procedural, ligados ao conhecimento específico de conteúdos, habilidades e algoritmos, bem como técnicas, métodos e procedimentos específicos totalizam 23,5% (4 questões) das questões selecionadas para análise. Exemplifica-se, inicialmente, a questão 20 (Quadro 7).

Quadro 7
Questão 20 da prova objetiva do núcleo específico de licenciatura em Física do ENADE 2017

O discente usa conhecimentos específicos relacionados aos métodos de resolução de problemas de Física, mobilizando o conhecimento Procedimental/Procedural. O padrão de resposta esperado é a letra A; para responder, mobilizam-se conhecimentos ligados ao assunto específico do Efeito Compton e os respectivos métodos experimentais, usando os processos cognitivos lembrar e analisar.

Identifica-se na questão 13 (Quadro 8), também o domínio do conhecimento Procedimental/Procedural. O discente deve, além de lembrar, aplicar seu conhecimento abstrato em uma nova situação para que possa então, avaliar.

Quadro 8
Questão 13 da prova objetiva do núcleo específico de licenciatura em Física do ENADE 2014.

Trata-se de uma questão que exige do discente uma escolha combinada com indicação da alternativa correta, na qual se espera como resultado a alternativa “C”. Para resolver, primeiramente, é preciso verificar a validade das afirmações propostas. Se espera que o discente: 1) relacione Δx com x2 e tenha compreensão que o valor médio de x e de p é zero; 2) encontre a energia mínima da partícula a partir do seu conhecimento sobre o princípio da incerteza de Heisenberg; 3) reconheça qual é o autovalor de energia para a partícula na caixa e com este, analisar o menor autovalor de energia, bem como estabelecer a razão da energia mínima; 4) perceba que a Emine E1 são valores de energias diferentes. Enquanto E1 é o autovalor para o primeiro nível de energia, Emin é o valor esperado para a energia mínima de uma partícula na caixa; 5) por fim, calcular o valor de ΔxΔp a partir do princípio da incerteza, aplicando suas devidas relações algébricas. Ao se explorar todos esses aspectos, a questão é de fato de difícil resolução.

Essa questão (Quadro 8) está entre as que exige aspectos avançados da cognição, no entanto, os discentes não conseguiram um bom rendimento – o percentual de acerto foi tão baixo que não foi considerado para a contabilização do conceito dos cursos. Segundo a TBR, o discente deve conectar o novo conhecimento ao adquirido previamente. Nesse processo “a informação é entendida quando o aprendiz consegue reproduzi-la com suas próprias palavras”, conforme afirma Ferraz e Belhot [44[44] A.P.C.M. Ferraz e R.V. Belhot, Gestão & Produção 17, 421 (2010)., p. 429]. Novamente, é possível inferir algumas fragilidades nos processos formativos tratados neste estudo. No apêndice, discutimos uma outra questão a fim de exemplificar um pouco mais essas características.

Apresentamos até aqui apenas alguns exemplos da análise que foi feita das questões em função das limitações de espaço do artigo. Contudo a análise foi feita para o conjunto inteiro das questões selecionadas (n=17), cuja síntese dos resultados é apresentada na Tabela 5.

Tabela 5
Distribuição das questões objetivas do núcleo específico da Licenciatura em Física do ENADE na Tabela bidimensional proposta pela Taxonomia de Bloom Revisada

A Tabela 5 focaliza as questões de MQ do ENADE classificadas nos níveis de abstração requeridos nas dimensões do conhecimento e do processo cognitivo da TBR. Relacionando essa Tabela com o Quadro 1, tomando como referência apenas as dimensões do conhecimento, percebe-se que a questões do exame privilegiam o conhecimento conceitual/princípios. Nessa dimensão do conhecimento, os discentes, além de dominarem os conteúdos básicos, devem fazer uma inter-relação desses conteúdos num contexto mais elaborado. Estes precisam conectar conhecimentos básicos, teorias, estruturas e modelos para chegar às respostas das questões que envolvem esse tipo de dimensão.

