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Formalização estética e história na Áustria: anotações sobre Ingeborg Bachmann e Thomas Bernhard

Aesthetic formalization and History in Austria: Notes on Ingeborg Bachmann and Thomas Bernhard

Resumo

Neste artigo, partimos de um momento representativo da história austríaca, no final dos anos 1950, marcado por alguns desenvolvimentos no plano da vida social que buscavam parceria e harmonia, sem lidar com seu passado em relação ao nazismo. Contra essa situação se insurgem alguns autores fundamentais para a literatura austríaca, buscando formalizações estéticas que efetivam uma localização histórica crítica, que deve muito à perspectiva do materialista histórico benjaminiano. O recorte desse artigo recai sobre duas obras: o conto Unter Mördern und Irren (escrito em 1956-7, publicado em 1961), de Ingeborg Bachmann e o romance Auslöschung (1986), de Thomas Bernhard.

Palavras-chave:
Literatura e sociedade; Literatura austríaca; Ingeborg Bachmann; Thomas Bernhard; Walter Benjamin

Abstract

The background of this study is the end of the 1950s, a representative moment in Austrian history, which was characterized by some developments in social life. These developments searched for partnership and harmony, without dealing with the country’s past in relation to Nazism. Against this situation, some important writers of Austrian literature appear and are guided by aesthetic formalizations that promote a critical historic setting, mainly due to Benjamin’s historical-materialist approach. The aim of this paper is to analyze two literary texts: the short story Unter Mördern und Irren (written in 1956-7, published in 1961), by Ingeborg Bachmann and the novel Auslöschung (1986), by Thomas Bernhard.

Keywords:
Literature and society; Austrian literature; Ingeborg Bachmann; Thomas Bernhard; Walter Benjamin

Introdução

Neste artigo, discutiremos um momento representativo da literatura austríaca, no qual a relação arte e sociedade deixa de ser meramente superficial, no sentido de uma localização na história, e passa a ser uma mediação interna, de tal modo que a expressão histórica a partir da análise estética se faz pelo estudo formal e temático da obra. Na esteira da análise crítica de Benjamin sobre a criação de uma mitologia discursiva do capitalismo que pode ser entrevista e desmontada, desmascarada, a partir da obra de Baudelaire na Paris do século XIX, aqui se pretende discutir outros aspectos dessa crise histórica do capitalismo a partir do estudo imanente de um momento específico da literatura austríaca no pós-Segunda Guerra, nomeadamente contra uma idealização falsa da história recente do pós-1945.

O recorte desse artigo remonta a uma tradição muito forte da literatura austríaca, a crítica da linguagem, que irrompe no contexto de um ceticismo pronunciado em relação ao humanismo literário que marca a literatura alemã desde ao menos Goethe - e que, na tradição literária austríaca, terá um desenvolvimento bem diferente, tendo como correspondente em negativo de Goethe um autor como Franz Grillparzer (GOLLNER: 2015GOLLNER, Helmut. Sobre a identidade literária austríaca. Trad.: Ruth Bohunovisky. Pandaemonium Germanicum, v. 18, n. 25, 1-17, jun/2015. Disponível em: Disponível em: http://www.revistas.usp.br/pg/article/view/100420/99024 (05/04/2019).
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). Com isso já se localiza o chão em que estaremos pisando: a literatura austríaca, ao lidar com uma matéria social, política, histórica e econômica muito diferente da alemã, tem especificidades tanto formais quanto temáticas que precisam ser levadas em conta por quem a estuda. No caso do início dos anos 1960, entre outras coisas, parte significativa dos autores procurou dar expressão à uma perspectiva crítica da literatura, digamos, afinada com a ordem dominante. Nas palavras de Bohunovsky:

No início dos anos 60, uma literatura progressista começou - aos poucos - a se impor contra a literatura tradicionalista. A prática de recalcamento (Verdrängung) tornou-se então alvo de crítica e topos literário, como, por exemplo, na literatura de Ingeborg Bachmann, Thomas Bernhard ou Gerhard Fritsch. (...) O conto “Unter Mördern und Irren” (Entre assassinos e loucos) deu início àquilo que se tornou a “melodia literária” (ZEYRINGER 2008ZEYRINGER, Klaus. Österreichische Literatur seit 1945: Überblicke, Einschnitte, Wegmarken. Innsbruck: Studienverlag, 2008.:13): o debate crítico com a “topografia” nazista, a continuação de estruturas totalitárias na sociedade, a crítica ao conceito de Heimat defendida pelo establishment literário da época. (BOHUNOVSKY 2010BOHUNOVSKY, Ruth. À procura da literatura austríaca: da construção à análise de um mito. Pandaemonium Germanicum, v. 15, 139-162, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pg/n15/a09n15.pdf (20/04/2019).
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: 157-8).

