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Compliance fiscal e regulação fiscal cooperativa

Tax compliance and cooperative tax regulation

Resumo

A partir da análise crítica do contexto atual e da utilização do método dedutivo fundado em pesquisa bibliográfica, objetiva-se, neste artigo, trazer à discussão algumas deficiências da política fiscal adotada e também a necessidade de mudanças no sistema tributário, com enfoque para as possibilidades advindas da atuação estatal reguladora e modeladora de comportamentos. O desafio do aumento do índice de compliance como uma política fiscal é abordado em suas diversas nuances, destacando-se as sugestões propostas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o propósito de aprimorar o resultado positivo das administrações tributárias, além de elementos de boa governança corporativa, como a transparência e a informação. Também é analisada a insuficiência da atuação exclusivamente punitiva do Estado em caso de incumprimento (noncompliance) e são mencionados os benefícios oriundos de uma política de incentivo ao comportamento em conformidade com as regras tributárias (compliance fiscal). Por fim, o modelo de regulação fiscal cooperativa é trazido à discussão não como uma proposta acabada, mas sim para possibilitar o início do debate acerca da reconstrução estrutural do sistema tributário, sabidamente, elemento imprescindível no campo econômico e essencial para o desenvolvimento do país.

Compliance fiscal; regulação fiscal cooperativa; Estado regulador; política fiscal; boa governança corporativa

Abstract

From the critical analysis of the current context and from the use of the deductive method founded on bibliographical research, the goal of this article is to bring to discussion some deficiencies of the tax policy. At the same time is analysed the need for changes in the tax system, focusing on the possibilities arising from State regulatory actions and behavior shaping. The challenge of increasing the rate of taxpayers compliance behavior as a fiscal policy is discussed in its many aspects, especially the suggestions proposed by the Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) with the purpose of enhancing the positive outcome of the tax administrations, in addition to elements of good corporate governance, such as transparency and information. It is also addressed the ineffectiveness of the only application of sanction in the event of non-compliance and benefits from a policy of encouraging behaviour in accordance with the tax rules (compliance). Finally, the cooperative tax regulation model is brought to discussion in order to allow the debate about the structural reconstruction of the tax system, known to be an important element in the economic field and essential for the development of the country.

Tax compliance; cooperative tax regulation; regulatory State; tax policy; good corporate governance

INTRODUÇÃO

Busca-se, a partir da análise crítica do modelo atual e da utilização do método dedutivo fundado em pesquisa bibliográfica, abordar a temática da política fiscal, tendo como enfoque o desafio de incremento do índice de compliance. A regulação fiscal cooperativa é apresentada como uma possibilidade e um modelo a ser discutido, no debate mais amplo de reconstrução do sistema tributário.

Sabe-se que as receitas tributárias são indispensáveis para o custeio das atividades do Estado, seja por meio da prestação direta de serviços públicos, seja mediante a atuação reguladora, cada vez mais presente no modelo de Estado atual. Tem-se ainda como meta das administrações tributárias, em geral, a maior eficiência da política fiscal como um todo, não apenas sob o viés arrecadatório, mas também sob a perspectiva da extrafiscalidade e modelação de condutas socialmente desejadas.

Logo no primeiro tópico do texto, aborda-se o comportamento dos contribuintes, analisando-se as suas motivações, com o intuito de melhor compreensão do desafio de identificação de mecanismos para o estímulo do comportamento de compliance, em contraposição à evasão fiscal e ao planejamento fiscal abusivo. Em síntese, a grande questão a ser respondida é como o Estado pode e deve atuar para reduzir o inadimplemento das obrigações fiscais e promover o comportamento de compliance, inclusive por meio da adequada formatação do sistema tributário.

Uma das possibilidades aventadas é a atuação do Estado regulador como incentivador do comportamento socialmente adequado (compliance fiscal) e da boa governança corporativa, mediante a utilização de instrumentos de direito premial (incentivos ou carrots) para a modelação de condutas. Tal perspectiva decorre da constatação de que a exclusiva imposição de punição e sanção (sticks) para todos os comportamentos desviantes, sem distinção, não tem se mostrado suficiente para o incremento do índice de adimplemento voluntário das obrigações fiscais, ideal a ser alcançado.

No tópico seguinte, são ainda abordadas algumas recentes recomendações da OCDE, no âmbito da política fiscal e da atuação das administrações fiscais, com o intuito de ampliar a eficiência dos sistemas tributários. A esse respeito, destacam-se algumas medidas passíveis de serem realizadas pelo Estado como incentivador da compliance fiscal e da boa governança corporativa, com destaque para dois itens principais: transparência e informação.

Na parte final do artigo, o modelo de regulação fiscal cooperativa é apresentado como uma proposta de melhoria para o sistema tributário, tendo como principal objetivo o incremento da eficiência, da equidade e da justiça fiscal, a partir da adoção de algumas medidas de reestruturação da relação existente entre o Fisco e o contribuinte. Um dos pressupostos do modelo de regulação fiscal cooperativa é o estabelecimento de uma relação de cooperação mútua entre a administração tributária e o contribuinte. O aumento do índice de compliance pode surgir como uma consequência dessa relação de confiança, baseada em maior proximidade e diálogo.

Cabe ressaltar, neste momento introdutório, que o objetivo primordial deste artigo é apresentar elementos iniciais para a discussão, sem qualquer pretensão de esgotamento do tema ou do debate.

1. O DESAFIO ATUAL DA POLÍTICA FISCAL: REDUÇÃO DA EVASÃO FISCAL E PROMOÇÃO DO COMPORTAMENTO DE COMPLIANCE

Tem-se como comum preocupação dos governos atuais a contenção e a redução dos índices de inadimplemento das obrigações fiscais, de modo a serem asseguradas a regularidade e a previsibilidade da arrecadação de recursos necessária ao adequado funcionamento do Estado.

Nesse contexto, faz-se imprescindível a elaboração de uma política fiscal capaz de identificar os mecanismos para a promoção efetiva do comportamento da compliance, ou seja, do regular cumprimento da legislação tributária, com o consequente adimplemento das obrigações fiscais.

Um bom sistema impositivo tributário deve ter como um de seus objetivos o de promover o bem-estar econômico, a fim de corrigir as externalidades que surgem quando uma pessoa ou organização não considera os efeitos de seus atos sobre os demais (MIRRLEES, 2013Mirrlees, James. Diseño de un sistema tributario óptimo. Madrid: Editorial Universitária Ramón Areces, 2013., p. 27).

A ideia aqui é demonstrar que o comportamento de noncompliance ou inadimplemento contumaz pode ser tratado como uma “espécie de externalidade1 1 O contribuinte que não cumpre com as obrigações tributárias, não colaborando para o custeio do aparato estatal e das políticas públicas, atua como um verdadeiro free rider, uma vez que internaliza benefícios sem a respectiva contraprestação, que acaba sendo suportada pelos outros contribuintes. do sistema, uma vez que traz graves consequências para terceiros e para a sociedade, em geral, cabendo ao Estado buscar mecanismos para conter e influenciar o contribuinte a modificar sua conduta.2 2 É possível o uso dos tributos para a correção de externalidades e algumas falhas de mercado, denominando--se os tributos, em tais situações, tributos corretivos (corrective taxes), pois ensejam o aumento da arrecadação ao mesmo tempo em que melhoram a eficiência na alocação dos recursos (duplo dividendo) (STIGLITZ, 2000, p. 463). E, para tanto, nesta abordagem inicial, devem ser adequadamente compreendidas as razões e as motivações das condutas dos contribuintes.

Outrora objeto de abordagem quase exclusivamente pelos governos e administrações fiscais, preocupados com a redução do montante arrecadado, o inadimplemento ou descumprimento reiterado das obrigações fiscais também vem sendo atualmente analisado e estudado pelas ciências econômicas. Além do flagrante prejuízo concorrencial ocasionado pela inadimplência, é inegável que o inadimplemento traz também graves consequências econômicas com repercussões sociais importantes.

Sem questionar a influência que a ética e as normas sociais exercem na motivação comportamental do contribuinte, também a análise econômica tem sido relevante para a elaboração de políticas fiscais mais eficazes de estímulo à compliance fiscal.

A tese utilizada pela Escola Law and Economics funda-se na premissa de que o comportamento do contribuinte pode ser visto como o resultado de um cálculo racional, utilizando-se como fatores os custos e benefícios da evasão fiscal e o risco envolvido na prática do ato ilícito, relacionado à expectativa de punição, sob os aspectos tanto da intensidade quanto da probabilidade (FRANZONI, 1998Franzoni, Luigi Alberto. Tax evasion and tax compliance. 1998. Disponível em: http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf. Acesso em: 10 jun. 2016.
http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf...
, p. 53).

