Acessibilidade / Reportar erro

A men’s place: o passado como referência para o futuro das masculinidades em The Handmaid’s tale

A men’s place: The past as a reference for the future of masculinities in The Handmaid’s Tale

Resumo

Este artigo investiga como se configuram as masculinidades na série de televisão The Handmaid’s tale. A partir da percepção de que o programa sugere a falência da ideia moderna de progresso, observamos como o futuro na narrativa se mostra amedrontador por seu passadismo, vez que há uma retomada de antigos projetos e visões de mundo para embasar a religiosa República de Gilead, onde se passa a trama. Numa tensão entre utopia, distopia e retrotopia, a busca pela reafirmação de um ideal de masculinidade dá o tom do regime autoritário, no qual os homens estabelecem o poder a partir da subjugação da mulher, doenrijecimento do conceito de família e do controle do espaço.

Palavras-chave
masculinidades; utopia; distopia; séries

Abstract

This paper investigates how to configure masculinities in the TV series The Handmaid’s Tale. From the perception that the show suggests the failure of the modern idea of progress, we observe how the future in the narrative is frightening by its “pastness”, since there is a resumption of old projects and worldviews to base the religious Republic of Gilead, where the plot takes place. In a tension between utopia, dystopia and retrotopia, the search for the reaffirmation of an ideal of masculinity sets the tone of the authoritarian regime, in which men establish power from the subjugation of women, from the hardening of the concept of family and from control of space.

Key-words
masculinities; utopia; dystopia; TV series

Introdução

Em 24 de janeiro de 2017, dias após a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, um clássico da literatura, publicado em 1949, voltou à lista dos livros mais vendidos na Amazon: 1984, de George Orwell. No período, as vendas do romance aumentaram nada menos que 10.000% (ALTARES, 2017ALTARES, G. ‘1984’ lidera as vendas de livros nos EUA desde a posse de Trump. El País. 26 jan. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/26/cultura/1485423697_413624.html. Acesso em: 24 jan. 2019.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01...
). Um episódio que motivou a disparada das vendas foi a fala da chefe de campanha do presidente, Kellyanne Conway, ao sugerir que dados incorretos podem não ser uma mentira, mas “fatos alternativos” (ALTARES, 2017ALTARES, G. ‘1984’ lidera as vendas de livros nos EUA desde a posse de Trump. El País. 26 jan. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/26/cultura/1485423697_413624.html. Acesso em: 24 jan. 2019.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01...
). O truque retórico foi logo associado à trama de 1984, na qual um Estado totalitário desenvolve diversos artifícios para distorcer a realidade.

No começo de fevereiro do mesmo ano, outra distopia voltou à lista de best-sellers da Amazon (TROMBETTA, 2017TROMBETTA, S. ‘The Handmaid’s Tale’ Is The Most-Read Book Of 2017, According To Amazon Data. Bustle. 12 dez. 2017. Disponível em: https://www.bustle.com/p/the-handmaids-tale-is-the-most-read-book-of-2017-according-to-amazon-data-7546891. Acesso em: 24 jan. 2019.
https://www.bustle.com/p/the-handmaids-...
): O conto da Aia, da escritora canadense Margaret Atwood. Publicado em 1985, o romance se passa em um futuro próximo no qual os Estados Unidos são dominados por um governo teocrático totalitário. O regime instalado guia-se por preceitos bíblicos e remonta a diferentes épocas pregressas, tendo surgido como resposta ao risco de extinção da humanidade, causado pela infertilidade generalizada. Nesse cenário, as mulheres que permanecem férteis se tornam aias, e sua função é gerar filhos para os comandantes do regime, conhecidos como “Líderes dos fiéis”. No contexto da eleição de Trump, o futuro pessimista de O conto da Aia dialoga com outro aspecto dos tempos sombrios que já se vislumbravam no horizonte dos Estados Unidos: o combate aos direitos das minorias, constantemente atacadas pelo presidente.

A redescoberta do livro de Atwood se deu também pelo lançamento, na época, do trailer da série de TV baseada na obra, produzida pela Hulu. The Handmaid’s tale, criada por Bruce Miller, estreou em 26 de abril do mesmo ano e se tornou uma das séries mais aclamadas do período, sendo renovada para uma segunda temporada (que expande a história para além do romance original). A produção passou a integrar a assim chamada “nova onda” de distopias, em que narrativas pessimistas sobre o futuro gozam de grande popularidade nos mais diversos meios (LEPORE, 2017LEPORE, J. A Golden Age for Dystopian Fiction. The New Yorker. 05 jun. 2017. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for-dystopian-fiction. Acesso em: 16 out. 2018.
https://www.newyorker.com/magazine/2017/...
; NORTH, 2018NORTH, C. Whose Dystopia Is It Anyway?. Slate. 22 mai. 2018. Disponível em: https://slate.com/technology/2018/05/dystopia-used-to-mean-cataclysmic-now-it-seems-to-refer-to-the-banally-creepy.html. Acesso em: 24 jan. 2019.
https://slate.com/technology/2018/05/dys...
).