As especificidades da literatura austríaca são discutidas em profundidade por pesquisadores como Schmidt-Dengler (1996SCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Bruchlinien. Vorlesungen zur österreichischen Literatur 1945 bis 1990. Salzburg und Wien: Residenz Verlag, 1996.), Zeyringer (2008ZEYRINGER, Klaus. Österreichische Literatur seit 1945: Überblicke, Einschnitte, Wegmarken. Innsbruck: Studienverlag, 2008.) e Zeyringer; Gollner (2019ZEYRINGER, Klaus; GOLLNER, Helmut. Áustria: uma história literária. Literatura, cultura e sociedade desde 1650. Tradução e adaptação de Ruth Bohunovsky. Curitiba: Editora UFPR, 2019.), entre outros, com base sobretudo num referencial teórico que parte da dialética entre projetos estéticos e processos socio-históricos, tendo como resultado comum a crítica ao engano em se ler a literatura austríaca como um apêndice, ou um capítulo, da literatura alemã. Mesmo quando se amplia o espectro com a denominação ‘literatura em língua alemã’, a questão da especificidade de uma literatura austríaca permanece em aberto: como a língua também é culturalmente formatada, e a atribuição de sentido depende de localização histórica, não há como encaixar num mesmo quadro normativo contextos históricos tão diversos.

Zeyringer (2008ZEYRINGER, Klaus. Österreichische Literatur seit 1945: Überblicke, Einschnitte, Wegmarken. Innsbruck: Studienverlag, 2008.) apresenta a questão, sucintamente, em 7 teses, que parafraseio e resumo a seguir: 1) Há literatura austríaca, sem dúvida; 2) Essa literatura não cabe nas periodizações de uma literatura alemã, qualquer que seja ela; 3) A literatura austríaca é uma literatura no contexto de um espaço cultural cambiante e de um Estado austríaco; 4) Ela não se limita, contudo, à representação de uma nação linguística e cultural, pois um sistema literário é multifacetado e abriga múltiplas tendências, além de envolver também a literatura de minorias; 5 e 6) Não se pode falar, portanto, em uma “essência” da literatura austríaca, pois isso pressuporia um cânone que caberia numa estratégia de marketing sob a rubrica Made in Austria, com a qual entraria no mundo das mercadorias. Isso levaria a rotular algumas características superficiais como “austríacas” e daí construir uma essência, num processo de mitificação ideológica; 7) Portanto, o campo da discussão teórica, histórica e prática sobre a literatura austríaca não deve se localizar em torno do Mito, nem de uma metáfora grandiosa, mas de uma análise da criação desses mitos, de seus processos históricos, seus interesses, e sua expressão literária em determinadas formas, conteúdos e materiais. Não se trata de uma teoria do discurso, nem de uma poetologia, nem de doutrina fechada, mas de uma história literária aberta, que realize uma reflexão sobre o cânone e construa uma história social da literatura baseada em métodos críticos. Em suma, não se discute a criação de uma literatura nacional, mas sim um estudo profundo da relação texto e contexto, como crítica imanente da obra de arte, que se articule em torno de uma história literária que envolve, necessariamente, os estudos culturais, a história social, a sociologia da arte e a crítica textual (ZEYRINGER 2008ZEYRINGER, Klaus. Österreichische Literatur seit 1945: Überblicke, Einschnitte, Wegmarken. Innsbruck: Studienverlag, 2008.: 43- 5). Essa análise imanente, vale a pena anotar, se pauta pelo conceito como expresso por Adorno: “O procedimento tem de ser, conforme a linguagem da filosofia, imanente. Conceitos sociais não devem ser trazidos de fora às composições líricas, mas sim devem surgir da rigorosa intuição delas mesmas.” (ADORNO 2003ADORNO, Theodor-Wiesengrund. Palestra sobre lírica e sociedade. In: ADORNO, Theodor-Wiesengrund. Notas de literatura I. Trad.: Jorge de Almeida. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2003, 65-89.: 67).

Essa longa remissão ao texto de Zeyringer se deve à possibilidade de compreender esse projeto de discussão teórica, crítica e histórica em torno da literatura como afeito ao projeto do historiador materialista de Walter Benjamin, a partir de sua operacionalização do conceito de alegoria e das teses ‘Sobre o conceito de história’. Nesse projeto de Zeyringer, não se trata do abandono da história literária, como se cada obra tivesse autonomia completa em relação às tendências estéticas de um dado contexto, nem tampouco se pretende criar um cânone próprio de obras relativas aos problemas e questões de uma nação, a Áustria. Esse cânone seria falso pois equivaleria a incorrer nos mesmos equívocos das classificações questionadas, construindo uma literatura para servir a uma determinada concepção de nação. A crítica aos padrões existentes leva alguns autores austríacos à busca pela superação destas posições acima apresentadas, partindo para uma análise imanente que inicia seu percurso pelas obras mesmas, para daí buscar relações externas, seja no campo estético, seja no social, que contribuam para sua interpretação.