As dimensões do conhecimento Efetivo/Factual e Procedimental/Procedural foram menos privilegiadas, conforme se observa na Tabela 5. Na dimensão Efetivo/Factual, o discente deve relacionar o conteúdo básico que já domina a fim de que consiga resolver problemas apoiado neste conhecimento. Nessa categoria, os fatos não precisam ser entendidos ou combinados, apenas reproduzidos como apresentados. Enquanto que na dimensão Procedimental/Procedural, o discente deve utilizar métodos, critérios, algoritmos e técnicas sobre um determinado conteúdo específico, ou seja, deve ter habilidade e percepção de como e quando usar um procedimento específico para chegar às respostas do exame. Por fim, a dimensão do conhecimento Metacognitivo não foi encontrada nas questões do exame. Nessa dimensão, seriam exigidos conhecimentos estratégicos, autoconhecimento e interdisciplinaridade, ou seja, um alto grau de profundidade de conhecimento e interdisciplinaridade para se resolver a questão. É possível que essa dimensão do conhecimento não tenha sido encontrada devido à limitação de tempo e de quantidade de questões abordadas no exame assim como, talvez, a uma baixa conscientização sobre à importância desta dimensão.

Em relação aos processos de cognição, o nível mais privilegiado na TBR foi o lembrar, conforme se observa na Tabela 5. Neste nível de cognição, os discentes devem reconhecer e reproduzir ideias e conteúdos. Reconhecer e distinguir ou selecionar uma determinada informação, e reproduzir ou recordar uma informação relevante memorizada. O segundo nível de cognição na TBR mais exigido foi entender e analisar, respectivamente. No nível de cognição entender, os discentes devem estabelecer conexão entre o novo e o conhecimento previamente adquirido. Devem ser capazes de interpretar, classificar, inferir e comparar para poder chegar às respostas das questões do exame. No nível Analisar, os discentes precisam dividir a informação em partes relevantes e irrelevantes entendendo a inter-relação existente entre as partes.

Os dois últimos níveis cognitivos observados foram avaliar e, menos exigido, aplicar. No primeiro, o discente deve realizar julgamentos baseados em critérios e padrões qualitativos e quantitativos. Enquanto no segundo, executar ou usar um procedimento numa situação específica e pode também abordar a aplicação de um conhecimento numa situação nova. Com essa configuração, o discente precisaria de um conhecimento aprofundado de determinado conteúdo. Embora o nível de Aplicar seja o mais relacionando com a avaliação da competência exigida pelos documentos oficiais para um professor de Física, praticamente não aparece nas questões do ENADE para a MQ.

O nível de cognição criar não foi encontrado; nele, o discente deve desenvolver ideias novas e originais por meio da percepção da interdisciplinaridade e da interdependência de conceitos. Em nossa pesquisa, nenhuma questão abordou esse nível de cognição, considerando as várias possibilidades para a não apresentação de questões em níveis cognitivos mais elevados, uma primeira delas poderia ser o fato de que as questões utilizadas como instrumento de análise fazem parte da prova objetiva e por consequência apresentam limitações para tal.

Assim, numa análise geral da Tabela 5, percebe-se que houve duas células que são enfatizadas com maior frequência, as dimensões do conhecimento Efetivo/Factual e a do conhecimento Conceitual com o processo cognitivo lembrar. A pesquisa mostra que o ENADE priorizou domínios de complexidade inferiores muito próximos à mera memorização, sem atingir a dimensão Metacognitivo, tampouco o nível de cognição criar. No entanto, com estes níveis de exigência, as competências que seriam requeridas para os docentes, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, como dominar princípios gerais e fundamentos da Física, estando familiarizado com suas áreas clássicas e modernas; ou reconhecer as relações do desenvolvimento da Física com outras áreas do saber, tecnologias e instâncias sociais, especialmente contemporâneas, seriam negligenciadas.