Tais obras dialogam com um cenário sociopolítico marcado não apenas por um ceticismo quanto ao amanhã, mas pela aparente volta do que parecia superado: golpes na democracia, exploração dos trabalhadores, proposta de construção de muros separando territórios, manifestações fascistas, nacionalismos exacerbados. Sombras do passado têm fundamentado o plano político de grupos reacionários, que veem a retomada como estratégia para guiar a humanidade nos imprevisíveis próximos anos (CHARLEAUX, 2017CHARLEAUX, J. P. Por que a extrema direita cresce no mundo, segundo este estudioso. Nexo. 29 set. 2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/09/29/Por-que-a-extrema-direita-cresce-no-mundo-segundo-este-estudioso. Acesso em: 16 out. 2018.
https://www.nexojornal.com.br/entrevista...
; FAGUNDES, 2017FAGUNDES, R. Entre o medo, o desdém e a cólera: o avanço da extrema direita no Brasil. Le Monde Diplomatique Brasil. 25 jul. 2017. Disponível em: https://diplomatique.org.br/entre-o-medo-o-desdem-e-a-colera-o-avanco-da-extrema-direita-no-brasil/. Acesso em: 16 out. 2018.
https://diplomatique.org.br/entre-o-medo...
). A sensação é de que há um retrocesso, e diversas matérias jornalísticas1 1 Alguns exemplos: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/08/03/Por-que-%C3%A9-f%C3%A1cil-confundir-realidade-e-distopia-nos-dias-atuais; http://bravo.vc/s0-incertitude/e2-distopia-realidade/; http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/black-mirror-a-nossa-distopia/; http://www.vulture.com/news/dark-futures/; https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/jan/25/george-orwell-donald-trump-kellyanne-conway-1984; https://www.clarin.com/cultura/futuro-literario-imagino-temores-actuales_0_HJdpJN99x.html. vêm destacando o sentimento de temor em relação a um futuro nostálgico pelo passado.

No caso de The Handmaid’s tale, a proposição de um futuro que saúda tempos de outrora tem, como mote principal, a recuperação de certas convenções, costumes e leis relacionadas às relações de gênero. Na trama da série, há uma epidemia mundial de infertilidade que atinge mulheres e homens – mas o discurso é de que apenas elas estão ficando estéreis. Aquelas que ainda seguem capazes de gerar filhos tornam-se, assim, escravas: perdem quase todos os seus direitos e devem servir como incubadoras humanas, estupradas num ritual religioso para engravidar dos comandantes.

Muito se tem discutido sobre o lugar da mulher em The Handmaid’s tale (FEITAL et al, 2018FEITAL, Y. et al. The Handmaid’s Tale: A representação da mulher na série e a proximidade com a realidade brasileira. In: XXIII CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE (INTERCOM), 23, 2018, Belo Horizonte. Anais do XXIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2018. p. 1-15.). Para debater como se dá a violência de gênero na série, entretanto, propomos um olhar que ajude a compreender o modo como esse quadro se constitui a partir do outro lado: o dos homens. Não é o caso, importante dizer, de um movimento que abre mão da tão necessária visibilidade das mulheres em prol daqueles que seriam agentes opressores. Trata-se, isso sim, de levar em consideração que uma relação de dominação, exclusão e marginalidade é, justamente, uma relação; por isso, abrange quem faz e quem sofre violência, em dinâmicas jamais estanques, mas que indicam uma distribuição de poder altamente desigual. Para além da série, a luta por reconhecer opressões e pensar mudanças reclama, portanto, um olhar sobre as masculinidades.

Esse é também um movimento importante porque os aparentes deslocamentos temporais que marcam tais obras apontam, justamente, para um cenário de incertezas em relação ao próprio gênero masculino. Não que as masculinidades tenham sido, até aqui, um bloco coeso ou estático. A ideia de crise, pretensamente tomada enquanto símbolo da atualidade, é condição das históricas conformações do ser homem (BADINTER, 1985BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.; ARTEAGA, 2016ARTEAGA, J. A. R. De niño a hombre: el eros pedagógico a escena. In: JIMÉNEZ, R. M. Masculinidades dissidentes. Barcelona: Icaria Editorial, 2016.). Mas parece que a virilidade deixou de assegurar uma hegemonia tão inevitável. Lugares como o do pai e do chefe da família, que se estendem ao domínio dos espaços, dos meios de produção e dos corpos, são vividos de formas mais intensamente fraturadas entre os vestígios do passado, as urgências do presente e as perspectivas do futuro.

Assim, este artigo propõe uma reflexão sobre como se configuram as masculinidades nas duas temporadas lançadas de The Handmaid’s tale. Para tal, observamos de que modo se dão os jogos de poder engendrados pelos homens, e que relações eles estabelecem, seja quando surgem em cena, seja quando são convocados em falas e pensamentos – principalmente da protagonista June Osborne, que conduz a maior parte da narrativa. Desse modo, analisamos que papel essas figuras – com ênfase nos principais homens da série, o comandante Fred Waterford (a quem June é designada como aia), o motorista Nick Blaine (com quem June desenvolve um relacionamento) e Luke Bankole (marido de June e pai de sua filha, Hannah) – desempenham na história, sublinhando sua atuação na opressiva República de Gilead. Para isso, propomos um estudo em que se reflete sobre a masculinidade como ponto central de uma distopia passadista.