Uma distinção importante para a compreensão da repercussão econômica do inadimplemento fiscal está na definição normativa dos tributos devidos e na consequente previsão de arrecadação, que difere do efetivo recolhimento de tributos. Em outras palavras, a previsão legal da incidência tributária não é garantia, como se sabe, da efetiva arrecadação.

Tal distinção possibilita a apuração do tax gap, ou seja, da diferença entre o imposto devido e o efetivamente recolhido, que pode ocorrer em razão de comportamentos diversos dos contribuintes, alguns ilegais3 3 Citam-se como exemplos: o planejamento fiscal abusivo, a sonegação, a fraude, a evasão fiscal, etc. e outros permitidos pelo ordenamento jurídico.4 4 Entre os comportamentos admitidos pelo ordenamento jurídico, faz-se referência à redução do montante tributário devido por meio do planejamento fiscal lícito, bem como da adoção de comportamentos estimulados via extrafiscalidade. Aqui, vê-se a relevância da função extrafiscal dos tributos, mediante a previsão de normas fiscais indutoras de comportamentos, em prol da realização do interesse público nas suas diversas vertentes (exemplificativamente, regulação da sociedade e do mercado, preservação do meio ambiente e da livre-concorrência, etc.). Para melhor compreensão do tema, merece leitura a obra Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, de Luís Eduardo Schoueri (2005). Também é interessante se referir à questão da economia informal, por vezes ausente das estatísticas oficiais e do controle estatal, com repercussões evidentes nos números relacionados à evasão fiscal e, consequentemente, ao tax gap (FRANZONI, 1998Franzoni, Luigi Alberto. Tax evasion and tax compliance. 1998. Disponível em: http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf. Acesso em: 10 jun. 2016.
http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf...
, p. 54).

O comportamento dos contribuintes de cumprimento das obrigações de natureza fiscal é um fenômeno de natureza complexa e multidimensional. Pode ser analisado sob perspectivas distintas, além de ser influenciado por fatores diversos, como: disposição e confiança perante as instituições públicas, a percepção de que o tributo cobrado é justo, a prevalência de normas sociais em dada comunidade e o receio de efetiva punição em caso de descumprimento da obrigação tributária (FRANZONI, 1998Franzoni, Luigi Alberto. Tax evasion and tax compliance. 1998. Disponível em: http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf. Acesso em: 10 jun. 2016.
http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf...
, p. 52-53).

É evidente que se a percepção do contribuinte é a de que o sistema tributário é deveras complexo, ou de que uma parcela expressiva do valor arrecadado ou pago a título de tributos é mal aplicada ou desviada em razão da corrupção, ou mesmo de que o índice de sonegação é alto, vê-se um “estímulo” ao comportamento indesejado, consubstanciado na noncompliance e na evasão fiscal.

Nota-se, pois, que são diversos os elementos que contribuem para a persuasão dos sujeitos passivos da relação tributária ao comportamento de adimplemento ou não da obrigação fiscal, inclusive elementos relacionados à formatação do sistema tributário, à própria postura dos agentes públicos e também dos demais contribuintes.

Aqui surge a questão central deste artigo: propiciar uma discussão crítica acerca do sistema atual, destacando a possibilidade de incremento do comportamento socialmente desejável (compliance fiscal) a partir de medidas de estímulo implantadas pelo Estado. A questão fulcral é descobrir se a proposição de uma nova forma de relacionamento entre a administração fiscal e os contribuintes, mais cooperativo,5 5 Trata-se da “regulação fiscal cooperativa”, que será mais bem explicitada em suas características principais na parte final deste artigo. poderia servir como um estímulo ao comportamento de compliance. Teoricamente, poder-se-ia afirmar que sim, consoante será a seguir demonstrado.

Entre as análises teóricas a respeito do que interfere e determina o comportamento de compliance dos contribuintes, é possível citar os seguintes modelos: (a) intimidação ou dissuasão econômica (economic deterrence models); (b) psicologia social (social psychology models); e (c) psicologia fiscal (fiscal psychology models).

O primeiro modelo caracteriza-se pela concepção de que o comportamento dos contribuintes é influenciado majoritariamente pela racionalidade econômica e incidência de punições e sanções, a partir da análise do custo-benefício e do risco de ser fiscalizado. O modelo de psicologia social, por sua vez, funda-se em elementos diversos que influenciariam o comportamento do contribuinte, com destaque para a própria motivação pessoal do indivíduo, as normas sociais e a equidade. A teoria da psicologia fiscal, por sua vez, apregoa que a cooperação entre a administração fiscal e os contribuintes pode auxiliar no comportamento de compliance, mediante o estabelecimento pelo próprio sistema fiscal dos estímulos adequados, com destaque para os aspectos ético e moral (McKerchar; Evans, 2009McKerchar, Margaret; Evans, Chris. Sustaining growth in developing economics through improved taxpayers compliance: challenges for policy makers and revenue authorities. Paper presented at 21st Australasian Tax Teachers Annual Conference, University of Canterbury, jan. 2009., p. 6-10).

A última teoria mencionada, isto é, a teoria da psicologia fiscal, é a que fundamenta a proposta que será aqui analisada: incremento do índice de compliance a partir do estabelecimento de um sistema fiscal com um viés mais cooperativo entre administração tributária e contribuinte, pautado em confiança e no diálogo mútuo.

Normalmente, o comportamento em conformidade com as normas tributárias (compliance fiscal) implica as seguintes condutas (OECD, 2014ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Measures of tax compliance outcomes: a practical guide. OECD Publishing, 2014. Disponível em: http://www.oecd.org/ ctp/administration measures-of-tax-compliance-outcomes-9789264223233-en.htm. Acesso em: 7 maio 2016.
http://www.oecd.org/ ctp/administration ...
, p. 15): (a) adequada comunicação e declaração do contribuinte acerca da base de cálculo do tributo; (b) correta aferição da responsabilidade tributária; (c) apresentação pontual da declaração referente ao tributo; e (d) pagamento tempestivo do montante devido.

Franzoni (1998Franzoni, Luigi Alberto. Tax evasion and tax compliance. 1998. Disponível em: http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf. Acesso em: 10 jun. 2016.
http://encyclo.findlaw.com/6020book.pdf...
, p. 55) destaca que, quando o sistema permite que os impostos sejam evadidos, a tributação torna-se uma ferramenta imperfeita e insuficiente para atingir os objetivos maiores do Estado nessa seara – a função redistributiva e a eficiência na arrecadação de recursos –, que serão apenas parcialmente alcançados. O mesmo autor ressalta os danos causados pela evasão fiscal à equidade ou igualdade horizontal, além de mencionar a possibilidade de a evasão induzir ineficiências no mercado produtivo, como consequência da distorção da concorrência e competição entre os agentes econômicos, advinda da desigual distribuição da carga fiscal entre as sociedades empresariais.

Portanto, evidencia-se a necessidade de elaboração de políticas públicas que minimizem tais efeitos, revelando-se essencial também a atuação preventiva do Estado, embasada na acepção positiva ou ativa do princípio da neutralidade,6 6 Faz-se referência, aqui, ao art. 146-A da Constituição Federal Brasileira, inserido pela Emenda Constitucional n. 42/2003 e ainda não regulamentado, que contém a seguinte redação: “Art.146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”. de modo a identificar e adotar critérios diferenciados de tributação em setores sabidamente problemáticos em razão do alto índice de evasão fiscal.

No tocante à influência das normas sociais em relação ao cumprimento das obrigações de natureza tributária, merece destaque a constatação dos próprios economistas de que, quando a maioria das pessoas deixa de pagar os tributos, o estigma social do descumprimento é reduzido e a evasão tende a aumentar ainda mais. Diferentemente, quando poucas pessoas praticam a evasão fiscal, o estigma social é maior e a própria evasão fiscal não se alastra como um comportamento dominante no meio social.

Constata-se, pois, que o alto índice de evasão fiscal, além de reduzir a arrecadação de recursos para a subsistência do ente estatal e manutenção das atividades de justiça social e solidariedade por ele realizadas, ainda causa o efeito nefasto de propagar o comportamento de noncompliance.

Exsurge, assim, como dever do Estado, identificar e monitorar tais condutas, bem como implementar medidas que reduzam as práticas lesivas ao patrimônio público, à concorrência e à própria solidariedade social, utilizando-se de instrumentos que recrudesçam o comportamento inverso e desejável de compliance.

Logicamente, atinge-se aqui um limiar. Uma vez identificados o problema e suas consequências, o desafio passa a ser a busca de soluções aptas a, pelo menos, minimizá-lo. Emerge a grande questão, consubstanciada em quais seriam as medidas passíveis de serem adotadas pelo Estado no intuito de prevenir, controlar ou obstaculizar o aumento dos índices de evasão fiscal, cuja resposta prática vem sendo buscada pelos governos e administrações fiscais.