Como visto há pouco, a partir dos anos 1960 surge uma vertente na literatura austríaca que se posiciona contra um forte movimento de negação da participação ativa dos austríacos no nazismo. Isso levou a um recalcamento dessa atuação sob a justificativa de que ‘fomos as primeiras vítimas de Hitler’ e que cada um ‘estava apenas cumprindo seu dever.’ No âmbito da política e da economia no pós-1945 austríaco, a necessidade da união de forças da sociedade em busca do consenso para a obtenção da autonomia política leva à criação da “parceria social” (Sozialpartnerschaft), evitando o desgaste do embate público e melhorando assim a imagem tanto interna quanto externa da Áustria.

Os grêmios da parceria social foram formados por representantes de entidades de empresários, sindicalistas, além de ministros da área econômica. Apesar dos membros não serem eleitos, esses grêmios tinham grande influência nas decisões do governo; estar fora da alçada dos controles institucionais também garantia a eles agilidade e uma relativa blindagem a críticas. As áreas de atuação preferenciais dessas parcerias sociais incluíam a discussão sobre salários de trabalhadores, a política econômica e o comércio; mas também podiam ser criadas comissões para tratar de outros assuntos relevantes da vida em sociedade. Esta parceria social foi fundamental desde o final da Segunda Guerra até a década de 1970, posto que a mera pretensão de retomar a autonomia política perdida com o fim da guerra pressupunha uma base econômica e política bem estruturada, o que demandava decisões consensuais (MENASSE 2005MENASSE, Robert. Seinesgleichen wird geschrieben: die Sozialpartnerschäftliche Ästhetik. In: MENASSE, Robert. Das war Österreich. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005, 122-172.).

Foi necessário esperar um longo tempo até que as questões acima apresentadas pudessem ser enfrentadas socialmente, e um dos lugares privilegiados em que isso se deu foi no campo da literatura. A força performativa dessa atuação é tal que essa perspectiva crítica foi chamada por Peter Handke de Era Bernhard - referindo-se ao escritor Thomas Bernhard (SCHMIDT-DENGLER s/dSCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Vorlesung über österreichische Literatur, 1990-2000. Cópia mimeografada, s/d.: 2). Esse enfrentamento estético-político-social ganha força e visibilidade nos anos 80 em torno da acirrada discussão pública no contexto da eleição de Kurt Waldheim para a presidência da Áustria, apesar - ou por causa - de sua participação nas SA nazistas, como veremos mais detidamente. O campo literário, de alguma forma, deixava o espaço limitado das discussões em que a estética resta isolada das demais áreas da vida social (aceitando seu recorte como alta cultura elitista ou como mercadoria da indústria cultural), e inundava os cafés, as páginas policiais e políticas dos jornais, a vida pública. Todo o escândalo em torno da encenação de Praça dos Heróis, de Thomas Bernhard, no Burgtheater de Viena em 1988 toca diretamente nesse nervo (FLORY 2020FLORY, Alexandre Villibor. Prefácio: Como transcorre o tempo na escuridão? In: BERNHARD, Thomas. Praça dos heróis. São Paulo: Temporal, 2020.).

Para o que nos interessa aqui, a literatura tem efetiva atuação como um “médium- de-reflexão” privilegiado nesse quadro, de revisitação histórica e enfrentamento estético desse passado, numa perspectiva que deve muito à filosofia da história de Walter Benjamin. O recorte neste artigo discute textos de dois autores: o conto Unter Mördern und Irren (Entre assassinos e loucos), escrito por Ingeborg Bachmann por volta de 1956-7 e publicado em 1961, na coletânea Das dreissigste Jahr, e o romance Auslöschung, de Thomas Bernhard, de 1986 - este último publicado no Brasil, sob o título ExtinçãoBERNHARD, Thomas. Extinção. Trad.: José Marcos M. de Macedo. São Paulo: Cia das Letras, 2000., em 2000. Eles foram escolhidos pela sua representatividade histórica e estética, já sedimentada pela crítica, bem como pelos temas e materiais tocarem diretamente a questão da revisitação do nazismo na Áustria, em clara confrontação a uma expectativa supostamente neutra e passiva defendida pelo discurso oficial.

Se em Benjamin a remissão à Paris do século XIX na obra de Baudelaire foi fundamental para seu projeto materialista de crítica literária (e social), e que não se restringe ao espaço de Paris ou da França, nem apenas ao século XIX, considero que esse quadro acima esboçado sobre a Áustria é também lugar adequado para um estudo que seja esclarecedor de mediações estéticas e históricas de amplo alcance.

Literatura, política e a construção do ‘mito habsburgo’: o caso da Áustria

O estudo do contexto histórico na Áustria do pós-45 é indispensável para se compreender o papel da literatura para a construção de uma identidade austríaca complexa, calcada em idealizações as mais variadas baseadas na longa tradição imperial. A linha mestra desta nova história literária tinha como pano de fundo o interesse de marcar as bases de uma literatura eminentemente austríaca, não mais subjugada à história literária alemã, e que conta com muitas vertentes. Este esforço ganha sentido ao se levar em conta as idiossincrasias da história da Áustria, que já foi o centro do Sacro Império Romano Germânico e do Império Austro-Húngaro, que se desfaz após a Primeira Guerra Mundial, sendo então anexada ao Reich de Mil Anos de Hitler em 1938, até chegar à Segunda República, em 1945, e à reconquista da autonomia política em 1955.