As topias de Gilead

Diversos autores reconhecem a ideia de progresso como marca essencial da modernidade europeia (HARTOG, 2013HARTOG, F. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.; KOSELLECK, 2006KOSELLECK, R. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.; RICOEUR, 1997RICOEUR, P. Tempo e narrativa – Tomo III. Campinas: Papirus, 1997.). A perspectiva de que, por meio da razão e da ciência, seria possível conduzir um projeto de avanço da humanidade define uma mudança de mentalidade que envolve a própria maneira de se conceber o tempo. Reinhart Koselleck (2006)KOSELLECK, R. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006. destaca que, anteriormente, a relação da sociedade europeia com o tempo foi modelada, até a Idade Média, por preceitos cristãos, marcada pela expectativa do apocalipse e seus repetidos adiamentos.

Essa concepção passa por importantes transformações no século XVIII, quando, conforme Koselleck, a ideia de progresso ganha força: o futuro adquire ares de ineditismo, escapando à experiência tradicional. Tal mudança está intimamente relacionada à modernidade, como esclarece François Hartog (2013, p. 62)HARTOG, F. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.: “Para que o acontecimento (moderno) se realizasse, foi necessário que o futuro passasse ‘à frente’”. Segundo Koselleck, se antes o futuro era temido, torna-se agora desejado, a partir do avanço das ciências e da descoberta da América.

Porém, como destaca Hartog (2013)HARTOG, F. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., com o passar do tempo, percebe-se que o futuro projetado pela modernidade se mostra paulatinamente mais distante e inalcançável, minando a própria possibilidade de progresso. Segundo Paul Ricoeur (1997, p.370)RICOEUR, P. Tempo e narrativa – Tomo III. Campinas: Papirus, 1997.: “[...] as esperanças da humanidade perdem toda ancoragem na experiência adquirida e são projetadas num futuro propriamente sem precedentes”. Perde-se, por conseguinte, a referência da história anterior e a perspectiva de projetar o futuro.

Ao mesmo tempo, diversos acontecimentos minam a esperança de que o amanhã será sempre melhor que o hoje. Elisa Rodrigues (2012)RODRIGUES, E. Ecos do mundo zero. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012. destaca o século XX como um período em que assistimos a um ruir de certezas. Segundo ela,

[...] as guerras mundiais, os desastres ecológicos e as reflexões epistemológicas erodem a fé no racionalismo e na possibilidade de uma ciência objetiva, pura e descomprometida, do mesmo modo que o crash da Bolsa de 1929, o Macarthismo e o acentuar das desigualdades abalam o sonho capitalista e democrático americano, e Estaline [Stalin] (e a posterior queda do muro de Berlim) abalam a utopia socialista

(RODRIGUES, 2012RODRIGUES, E. Ecos do mundo zero. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012., p. 21).

A dificuldade em projetar o futuro é motivação central para que se instale o totalitarismo em The Handmaid’s tale. Na trama, certos grupos passam a condenar a ideia de progresso, culpando a ambição da sociedade – materializada no avanço científico e tecnológico – pelo eminente ocaso da humanidade. Em Offred (T01E01)2 2 Temporada 1, Episódio 1. , Tia Lydia, personagem responsável pela educação das aias, explica que a infertilidade seria uma praga jogada por Deus para punir as pessoas, responsáveis pela poluição das fábricas, pela radiação, pelos agrotóxicos e pela criação de métodos contraceptivos. A resposta para isso é uma volta ao passado, tendo como base os preceitos bíblicos. Institui-se, assim, uma teocracia dominada por homens e que transforma as poucas jovens ainda férteis em Aias a serviço de famílias poderosas. Ao contrário de boa parte da produção de ficção científica, o futuro aqui é ameaçador não por sua futuridade, mas por sua “passadidade”.

O regime de Gilead, que se forma nos Estados Unidos, beneficia, assim, algumas castas sociais em detrimento de outras. “Nós só queríamos tornar o mundo melhor. Mas melhor nunca significa melhor para todos. Sempre significa pior para alguns”, justifica-se o comandante Waterford em Faithful (T01E05). Em uma utopia, o “melhor” seria para todos. O termo utopia é um neologismo que vem do grego e do latim, criado a partir de eu topos (“bom lugar”) e ou topos (“lugar nenhum”) (MILNER, 2009MILNER, A. Changing the climate: The politics of dystopia. Continuum: Journal of Media & Cultural Studies. Vol. 23, No. 6, December 2009, pp. 827–838.). A expressão foi cunhada por Thomas More em 1516, no clássico Utopia, que conta a história de uma isolada ilha paradisíaca de mesmo nome. Conforme Darko Suvin (1988)SUVIN, D. Positions and presuppositions in Science Fiction. Londres: The Macmillan Press, 1988., algumas das características da utopia são uma localização isolada, um sistema formal e uma diferença radical em relação à realidade do leitor. A utopia está ligada, logo, a uma ideia de promessa, esperança e felicidade.

