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Construção de uma Maquete do Sistema Solar com Controle de Temperatura para Alunos com Deficiência Visual

Construction of a Model of the Solar System with Temperature Control for Visually Impaired Students

Resumo

Neste trabalho, apresentamos um estudo realizado para o desenvolvimento de um conjunto didático baseado no uso do tato e de elementos com controle térmico para o ensino de Astronomia. A proposta surgiu diante das dificuldades encontradas na busca de experimentos capazes de apresentar, da melhor forma, conceitos envolvidos no ensino de Astronomia para pessoas com deficiência visual. O equipamento consiste no uso de uma maquete com hemisférios dotados de pastilhas de Peltier para simulação de escala de temperatura de planetas do Sistema Solar. A pesquisa baseou-se no uso de materiais acessíveis e de baixo custo. Todos os materiais utilizados e a montagem do equipamento são descritas neste trabalho, desde o projeto até a aplicação do produto final para os estudantes. Esse experimento fez parte de um conjunto de equipamentos pedagógicos apresentados em uma mostra científica para pessoas com deficiência visual durante a 15a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, na cidade de Juazeiro do Norte, no estado do Ceará.

Palavras-chave:
Astronomia; Física; Ensino; Deficiência Visual

Abstract

In this work, we present a study carried out to develop a didactic kit based on the use of touch and thermal receivers for the teaching of Astronomy. The proposal arose in the face of the difficulties encountered in the search for experiments capable of presenting the best concepts involved in the teaching of Astronomy for visually impaired people. The equipment consists of the use of a model with hemispheres with Peltier pellets for simulation of temperature scale of planets of the Solar System. The research was based on the use of accessible and low-cost materials. All the materials used and the assembly of the equipment are described in this work, since the design until the application of the final product for students. This experiment was part of a set of pedagogical equipment presented at a scientific exhibition for the visually impaired during the 15a National Science and Technology Week in the city of Juazeiro do Norte in the State of Ceará.

Keywords:
Astronomy; Physics; Teaching; visually impaired

1. Introdução

A intenção em pesquisar novas abordagens para o ensino de Astronomia surgiu com base no exercício da docência para alunos com deficiência visual no campus Juazeiro do Norte do Instituto Federal do Ceará. A Instituição dispõe de um laboratório de Física bem equipado e um Núcleo de Astronomia responsável por ações de divulgação de popularização da ciência para a comunidade local. Além disso, também possui um Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE), o qual atua na inclusão de alunos e servidores com necessidades específicas no cotidiano escolar da Instituição. A boa estrutura física disponível aos docentes e a presença do núcleo de apoio não são suficientes para transmitir a abordagem dos conceitos teóricos de Física e de Astronomia para alunos com deficiência visual, exigindo do professor a adoção de técnicas inovadoras em sala de aula. O uso do braile constitui um importante meio para transmissão de conceitos baseados na leitura, no entanto é limitado quando se deseja apresentar percepções normalmente expostas sob o ponto de vista visual, tais como: a noção de espaço, de tamanho e de temperatura. Diante das dificuldades encontradas para abordar temas em que a visão é o meio usual para transferência dos conceitos em estudo, pensamos em desenvolver mecanismos capazes de apresentar uma abordagem alternativa às aulas com quadro branco e multimídia.

Escolhemos a Astronomia como cenário para nosso estudo por ser a ciência na qual a abordagem dos conceitos aos estudantes é essencialmente visual, sendo no campo teórico ou na realização de aulas práticas, que frequentemente são realizadas com o auxílio de telescópios ópticos. O uso de modelos em escala constitui um importante método para apresentar noções de tamanhos de planetas e distâncias no Sistema Solar e no Universo. A aplicação de texturas pode ser um excelente meio para apresentar a distribuição de estrelas em galáxias e aglomerados [1][1] B. Weferling, Astronomy Education Review 5, 102 (2007).. Considerando escalas de distâncias menores, os autores do trabalho na referência [2][2] B. Beck-Winchatz e S.J. Ostro, Astronomy Education Review 2, 118 (2003). propõem o uso de modelos em duas e três dimensões visando apresentar representações de asteroides descobertos recentemente próximos da Terra.