Entendemos que, ao serem compreendidos os níveis taxonômicos requeridos nas questões, podem-se inferir sobre o perfil de formação que esses discentes obtêm ao término da licenciatura. Ao retornar a Tabela 4 e estabelecendo um paralelo com essa análise, vemos que apesar das questões serem consideradas difíceis de acordo com os índices de facilidade apresentados nos relatórios do SINAES, frente à TBR essas mesmas questões tem um perfil de exigir capacidade cognitiva e de conhecimento abaixo. Não obstante, os percentuais de acertos são muito baixos. Logo, quanto ao conhecimento da MQ, os discentes precisam, para o ENADE, de um domínio mínimo para resolver corretamente as questões. Porém, ainda assim, não o fazem, o que se constitui um problema de formação: os discentes têm contato com o mínimo de conhecimento de MQ na licenciatura e quando são avaliados sobre esses aspectos, os mesmos não obtêm êxito, ainda que as avaliações exijam deles um grau baixo de abstração.

Ao considerar que “Para um adequado ensino no nível médio, bem como para a utilização na tecnologia, deve a Mecânica Quântica antes ser entendida pelos professores de Física, que lecionarão no secundário, e pelos estudantes dos cursos de Ciências Exatas” [55[55] I.M. Greca, Construindo significados em mecânica quântica: resultados de uma proposta didática aplicada a estudantes de física geral. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2000)., p. 13], é preciso atualizar o currículo de Física se de fato visa-se ensinar FM nas escolas de nível médio, tal como salientam Ostermann e Moreira [4][4] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5, 23 (2000).. Nesta linha de pensamento, que propõe um ensino do qual se espera eficácia quanto às estratégias utilizadas e ao material didático adequado, inferimos que novas estratégias para a formação inicial do professor de Física precisam ser incentivadas, e que estas devem se distanciar do ensino tradicional de MQ.

Isto porque, em sua maioria os cursos de MQ oferecidos na graduação costumam ter uma abordagem instrumental, visando familiarizar os discentes com o formalismo da teoria, muitas vezes sem uma discussão conceitual e de possíveis interpretações acerca deste formalismo [5[5] A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 393 (2009)., 56[56] D.I. Machado e R. Nardi, em IV Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC, Bauru, 2003).], cujos resultados, segundo a análise aqui apresentada, não são alentadores. Essa ideia é reforçada por outros autores, como pode ser visto no trabalho de Oliveira, Vianna e Gerbassi [57][57] F.F. Oliveira, D.M. Vianna e R.S. Gerbassi, Ver. Bras. Ens. Fís 29, 447 (2007). que ressaltam a importância de uma atualização curricular vinculada a preocupação com a formação inicial e continuada de professores.

Não basta introduzir novos assuntos que proporcionem análise e estudos de problemas mais atuais se não houver uma preparação adequada dos alunos das licenciaturas para esta mudança e se o profissional em exercício não tiver a oportunidade de se atualizar. “Os professores precisam ser os atores principais no processo de mudança curricular, pois serão eles que as implementarão na sua prática pedagógica” [57[57] F.F. Oliveira, D.M. Vianna e R.S. Gerbassi, Ver. Bras. Ens. Fís 29, 447 (2007)., p.448].

4. Conclusões e Contributos ao Ensino de MQ

As questões da licenciatura em Física das edições do ENADE foram analisadas na perspectiva da TBR, procurando-se compreender os aspectos da cognição (domínios do conhecimento e os processos cognitivos) envolvidos em cada uma das questões propostas acerca dos conceitos da MQ. Ou seja, procura-se entender “o que” se explora em uma questão e “como” devem ser mobilizados os aspectos da cognição dos estudantes em sua resolução. Em virtude da interpretação dos resultados, temos que:

  • A maior parte das questões, no universo das cinco edições do ENADE que incluem conteúdos da MQ, encontra-se na dimensão do conhecimento Conceitual sendo as categorias cognitivas lembrar e entender as mais exigidas.

  • Embora as questões analisadas possam ser incluídas nas categorias cognitivas mais baixas, segundo a TBR, o nível de acertos dos licenciandos deixa muito a desejar, sendo também baixos os obtidos pelos estudantes de curso de bacharelado nas questões analisadas que são aplicadas tanto para licenciados como para bacharéis.