A partir de tal constatação, um importante objetivo da política fiscal do Estado passa a ser a busca de instrumentos que influenciem positivamente os contribuintes a optarem pelo comportamento de regular adimplemento de suas obrigações fiscais. Sob tal perspectiva, vê-se que a atuação interventiva do Estado, por meio da extrafiscalidade e de normas indutoras de comportamento, pode ser fundamental.

É comprovado, mediante pesquisas empíricas, que o comportamento do contribuinte de adimplir voluntariamente com as obrigações fiscais, sem a necessidade de uma execução forçada, depende muito da percepção que possui acerca do sistema tributário como um todo.

Inegavelmente, além do receio de aplicação das medidas punitivas e sancionatórias, os procedimentos e as questões institucionais mostram-se relevantes nesta seara, com destaque para a percepção da justiça e adequação do sistema, consoante já mencionado. Vê-se, pois, que a justiça fiscal, em uma acepção ampla, abrangendo a multiplicidade de aspectos e princípios correlatos (isonomia e capacidade contributiva, solidariedade, simplicidade e justiça social), tem um papel importantíssimo como estímulo ao comportamento desejável de adimplemento voluntário das imposições tributárias (compliance fiscal).

Evidentemente, uma vez difundido o comportamento de compliance entre os contribuintes, espera-se a diminuição de custos de manutenção das atividades da administração fiscal, inclusive relacionados à fiscalização, com a consequente simplificação do sistema. Também há a expectativa de melhora do relacionamento entre contribuinte e administração fiscal, com o incremento da percepção e da efetiva realização da justiça fiscal, sem descurar da preservação da livre-concorrência.

Logicamente, não se concretiza tal expectativa ideal via decreto, mas a constatação de que o combate à evasão e à sonegação fiscal não se resume à punição dos infratores, devendo, ao contrário, se pautar pelo reconhecimento e minimização das falhas do próprio sistema, sem olvidar a identificação de instrumentos de estímulo ao comportamento desejável e de dissuasão do comportamento indesejado, pode indicar um novo caminho a ser seguido.

A esse respeito, Holmes e Sunstein (2000Holmes, Stephen; Sunstein, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 2000., p. 148-149) reconhecem que o índice de adimplemento voluntário dos contribuintes americanos (em torno de 90%) apresenta--se maior do que o constatado em diversos outros países. Defendem os autores que tal resultado não provém apenas do receio de sanções civis ou criminais, mas, sim, do que denominam “virtude cívica”, uma espécie de sinônimo da conhecida expressão cidadania fiscal, impulsionada não só pela sensação dos integrantes da sociedade de que o governo despende os recursos com responsabilidade, mas também pela percepção de que a maioria das pessoas cumpre as suas obrigações fiscais, até mesmo os ricos, que não estão isentos de tributação.

Prosseguem afirmando que os direitos decairiam se a maioria dos contribuintes deixasse de cumprir as obrigações fiscais (HOLMES; SUNSTEIN, 2000Holmes, Stephen; Sunstein, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 2000., p. 155). Mostram-se relevantes, pois, a informação e a conscientização dos cidadãos de que seus direitos dependem diretamente do pagamento de tributos, o que, em tese, estimularia a compliance fiscal. Também importante é a associação entre direitos e deveres, inclusive de natureza social, estabelecendo-se uma cultura de interdependência entre ambos.7 7 Corroborando tal perspectiva, merece referência a obra do professor José Casalta Nabais (2012), intitulada O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo.

É importante observar, pois, que há uma interligação entre os diversos elementos que compõem a política fiscal, ensejando a impossibilidade de serem analisados isoladamente, o que inviabilizaria uma abordagem condizente com a complexidade do fenômeno e o equilíbrio do próprio sistema tributário. Assim, a título exemplificativo, não há como analisar o comportamento de noncompliance sem identificar os fatores que conduzem e possibilitam que o contribuinte “opte” por tal conduta.

Entre tais fatores, destacam-se: (a) a complexidade do sistema e da legislação fiscal, que normalmente permite “aberturas” interpretativas, além de acarretar o aumento dos custos de cumprimento; (b) a demora na resolução definitiva da controvérsia tributária no âmbito administrativo e judicial, gerando insegurança jurídica e violações à livre-concorrência; (c) a concessão de parcelamentos periódicos que estimulam o não pagamento tempestivo dos tributos em razão dos descontos concedidos, além de distorcer a concorrência; (d) os escândalos de corrupção e a má gestão administrativa, que deixam no contribuinte a sensação de constante desvio dos recursos públicos; (e) o caráter regressivo do sistema tributário, que impõe custos maiores aos economicamente desfavorecidos; e (f) os altos índices de evasão fiscal ou planejamento fiscal abusivo, que minam a confiança do contribuinte na administração tributária e no sistema fiscal como um todo, diante do sentimento de flagrante injustiça fiscal.

Portanto, é evidente que o aumento do comportamento de compliance dos contribuintes depende também do combate aos fatores antes referidos, inclusive, sob alguns aspectos, mediante a alteração da própria política fiscal e do sistema tributário atualmente adotados.

2. AS RECOMENDAÇÕES DA OCDE E A ATUAÇÃO DO ESTADO REGULADOR COMO INCENTIVADOR DA COMPLIANCE FISCAL E DA BOA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Inegavelmente, as entidades empresariais apresentam uma função relevante como agentes econômicos, cujo comportamento “fiscal” influencia sobremaneira o mercado, as questões atinentes à livre-concorrência e à própria justiça fiscal. Dados a repercussão e os reflexos de sua conduta no âmbito concorrencial, vê-se, pois, como imprescindível que toda e qualquer política pública que vise estimular a compliance fiscal tenha nos sujeitos corporativos seus principais destinatários.

Deve-se ressaltar que a boa governança corporativa (good corporate governance) é essencial para a integridade das corporações, instituições financeiras e mercados, bem como constitui elemento central para a saúde financeira e estabilidade econômica (SARTORI, 2010Sartori, Nicola. Corporate governance dynamics and tax compliance. International Trade and Business Law Review, n. 264, 2010., p. 270). Assim, os responsáveis pelas decisões políticas e pela elaboração de políticas públicas, inclusive de natureza fiscal, devem promover e estimular os princípios da governança corporativa, seja por meio da utilização do modelo tradicional de imposição de regra e sanção (modelo sancionador), seja mediante o uso de outros recursos do Estado regulador de comportamentos.

Inegavelmente, o desenho adequado da política fiscal prescinde da inclusão de elementos de boa governança corporativa, com destaque para o dever de maior informação, transparência e accountability na gestão empresarial, o que certamente acabaria por ensejar o aumento da compliance fiscal, diante da maior dificuldade de evasão ou sonegação.

Em síntese, um alto nível de transparência, que pode ser promovido por meio de uma adequada regulação do Estado,8 8 Alguns modelos de regulação foram desenvolvidos enfatizando-se a natureza punitiva, outros, por sua vez, apresentam um processo de regulação compreensiva fundado em ações educativas, existindo, ainda, os que unem as duas formas de abordagem (aspectos punitivo e educativo), que se classificam como regulação responsiva. O modelo regulatório adotado normalmente depende da situação a ser regulada, da concepção do agente regulador, bem como do ambiente organizacional regulado (FARIAS et al., 2011, p. 1046). indiretamente acaba por prevenir comportamentos abusivos, acarretando, consequentemente, uma indução ao comportamento de compliance.

Ainda no que se refere à transparência, não se pode olvidar do necessário investimento em aparato tecnológico capaz de facilitar a troca de informações entre órgãos administrativos e regulatórios. Outra funcionalidade desejada é o cruzamento mais rápido e completo de dados, possibilitando à administração fiscal a rápida identificação de comportamentos de noncompliance, especialmente atinentes à omissão de declaração de bens patrimoniais e evasão fiscal.

Certamente, a simples divulgação para os contribuintes do aumento da eficiência na atuação dos órgãos de fiscalização já tem o efeito de desestimular comportamentos indesejados. Conclui-se, assim, que dois elementos importantes relacionados à good corporate governance e ao incremento da compliance fiscal, por intermédio de uma ação regulatória estatal, são a transparência e a informação.

Busca-se, por meio de uma política fiscal adequada associada à boa governança corporativa, que as empresas visualizem o adimplemento voluntário das obrigações fiscais (compliance) como um elemento essencial da responsabilidade social corporativa, de modo que os acionistas manifestem-se contrariamente ao eventual comportamento de planejamento fiscal abusivo por parte dos administradores.9 9 A esse respeito, nas palavras de Nicola Sartori (2010, p. 271): “good corporate governance would give stakeholders a right to freely communicate their concerns both about illegal behaviours (like tax evasion) or unethical behaviours (like tax avoidance), since such behaviours would have a negative impact on the reputation of a firm as a whole and increase the future risk of (tax) liabilities and (tax) penalties”.