Palestras interativas, softwares com conteúdo de astronomia, modelos táteis para a representação de constelações e diagramas são exemplos exitosos nessa prática de ensino [3[3] G.M. Isidro e C.A. Pantoja, Communicating Astronomy with the Public Journal 15, 5 (2014). [4] C.L. Carvalho e H.A. Aquino, Communicating Astronomy with the Public Journal 17, 36 (2015).5[5] J. Ferguson, Communicating Astronomy with the Public Journal 20, 35 (2016).]. A sensação térmica também pode ser utilizada para, por exemplo, explicar fenômenos como a formação das manchas solares [6][6] S. Kraus, Communicating Astronomy with the Public Journal 21, 36 (2016)..

Nesse cenário, a construção de kits didáticos, bem como a possibilidade de inovação nas abordagens pedagógicas envolvendo experimentos, torna-se inviável e desestimulante devido ao custo, à complexidade e à baixa disponibilidade dos materiais utilizados para montagem. Se pensarmos em escolas localizadas em cidades distantes dos grandes centros e capitais, esse fato torna-se ainda mais agravante. Partindo dessa realidade, a proposta de construção da ferramenta didática apresentada neste trabalho foi planejada a partir da aplicação de materiais e equipamentos de baixo custo e na boa disponibilidade no comércio, como também feito por outros autores [7[7] C.R. Kitchin, Astrophysical Techniques (CRC PRESS, Flórida, 2013), 6ª ed. [8] T.P. Dominici, E. Oliveira, V. Sarraf e F. Del Guerra, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 4501 (2008). [9] J.B. Lima Filho, M.L. Silva, H.P. Madureira e R.M. Ibiapina, Revista Brasileira de Ensino Física 39, e3504 (2017).10[10] J. Beattie, L. Jordan e B. Algozzine, Making inclusion work: Effective practices for all teachers (Corwin Press, Thousand Oaks, 2006).]. Todos os materiais utilizados para montagem da parte estética do equipamento, tais como as esferas ilustrando planetas, a base para montagem e as texturas, foram adquiridos em papelarias e lojas de artesanato. Os insumos eletrônicos utilizados também foram comprados em lojas na cidade de Juazeiro do Norte, município do interior do Ceará.

O presente estudo teve início, no ano de 2018, quando o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançaram a CHAMADA CNPq/MCTIC-SEPED No 14/2018 para seleção de propostas e projetos de eventos para divulgação e popularização da ciência a serem realizados durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT 2018). O tema escolhido para a SNCT 2018 foi “Ciência para a Redução das Desigualdades”, de acordo com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1 1 http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods estipulados pelas Nações Unidas. Diante da oportunidade de captação de recursos do referido edital, foi então concebida a proposta de realização de uma mostra científica com foco nas pessoas com deficiência visual em que, mediante um conjunto de experimentos, os participantes pudessem interagir tolhidos da visão por meio de vendas.

O objetivo deste trabalho é apresentar o processo de criação de uma maquete com temperatura controlada, mostrando a diferença de temperaturas dos planetas do Sistema Solar e as distâncias relativas ao Sol para alunos com deficiência visual.

Essa demanda surgiu devido à necessidade de recursos didáticos extras para auxiliar a uma discente da 1ª série do Ensino Médio, do IFCE campus Juazeiro do Norte, durante as aulas de Gravitação. Essa mesma aluna participou ativamente no processo de elaboração e execução desse projeto.

Este trabalho é organizado na seguinte sequência: no capítulo 2, apresentamos uma breve revisão a respeito do efeito Peltier; no capítulo seguinte, detalhamos o esquema de montagem da eletrônica e da parte estética do experimento; no capítulo 4, apresentamos nossas considerações finais e perspectivas.