A gradativa perda de espaço e prestígio histórico chega a um momento agônico com o fim do Império Austro-Húngaro, em 1918, que provoca receio pela viabilidade econômica do novo país. Sem o parque industrial da Boêmia e as terras cultiváveis da Hungria, questionava-se as possibilidades da Áustria se estabelecer como nação autônoma. O resultado levou a Áustria a um projeto de anexação com a Alemanha após 1918, que conquistou grande apoio popular e só não se efetivou por imposição dos vencedores da guerra, que não desejavam uma Alemanha fortalecida após sua derrota. Era necessário preencher o vazio identitário, que se estende ao longo da Primeira República (1918-1934) e do Austrofascismo (1934-1938), chegando à anexação nazista (1938-1945), uma tarefa a ser realizada em meio à reconstrução material, espiritual e simbólica.

Nesse contexto conturbado, parte dos autores representativos da literatura austríaca do pós-guerra se esforçou por evitar o enfrentamento com o contraditório passado recente austríaco. Uma geração de artistas centrou forças em retomar projetos literários anteriores à guerra, procurando evitar o passado recente, especialmente a espinhosa tarefa de discutir o significado da anexação nazista em 1938, bem como o papel dos austríacos na guerra. Havia o interesse explícito, por parte de boa parte dos escritores, de simplesmente retroceder ao período histórico anterior ao estabelecimento da ditadura nacional-socialista. Heimito von Doderer é um dos que defendeu a proposta de que não teria havido uma ruptura histórica interna; sendo assim, não haveria necessidade de uma revisitação crítica, ou de um novo recomeço, algo análogo ao Stunde Null (Hora Zero) alemão (AUCKENTHALER 1994AUCKENTHALER, Karlheinz. ‘Überlegungen zum österreichischen Literaturbegriff’. Zeitschrift Österreich in Geschichte und Literatur (mit Geographie), n. 38, Caderno 3, 147-169, 1994.: 155). Lernet-Holenia é eloquente ao nos traduzir o espírito dessa significativa vertente: “Nós devemos apenas continuar onde os sonhos de um louco nos interrompeu. De fato, não precisamos olhar para a frente, mas para trás. [...] nós somos, no melhor e mais valioso entendimento, nosso passado.” (apudSCHMIDT- DENGLER 1996SCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Bruchlinien. Vorlesungen zur österreichischen Literatur 1945 bis 1990. Salzburg und Wien: Residenz Verlag, 1996.: 22, tradução nossa)2 2 No original: „In der Tat brauchen wir nur dort fortzusetzen, wo uns die Träume eines Irren unterbrochen haben, in der Tat brauchen wir nicht voraus-, sondern nur zurückblicken [...] wir sind, im besten und wertvollsten Verstande, unsere Vergangenheit“. . Esta leitura parte do pressuposto de que o passado é um conjunto de ocorrências coeso e idêntico a si mesmo, e se pauta pela decisão política de negar o recalcado, de eliminar o que não coaduna a idealização que se quer construir. O projeto de apagamento é explícito, e se constitui como um programa macabro, que acabou efetivado em vários níveis da vida social. Advoga um salto para antes da guerra e para fora da história, em direção a uma tradição petrificada e imobilizada. O passado a que ele alude aspira à empatia com outro tempo: o espírito que anima este projeto é o do historicismo, em identificação com os “dominantes do turno” (BENJAMIN 2005BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Trad.: Wanda Nogueira Caldeira Brant. Tradução das teses de Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.: 70).

Segundo Benjamin, o materialismo histórico se opõe à uma concepção de historicismo que elimine as vozes concorrentes ao discurso dominante, entre outros procedimentos pelos documentos que decide guardar, valorizar e dar visibilidade, num processo supostamente neutro e objetivo. É um processo sutil e lento, próprio dos processos de tornar um objeto artístico um clássico, desligando-o de seu contexto histórico e dos embates que travava, seja no campo estético, seja no social, levando-o para a altura metafisica própria do mito. No que estamos acompanhando, o projeto é explícito, defendido abertamente. Esta será a perspectiva oficial do pós-45, em busca de uma ‘literatura da nação/do lar’ (Heimatliteratur) idílica, idealizando a vida nas vilas. O Estado austríaco organiza e implementa essa remissão afetiva a um passado estilizado, reservando à arte (e à literatura) um papel de destaque:

[...] no esforço de esquecer as consequências do passado nazista de alguns indivíduos estava unida a maioria dos partidos e, do mesmo modo, agiram também os autores que, de fato, não mereciam mais se sentir como a consciência da nação. (SCHMIDT-DENGLER 1996SCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Bruchlinien. Vorlesungen zur österreichischen Literatur 1945 bis 1990. Salzburg und Wien: Residenz Verlag, 1996.: 20, tradução nossa)3 3 No original: „In der Bemühung, die Folgen der NS-Vergangenheit bei einzelnen Individuen vergessen zu machen, waren sich die meisten Parteien einig, und so und nicht anders verfuhr man auch bei den Autoren, die nun wirklich nicht mehr in Anspruch nehmen dürften, sich als das Gewissen der Nation zu fühlen“. .