Em Gilead, na qual a maior parte da sociedade se vê subjugada a um regime marcado pela violência, temos a formação de uma distopia. Como explicam Michael D. Gordin, Helen Tilley e Gyan Prakash (2010), a distopia é o doppelgänger da utopia, não o seu oposto:

Uma verdadeira oposição à utopia seria uma sociedade completamente não planejada ou planejada para ser deliberadamente aterrorizante e terrível. A distopia, tipicamente invocada, não é nenhuma dessas opções; é, na verdade, uma utopia que deu errado, ou uma utopia que funciona apenas para um segmento particular da sociedade

(GORDIN; TILLEY; PRAKASH, 2010GORDIN, M. D. ; TILLEY, H. ; PRAKASH, G. Introduction. In: GORDIN, M. D. ; TILLEY, H. ; PRAKASH, G. (orgs.). Utopia/Dystopia: Conditions of historical possibility. Princeton: Princeton University Press, 2010. p. 1-21., p. 1, tradução nossa).3 3 A true opposite of utopia would be a society that is either completely unplanned or is planned to be deliberately terrifying and awful. Dystopia, typically invoked, is neither of these things; rather, it is a utopia that has gone wrong, or a utopia that functions only for a particular segment of society.

Assim como as utopias, as distopias também costumam aparecer isoladas espaço-temporalmente – todavia, tendem a revelar sociedades autoritárias, que dominam os cidadãos. O termo vem do grego dis topos (“lugar ruim”) e possui origem controversa (SOARES, 2017SOARES, J. Utopia, distopia e a insatisfação com a realidade em A cidade das damas de Christine de Pizan e O último homem de Mary Shelley. Revista Graphos, João Pessoa vol. 19, n. 3, p. 111-124, 2017.). Segundo Gordin, Tilley e Prakash (2010)GORDIN, M. D. ; TILLEY, H. ; PRAKASH, G. Introduction. In: GORDIN, M. D. ; TILLEY, H. ; PRAKASH, G. (orgs.). Utopia/Dystopia: Conditions of historical possibility. Princeton: Princeton University Press, 2010. p. 1-21., a distopia nos transporta para uma realidade sombria e depressiva, sugerindo que um futuro terrível nos espera caso não façamos nada a respeito no presente. No caso de The Handmaid’s tale, as mulheres são as principais vítimas, mas a maioria dos personagens se vê sob o jugo de uma reduzida elite formada por homens. Nesse contexto, a saída é a busca por heterotopias, os “espaços absolutamente outros” deflagrados por Michel Foucault (2013)FOUCAULT, M. O corpo utópico; As heterotpias. São Paulo: n-l Edições, 2013. – os quais, ao mesmo tempo em que existem em nossa realidade, abrem brechas para uma experiência de fuga. No caso de June, pode ser o armário de seu quarto, no qual ela se deita, livre das vistas dos outros, e compartilha sua experiência de sofrimento com a aia anterior, que deixou rabiscada ali a frase “Nolite te bastardes carborundorum”, do latim, “não deixe os idiotas te desanimarem”.

Na diegese da série, a maior parte dos personagens vivencia de forma depressiva a sua realidade, o que fica evidente em falas, pensamentos, expressões. Entretanto, para os líderes, Gilead pode ser encarada como uma utopia moreliana: uma sociedade organizada, segura, na qual gozam de poder e prestígio. Percebe-se, assim, como utopia e distopia são categorias relativas. No caso de The Handmaid’s tale, a utopia que os líderes vislumbram tem um componente nostálgico, em que se recusa a configuração do presente diegético bem como os rumos que se desenham para o futuro dos Estados Unidos. Nesse processo de negação, há o desejo de retomar um ideário de passado. A diferença é que, na série, o anseio de retorno antecede a própria formação da nação estadunidense, remetendo à Terra de Gilead, descrita na bíblia como uma região segura e de conforto, cujo solo é fértil e os bálsamos, terapêuticos (BÍBLIA, 2015BÍBLIA SAGRADA. Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica, 2015.). A bíblia é, afinal, o livro-guia dessa comunidade, cujos escritos servem, inclusive, para se instituir o ritual religioso em que uma mulher deve gerar filhos para uma que é estéril: “Vendo Raquel que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã, e disse a Jacó: Dá-me filhos, se não morro. E ela disse: Eis aqui minha serva Bila; coabita com ela, para que dê à luz sobre meus joelhos, e eu assim receba filhos por ela” (GÊNESIS, 30:1-3).

Em The Handmaid’s tale, os grupos religiosos creditam a crise ao que seriam desvios morais e políticos na sociedade. Diante da corrupção dos bons costumes, a solução seria retornar aos “velhos tempos”, nos quais a família é formada por um casal heterossexual, o homem é o chefe da casa e trabalha fora, a esposa cuida do lar e não há mobilidade social. A série critica, assim, nostalgias de cunho eminentemente reacionário, que parecem caracterizar a contemporaneidade.