  • No que tange aos conteúdos da MQ, a análise mostra que tem sido exigido dos discentes, sem muita profundidade, conceitos mais básicos concernentes da velha MQ (radiação do corpo negro, modelo atômico e efeito fotoelétrico) e, ainda que a avaliação seja limitada, os discentes apresentam resultados ruins. Neste sentido, as provas parecem não estar de acordo com a literatura nacional e internacional que defendem a inserção de conceitos que evidenciem a apropriação de uma fenomenologia quântica [2[2] Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018)., 17[17] I.M. Greca e O. Freire Jr., em: Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais (EDUEPB, Campina Grande, 2009)., 49[49] I.M. Greca e V.E. Herscovitz, Enseñanza de las Ciencias 20, 327 (2002). [50] F. Ostermann e T.F. Ricci, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 22, 9 (2005). [51] R.A. Carvalho Neto, Aspecto Preditivo da Mecânica Clássica e da Mecânica Quântica: Uma Proposta Teórico-Metodológica para Alunos do Ensino Médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador (2006).-52[52] R.A. Carvalho Neto, O. Freire Jr. e J.L. Silva, Investigação em Ensino de Ciências 3, 75 (2008).].

Finalmente, à guisa de conclusão, a ótica de análise adotada nesta pesquisa gera uma compreensão do que se tem requerido dos discentes no ENADE. Além disso, elucidou-se problemas na formação destes futuros professores, com consequências deletérias para o ensino médio, no que tange ao ensino de MQ. Em decorrência da análise e conclusões apresentadas listamos um conjunto de ações que podem ser desenvolvidas na busca por melhorias:

  • Talvez, mais importante que o conceito final, o exame deva ser compreendido como um componente do qual se podem acentuar alterações necessárias ao percurso formativo do projeto pedagógico de curso (PPC) – possivelmente partindo dos resultados insatisfatórios para investir em melhorias

  • É interessante que se inclua no currículo tópicos da MQ propriamente dita. O ideal é que um licenciado em Física tenha um conhecimento dos fundamentos da MQ, não se limitando à resolução de exercícios algébricos ou apenas informações memorizadas. Para que enquanto professores, em sua prática docente, estes tenham segurança para apresentar os fenômenos e suas decorrentes aplicações tecnológicas.

  • Se faz necessário romper a barreira do formalismo matemático através do desenvolvimento de estratégias que venham privilegiar a formação de conceitos e a relação epistemológica, findando o descompasso entre a compreensão teórica da MQ e discussões de aplicações que quase nunca ou nunca estão presentes em sala de aula.

  • Investir em propostas de ensino que incluam as dimensões conceitual, procedimental e metacognitiva e que explorem os fenômenos quânticos em todos os níveis cognitivos tendo atenção para os processos de aprendizagem. Os professores podem planejar suas aulas e avaliações de aprendizagem adequadas a TBR predefinido o que se espera dos discentes. Ao fazer isso, o discente poderá ter uma assimilação mais clara do que está estudando e o educador terá um método avaliativo menos ambíguo.

Salientamos que, esse conjunto de ações são inferidas para além do ENADE, pois devido o cenário observado, o incentivo a pesquisas que elucidem tais problemas é necessário. Se por um lado, a MQ é considerada conteúdo relevante para a formação dos futuros professores e fundamento teórico de muitas áreas da alta tecnologia moderna relevantes para a sociedade, por outro precisamos refletir em como obter melhores rendimentos do processo de ensino e aprendizagem.

5. Material Suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Apêndice Discussão complementar do conhecimento cognitivo Avaliar
  • 1
    Exame brasileiro que avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação. Tomaremos como base as edições que avaliaram a licenciatura em Física nos anos de 2005, 2008, 2011, 2014 e 2017.
  • 2
    Terminologia popular adotada para substituir a abreviação oficial “ENC” (Exame Nacional de Cursos), sistema de avaliação do ensino Superior implementado na metade da década de 90. O processo teve início em 1995 com a Lei 9.131 (BRASIL, 1995), que estabeleceu o exame a ser aplicado a todos os estudantes concluintes de campos de conhecimento pré-definidos.
  • 3
    INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, ENADE. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/provas-e-gabaritos3 [Acesso em 06 dez. 2018].