2. Efeito Peltier

Observado em 1834 pelo físico francês Jean Charles Athanase Peltier, o chamado efeito Peltier consiste na produção de um gradiente de temperatura em uma junção metálica (conhecido como termopar) de diferentes materiais, quando esses são submetidos a uma diferença de potencial. Esse fenômeno também é conhecido como o inverso do efeito de Seebeck, descoberto 13 anos antes, que descreve a produção de energia elétrica por meio de calor. Na verdade, os efeitos de Seebeck e Peltier são diferentes manifestações do mesmo processo físico [11[11] H. J. Goldsmid, Introduction to thermoelectricity (Springer, Heidelberg, 2006)., 12[12] G. Patterson e M. Sobral, Efecto Peltier, disponível em http://materias.df.uba.ar/labo4aa2014c1/files/2012/07/Efecto-Peltier.pdf.
http://materias.df.uba.ar/labo4aa2014c1/...
].

Uma das aplicações industriais é a pastilha Peltier, que consiste em duas placas paralelas e isolantes, geralmente cerâmicas, em que no seu interior existem junções de semicondutores do tipo "n" e "p" conectados em uma matriz em que os pares possuem conexão elétrica em série e conexão térmica em paralelo. Sendo assim, quando uma corrente flui pelo sistema, ela ocasiona uma diferença de temperatura, fazendo com que haja a absorção de calor de um lado das placas e dissipação pelo outro lado. Um esquema simplificado é mostrado na Fig. 1.

Figura 1
Esquema de funcionamento de uma pastilha Peltier.

O efeito Joule talvez seja a mais conhecida interação entre um fenômeno elétrico e um fenômeno térmico associado, sendo dado por,

(1) Q = t 1 t 2 R I 2 d t

onde Q é a energia calorífica produzida devido à passagem da corrente; R a resistência elétrica do condutor e I a intensidade da corrente elétrica que percorre o condutor no intervalo de tempo de t1 a t2. Quando a corrente é constante, a equação (1) se resume a

(2) Q = R I 2 t

Para o efeito Peltier, a energia dissipada ou absorvida Qp também é proporcional à corrente elétrica [12][12] G. Patterson e M. Sobral, Efecto Peltier, disponível em http://materias.df.uba.ar/labo4aa2014c1/files/2012/07/Efecto-Peltier.pdf.
http://materias.df.uba.ar/labo4aa2014c1/...
:

(3) Q p = I α Δ T

ou simplesmente,

(4) Q p = π Δ T

sendo π=Iα o coeficiente de Peltier; ΔT a diferença de temperatura entre o lado quente e o lado frio e α o coeficiente de Seebeck. Dessa forma, quando se conecta um elemento do tipo Peltier a uma fonte de alimentação por Corrente Contínua (CC), a potência absorvida Pa é decorrente do efeito Joule e do efeito Peltier, como representado a seguir

(5) P a = R I 2 t + I α Δ T

3. Montagem Experimental

Para a montagem do projeto, optou-se pela utilização de materiais de fácil acesso e manuseio, pois, assim, um maior número de pessoas poderá replicá-lo. Os materiais adotados foram:

  • 2 folhas de isopor de dimensões 70 × 50 ×3 cm;

  • 4 bolas ocas de isopor com diâmetros de 5.0, 7.5, 20 e 25 cm;

  • 2 bolas ocas de isopor com diâmetro de 15 cm;

  • 2 bolas ocas de isopor com diâmetro de 10 cm;

  • 7 pastilhas termoelétricas Peltier TEC1-12706, 40 × 40 mm;

  • 5 coolers 12 V DC + dissipadores de calor;

  • 1 fonte 12 V 6 A;

  • 1 folha de EVA;

  • Pasta térmica;

  • Fios e conectores;

  • Tinta Guache (branco, preto, verde, azul, amarelo e vermelho);

  • Cola de isopor, cola quente, algodão e folha de acetato transparente.

A base da maquete foi feita juntando as folhas de isopor, totalizando uma área útil de 140 × 50 cm2. As bolas foram utilizadas na representação dos planetas, as quais foram divididas ao meio e fixadas com cola de isopor sobre a base, de forma alinhada e igualmente espaçadas, para facilitar a percepção por meio do tato.