O papel principal do Estado aqui é estabelecer estratégias para fomentar a instauração de uma cultura de compliance de todos os contribuintes, com destaque para os agentes econômicos empresariais, dado o impacto que o comportamento de inadimplemento reiterado e contumaz por parte desses contribuintes apresenta para a concorrência, para as contas públicas e para a própria sociedade.

Diante da relevância da questão para o desenvolvimento econômico dos países, a OCDE, por meio do Fórum sobre Administração Fiscal (Forum on Tax Administration – FTA), recentemente elaborou um relatório (OECD, 2014ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Measures of tax compliance outcomes: a practical guide. OECD Publishing, 2014. Disponível em: http://www.oecd.org/ ctp/administration measures-of-tax-compliance-outcomes-9789264223233-en.htm. Acesso em: 7 maio 2016.
http://www.oecd.org/ ctp/administration ...
) em que são apontadas medidas e compartilhadas experiências entre os países, com o intuito de obtenção de melhores resultados relacionados à compliance fiscal.

Em resumo, busca-se o aumento da eficiência, efetividade e equidade das políticas fiscais, mediante a identificação, a discussão das tendências globais e o desenvolvimento de novas ideias para o fortalecimento e o aprimoramento dos resultados das administrações fiscais pelo globo.

Entre os principais objetivos e resultados almejados pelas administrações tributárias, em geral, destacam-se os seguintes (OECD, 2014ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Measures of tax compliance outcomes: a practical guide. OECD Publishing, 2014. Disponível em: http://www.oecd.org/ ctp/administration measures-of-tax-compliance-outcomes-9789264223233-en.htm. Acesso em: 7 maio 2016.
http://www.oecd.org/ ctp/administration ...
, p. 14-16): (a) arrecadação de receitas mais próximas ao montante estimado no espaço de tempo previsto, diminuindo-se o denominado tax gap, por meio do controle e redução de comportamentos abusivos e do estímulo ao cumprimento voluntário das obrigações fiscais; (b) que os sistemas fiscais sejam administrados com coerência e integridade, tendo como reflexo a maior confiança dos contribuintes e o fortalecimento da solidariedade social; (c) a redução dos custos de efetividade, ou seja, das despesas necessárias para o alcance dos resultados desejados, entre as quais é possível citar os gastos com a estrutura física e o corpo de funcionários, investimento tecnológico, atividades de auditoria, fiscalização, etc.

Inevitavelmente, a partir da formação e da solidificação de uma cultura de solidariedade, ou seja, de pertencimento do indivíduo (contribuinte) ao todo coletivo (sociedade), associada a consciência e a responsabilidade, há um facilitador do processo de reconhecimento da legitimidade e da necessidade da cobrança dos tributos para a manutenção da própria coletividade social, trazendo também consequências positivas relacionadas à compliance fiscal.

Conforme relatório da OCDE (2014, p. 17), o nível de compliance fiscal em um país é mensurado por meio dos seguintes aspectos: índice de cumprimento voluntário das obrigações fiscais, estatísticas de impostos não arrecadados e confiança dos contribuintes na administração fiscal.

O instrumento básico e o mais tradicional para reforçar e assegurar o comportamento de compliance, no âmbito tributário, é a frequente realização de auditorias e procedimentos de fiscalização pela administração fiscal. Tal atuação funda-se na concepção teórica de que o comportamento dos contribuintes é decidido prioritariamente pelo critério racional, a partir da análise econômica que envolve o cálculo do risco e do custo-benefício.

Assim, resumidamente, o contribuinte analisaria matematicamente o risco de vir a ser fiscalizado, considerando os acréscimos no valor devido correspondentes à incidência de multas e penalidades decorrentes da eventual auditoria administrativa, bem como calcularia o custo-benefício de correr esse risco.

Se a possibilidade de fiscalização for insignificante e se o benefício auferido (não pagamento dos tributos) for de relevante monta, a tendência seria a opção pelo comportamento lesivo aos cofres públicos (noncompliance). Portanto, segundo tal perspectiva, deveria o contribuinte sentir-se constantemente ameaçado pela frequente realização de procedimentos fiscalizatórios, o que o faria crer na concreta possibilidade de ser sancionado pelo comportamento de evasão ou sonegação fiscal, estimulando-o a optar pelo comportamento de compliance.

O problema, contudo, está no fato de que a realização de procedimentos fiscalizatórios é por demais custosa e dispendiosa aos cofres públicos, sendo impossível para a administração fiscal, que detém recursos limitados, realizar auditorias em todas as empresas contribuintes e ainda o fazer em uma periodicidade frequente. Geralmente, os recursos de auditoria das administrações fiscais são utilizados em casos selecionados a partir dos critérios de eficiência, ou seja, que impliquem a possibilidade de maior arrecadação com o menor dispêndio de custos operacionais (OECD, 2014ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Measures of tax compliance outcomes: a practical guide. OECD Publishing, 2014. Disponível em: http://www.oecd.org/ ctp/administration measures-of-tax-compliance-outcomes-9789264223233-en.htm. Acesso em: 7 maio 2016.
http://www.oecd.org/ ctp/administration ...
, p. 17).

Diante desse cenário, a administração fiscal precisa encontrar outros meios capazes de estimular e difundir o comportamento voluntário de compliance, atuando de modo a prevenir o ilícito (evasão e sonegação fiscais e planejamento fiscal agressivo) e, consequentemente, assegurar a preservação da livre-concorrência e da justiça fiscal.

Ainda, cumpre observar que o comportamento dos contribuintes, ao contrário do que apregoam o utilitarismo e a teoria econômica do risco, não se funda exclusivamente em uma análise racional, econômica e matemática de probabilidades, existindo outros fatores que o influenciam, inclusive de natureza ética e sociológica, muito embora sejam de difícil mensuração.

A propósito, para Alm, Sanchez e De Juan (1995, p. 4-6), os fatores determinantes da decisão do contribuinte de adimplir com suas obrigações tributárias são: (a) o receio de descoberta do comportamento ilícito e punição; (b) a carga fiscal; (c) a adequada prestação de serviços públicos; e (d) a superestimativa de baixas probabilidades e a norma social vigente sobre o pagamento de tributos.

No tocante à carga fiscal, pesquisas indicam que uma alta carga fiscal desencoraja o comportamento de compliance, estimulando os contribuintes a correr o risco do inadimplemento fiscal. A adequada prestação de serviços públicos, por sua vez, estimula o comportamento em conformidade com o ordenamento jurídico fiscal. Se houver uma superestimativa da possibilidade de uma auditoria fiscal, ainda que a probabilidade concreta de tal fato vir a ocorrer não corresponda à realidade, também se constata um maior nível de compliance (ALM; SANCHEZ; DE JUAN, 1995, p. 4-6).

A crítica feita à análise exclusivamente econômica, ou seja, que apregoa como únicos elementos que influenciam o comportamento de compliance aqueles de natureza econômica, funda-se essencialmente na existência de diversos fatores outros que também influenciam o comportamento dos contribuintes (de natureza sociológica, psicológica, ética, moral, etc.).

Argumenta-se que os contribuintes não são iguais e não reagem sempre de maneira racional e pautada exclusivamente por critérios econômicos (homo economicus). Apesar das críticas e da insuficiência da teoria utilitarista econômica, insta ressaltar que tal teoria não deve ser desprezada, mas sim complementada, pois traz elementos conclusivos importantes e que permanecem aplicáveis em determinados casos de comportamento de inadimplemento deliberado e contumaz.

No entanto, enquanto o enforcement, por meio da punição e aplicação efetiva de sanção (ou execução forçada), é mais eficaz em relação a contribuintes recalcitrantes e contumazes no comportamento de evasão fiscal, a conscientização, a educação, a simplificação do sistema e a prestação de informação adequada por parte da administração fiscal mostram-se mais efetivas em relação a contribuintes que intencionam cumprir regularmente as obrigações tributárias, pagando tempestivamente os impostos devidos.

Em relação aos últimos contribuintes, sabidamente, é preferível a prevenção de eventuais erros que importem o pagamento do valor equivocado de tributo do que a correção ou cobrança contenciosa administrativa e judicial posterior.

Em tais casos, um maior investimento na simplificação de sistemas e procedimentos ou mesmo na prestação de informações por parte da administração fiscal, estabelecendo-se uma relação de maior proximidade desta para com os contribuintes, pode se revelar suficiente e até mesmo mais eficiente para a obtenção do resultado de incremento do índice de compliance fiscal.