Como não poderia deixar de ser, a historiografia literária não ficou alheia a essa postura com aura quase institucional. A revisitação positiva do passado poderia recuar até o barroco austríaco (quando Viena rivalizava com Paris como capital europeia), ou até a Áustria conhecida pelo Biedermeier da Era Metternich, na primeira metade do século XX. Em 1966, Claudio Magris (1988MAGRIS, Claudio. Der habsburgische Mythos in der Österreichischen Literatur. 2. Auflage. Salzburg: Otto Müller Verlag, 1988.) publica um livro de enorme impacto: Der habsburgische Mythos in der österreichischen Literatur (‘O mito habsburgo na literatura austríaca’, tradução nossa). Esse ‘mito’ idealiza a Áustria dos Habsburgos como um tempo feliz, caracterizado pelo senso da medida adequada, busca da harmonia e equilíbrio, constituindo-se como expressão de uma Europa Central marcada pela ordem, pela tradição e por um ritmo lento de transformações. A (re)construção deste ‘mito habsburgo’ teria planificado o passado e a contraditória realidade austríaca.

Magris mostra Franz Werfel como um autor que confere sustentação a essa perspectiva de um tempo alongado, seguro e calmo, não apesar de sua imobilidade, mas justamente por causa dela. Para Werfel, o que conferia união e estabilidade à monarquia seria seu caráter estático, configurando uma estabilidade que se contrapunha à dinâmica transformadora do restante da Europa. Werfel defende essa concepção, pois assim se conseguia adiar decisões difíceis que exigiam rapidez, postergando quaisquer decisões contundentes e irrevogáveis, esperando que os conflitos caducassem. Ou seja, Werfel identifica como elemento da cultura austríaca - sobretudo da nobreza e das classes mais abastadas - uma política de não-enfrentamento supostamente apaziguadora, mas que de fato não resolvesse seus conflitos mais imediatos, esperando por consensos que a ordem das coisas produziria por si só. Magris faz o balanço negativo dessa posição:

O imobilismo era assim revestido com significado profundo e elevado à revelação da mais alta sabedoria, enquanto era, de fato, apenas uma realidade dolorosa imposta pelas condições objetivas, uma, embora apreensível, sofrida realidade: assim limitações e erros passavam a vantagens e virtudes. (MAGRIS 1988MAGRIS, Claudio. Der habsburgische Mythos in der Österreichischen Literatur. 2. Auflage. Salzburg: Otto Müller Verlag, 1988.: 15)4 4 No original: „Der Immobilismus wird also mit tiefem Bedeutungsgehalt umkleidet und zu einer Offenbarung höherer Weisheit erhoben, während er doch nur eine schmerzliche, von den objektiven Verhältnissen auferlegte Realität war, eine zwar erfaßte, doch erlittene Realität: so werden Begrenzungen und Fehler zu Vorzügen und Tugenden“. .

Este ponto é fundamental para o artigo, posto que esse imobilismo questiona a importância das mudanças em curso, e ainda contribui para o abandono do passado como matéria de discussão - embora esse passado estivesse vivo na Áustria, e seu recalcamento não conseguia extingui-lo, nem torná-lo livre de tensões que iriam aflorar em algum momento. A esse quadro corresponde, ainda, o estabelecimento de reformas políticas, sociais e econômicas (como, por exemplo, os grêmios de parceria social, a reconstrução econômica, a ‘desnazificação’, o novo quadro partidário) que levam à negação, recalque, esquecimento e falsificação do passado recente. Essa luta pela eliminação das divergências está diretamente ligada aos esforços necessários para se pleitear o restabelecimento da autonomia política, obtida finalmente em 1955. Esse consenso imposto, no entanto, escondia as profundas arbitrariedades e abusos cometidos em nome desta estabilidade, o que interessava, sobretudo, aos que detinham o poder. O conto de Ingeborg Bachmann que analisaremos a seguir refuta e contesta, ponto por ponto, esse ‘mito’ acima apresentado, a partir de uma concepção de história que deve muito a Benjamin.

Unter Mördern und Irren: acerto de contas com a história

Escrito por volta de 1956-7, o conto de Bachmann ‘Unter Mördern und Irren’ (Entre assassinos e loucos) é considerado por Schmidt-Dengler (1996SCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Bruchlinien. Vorlesungen zur österreichischen Literatur 1945 bis 1990. Salzburg und Wien: Residenz Verlag, 1996.: 115) “o acerto de contas mais fundamental e completo com a restauração austríaca depois de 1945”5 5 No original: „(...) es ist die fundamentalste und umfassendste Abrechnung mit der österreichischen Restauration nach 1945“. .