Nesse sentido, Zygmunt Bauman (2017)BAUMAN, Z. Retrotopia. São Paulo: Zahar, 2017. sugere que vivemos uma época não de utopias ao estilo de More – nas quais se pressupõe um sentido de aventura e de otimismo sobre o futuro – mas de “retrotopias”: visões instaladas num passado perdido/roubado/abandonado, mas que não morreu. Assim,

[...] em lugar de investir as esperanças públicas de melhoria num futuro incerto e “sempre obviamente duvidoso demais”, reinvesti-las mais uma vez no passado vagamente relembrado, valorizado por sua suposta estabilidade e, portanto, confiabilidade. Com essa virada de 180 graus, o futuro se transforma, de hábitat natural de esperanças e expectativas legítimas, em local de pesadelos

(BAUMAN, 2017BAUMAN, Z. Retrotopia. São Paulo: Zahar, 2017., pp. 11-12).

Para Bauman, a retrotopia é fiel ao espírito utópico em sua fixação num espaço territorialmente soberano que garante estabilidade e tenta conciliar segurança e liberdade. Sob esse ponto de vista, Gilead ainda estaria longe de ser uma retrotopia: não há busca por liberdade, e a segurança de uns é conquistada mediante a violência contra outros. A relação que podemos estabelecer está no fato de as perspectivas positivas que a noção de progresso convocava na modernidade agora evocarem o medo de uma catástrofe (BAUMAN, 2017BAUMAN, Z. Retrotopia. São Paulo: Zahar, 2017.).

Diante das incertezas que se avolumam, apela-se, na diegese da série, para a articulação entre tempos históricos que reclama referências ultrapassadas. Constitui-se, assim, um presente histórico que é a atualização de modelos, regimes políticos, ideias e costumes cujo caráter bárbaro e autoritário lhes condenou aos recantos mais sórdidos da história. E o projeto em jogo na narrativa de The Handmaid’s tale é tributário, em boa medida, da posição social do homem em tempos de outrora.

O ideal do Grande-homem

As relações temporais desenhadas por The Handmaid’s tale fazem lembrar a leitura de Walter Benjamin (2012)BENJAMIN, W. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. sobre o quadro Angelus Novus (1920) de Paul Klee, em que o “anjo da história” se volta para o passado enquanto é impelido por um vendaval para o futuro, ao qual dá as costas. Segundo Benjamin, esse vendaval é o que chamamos de progresso. No exemplo da série, é como se tal vento arrasador cessasse.

Se a ideia de progresso parece ter falhado em The Handmaid’s tale, é justamente porque dela se perdeu um elemento essencial: a incontestabilidade do poder do homem. É nesse colapso no qual se encontram os Estados Unidos que o sonho nostálgico de retorno de certo ideal de masculinidade, cujos privilégios se exercem à custa não só das mulheres, mas também dos próprios homens (WELZER-LANG, 2001WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, p. 460-482, 2001.), é materializado. A chamada nova ordem permite, então, que a dominação masculina – minimamente desestabilizada pela ascensão de grupos por ela marginalizados – se afirme com ainda mais força.

A masculinidade tal como a conhecemos parece apontar para uma série de certezas sobre o que se espera de um homem, como a exibição de virilidade por meio da potência física e sexual, a provisão da casa, a proteção de seus membros e o uso da racionalidade e do autocontrole na gestão do social e do público. É na passagem para o século XVIII que se estabelece a própria ideia de masculinidade, a partir da qual os homens passam a ser entendidos como mais aptos para a construção de um mundo racional (KIMMEL, 2008KIMMEL, M. Los estudios de la masculinidad: una introducción. In: La masculinidade al debate. Barcelona: Icaria Editora, 2008. p. 15-31.). Se, retomando Hartog (2013)HARTOG, F. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., podemos estar abandonando um regime moderno de historicidade, o estereótipo masculino ruiria concomitantemente.

Esse estereótipo é marcadamente inscrito nos corpos, transformados em construções biológicas por meio de um “duplo paradigma naturalista”: a pseudo natureza superior dos homens – baseada em rígidas fronteiras na definição dos gêneros masculino e feminino – e a visão heterossexuada do mundo – regime político de diferenciação e exclusão do outro (WELZER-LANG, 2001WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, p. 460-482, 2001.). É a radicalização de tal modelo que se apresenta como alvo da nostalgia dos homens em Gilead, ainda que a masculinidade jamais tenha sido um bloco coeso. A nova ordem leva a um grau extremo tanto aquilo já vivido no passado diegético recente da série quanto o que nós, telespectadores(as), experimentamos em nosso cotidiano: a garantia de condições de privilégios aos homens por meio da dominação das mulheres. As topias de Gilead, dessa forma, parecem estar mais próximas do que gostaríamos.

Vividas como projetos, as masculinidades são balizadas por relações de aderência e contestação a configurações de hegemonias contextuais, em jogos complexos de camaradagem e competição que envolvem o domínio dos espaços, físicos e simbólicos, e o imaginário acerca da paternidade. Casa-dos-homens é como Daniel Welzer-Lang (2001)WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, p. 460-482, 2001. nomeia os espaços de aprendizagem e sociabilidade masculinas, onde se manifestam as relações de poder entre homens. Gilead, assim, pode ser definida como uma grande casa-dos-homens – a men’s place.4 4 O termo é uma adaptação do título do sexto episódio da primeira temporada da série, A woman’s place, que é também o título do livro de Serena, esposa do Comandante Waterford. Seja como utopia, distopia ou retrotopia, estamos diante de uma “topia” construída pelo e para o homem.