Por não haver um grande espectro de diâmetros de bolinhas de isopor nas papelarias e para tentar retratar que existem planetas com tamanhos aproximados, optou-se por usar os hemisférios das bolas de 10 cm de diâmetro para representarem a Terra e Vênus, bem como também foram adotados os hemisférios das bolas de 15 cm de diâmetro para os planetas Urano e Netuno. Os hemisférios de 5.0, 7.5, 20 e 25 cm foram escolhidos para a ilustração de Mercúrio, Marte, Saturno e Júpiter, respectivamente.

Para servir como referencial, um arco de circunferência foi feito com a folha de EVA e colado na maquete para representar a posição do Sol. Optou-se por esse material diferente para não confundi-lo com o dos planetas.

Após a montagem estrutural do experimento, a pintura e a secagem, colou-se legendas em braille, feitas em folha de acetato transparente (Fig. 2), indicando os respectivos planetas. A escolha por essa folha se deu pela sua alta durabilidade, quando comparada com outros tipos de materiais como o papel ou a cartolina, por exemplo.

Figura 2
Legenda do planeta Netuno feita em papel acetato transparente. Esse material é indicado por possuir boas propriedades mecânicas, fazendo com que a impressão não se desfaça com facilidade.

Para diferenciar os planetas gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) dos demais, colou-se sobre eles pequenos pedaços de algodão para proporcionar uma textura diferente. A Fig. 3 apresenta a montagem da maquete do Sistema Solar.

Figura 3
Maquete do Sistema Solar. Os hemisférios devem estar alinhados para que os alunos possam facilmente localizá-los durante o manuseio. Apresentação da maquete no Centenário do Eclipse de Sobral, em maio de 2019.

Uma abertura na parte superior dos hemisférios de isopor foi feita, com dimensão de 4 × 4 cm, para a fixação das pastilhas termoelétricas (Fig. 4). Essas, por sua vez, são as responsáveis pelo controle de temperatura do experimento. Os fios existentes foram escondidos na parte interna das bolas de isopor. Para melhorar a vedação, esse procedimento foi feito com cola quente.

Figura 4
Ao lado esquerdo da figura apresentamos o procedimento para fixação da pastilha de Peltier. Os fios devem ficar na parte interna do hemisfério de isopor. Para melhorar a aderência, foi aplicada uma fina camada de cola quente nas bordas da pastilha. No lado direito da figura, mostramos detalhes do sistema de dissipação de calor adotado.

3.1. Controle de temperatura

A percepção da temperatura é feita ao tocar a pastilha que fica na parte superior de cada planeta, conforme apresentado no esquema da Fig. 5. Para efeito didático, buscou-se fazer uma escala linear do aumento de temperatura à medida que se aproxima do Sol. Por esse motivo, a Peltier do planeta Terra deve ser desligada para representar a temperatura ambiente. Um cuidado especial foi tido ao representar as temperaturas de Mercúrio e de Vênus, uma vez que a temperatura deste é maior do que a daquele, embora Mercúrio seja o planeta mais próximo ao Sol. Esse ponto é importante, pois ele abre espaço para explicar as consequências do efeito estufa gerado pela pesada atmosfera de dióxido de carbono.

Figura 5
Modelo de representação do Sistema Solar com controle de temperatura. A Peltier promoverá a sensação de que os planetas mais próximos ao Sol estejam mais aquecidos e que os mais afastados estejam mais gelados. Um cuidado especial deve se ter em relação à temperatura de Mercúrio, pois, embora ele esteja mais próximo do Sol, possui temperatura média inferior à de Vênus. Além disso, no canto inferior direito da maquete, foi criada uma representação, em escala reduzida, das distâncias dos planetas ao Sol.

Para mostrar a distância média dos planetas ao Sol, foi criada, ainda na maquete da Fig. 5, pequenas marcações em formato esférico, com cola de relevo 3D, para representarem a posição dos planetas do Sistema Solar. A Tab. 1 mostra a distância de cada uma delas ao ponto de referência (Sol). Adotou-se que cada unidade astronômica correspondia a 1 cm. Como a espessura das marcações era da ordem de mm, foi necessário fazer alguns arredondamentos.