O conto se inicia por um narrador em terceira pessoa que tece comentários genéricos e abstratos sobre os homens e sua maneira de agir e se socializar; segundo ele, os homens teriam tempo e disposição para se encontrar, beber e opinar sobre tudo e todos, e discutir assuntos comezinhos como também nacionais e internacionais, como se constituíssem um grupo à parte, com afinidades, interesses e um modo de ser próprios; habita-se o terreno das abstrações, da generalização, das totalizações absolutas - dir-se- ia fora da história. O conto constrói, inicialmente, uma caracterização do universo masculino atravessado por frases feitas e clichês surrados que, em contraponto, já exclui as mulheres; estas, parafraseando o conto, restam sozinhas em suas casas, remoem seus casamentos e sonham com a morte de seus maridos - em acidentes de carro, por ataques do coração ou pneumonia. Este início de algum modo soa sombrio, pois o tom não é o de um acerto de contas entre as expectativas e o comportamento de homens e mulheres, em busca de igualdade ou direitos iguais, nem se debate em torno de um casal específico. Embora essa dimensão esteja presente, e poderia ganhar corpo no conto, essa expectativa será descartada. O conto se abre em meio a uma crise, a um desacerto, ao questionamento das idealizações sobre o casamento e sobre os valores e naturalizações opressivas do mundo burguês. Há um quê de cansaço nas frases curtas e entrecortadas do narrador, com anotações sumárias e categóricas a respeito dessa situação. Esse cansaço se expressa também como enfado e exasperação, mas sem qualquer indício de luta ou de irritação. O tom categórico e seco abre pouco espaço para a interlocução com o leitor, para um apelo que buscasse empatia e envolvimento. Desta forma, o modo de narrar interdita a adesão do leitor, mantido a distância segura e um pouco inquieto com o quadro apresentado. O narrador, se falasse diretamente ao leitor, diria: ouça e preste atenção, não intervenha. O clichê pediria empatia com a causa justa da liberdade, autonomia e emancipação da mulher, deixada de lado a sofrer, em silêncio, nas casas frias, a sonhar com a morte dos maridos, mas a posição do narrador não deixa que essa operação se complete - ao menos nesse início do conto. Como resultado do processo, intuímos que há algo mais do que essa camada sendo posta em jogo, e logo saberemos que esses homens são austríacos, e que o tempo não é qualquer um, mas pouco tempo após a Segunda Guerra Mundial.

A perspectiva que acompanhamos é rompida, sofrendo uma inflexão logo no segundo parágrafo, quando um narrador em primeira pessoa do plural assume o discurso, e faz descer das alturas da generalização para o chão histórico austríaco: “Nós estamos em Viena, mais de dez anos após a guerra. <<Após a guerra>> - esta é a conta do tempo.” (BACHMANN 2005BACHMANN, Ingeborg. ‘Unter Mördern und Irren’. In: BACHMANN, Ingeborg. Sämtliche Erzählungen. München: Pipper Verlag, 2005, 159-186.: 159, tradução nossa)6 6 No original: Wir sind in Wien, mehr als zehn Jahre nach dem Krieg. <<Nach dem Krieg>> - dies ist die Zeitrechnung. . Essa passagem constrói um parágrafo inteiro e completo, isolado, curto, preciso e único, o que explicita sua força e importância para a narrativa. “Nós” se refere tanto ao conjunto formado pelo narrador e leitores como, também, aos grupos de homens que se reúnem por toda Viena, assunto anterior. No entanto, o tema mais importante dessa passagem e deste contexto histórico é a guerra, presente em todas as ocasiões, ainda viva e ativa; embora dez anos tenham se passado, é a referência temporal e temática mais relevante, fundante para o conto, além de seu princípio organizador. Não se trata, obviamente, da guerra em si, mas de todas as consequências que teve, em todos os campos da vida social, na Áustria, sobretudo em torno da necessidade de se construir um discurso forte de negação da participação no nazismo.

O imobilismo aqui não se refere a uma harmonia e equilíbrio que a literatura tradicional defendia, mas, pelo contrário, remete à impossibilidade de superação por conta do seu não-enfrentamento, ou ainda pior, de seu mascaramento, sua falsificação. Sua importância fica explícita pelo destaque gráfico que o narrador coloca: <<depois da guerra>>, entre colchetes, duplicado na frase, deixa de ser mero advérbio de tempo, marcação cronológica, e ganha status de localização histórica de contradições não superadas. A guerra acabou, mas o que foi feito discursivamente dela? E o que deriva em termos de ação dela? Vale lembrar que, durante 10 anos, de 1945 a 1955, a Áustria esteve sob intervenção dos vencedores da guerra, e somente após um longo processo de exportação bem-sucedida de sua recriação simbólica como ‘primeiras vítimas do nazismo’, o que contou até com um processo mal-acabado de ‘desnazificação’, foi possível à Áustria tornar-se autônoma politicamente. Esse processo não ocorreu sem muitas dores e recalques, que são mobilizados por Bachmann.