Há, dentro dessa ordem, os espaços habitados e organizados pelas mulheres, servindo para abrigar relações pessoais e íntimas. Contudo, ainda que elas exerçam certa posse desses espaços, nunca alcançam a propriedade: há sempre o risco de que os homens os invadam. Mesmo na organização anterior a Gilead, é possível perceber que, por mais que as mulheres habitassem majoritariamente os locais de trabalho e as ruas, eram os homens que continuavam a organizar e a controlar o funcionamento desses lugares. É o que permite que a nova ordem seja instaurada de forma lenta e gradual, pois há mais continuidades do que rupturas.

Mas frequentar os espaços de sociabilidade na grande casa ou na própria casa-dos-homens, cujos privilégios se estendem para os espaços sociais de forma mais ampla, não é uma escolha individual. Os movimentos de entrada, permanência e saída operam ao modo de aprendizagens ritualísticas, envolvendo prazer e sofrimento, benefícios e sacrifícios. Neles,

[...] a homossociabilidade pode ser vivida e experimentada em grupos de pares. Nesses grupos, os mais velhos, aqueles que já foram iniciados por outros, mostram, corrigem e modelizam os que buscam o acesso à virilidade. Uma vez que se abandona a primeira peça, cada homem se torna ao mesmo tempo iniciado e iniciador

(WELZER-LANG, 2001WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, p. 460-482, 2001., p. 462).

O escritório do comandante Waterford, que preserva o passado recente condensando diversos elementos que se tornaram proibidos, de jogos de palavras a revistas femininas, é um desses espaços onde apenas os homens têm acesso. Esse lugar indica uma espécie de subterfúgio para essa casta de homens da ordem que eles mesmos criaram e mantêm. Se, ao contrário da retrotopia de Bauman (2017)BAUMAN, Z. Retrotopia. São Paulo: Zahar, 2017., não há liberdade em Gilead, há uma ilusão de segurança amparada pelo excesso de controle: sobre a história, a sociedade, os prazeres, os corpos.

A incapacidade de controle sobre a reprodução é, dessa forma, utilizada como sintoma do progresso que parece ter encontrado o fim do seu curso, e que descortina um cenário que resgata o temor medieval acerca do amanhã, baseado nas pregações bíblicas sobre o apocalipse. Nesse contexto, o milagre do nascimento nada mais é do que a retomada de uma ordem quase esquecida: a do reinado do Grande-Pai (BADINTER, 1985BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.). O desejo de ser pai, para Waterford e os demais Comandantes, é fundamental na consolidação do sonho nostálgico de retomada de lugares de privilégios masculinos. O reinado da autoridade parental e marital, tal como na Antiguidade e na Idade Média, e a partir da qual os líderes se guiam, confere ao homem o direito absoluto de julgar e punir. A esse pai soberano, que condensa a autoridade política e divina, era permitido o exercício de todas as formas de punição e castigo para com os seus dominados.

O comandante Waterford sabe que não é pai da filha de June (Nick é), mas o que parece importar não é a filiação da criança, e sim o status que ela é capaz de lhe conceder. A paternidade completa a imagem do Grande-homem que os Líderes buscam retomar. Em contrapartida, são as filhas que motivam as mulheres a se unirem e confrontarem a ordem. Lideradas por Serena, elas reivindicam que suas meninas tenham direito a estudar. É atravessando a fronteira das casas tipicamente masculinas, onde se criam leis e julgam a sua aplicação, que ocorrem formas de resistência pelas mulheres.

A gravidez é também significada por meio da concepção de família e amor românticos tecidos na modernidade, em que o filho é o símbolo máximo de uma união (BADINTER, 1985BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.). Em muitos flashbacks de June com a filha Hannah, Luke está presente, dividindo os cuidados. A experiência de paternidade dele é intrinsecamente ligada à relação amorosa dos dois. Para Nick, a paternidade é um ponto de inflexão. É a partir da notícia da gravidez de June que ele decide tirá-la da casa e começa a resistir e a enfrentar o sistema do qual faz parte. Se, em um dos primeiros diálogos com ela, o motorista alerta que “coragem não faz parte de nada disso” (T01E03), a expectativa de se tornar pai muda todo o jogo. É com o nascimento de Holly que os dois começam a sonhar com uma vida juntos.

Mais do que uma função a ser exercida, a paternidade para Luke e Nick é experienciada como sentimento, por meio do qual “o homem deixa de ser apenas genitor para responsabilizar-se pelo amor à criança e o bem da família” (PRIORE, 2013PRIORE, M. del. Pais de ontem: transformações da paternidade no século XIX. In: PRIORE, M. del; AMANTINO, M. (Org.). História dos Homens no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2013. pp.153-184., p. 174). Mas, assim como para o comandante Waterford, a paternidade para os dois não deixa de significar certo status. O lugar de pai confere a eles ora o reforço da masculinidade, pautada na potência e proteção da família, ora ponto de tensionamento do estereótipo masculino, no qual subjaz a dominação e a violência como elementos centrais.