Consoante aponta o relatório10 10 De fato, “the best compliance strategies choose the most appropriate intervention for the risk or opportunity, rather than utilising one approach for all” (OECD, 2014, p. 19). da OCDE, não é recomendado às administrações fiscais que dispensem o mesmo tratamento a todos os contribuintes, independentemente do comportamento que apresentem.11 11 Antes que se alegue a violação ao princípio da isonomia, é patente a possibilidade de tratamento diferenciado por parte do Estado diante de situações também distintas. O critério da discriminação aqui é objetivo e plenamente defensável, inclusive diante do interesse público subjacente, consubstanciado no regular cumprimento das obrigações fiscais a todos imposto. Ao contrário, o estrategicamente mais adequado e efetivo é identificar os contribuintes que deliberadamente deixam de cumprir suas obrigações fiscais, de modo a serem selecionados como objeto de frequentes fiscalizações e imposição de sanções, forçando-os, assim, à modificação do comportamento. Além de servir como exemplo aos demais contribuintes, em um efeito indireto da atuação estratégica estatal, também seria atingido o resultado de aumento do nível de compliance, a partir da atuação direcionada e mais eficiente do Estado,12 12 A esse respeito, defendem James Alm, Mark Cronshaw e Michael Mckee, em artigo embasado em evidências empíricas, que há boas razões para a seleção estratégica dos contribuintes a serem alvos de fiscalização e auditoria. Como critério para a mencionada seleção, apregoam que devem ser utilizadas as informações prestadas pelos próprios contribuintes, com o intuito de aumento do índice de compliance, bem como da maior previsibilidade quanto ao valor de receitas obtidas pelo Estado (ALM; CRONSHAW; MCKEE, 1993, p. 27-45). focada em uma estratégia regulatória.

Admite-se, pois, a expressiva influência exercida pela administração fiscal e pelo respectivo marco regulatório estatal no comportamento dos contribuintes, mediante a instauração de um ambiente de compliance. Daí a necessidade de construção de um sistema tributário e de adoção de um modelo de política fiscal adequados.

A esse respeito, também considerando elementos de economia comportamental e de psicologia, constata-se que “small changes in the taxpayer’s environment can have a big impact on behaviour” (OECD, 2014ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Measures of tax compliance outcomes: a practical guide. OECD Publishing, 2014. Disponível em: http://www.oecd.org/ ctp/administration measures-of-tax-compliance-outcomes-9789264223233-en.htm. Acesso em: 7 maio 2016.
http://www.oecd.org/ ctp/administration ...
, p. 18). Assim, algumas simples alterações em processos e procedimentos (nudges) podem resultar em significativo incentivo (carrot) ao comportamento de compliance dos contribuintes, cabendo à Administração Tributária identificar tais alterações e os resultados positivos obtidos.

Questão relevante, recentemente implantada e que vem gerando efeitos positivos no comportamento dos contribuintes, é a transparência fiscal, levada a efeito mediante diversos acordos internacionais celebrados para troca de informações entre as Administrações Fiscais.13 13 Mais de 500 acordos internacionais de troca de informações entre as administrações fiscais foram celebrados entre Estados desde o ano de 2010. A expectativa é a de que até os anos de 2017 e 2018 sejam realizadas as primeiras trocas automáticas de informações, fundadas na adoção, no ano de 2014, do modelo da OCDE denominado “OECD Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters” (OECD, 2015, p. 5).

Espera-se que a construção de um ambiente global de transparência fiscal gere um impacto considerável no número de pessoas que, com receio de que as administrações fiscais dos seus países tenham acesso a dados e informações sobre patrimônio e riquezas no exterior não declarados, e da consequente aplicação de penalidade e sanções, no futuro alterem seu comportamento de evasão ou sonegação fiscal, incrementando os níveis de compliance.

Em síntese, parte-se do pressuposto de que a intervenção regulatória da administração fiscal no tocante à compliance, por meio da identificação, classificação e tratamento estratégico e direcionado das diversas situações, sujeitos e riscos envolvidos, implicará maior efetividade da atuação estatal nesta seara.

Assim, a atividade de identificação e classificação de setores mais propensos ao comportamento de noncompliance torna-se imprescindível para a atuação estratégica de um Estado cada vez mais regulador de comportamentos, inclusive, e por que não, mediante a utilização de critérios diferenciados e flexíveis de tributação para setores com reiterada conduta de noncompliance e altos índices de evasão fiscal, nos termos preconizados pelo art. 146-A da Constituição Federal.

Também é possível cogitar a construção de um modelo diverso de relacionamento entre Administração e contribuintes, com um viés mais cooperativo, sempre com o intuito de buscar o incremento dos índices de compliance. Trata-se da regulação fiscal cooperativa, abordada em seus principais aspectos no próximo tópico.

3. O MODELO DE REGULAÇÃO FISCAL COOPERATIVA (COOPERATIVE TAX REGULATION)

A concepção de um modelo de regulação fiscal cooperativa, fundada em cooperação, compartilhamento de informações e convergência de interesses entre administração fiscal e contribuintes, consta de interessante artigo intitulado Cooperative Tax Regulation (VENTRY JR., 2008). Os principais aspectos e ideias serão a seguir referidos, a fim de subsidiar a discussão sobre o assunto, bem como uma proposta de implantação, ainda que parcial, no sistema brasileiro.

Apregoa-se, em resumo, a possibilidade de instauração de um equilíbrio do nível de compliance fiscal baseado em reciprocidade e não em adversidade, partindo da premissa de que tal modelo proporcionaria incentivos positivos para contribuintes e agentes reguladores, a partir do estabelecimento de um ambiente cooperativo, pautado pela colaboração e solução preventiva dos conflitos (VENTRY JR., 2008, p. 436).

Afirma o autor, ainda, referindo-se ao sistema fiscal norte-americano – mas cuja análise poderia ser também aplicada ao Brasil –, que há um uso excessivo de sanções e medidas punitivas (sticks) por parte do Estado, sem que sejam obtidos os resultados desejados de compliance. Defende, assim, a implantação de um modelo alternativo caracterizado pelo uso mais intenso de incentivos (carrots) na política fiscal regulatória, de modo a se recompensar o comportamento dos contribuintes que cumpram regularmente suas obrigações fiscais, inclusive com a concessão de benefícios econômicos tangíveis a quem “optar” pela conduta de compliance.

Também são reportados incentivos financeiros (recompensas) aos informantes que venham a comunicar à administração tributária condutas de planejamento fiscal agressivo ou evasão fiscal de que tem ou tiveram conhecimento em situações específicas, como no ambiente de trabalho.

A concessão de incentivos econômicos para a exposição de comportamentos abusivos dos contribuintes tende a colocar os contribuintes e os profissionais que atuam na orientação e aconselhamento fiscal em favor da compliance fiscal (VENTRY JR., 2008, p. 460-461). Justifica-se a disponibilização de incentivos aos contribuintes e terceiros como meio de equilibrar os “ganhos” econômicos diretos advindos do planejamento fiscal abusivo e da evasão fiscal, em decorrência do não pagamento dos tributos, com o objetivo de estimular a opção pelo comportamento de compliance.

Admite-se, pois, que a imposição exclusiva de penalidades e sanções (multas e até prisão) aos contribuintes infratores não necessariamente é capaz de acarretar um aumento futuro no índice de compliance e, em alguns casos, o que se observa é exatamente o efeito contrário.

Por vezes, em razão da limitação de recursos e da assimetria das informações disponibilizadas às administrações fiscais, o modelo exclusivamente punitivo não se mostra eficiente para estimular o adimplemento espontâneo das obrigações tributárias. Diante da flagrante assimetria de informação entre o contribuinte e a administração fiscal, o que coloca a última em desvantagem, é evidente que a atividade de fiscalização resta prejudicada (VENTRY JR., 2008, p. 458).

A partir desse quadro, o desafio para a administração fiscal em um modelo regulatório cooperativo como o apregoado pode ser assim resumido: “tax authorities need a compliance regime that will detect, deter, and effectively punish noncompliant behavior while rewarding compliant behavior” (VENTRY JR., 2008, p. 462).

Para o estabelecimento de um modelo regulatório cooperativo, faz-se imprescindível uma postura diferenciada das autoridades fiscais, que devem assistir e auxiliar os contribuintes, com eles compartilhar certas informações e responder a dúvidas e questionamentos, além de priorizar o diálogo e a resolução preventiva de conflitos. Evidencia-se, aqui, a necessidade de uma maior proximidade entre os contribuintes e a Administração Fiscal, a partir do estabelecimento de uma relação bilateral de confiança, em detrimento da atual desconfiança e beligerância que rege a relação entre ambos.14 14 A propósito, basta observar os inúmeros ataques e alegações genéricas de inconstitucionalidade, inclusive com o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), que demonstram uma incompreensão e grande desconfiança quanto ao recém-criado instituto da averbação pré-executória ou indisponibilidade administrativa, instituída pela Lei n. 13.606/2018. A Administração Tributária, recentemente, manifestou o interesse na realização de audiência pública com a participação dos contribuintes, com o intuito de discutir a Portaria n. 33, de 8 de fevereiro de 2018, que regulamentou o instituto da averbação pré-executória no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Este é um exemplo concreto e recente de regulação fiscal cooperativa, que demonstra a possibilidade real de sua implantação em nosso país e tem como consequência a desejável construção de um ambiente de compliance. É um novo caminho a ser trilhado.