No quarto parágrafo, finalmente, chega-se ao ‘Eu’. A sequência em transição rápida faz as vezes de argumento em favor de uma constituição coletiva e cultural da subjetividade, ponto de vista que organiza o conto a partir de agora: mesmo quando a voz for cedida a outro personagem, este ‘Eu’ continua a perspectivá-la, pois nunca se apaga completamente, assim como a relação com a guerra, constituindo o lugar de onde se fala. O narrador, agora em primeira pessoa do singular, faz parte de um grupo de sete homens, que conversam e bebem numa taberna. Naquele dia, o grupo da narrativa é formado por quatro ex-nazistas graduados e três ‘judeus’, assim chamados por sua condição de perseguidos na guerra e não por sua suposta origem judaica - daí a marcação das aspas simples. Normalmente, o grupo seria formado por nove homens, mas desta vez faltaram dois outros ‘judeus’. Estes ‘judeus’ representam a voz dos dominados, dos massacrados, dos que continuam sem espaço físico e discursivo, sendo antes tolerados no contexto dado. O narrador em primeira pessoa assume a voz intranquilo: seus pensamentos são atravessados pela desconfiança e pela insegurança, e são entrecortados pela intensidade ambiente. Segundo o narrador, os ex-nazistas, por estarem em maioria na ocasião, não precisam assumir a versão oficial que prega a tolerância e o silêncio em busca do consenso necessário à reintegração austríaca, promotores de uma falsa harmonia. Bachmann critica com veemência um ponto nevrálgico do imediato pós-guerra, da recriação de uma identidade baseada em interesses políticos e econômicos de um grupo específico. O assunto da conversa, como não poderia deixar de ser, é a guerra. Friedl, Mahler e o narrador (os ‘judeus’) se procuram com os olhos, trocam impressões silenciosas e aterrorizadas, mas não conseguem mudar ou influir sobre o tema trazido à mesa. A desconfiança se traduzirá em receio e vacilo.

Nesse momento chega à mesa um pintor de fisionomias, que desenha uma caricatura de alguns dos presentes, o que propicia ocasião para que o narrador discorra sobre os quatro ex-nazistas. O narrador tece um quadro social e psicológico bem matizado, identificando os tipos em psicologias definidas. Haderer dirige uma rádio, Bertoni trabalha num jornal, Ranitsky leciona História Austríaca na Universidade e Hutter é um rico investidor e patrocinador da cultura. Cada um se mascara à sua maneira, o que as caricaturas desenhadas insinuam e o narrador explora em detalhe. O narrador se fia nas caricaturas que, ao distorcer e exagerar, se aproximam do teor de verdade daquelas personagens. O primeiro, Haderer, é um falastrão que, em situação favorável, não consegue fugir de seu assunto preferido, a guerra - e justifique tanto a guerra quanto o nazismo em chave moral. Bertoni usa da estratégia do silêncio, da esquiva, apenas insinua suas posições, mas seu silêncio respalda Haderer. Ranitsky, o professor, reescreveu cada página de sua História da Áustria, diz o narrador (BACHMANN 2005BACHMANN, Ingeborg. ‘Unter Mördern und Irren’. In: BACHMANN, Ingeborg. Sämtliche Erzählungen. München: Pipper Verlag, 2005, 159-186.: 166), no que diz respeito à história mais recente, para estar à altura da voz oficial. Remete, salvo engano, à autonomia conseguida pela Áustria apenas em 1955, um ou dois anos antes da escrita do conto, e à política da parceria social. Hutter era um homem sem escrúpulos e sem vergonha, que conseguiu um lugar de destaque na sociedade como financiador cultural - embora não frequente um teatro.

Enquanto esse processo de mascaramento é desmontado e controlado pelo narrador, outra linha de força narrativa passa a se insinuar e a ganhar força: alguns trechos entrecortados das histórias que são contadas à mesa vazam para o conto. Sobrepõem-se à voz do narrador algumas passagens fraturadas da elocução dos presentes à mesa. Sintomaticamente, trata-se de fragmentos isolados que não compõem uma única sequência completa. É uma nova dinâmica narrativa que se instaura. A voz (e o desespero) de Friedl e do narrador só serão apresentados narrativamente quando eles se ausentam da mesa por um tempo e debatem detidamente sobre a terrível posição em que se encontram. Não é a contingência desse encontro que está em primeiro plano, mas o peso histórico da situação, travada por conta da impossibilidade de ser sequer posta publicamente. A forma do conto faz com que estejamos sempre às voltas com o horror, mas nunca consigamos olhá-lo no rosto.