Apesar do tom crítico em relação ao movimento temporal de retrocesso que a nova ordem coloca em curso, The Handmaid’s tale também indica, em diversos momentos, certo grau conservador no que tange aos desejos de futuro de seus personagens. No sonho de fuga de June e Nick para formarem uma família com a filha recém-nascida, há, também, uma dificuldade em pensar fora de padrões já estabelecidos, do amor romântico e da divisão heterossexual do trabalho, por exemplo. Ao não imaginar novas possibilidades para além daquelas já existentes no tempo anterior a Gilead, a série se mostra fortemente conformista. E, talvez por isso mesmo, em nosso momento presente, ela possa se tornar um alerta ao conformismo experimentado em um cenário resultante de ações e políticas progressistas das últimas décadas – e que, mesmo importantes, indicam ainda um longo caminho de luta.

Considerações finais

Diversas análises5 5 Ver exemplos: https://epoca.globo.com/a-sombra-de-si-mesmo-23184248; https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/02/opinion/1546450311_448043.html apontam para o desejo de reinstauração do lugar do Grande-Pai em governos atuais, tais como os de Trump nos Estados Unidos e de Bolsonaro no Brasil – ambos centralizados na figura de um homem autoritário, ultraconservador e punitivista. Sobre o pai, escreve Sigmund Freud (1970, p. 74)FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância 1910. In: FREUD S. Obras psicológicas completas. Vol. 11. Rio de Janeiro: Imago, 1970. p. 37-83. que, “na maioria dos seres humanos, tanto hoje como nos tempos primitivos, a necessidade de se apoiar numa autoridade de qualquer espécie é tão imperativa que seu mundo desmorona se essa autoridade é ameaçada”. Seria a função paterna, aparentemente, responsável por atender a esse desejo. Mas, em Gilead, ela parece não apenas cindida: seu retorno e exercício imperativos são causadores de um grande colapso nas estruturas sociais e psíquicas.

No cenário dos Estados Unidos tal como o conhecemos, manifestações têm tomado as ruas do país para discutir a questão do aborto e protestar contra o presidente Trump. Em muitas delas, um elemento chama a atenção: a presença de manifestantes trajando um figurino vermelho e branco, inspirado nas vestimentas que as aias usam em The Handmaid’s tale. O fenômeno não ficou apenas nos Estados Unidos, e integrou protestos também em países como Argentina e Brasil. Na Argentina, as mulheres pediam a legalização do aborto, que foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas vetada no Senado, em 2018. Em seu discurso na Câmara, a deputada Victoria Donda citou o livro de Atwood e a série da Hulu, comentando que a escritora canadense declarou, certa vez, ter se inspirado na ditadura argentina para criar um mundo no qual as crianças são tiradas das mães para ser entregues aos militares.

No Brasil, a posse de Bolsonaro à presidência foi comparada à instauração de Gilead. Aliado a um ideal político cristão ultraconservador, o então candidato chegou a defender a intervenção militar como principal via de retomada da ordem econômica e dos costumes morais. Entre as muitas polêmicas do recente governo, estão as declarações da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que têm como alvo a limitação e extinção dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e LGBTs. Na mais recente, ela afirmou que “o Brasil entra agora numa nova era, menino veste azul, menina veste rosa”6 6 Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/menino-veste-azul-menina-veste-rosa-diz-damares-alves-em-video-23343024. , que foi imediatamente relacionada à divisão das mulheres por castas e a sua identificação por cores na série.

Exemplos como o das manifestações ilustram a potência da ficção, que integra nossa realidade e nos inspira a agir no cotidiano. Por meio de textos como The Handmaid’s tale, podemos nos formar e nos transformar enquanto sujeitos políticos e compreender a realidade de outra maneira. Na distópica atualidade, é o que milhões de mulheres e homens têm feito ao redor do mundo. Diante de projetos políticos que propõem que demos um passo para trás (num recuo que pode levar à queda), diversas marchas avançam nas ruas. Se as utopias ao estilo de More carregam uma dimensão do irrealizável e do distante (temporal e espacialmente), talvez seja o caso de nos agarrarmos ao utópico de Ernst Bloch (2005)BLOCH, E. O princípio esperança. V. 1. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2005.. Bloch (2005)BLOCH, E. O princípio esperança. V. 1. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2005. não pensa a utopia em termos totalizantes, mas por meio da “função utópica” – ligada, antes de tudo, à esperança, a uma forma que impulsiona a mudança no futuro. Nesse sentido, a utopia trataria menos de uma imagem pronta do porvir e mais sobre o processo, sobre a possibilidade mesma de imaginar e construir a mudança no cotidiano. Assim, a esperança blochiana não se resume a um “cruzar os braços” otimista, mas a um desejo de mudança que emerge e conduz a um caminhar firme, marcado por “[...] uma vontade que não se deixa preterir por nada já existente” (BLOCH, 2005BLOCH, E. O princípio esperança. V. 1. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2005., p. 146). Em tempos como os atuais, urge ser utópico como Bloch, então.