Tabela 1
Distâncias adotadas para a representação em escala reduzida das distâncias médias dos planetas ao Sol.

3.1.1. Controle de temperatura por arduino

O controle de temperatura da pastilha Peltier pode ser facilmente implementado utilizando Arduino (que é uma plataforma de prototipagem eletrônica) ou simplesmente com um microcontrolador, por meio da técnica de PWM (Pulse Width Modulation), em que uma onda quadrada é criada, alternando, assim, o sinal entre ligado e desligado. A duração do ”on-time” é chamada de largura do pulso.

Um circuito simplificado para apenas uma pastilha é mostrado na Fig. 6. A largura do pulso é modulada pelo potenciômetro de 1 kΩ. Para essa situação, foi utilizada uma fonte de 12 V e 6 A. Dependendo da corrente desejada, também é aconselhável fazer uso de um Mosfet canal N2 2 Tipo mais comum de transístores de efeito de campo, vastamente utilizado em circuitos PWM. e um resistor de 10 kΩ.

Figura 6
Circuito para controle de temperatura da Peltier utilizando PWM. Foi utilizado um Arduino Uno R3, um potenciômetro de 1 kΩ e 5 W fonte de alimentação 12 V 6 A e uma TEC1-12706. Além disso, também é necessário um sistema de dissipação de calor (não mostrado na figura) para a parte quente da pastilha. Para aplicações em que se deseje um maior aquecimento/resfriamento, deve-se substituir o potenciômetro por um de resistência menor.

As portas digitais 3, 5, 6, 9, 10 e 11 do Arduino são destinadas ao PWM. Em nosso exemplo, foi adotada a porta 3 para este fim. O código utilizado para o controle de temperatura das pastilha Peltier é mostrado a seguir:


Para melhorar o desempenho das pastilhas que serão responsáveis pela temperatura dos planetas frios, é necessário acoplar, na parte quente de cada uma delas, o sistema de dissipação de calor formado pelo cooler mais dissipador. Caso contrário, a Peltier entrará em equilíbrio térmico impedindo a percepção do frio. Esse procedimento, entretanto, não é necessário ser feito para as pastilhas que ficarão em Mercúrio e Vênus, uma vez que, para esses casos, a parte quente ficará direcionada para cima, onde os alunos deverão tocar.

3.1.2. Controle de temperatura com resistores de fio

Como deseja-se produzir apenas um efeito didático, as pastilhas não precisam trabalhar em condições extremas, facilitando a montagem do circuito, porque com pouca corrente já se obtém o efeito de aquecimento/resfriamento. Além disso, temperaturas elevadas poderiam causar desconforto ou até danos aos alunos.

A Fig. 7 mostra o esquema do circuito para controle de temperatura. Recomenda-se a utilização de resistores de fio com potência mínima de 5 Watts, que são capazes de realizar o controle de corrente elétrica sem queimar. Similarmente ao caso em que é empregado o Arduino, também é necessária a utilização do sistema de dissipação de calor, com coolers, nas pastilhas que representarão os planetas frios.

Figura 7
Circuito controlador de temperatura. As resistências R1, R2, ... R7 são de 60, 40, 120, 60, 40, 30 e 20 Ω, respectivamente. As pastilhas P1, P2, ... P7 são referentes aos planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Netuno e Urano, respectivamente. Adotou-se uma fonte de 12 V e 6 A. A figura não mostra a conexão dos dissipadores de calor.

A Fig. 8 mostra a temperatura obtida pelas pastilhas em função da corrente aplicada. Para esse ensaio, foi utilizada uma fonte regulável de 12 V e 6 A. A temperatura foi aferida com um termômetro laser digital.

Figura 8
Temperatura da pastilha termoelétrica Peltier TEC1-12706 em função da corrente. Foi adotado uma fonte de 12 Volts nesse ensaio.