Referências

  • [1]
    I.M. Greca e O. Freire, in: International Handbook of Research in History, Philosophy and Science Teaching, edited by M.R. Matthews (Springer Netherlands, Heidelbergm 2014), v. 1, p. 183.
  • [2]
    Y. Cuesta, Tecné, Episteme y Didaxis 44, 147 (2018).
  • [3]
    E.A. Terrazzan, Perspectivas para a inserção da física moderna na escola média Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (1994).
  • [4]
    F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5, 23 (2000).
  • [5]
    A.P. Pereira e F. Ostermann, Investigações em Ensino de Ciências 14, 393 (2009).
  • [6]
    L.C. Mcdermott e E.F. Redish, Am J Phys 67, 755 (1999).
  • [7]
    I. Greca e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 6, 29 (2009).
  • [8]
    D.A. Muller, Designing effective multimedia for physics education Doctoral Thesis, University of Sydney, Sydney (2008).
  • [9]
    T. Kallio-Tamminen, Quantum metaphysics. The role of human beings within the paradigms of classical and quantum physics. Doctoral Thesis, University of Helsinki, Helsinki (2004).
  • [10]
    T. Lobato e I.M. Greca, Ciência & Educação 11, 119 (2005).
  • [11]
    E.F. Mortimer, Sci. Educ. 4, 267 (1995).
  • [12]
    M.T.H. Chi, in: Handbook of Research on Conceptual Change, edited by S. Vosniadou (Routledge, London, 2008), p. 61.
  • [13]
    I.D. Johnston, K. Crawford e P.R. Fletcher, Int. J. Sci. Educ. 20, 427 (1998).
  • [14]
    E. Cataloglu e R.W. Robinett, Am. J. Phys. 70, 238 (2002).
  • [15]
    M.A. Monteiro e R. Nardi, em Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC, Florianópolis, 2007).
  • [16]
    A. Kohnle, I. Bozhinova, D. Browne, M. Everitt, A. Fomins, P. Kok e H. Kragh, Sci & Educ 1, 349 (1992).
  • [17]
    I.M. Greca e O. Freire Jr., em: Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais (EDUEPB, Campina Grande, 2009).
  • [18]
    N. Didiş, A. Eryilmaz e S. Erkoç, Science & Technology Education 6, 227 (2010).
  • [19]
    G. Pospiech e M. Schöne, Springer Proceedings in Physics 145, 407 (2014).
  • [20]
    M.F. Rezende Jr e F.F.S. Cruz, Ciência & Educação 15, 305 (2009).
  • [21]
    R.S. Souza, I.L. Silva e E.S. Teixeira, em: Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (Sociedade Brasileira de Física, Campos do Jordão, 2018).
  • [22]
    BRASIL. Parecer CNE/CES 1304/2001, de 03 de abril de 2001. Brasília, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1304.pdf
    » http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1304.pdf
  • [23]
    BRASIL. Parecer CNE/CP 2/2015, de 9 de junho de 2015. Brasília, 2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file
    » http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file
  • [24]
    Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias, disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf
    » http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf
  • [25]
    Ministério da Educação, PCN + Ensino Médio Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf
    » http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf
  • [26]
    BRASIL, Base Nacional Comum Curricular. Ensino Médio, disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf Acessado em 04/0402018.
    » http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf
  • [27]
    M.O. Biazus e C.T.W. Rosa, Experiências em Ensino de Ciências 11, 159 (2016).
  • [28]
    L.W. Anderson, A taxonomy for learning, teaching and assessing: a revision of Bloom's Taxonomy of Educational Objectives (Addison Wesley Longman, Nova York, 2001).
  • [29]