O modelo regulatório propugnado pressupõe uma nova forma de governança (new governance) e uma regulação responsiva (responsive regulation). A nova governança funda-se menos em aspectos tradicionais de comando e controle e mais em um domínio regulatório flexível, menos prescritivo e menos hierárquico.

A regulação responsiva, por sua vez, enfatiza o caráter dinâmico e uma perspectiva não adversarial, em que reguladores auxiliam os agentes econômicos regulados a cumprirem suas obrigações fiscais, e os agentes econômicos, por sua vez, como uma espécie de “compensação” pela colaboração recebida, auxiliam os reguladores na arquitetura e desenvolvimento de um ambiente regulatório adequado (VENTRY JR., 2008, p. 437).

No modelo regulatório cooperativo, o comportamento de compliance do contribuinte é premiado com leniência, assistência técnica e oportunidade de participar da formulação do sistema legal (VENTRY JR., 2008, p. 440). O modelo regulatório cooperativo, como se observa, advém de um trabalho participativo e colaborativo entre os integrantes da administração fiscal e os contribuintes, inclusive no tocante à elaboração do quadro normativo aplicável.

Apenas para fins de esclarecimento, a ideia é que os contribuintes sejam ouvidos para opinar na construção do sistema normativo, em uma espécie de audiência pública prévia. Logicamente, as regras são elaboradas no exercício do poder regulatório estatal, mas os contribuintes e demais agentes envolvidos no sistema fiscal podem apresentar sugestões ou debater as propostas previamente.

Tal conduta proporcionaria uma visão mais ampla acerca das medidas a serem implementadas e das possíveis consequências, bem como um sentimento de maior participação dos próprios contribuintes na construção do sistema, que se tornaria mais colaborativo, participativo e informado.

A esse respeito, apesar de o sistema cooperativo propugnado parecer vulnerável no tocante à possível “captura da agência” – a partir da influência de poderosas entidades reguladas que acabariam por se apropriar e impor seus próprios interesses aos agentes reguladores –, tal receio não se sustenta no âmbito fiscal. Isso porque o trabalho dos órgãos da Administração Tributária responsáveis pela arrecadação apresenta natureza distinta da simples regulação setorial, uma vez que a imposição tributária abrange um número imenso de contribuintes, oriundos dos mais diversos setores econômicos, que possuem o dever legal de pagar seus tributos. Não se trata de um setor econômico específico em que o número de agentes econômicos regulados é reduzido ou que permita a ascensão de poderosos grupos econômicos com poder de pressão para barganhar, negociar e impor seus próprios interesses, inclusive com o risco de “captura da agência”.

A proposta da regulação fiscal cooperativa é distinta. A aproximação pretendida entre a administração fiscal e os contribuintes não corresponde propriamente a uma negociação de regras a serem aplicadas. Diversamente, trata-se de uma perspectiva de maior cooperação e participação, de tal modo que os contribuintes tenham conhecimento prévio das novas regras e possam debatê-las e apresentar sugestões, o que logicamente não vincula a administração fiscal, que analisará as propostas apresentadas e sua adequação para a formação do sistema regulatório.

Ademais, tal procedimento incute maior transparência ao sistema fiscal ao explicitar o processo de formação das normas de regulação e possibilitar a participação de todos os contribuintes interessados, evitando “tratativas” com contribuintes específicos, o que poderia estimular a corrupção no sistema. Nas palavras de Ventry Jr.: “inviting taxpayer input early in the rulemaking process invests taxpayer and their advisors in the regulatory effort, and helps overcome feelings of helplessness and distrust” (2008, p. 448).

Inegavelmente, uma efetiva estratégia de compliance se faz com a utilização equilibrada de recursos regulatórios, como sticks e carrots, no intuito de servirem como instrumentos para a modulação do comportamento dos contribuintes, incentivando-os a realizar a conduta socialmente desejada.

Em síntese, busca-se a reestruturação e a transformação de um modelo fiscal essencialmente punitivo em um modelo fiscal de viés mais cooperativo, também fundado no reconhecimento de direitos dos contribuintes e na concessão de “recompensas” e “bônus” aos contribuintes cumpridores de suas obrigações (VENTRY JR., 2008, p. 448 e 453), de modo a estimular a propagação do comportamento de compliance. Entre tais “bônus” ou “recompensas”, faz-se menção a benefícios fiscais, isenções, desonerações, créditos de imposto, etc.

A título exemplificativo, menciona-se a possibilidade (recomendável) de redução da carga fiscal em relação aos contribuintes que possuem um comportamento de compliance durante determinado período de tempo, bem como de instauração de uma espécie de cadastro fiscal positivo.15 15 Merece destaque, aqui, a recente iniciativa da PGFN de deflagração de procedimento de consulta pública (por meio da publicação no Diário Oficial da União (DOU), de 13.07.2018, do Edital PGFN n. 13, de 12.07.2018), com o intuito de aprimoramento normativo e estabelecimento de um “cadastro fiscal positivo” no âmbito da PGFN. Em resumo, objetivou-se o recebimento de sugestões e considerações dos interessados que pudessem ser utilizados para o aprimoramento normativo da regulamentação dos serviços e procedimentos de cobrança da dívida ativa da União, com base no histórico e na classificação do perfil de risco dos contribuintes. Entre os aspectos suscitados no edital de consulta pública, com a solicitação de sugestões e estímulo à participação da sociedade civil para a construção de um novo marco regulatório/quadro normativo, citam-se os seguintes: “1 – Canais de atendimento diferenciado e simplificado para orientação, regularização ou discussão das dívidas administradas pela PGFN; 2 – Critérios a serem considerados para influenciar positivamente ou negativamente na classificação do perfil de risco do contribuinte no cadastro; 3 – Modalidades de garantias diferenciadas para contribuintes com menor risco fiscal; 4 – Quantidade de níveis de perfil de risco do contribuinte no cadastro; 5 – Publicidade da nota atribuída ao contribuinte no cadastro, para o próprio interessado e para terceiros; 6 – Influência do histórico de adesão e cumprimento dos acordos de parcelamento convencional e especiais na nota atribuída ao contribuinte; 7 – Utilização da nota atribuída pelo cadastro na variação da régua de cobrança conforme o perfil de risco do contribuinte, envolvendo os momentos de aplicação das medidas de protesto extrajudicial da certidão da dívida ativa, de registro do nome do contribuinte em órgãos de proteção ao crédito e na Lista de Devedores da PGFN, da averbação pré-executória e do ajuizamento de execução fiscal”. As informações acima referidas foram extraídas do site disponível em: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/noticias/2018/participe-da-consulta-publica-sobre-o-cadastro-fiscal-positivo-da-pgfn (acesso em: 3 fev. 2019). Visivelmente, apesar de o cadastro fiscal positivo ainda estar em vias de formatação e de não ter sido implementado, fato é que a iniciativa da PGFN de criá-lo, utilizando-se de expedientes como a instauração de um procedimento de consulta e a realização de audiência pública para auxiliar na elaboração do respectivo quadro normativo, materializa um exemplo recente de regulação fiscal cooperativa. Não se pode olvidar que a própria ideia de criação de um cadastro fiscal positivo compreende fortes estímulos (nudges/carrots) para o comportamento de compliance, na linha do que vem sendo exposto neste artigo. A regulação fiscal cooperativa, portanto, já vem deixando de ser apenas uma concepção teórica para tornar--se realidade, ainda que seja um processo novo e recente no país. Também é possível referir a previsão de modelos simplificados de tributação, com alíquotas reduzidas, aos quais determinados contribuintes possam optar e aderir voluntariamente, submetendo-se, assim, a um regime diferenciado de tributação, com custos de cumprimento mais baixos, mas com menor possibilidade de comportamento evasivo (noncompliance).

Em tais modelos, é necessária a ponderação dos princípios da praticabilidade e simplicidade com a capacidade contributiva, em prol da difusão do comportamento de compliance. O objetivo final é a ampliação da justiça fiscal, uma vez que mais contribuintes passam a recolher tempestivamente os encargos tributários devidos, reduzindo-se os custos de fiscalização.

Além disso, a própria possibilidade de maior participação e colaboração no processo de consolidação do quadro normativo regulatório já constitui por si um benefício aos contribuintes. Nota-se, assim, que os bônus ou recompensas não necessariamente apresentam-se sob o aspecto puramente financeiro, embora as medidas e os estímulos (carrots) de caráter econômico tenham considerável importância na apregoada modelação dos comportamentos em prol da compliance fiscal.