4. Avaliação e Considerações Finais

A maquete, juntamente com outros modelos experimentais, foi apresentada em uma mostra de Astronomia durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) 2018, no IFCE campus Juazeiro do Norte. Os experimentos foram apresentados em uma sala completamente escura de modo que os visitantes pudessem ter uma experiência similar àquela das pessoas com deficiência visual. Na Fig. 10, apresentamos o ambiente na ocasião da visitação da comunidade local que prestigiou o evento.

Com o objetivo de avaliar a eficiência da maquete como ferramenta didática, recebemos a visita de um grupo de 11 pessoas pertencentes à Associação de Deficientes Visuais da Cidade do Crato (Fig. 9). A participação foi viabilizada a partir do contato com o presidente da associação, que aceitou nosso convite, reuniu o grupo e organizou o deslocamento até o IFCE, na cidade de Juazeiro do Norte. Os visitantes possuíam variados níveis de deficiência, sendo alguns deles cegos.

Figura 9
Apresentação da maquete, realizada no dia 07/08/2019, para grupo de 11 pessoas integrantes da Associação de Deficientes Visuais da Cidade do Crato.
Figura 10
Mostra científica "Astronomia ao alcance do tato" apresentada durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 2018.

No deslocamento do estacionamento até o local de apresentação, percebemos a necessidade de realizar melhorias na acessibilidade dos ambientes de nossa instituição. Chegando ao Laboratório de Física, realizamos uma breve fala sobre a natureza do projeto, os nossos objetivos e a nossa motivação para a construção da maquete. Tendo em vista os diversos níveis de escolaridade dos visitantes, fizemos uma explanação sobre os conceitos a serem abordados. A seguir, realizamos ciclos, com grupos de 2 pessoas, que manipularam a maquete ao mesmo tempo que receberam uma explicação sobre a disposição dos Planetas do Sistema Solar e suas respectivas temperaturas. Logo em seguida, coletamos depoimentos sobre a disposição do experimento, os conceitos apresentados e as sugestões de melhorias.

Um dos participantes informou que a experiência foi muito proveitosa, pois, para uma pessoa que nunca enxergou, como no caso dele, foi possível entender a noção de localização e distribuição dos planetas no Sistema Solar. Além disso, um conceito bastante citado pelos visitantes foi a respeito da ordem das órbitas dos planetas.

A disposição espacial dos hemisférios representando os planetas em sequência e a escala de distância revelaram-se eficientes para apresentar conceitos sobre a estrutura do Sistema Solar. Segundo relato de um dos participantes, os tópicos ali apresentados,normalmente são tratados como “questões visuais”, porém a manipulação da maquete facilitou o entendimento da ordem e da escala de distância dos planetas, assim como as diferentes temperaturas.

Um dos visitantes, ex-aluno do IFCE, afirmou que o experimento representa um avanço na forma de ensinar, e que o projeto favorece a Inclusão. O estudante relatou as dificuldades encontradas durante o período em que frequentou o Curso Técnico em Agropecuária em nossa instituição, no qual os conceitos eram apresentados somente em fórmulas e figuras.

Recebemos importantes sugestões para implementação de melhorias na maquete. A respeito da localização e exibição das legendas em braile, foi sugerido que, ao iniciar a apresentação, seja perguntado se o participante entende a escrita em braile e, em caso afirmativo, iniciar a explanação baseada na legenda. Também foi solicitado redimensionar e alterar a disposição das legendas adequando proporcionalmente sua organização e tamanho às dimensões da maquete. Com base na legenda, o participante deve ter uma noção espacial da distribuição das partes da maquete e o que representa cada item.

Sobre a organização dos objetos representando o Sistema Solar, foi sugerida a adição de materiais para representar os anéis de Saturno e algumas luas de Júpiter. O mesmo aluno também sugeriu que fosse inserido, no disco que representa o Sol, um mecanismo para diferenciar a localização e temperatura do seu núcleo em relação à parte externa.

A avaliação da ferramenta com a participação de pessoas com deficiência visual representou uma importante etapa para o desenvolvimento do projeto. Com base na interação com o público-alvo da proposta, conseguimos estabelecer melhorias na forma de apresentação do modelo, assim como percebemos a necessidade da adição de novos materiais e mecanismos para diversificar os temas abordados.