    BRASIL. Lei n° 10.861, 14 de abril 2004. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.861.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.861.htm
  • [30]
    M.M. Polidori, C.M. Marinho-Araujo e G. Barreyro, Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação 14, 425 (2006).
  • [31]
    G.B. Barreyro, Avaliação 13, 863 (2008).
  • [32]
    T.H.A. Francisco, M.K. Nakayama, I.R. Souza e J.C.F. Zilli, in ANAIS. Encontro Nacional dos Cursos de Graduação em Administração – Administração e Sustentabilidade (ABMES, Foz do Iguaçu, 2015).
  • [33]
    M.M. Polidori, Avaliação 14, 267 (2009).
  • [34]
    H.R. Bittencourt, L. Viali, A.C.M. Rodrigues e A.O. Casartelli, Avaliação 15, 147 (2010).
  • [35]
    J. Dias Sobrinho, Avaliação 15, 195 (2010).
  • [36]
    G.B. Barreyro e J.C. Rothen, Avaliação 13, 131 (2008).
  • [37]
    J.C. Rothen e G.B. Barreyro, Educ. Soc. 32, 21 (2011).
  • [38]
    C. Hoffmann, Educação e Pesquisa 40, 651 (2014).
  • [39]
    http://www.oecd.org/brazil/rethinking-quality-assurance-for-higher-education-in-brazil-9789264309050-en.htm, acessado em 23/02/2019.
    » http://www.oecd.org/brazil/rethinking-quality-assurance-for-higher-education-in-brazil-9789264309050-en.htm
  • [40]
    H.R. Bittencourt, A.O. Casartelli e A.C.M. Rodrigues, Gestão & Produção 14, 667 (2009).
  • [41]
    J.F. Lavor, Qualidade da gestão acadêmica e a docência em cursos de graduação: validando relações com o Conceito Preliminar de Curso (CPC). Tese de Doutorado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (2014).
  • [42]
    B.S. Bloom, Taxonomy of Educational Objectives: The classification of Educational Goals (Longmans, New York,1956).
  • [43]
    C. Antunes, A avaliação da aprendizagem escolar (Vozes, Petrópolis, 2012), 4ª ed.
  • [44]
    A.P.C.M. Ferraz e R.V. Belhot, Gestão & Produção 17, 421 (2010).
  • [45]
    P.R. Pintrich, Theory Into Practice 41, 219 (2002).
  • [46]
    J.W. Creswell, Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (Artmed, Porto Alegre, 2007).
  • [47]
    R.A. Dal-Farra e P.T.C. Lopes, Nuances: estudos sobre Educação 24, 67 (2013).
  • [48]
    L. Bardin, Análise de conteúdo (Edições 70, São Paulo 2011).
  • [49]
    I.M. Greca e V.E. Herscovitz, Enseñanza de las Ciencias 20, 327 (2002).
  • [50]
    F. Ostermann e T.F. Ricci, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 22, 9 (2005).
  • [51]
    R.A. Carvalho Neto, Aspecto Preditivo da Mecânica Clássica e da Mecânica Quântica: Uma Proposta Teórico-Metodológica para Alunos do Ensino Médio Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador (2006).
  • [52]
    R.A. Carvalho Neto, O. Freire Jr. e J.L. Silva, Investigação em Ensino de Ciências 3, 75 (2008).
  • [53]
    H. FIschler e M. Lichtfeldt, in: Research in Physics Learning: Theoretical Issues and Empirical Studies (University of Bremen, Bremen, 1991), p. 240.
  • [54]
    H. Fischler e M. Lichtfeldt, International Journal of Science Education 14, 181 (1992).
  • [55]
    I.M. Greca, Construindo significados em mecânica quântica: resultados de uma proposta didática aplicada a estudantes de física geral Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (2000).
  • [56]
    D.I. Machado e R. Nardi, em IV Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC, Bauru, 2003).
  • [57]
    F.F. Oliveira, D.M. Vianna e R.S. Gerbassi, Ver. Bras. Ens. Fís 29, 447 (2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2019
  • Revisado
    21 Ago 2019
  • Aceito
    10 Set 2019
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br