Referências

  • ALTARES, G. ‘1984’ lidera as vendas de livros nos EUA desde a posse de Trump. El País 26 jan. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/26/cultura/1485423697_413624.html Acesso em: 24 jan. 2019.
    » https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/26/cultura/1485423697_413624.html
  • ARTEAGA, J. A. R. De niño a hombre: el eros pedagógico a escena. In: JIMÉNEZ, R. M. Masculinidades dissidentes Barcelona: Icaria Editorial, 2016.
  • BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
  • BAUMAN, Z. Retrotopia São Paulo: Zahar, 2017.
  • BENJAMIN, W. O anjo da história Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
  • BÍBLIA SAGRADA. Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica, 2015.
  • BLOCH, E. O princípio esperança V. 1. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2005.
  • CHARLEAUX, J. P. Por que a extrema direita cresce no mundo, segundo este estudioso. Nexo 29 set. 2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/09/29/Por-que-a-extrema-direita-cresce-no-mundo-segundo-este-estudioso Acesso em: 16 out. 2018.
    » https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/09/29/Por-que-a-extrema-direita-cresce-no-mundo-segundo-este-estudioso
  • FAGUNDES, R. Entre o medo, o desdém e a cólera: o avanço da extrema direita no Brasil. Le Monde Diplomatique Brasil 25 jul. 2017. Disponível em: https://diplomatique.org.br/entre-o-medo-o-desdem-e-a-colera-o-avanco-da-extrema-direita-no-brasil/ Acesso em: 16 out. 2018.
    » https://diplomatique.org.br/entre-o-medo-o-desdem-e-a-colera-o-avanco-da-extrema-direita-no-brasil/
  • FEITAL, Y. et al The Handmaid’s Tale: A representação da mulher na série e a proximidade com a realidade brasileira. In: XXIII CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUDESTE (INTERCOM), 23, 2018, Belo Horizonte. Anais do XXIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2018. p. 1-15.
  • FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância 1910. In: FREUD S. Obras psicológicas completas Vol. 11. Rio de Janeiro: Imago, 1970. p. 37-83.
  • FOUCAULT, M. O corpo utópico; As heterotpias. São Paulo: n-l Edições, 2013.
  • GÊNESIS, 30:1-3. In: Bíblia Sagrada Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica, 2015.
  • GORDIN, M. D. ; TILLEY, H. ; PRAKASH, G. Introduction. In: GORDIN, M. D. ; TILLEY, H. ; PRAKASH, G. (orgs.). Utopia/Dystopia: Conditions of historical possibility. Princeton: Princeton University Press, 2010. p. 1-21.
  • HARTOG, F. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
  • KIMMEL, M. Los estudios de la masculinidad: una introducción. In: La masculinidade al debate Barcelona: Icaria Editora, 2008. p. 15-31.
  • KOSELLECK, R. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.
  • LEPORE, J. A Golden Age for Dystopian Fiction. The New Yorker 05 jun. 2017. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for-dystopian-fiction. Acesso em: 16 out. 2018.
    » https://www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for-dystopian-fiction.
  • MILNER, A. Changing the climate: The politics of dystopia. Continuum: Journal of Media & Cultural Studies. Vol. 23, No. 6, December 2009, pp. 827–838.
  • NORTH, C. Whose Dystopia Is It Anyway?. Slate 22 mai. 2018. Disponível em: https://slate.com/technology/2018/05/dystopia-used-to-mean-cataclysmic-now-it-seems-to-refer-to-the-banally-creepy.html Acesso em: 24 jan. 2019.
    » https://slate.com/technology/2018/05/dystopia-used-to-mean-cataclysmic-now-it-seems-to-refer-to-the-banally-creepy.html
  • PRIORE, M. del. Pais de ontem: transformações da paternidade no século XIX. In: PRIORE, M. del; AMANTINO, M. (Org.). História dos Homens no Brasil São Paulo: Editora Unesp, 2013. pp.153-184.
  • RICOEUR, P. Tempo e narrativa – Tomo III. Campinas: Papirus, 1997.
  • RODRIGUES, E. Ecos do mundo zero Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
  • SOARES, J. Utopia, distopia e a insatisfação com a realidade em A cidade das damas de Christine de Pizan e O último homem de Mary Shelley. Revista Graphos, João Pessoa vol. 19, n. 3, p. 111-124, 2017.
  • SUVIN, D. Positions and presuppositions in Science Fiction Londres: The Macmillan Press, 1988.
  • TROMBETTA, S. ‘The Handmaid’s Tale’ Is The Most-Read Book Of 2017, According To Amazon Data. Bustle 12 dez. 2017. Disponível em: https://www.bustle.com/p/the-handmaids-tale-is-the-most-read-book-of-2017-according-to-amazon-data-7546891. Acesso em: 24 jan. 2019.
    » https://www.bustle.com/p/the-handmaids-tale-is-the-most-read-book-of-2017-according-to-amazon-data-7546891.
  • WELZER-LANG, D. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, p. 460-482, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2019
  • Aceito
    27 Abr 2019
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP Rua Ministro Godoi, 969, 4º andar, sala 4A8, 05015-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3670 8146 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: aidarprado@gmail.com