É necessário empenhar esforços para desenvolver mecanismos de aprendizagem que contribuam para o ensinamento da Física e da Astronomia para alunos com deficiência visual, de tal maneira que eles também possam, por meio do tato, contemplar a beleza do Universo. Quando o filósofo e fotógrafo esloveno Bavcar esteve no Brasil, ensinou conceitos como sombras e horizontes para cegos de nascença. Segundo ele, o teu horizonte é até onde você pode ver. Se você vê com as mãos, logo o teu horizonte é até onde você pode tocar [13][13] V. Garcia, Fotógrafo cego Evgen Bavcar: A fotografia não é exclusividade de quem pode enxergar, disponível em https://www.deficienteciente.com.br/evgen-bavcar-o-fotografo-cego.html, acesso em 21/08/2019.
https://www.deficienteciente.com.br/evge...
.

Como perspectivas,iremos aplicar as novas diretrizes para apresentação e montagem do modelo conforme as sugestões coletadas na avaliação. Também objetivamos implementar um conjunto de experimentos baseados na experiência do uso do tato para apresentar os conceitos envolvidos em Astronomia, tais como distância, peso, curvatura do espaço-tempo, assim como a estrutura do Sistema Solar e das galáxias.

Essa maquete pode ser replicada com facilidade e demonstrou ser um bom recurso didático, capaz de transmitir conceitos relevantes sobre o nosso Sistema Solar e temas transversais ao assunto.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará pelo apoio financeiro. Os autores também agradecem aos revisores da Revista Brasileira de Ensino de Física pelas valorosas críticas e sugestões.

  • 1
    http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods
  • 2
    Tipo mais comum de transístores de efeito de campo, vastamente utilizado em circuitos PWM.

Referências

  • [1]
    B. Weferling, Astronomy Education Review 5, 102 (2007).
  • [2]
    B. Beck-Winchatz e S.J. Ostro, Astronomy Education Review 2, 118 (2003).
  • [3]
    G.M. Isidro e C.A. Pantoja, Communicating Astronomy with the Public Journal 15, 5 (2014).
  • [4]
    C.L. Carvalho e H.A. Aquino, Communicating Astronomy with the Public Journal 17, 36 (2015).
  • [5]
    J. Ferguson, Communicating Astronomy with the Public Journal 20, 35 (2016).
  • [6]
    S. Kraus, Communicating Astronomy with the Public Journal 21, 36 (2016).
  • [7]
    C.R. Kitchin, Astrophysical Techniques (CRC PRESS, Flórida, 2013), 6ª ed.
  • [8]
    T.P. Dominici, E. Oliveira, V. Sarraf e F. Del Guerra, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 4501 (2008).
  • [9]
    J.B. Lima Filho, M.L. Silva, H.P. Madureira e R.M. Ibiapina, Revista Brasileira de Ensino Física 39, e3504 (2017).
  • [10]
    J. Beattie, L. Jordan e B. Algozzine, Making inclusion work: Effective practices for all teachers (Corwin Press, Thousand Oaks, 2006).
  • [11]
    H. J. Goldsmid, Introduction to thermoelectricity (Springer, Heidelberg, 2006).
  • [12]
    G. Patterson e M. Sobral, Efecto Peltier, disponível em http://materias.df.uba.ar/labo4aa2014c1/files/2012/07/Efecto-Peltier.pdf
    » http://materias.df.uba.ar/labo4aa2014c1/files/2012/07/Efecto-Peltier.pdf
  • [13]
    V. Garcia, Fotógrafo cego Evgen Bavcar: A fotografia não é exclusividade de quem pode enxergar, disponível em https://www.deficienteciente.com.br/evgen-bavcar-o-fotografo-cego.html, acesso em 21/08/2019.
    » https://www.deficienteciente.com.br/evgen-bavcar-o-fotografo-cego.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2019
  • Revisado
    22 Ago 2019
  • Aceito
    10 Set 2019
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