Constata-se, ainda, que os profissionais que prestam assessoria em matéria fiscal, como advogados e contadores, possuem grande influência no aconselhamento de seus clientes a praticarem ou não comportamentos de planejamento fiscal agressivo ou de evasão fiscal, não podendo ser desprezada sua atuação em qualquer estratégia de estímulo à compliance.

Vê-se, pois, que todos os atores envolvidos (contribuintes, profissionais com atuação na área fiscal, autoridades e funcionários da administração fiscal) devem ser considerados partícipes na construção de um sistema fiscal cooperativo.

A respeito da importância da atuação dos profissionais que exercem a assessoria fiscal dos contribuintes no tocante à compliance fiscal e à criação de um modelo fiscal regulatório, merece destaque o interessante artigo “A Market of Tax Compliance” (AFIELD, 2014Afield, W. Edward. A market of tax compliance. Cleveland State Law Review, v. 62, 2014.), em que é mencionada a possibilidade de criação de um sistema de “Certificação de Compliance Fiscal” dos referidos profissionais, atestando o índice de compliance obtido a partir da análise do comportamento dos contribuintes aconselhados em um determinado lapso temporal.

A ideia, essencialmente, é o estabelecimento de um “modelo de competição” e concorrência entre os profissionais da área fiscal, com a atribuição de pontos, de modo que os profissionais almejem a maior pontuação em termos de aconselhamento de compliance, o que lhes acarretaria maior visibilidade (uma espécie de marketing) e possibilidade de contratação pelos contribuintes.

Haveria uma espécie de cadastro e os contribuintes que contratassem os profissionais “certificados”, bem como os próprios profissionais, teriam direito a benefícios fiscais específicos, como menor valor de multa em caso de equívoco no preenchimento de declaração ou redução da alíquota de determinado tributo, etc. O objetivo principal é o estabelecimento e a consolidação de uma cultura de compliance a partir de estímulos e benefícios fiscais (carrots) (AFIELD, 2014Afield, W. Edward. A market of tax compliance. Cleveland State Law Review, v. 62, 2014., p. 315-341).

No entanto, também no modelo de regulação fiscal cooperativa devem ser identificados os comportamentos de noncompliance e, em caso de intransigência ou deliberada conduta de evasão fiscal ou planejamento fiscal abusivo, faz-se necessária a aplicação de sanções punitivas, até para evitar a corrosão do sistema cooperativo propugnado, fundado também na solidariedade.

A esse respeito, em relação aos contribuintes recalcitrantes, propugna-se a severidade na punição, ressaltando a influência econômica do risco nestes casos, nos termos seguintes: “the imposition of a strict-liability penalty could drastically alter the taxpaying calculus, adding significant risk to overaggressiv tax positions and transactions” (VENTRY JR., 2008, p. 440).

No modelo fiscal cooperativo, portanto, subsistem instrumentos do sistema punitivo, todavia, tais instrumentos coexistem com mecanismos de bonificação e recompensa e são utilizados como medida extrema em casos determinados de noncompliance, priorizando-se, para os demais casos, uma postura de índole colaborativa e de permanente diálogo entre administração e contribuintes.

Recentemente, verificou-se que normas relativas à compliance, compartilhadas pelos responsáveis pela elaboração da política fiscal diretamente com o público corporativo, tiveram um impacto positivo sobre o ulterior comportamento de cumprimento das obrigações fiscais (VENTRY JR., 2008, p. 443). Constata-se, assim, que o caráter informativo e de divulgação de medidas é também um elemento importante da política fiscal, inclusive na elaboração de um sistema fiscal cooperativo.

A relevância das normas sociais16 16 Para Alm, McClelland e Schulze, “a social norm therefore represents a pattern of behavior that is judged in a similar way by others and that therefore is sustained in part by social approval or disapproval”. Assim prosseguem os mencionados autores: “consequently, if others behave according to some socially accepted mode of behavior, then the individual will also behave appropriately; if others do not so behave, then the individual will respond in kind” (ALM; MCCLELLAND; SCHULZE, 1999, p. 141). para a construção de um sistema fiscal cooperativo é inegável, fato constatado a partir da observação de que diversos países com sistemas fiscais similares apresentam diferenças consideráveis nos índices de adimplemento “voluntário” das obrigações fiscais.

Admite-se que, ao mesmo tempo em que as normas sociais são capazes de corroer o sistema cooperativo, se contrárias ao adimplemento das obrigações fiscais, podem também reforçá-lo, se estiverem em conformidade com a compliance fiscal. Portanto, a construção de um sistema social cooperativo depende, na sua essência, também da presença de normas sociais de compliance, a serem devidamente estimuladas e reforçadas pela atuação reguladora estatal.

A partir do conhecimento das diversas questões suscitadas e de sua influência no comportamento de compliance fiscal, cabe ao Estado considerá-las na elaboração de uma política fiscal e de um sistema normativo adequados, voltados à regulação dos comportamentos e permeados por fundamentos colaborativos, com ênfase na promoção dos deveres de informação e transparência fiscal, bem como no estímulo à coesão e à solidariedade sociais.

Portanto, apresentadas as principais características do modelo de regulação fiscal cooperativa, tem-se a possibilidade de discussão acerca de elementos passíveis de serem trazidos para o sistema tributário brasileiro, sempre com o viés de torná-lo mais eficiente, socialmente justo e mais favorável a um ambiente concorrencial adequado.

CONCLUSÃO

Sabidamente, os comportamentos de inadimplemento, sonegação e evasão fiscal minam os sistemas fiscais dos Estados, cada vez mais pressionados pela necessidade de mais recursos e por demandas sociais intensas, dependentes das receitas tributárias para serem atendidas.

A partir da constatação, em caso de inadimplemento, de que o viés exclusivamente punitivo (ou de ameaça de imposição de sanção) não tem se mostrado suficiente para o aumento do índice de compliance, ou seja, do comportamento dos contribuintes em conformidade com as normas tributárias vigentes, buscou-se encontrar possibilidades e propostas alternativas para a reformulação da política fiscal, precipuamente por meio da atuação estatal reguladora de comportamentos.

Com este propósito, destacou-se o modelo de regulação fiscal cooperativa, construído em sua essência por meio do estabelecimento de uma relação de cooperação entre a administração tributária e os contribuintes. Teoricamente, um sistema mais cooperativo e menos adversarial seria ideal, inclusive, por permitir um aumento do índice de adimplemento voluntário (não forçado) das obrigações fiscais.

Entre as principais características do modelo de regulação fiscal cooperativa proposto, destacam-se: (a) o estímulo a cooperação, compartilhamento de informações e convergência de interesses entre administração fiscal e contribuintes; (b) a priorização da transparência, do diálogo e da solução preventiva de conflitos; (c) a possibilidade de participação dos contribuintes na elaboração do quadro normativo e regulatório aplicável, o que reduz a desconfiança e belicosidade em relação aos atos perpetrados pela administração tributária; (d) a previsão e a concessão de benefícios e bonificações (carrots) como incentivos ao comportamento de compliance; e (e) a coexistência dos incentivos e recompensas com as medidas punitivas, estas últimas aplicáveis tão somente a contribuintes recalcitrantes no comportamento de noncompliance, priorizando-se, quanto aos demais, a colaboração e a solução preventiva dos conflitos.

A ideia principal do artigo, portanto, foi a de apresentar o modelo de regulação fiscal cooperativa como um possível instrumento de política fiscal, com a finalidade de permitir o aumento dos índices de compliance. Para tanto, foi necessária uma prévia explanação acerca das motivações dos comportamentos dos contribuintes, bem como da atuação do Estado como incentivador do comportamento de compliance, sem descurar do estabelecimento de um ambiente normativo e regulatório adequados, analisando-se, ainda, algumas recomendações e propostas da OCDE.

Conclui-se, pois, que a atuação do Estado na construção de um modelo de regulação fiscal cooperativa, como visto, por meio da utilização de instrumentos regulatórios e da extrafiscalidade tributária, pode ser um caminho, ainda que não o único, para a promoção do comportamento de compliance. E, como tal, não deve ser desprezado, mas sim estudado e discutido, especialmente no que se refere às possíveis formas e benefícios decorrentes da implementação de um modelo mais pautado na colaboração e confiança mútua entre a administração tributária e os contribuintes.

Essa discussão não mais pode ser adiada e é imprescindível para o desenvolvimento econômico e social do país, ao abarcar, de uma forma mais ampla, a instauração de um ambiente concorrencialmente adequado e pautado pela justiça fiscal.

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  • Ventry Jr., Dennis J. Cooperative tax regulation. Connecticut Law Review, v. 41, n. 2, dez. 2008.
  • 1
    O contribuinte que não cumpre com as obrigações tributárias, não colaborando para o custeio do aparato estatal e das políticas públicas, atua como um verdadeiro free rider, uma vez que internaliza benefícios sem a respectiva contraprestação, que acaba sendo suportada pelos outros contribuintes.
  • 2
    É possível o uso dos tributos para a correção de externalidades e algumas falhas de mercado, denominando--se os tributos, em tais situações, tributos corretivos (corrective taxes), pois ensejam o aumento da arrecadação ao mesmo tempo em que melhoram a eficiência na alocação dos recursos (duplo dividendo) (STIGLITZ, 2000Stiglitz, Joseph E. Economics of the public sector. 3. ed. New York: W.W. Norton & Company, 2000., p. 463).
  • 3
    Citam-se como exemplos: o planejamento fiscal abusivo, a sonegação, a fraude, a evasão fiscal, etc.
  • 4
    Entre os comportamentos admitidos pelo ordenamento jurídico, faz-se referência à redução do montante tributário devido por meio do planejamento fiscal lícito, bem como da adoção de comportamentos estimulados via extrafiscalidade. Aqui, vê-se a relevância da função extrafiscal dos tributos, mediante a previsão de normas fiscais indutoras de comportamentos, em prol da realização do interesse público nas suas diversas vertentes (exemplificativamente, regulação da sociedade e do mercado, preservação do meio ambiente e da livre-concorrência, etc.). Para melhor compreensão do tema, merece leitura a obra Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, de Luís Eduardo Schoueri (2005)SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005..
  • 5
    Trata-se da “regulação fiscal cooperativa”, que será mais bem explicitada em suas características principais na parte final deste artigo.
  • 6
    Faz-se referência, aqui, ao art. 146-A da Constituição Federal Brasileira, inserido pela Emenda Constitucional n. 42/2003 e ainda não regulamentado, que contém a seguinte redação: “Art.146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
  • 7
    Corroborando tal perspectiva, merece referência a obra do professor José Casalta Nabais (2012)Nabais, José Casalta, O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2012., intitulada O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo.
  • 8
    Alguns modelos de regulação foram desenvolvidos enfatizando-se a natureza punitiva, outros, por sua vez, apresentam um processo de regulação compreensiva fundado em ações educativas, existindo, ainda, os que unem as duas formas de abordagem (aspectos punitivo e educativo), que se classificam como regulação responsiva. O modelo regulatório adotado normalmente depende da situação a ser regulada, da concepção do agente regulador, bem como do ambiente organizacional regulado (FARIAS et al., 2011, p. 1046).
  • 9
    A esse respeito, nas palavras de Nicola Sartori (2010Sartori, Nicola. Corporate governance dynamics and tax compliance. International Trade and Business Law Review, n. 264, 2010., p. 271): “good corporate governance would give stakeholders a right to freely communicate their concerns both about illegal behaviours (like tax evasion) or unethical behaviours (like tax avoidance), since such behaviours would have a negative impact on the reputation of a firm as a whole and increase the future risk of (tax) liabilities and (tax) penalties”.
  • 10
    De fato, “the best compliance strategies choose the most appropriate intervention for the risk or opportunity, rather than utilising one approach for all” (OECD, 2014ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Measures of tax compliance outcomes: a practical guide. OECD Publishing, 2014. Disponível em: http://www.oecd.org/ ctp/administration measures-of-tax-compliance-outcomes-9789264223233-en.htm. Acesso em: 7 maio 2016.
    http://www.oecd.org/ ctp/administration ...
    , p. 19).
  • 11
    Antes que se alegue a violação ao princípio da isonomia, é patente a possibilidade de tratamento diferenciado por parte do Estado diante de situações também distintas. O critério da discriminação aqui é objetivo e plenamente defensável, inclusive diante do interesse público subjacente, consubstanciado no regular cumprimento das obrigações fiscais a todos imposto.
  • 12
    A esse respeito, defendem James Alm, Mark Cronshaw e Michael Mckee, em artigo embasado em evidências empíricas, que há boas razões para a seleção estratégica dos contribuintes a serem alvos de fiscalização e auditoria. Como critério para a mencionada seleção, apregoam que devem ser utilizadas as informações prestadas pelos próprios contribuintes, com o intuito de aumento do índice de compliance, bem como da maior previsibilidade quanto ao valor de receitas obtidas pelo Estado (ALM; CRONSHAW; MCKEE, 1993, p. 27-45).
  • 13
    Mais de 500 acordos internacionais de troca de informações entre as administrações fiscais foram celebrados entre Estados desde o ano de 2010. A expectativa é a de que até os anos de 2017 e 2018 sejam realizadas as primeiras trocas automáticas de informações, fundadas na adoção, no ano de 2014, do modelo da OCDE denominado “OECD Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters” (OECD, 2015, p. 5).
  • 14
    A propósito, basta observar os inúmeros ataques e alegações genéricas de inconstitucionalidade, inclusive com o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), que demonstram uma incompreensão e grande desconfiança quanto ao recém-criado instituto da averbação pré-executória ou indisponibilidade administrativa, instituída pela Lei n. 13.606/2018. A Administração Tributária, recentemente, manifestou o interesse na realização de audiência pública com a participação dos contribuintes, com o intuito de discutir a Portaria n. 33, de 8 de fevereiro de 2018, que regulamentou o instituto da averbação pré-executória no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Este é um exemplo concreto e recente de regulação fiscal cooperativa, que demonstra a possibilidade real de sua implantação em nosso país e tem como consequência a desejável construção de um ambiente de compliance.
  • 15
    Merece destaque, aqui, a recente iniciativa da PGFN de deflagração de procedimento de consulta pública (por meio da publicação no Diário Oficial da União (DOU), de 13.07.2018, do Edital PGFN n. 13, de 12.07.2018), com o intuito de aprimoramento normativo e estabelecimento de um “cadastro fiscal positivo” no âmbito da PGFN. Em resumo, objetivou-se o recebimento de sugestões e considerações dos interessados que pudessem ser utilizados para o aprimoramento normativo da regulamentação dos serviços e procedimentos de cobrança da dívida ativa da União, com base no histórico e na classificação do perfil de risco dos contribuintes. Entre os aspectos suscitados no edital de consulta pública, com a solicitação de sugestões e estímulo à participação da sociedade civil para a construção de um novo marco regulatório/quadro normativo, citam-se os seguintes: “1 – Canais de atendimento diferenciado e simplificado para orientação, regularização ou discussão das dívidas administradas pela PGFN; 2 – Critérios a serem considerados para influenciar positivamente ou negativamente na classificação do perfil de risco do contribuinte no cadastro; 3 – Modalidades de garantias diferenciadas para contribuintes com menor risco fiscal; 4 – Quantidade de níveis de perfil de risco do contribuinte no cadastro; 5 – Publicidade da nota atribuída ao contribuinte no cadastro, para o próprio interessado e para terceiros; 6 – Influência do histórico de adesão e cumprimento dos acordos de parcelamento convencional e especiais na nota atribuída ao contribuinte; 7 – Utilização da nota atribuída pelo cadastro na variação da régua de cobrança conforme o perfil de risco do contribuinte, envolvendo os momentos de aplicação das medidas de protesto extrajudicial da certidão da dívida ativa, de registro do nome do contribuinte em órgãos de proteção ao crédito e na Lista de Devedores da PGFN, da averbação pré-executória e do ajuizamento de execução fiscal”. As informações acima referidas foram extraídas do site disponível em: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/noticias/2018/participe-da-consulta-publica-sobre-o-cadastro-fiscal-positivo-da-pgfn (acesso em: 3 fev. 2019). Visivelmente, apesar de o cadastro fiscal positivo ainda estar em vias de formatação e de não ter sido implementado, fato é que a iniciativa da PGFN de criá-lo, utilizando-se de expedientes como a instauração de um procedimento de consulta e a realização de audiência pública para auxiliar na elaboração do respectivo quadro normativo, materializa um exemplo recente de regulação fiscal cooperativa. Não se pode olvidar que a própria ideia de criação de um cadastro fiscal positivo compreende fortes estímulos (nudges/carrots) para o comportamento de compliance, na linha do que vem sendo exposto neste artigo. A regulação fiscal cooperativa, portanto, já vem deixando de ser apenas uma concepção teórica para tornar--se realidade, ainda que seja um processo novo e recente no país.
  • 16
    Para Alm, McClelland e Schulze, “a social norm therefore represents a pattern of behavior that is judged in a similar way by others and that therefore is sustained in part by social approval or disapproval”. Assim prosseguem os mencionados autores: “consequently, if others behave according to some socially accepted mode of behavior, then the individual will also behave appropriately; if others do not so behave, then the individual will respond in kind” (ALM; MCCLELLAND; SCHULZE, 1999, p. 141).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2017
  • Aceito
    30 Jan 2019
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