Quando voltam à mesa, há um homem a mais nela, desconhecido deles, ao lado de Mahler, o terceiro ‘judeu’. Também chegara ao local um grupo de ex-combatentes nazistas, nostálgicos e animados, que não escondem a sua euforia pela comemoração de alguma batalha esquecida do front. Um barulho enorme, a partir de agora, se insinua na conversa travada na mesa dos nossos agora oito homens. O vazamento desse contexto exterior para a narrativa, que irrompe sem mediação, chega a uma espécie de limite. Ele é tão forte que dificulta que os oito se ouçam, aumentando a sensação de vertigem e isolamento que já imperava entre os ‘judeus’ - formalmente, isso se configura com o enfraquecimento do controle operado pela figura do narrador. São canções nazistas que deveriam ser abafadas, esquecidas ou, ao menos, provocar pudor nos que as entoam: no contexto da narrativa nada os impede nem os ameaça. A situação se torna mais aguda e insuportável; se antes havia um desequilíbrio entre ex-nazistas e ‘judeus’ que oprimia e horrorizava estes últimos - mas estávamos entre conhecidos - agora surge um oitavo homem. Ainda mais decisivo para a forma e para o sentido do conto: o bar, que antes funcionava como mera ambientação, se impõe como princípio organizador da narrativa, assoma a primeiro plano e insinua-se como um personagem indesejado, como uma voz que se impõe e expressa novas contradições sociais, ampliando o alcance histórico do conto. Se até agora as agressões ganhavam corpo por analogias, por metáforas fugidias, por insinuações a respeito da suposta covardia dos não-nazistas, agora os ex-combatentes entoam hinos nazistas em alto e bom som. Há três instâncias narrativas mobilizadas em tensão: a voz do narrador, a matéria entrecortada que orbita a mesa e a gritaria ostensiva dos ex-combatentes.

O desconhecido que se juntou à mesa era um ex-combatente que fora preso por não conseguir atirar nos inimigos no campo de batalhas, motivo pelo qual fora acusado de traição e considerado louco. Apesar de não ter acionado sua arma uma única vez, ele mesmo se considera assassino - ou louco. Sua história é acompanhada com distância e desconfiança pelos quatro ex-nazistas, que não escondem sua irritação, anotada pelo narrador. Trata-se antes da expressão literária do desconforto, da acusação, da intolerância, da rigidez - não da história terrível do desconhecido, que nos chega indiretamente. O narrador acompanha o efeito da história nos ex-nazistas, não a história, que fica em segundo plano. Logo após o final dessa exposição de afetos derivados da história incomum do ex-combatente, o narrador nos apresenta pequenos excertos de uma conversa do líder dos ex-nazistas, Haderer, com o comandante dos ex-combatentes em festa: “Eu ouvi farrapos de frases: << ... provocação inconcebível ... eu peço ao Senhor ... velhos combatentes do front ...>>” (BACHMANN 2005BACHMANN, Ingeborg. ‘Unter Mördern und Irren’. In: BACHMANN, Ingeborg. Sämtliche Erzählungen. München: Pipper Verlag, 2005, 159-186.: 186, tradução nossa)7 7 No original: „Ich hörte Satzfetzen: << ... unbegreifliche Provokation ... ich bitte Sie ... alte Frontsoldaten ...>>“. . O comandante alude a uma provocação dos ‘judeus’ pela sua simples presença no local. Há uma inversão cruel de sinal: o incitamento não viria dos ex-combatentes, gritando a plenos pulmões canções nazistas, mas dos antigos perseguidos que, em silêncio e encurralados, ‘provocam’ aqueles.

Esta provocação é análoga ao sentimento de vitimização que a sociedade austríaca considerou como viável para sua reestruturação. Qualquer crítica se torna perseguição injusta aos ‘que só cumpriram o seu dever na guerra’ e, assim, difamação e afronta à honra destes cidadãos, e daí provocação. Durante o escândalo em torno da eleição do presidente Waldheim, em 1986, este também se defende das críticas posando como alvo de intrigas internacionais, aludindo à comunidade israelita internacional como organizadora de um complô contra sua dignidade - o que mostra como Bachmann acertava o alvo, quase duas décadas antes. Os trechos citados, diretos e lapidares, expressam muito bem a força e concisão de Bachmann: os ‘heróis’ desse passado recente são os que aderiram aos nazistas, sentem nostalgia desse período, e não abandonam o discurso que os faz vítimas; enquanto isso, os perseguidos da guerra seriam os covardes, ‘os outros’, os provocadores. Os ‘judeus’ temem pelo pior nessa Áustria (alegorizada na taberna) em que tudo é aparência e fantasia, e neste ambiente aparentemente harmonioso e pacífico os piores crimes podem ser cometidos, caso o recalque e o reprimido venham à tona. A certa altura, Friedl conta a história de sua família como uma sequência de atrocidades: “Meu pai foi uma vítima do governo Dollfuss [Austrofascismo, 1934-1938], meu avô vítima da monarquia, meus irmãos vítimas de Hitler.” (BACHMANN 2005BACHMANN, Ingeborg. ‘Unter Mördern und Irren’. In: BACHMANN, Ingeborg. Sämtliche Erzählungen. München: Pipper Verlag, 2005, 159-186.: 177, tradução nossa)8 8 No original: „Mein Vater war ein Opfer der Dollfuss-Zeit, mein Grossvater ein Opfer der Monarchie, meine Brüder Opfer Hitlers (...)“. .

A concepção da história aqui ressoa àquela das Teses de Benjamin: o inimigo ainda não parou de vencer, por mais que o discurso de vitimização procure dizer exatamente o contrário. No conto de Bachmann não há empatia com os vencedores. Três gerações aniquiladas em sequência: monarquia, austrofascismo-nazismo e democracia pós-guerra. Com Schmidt-Dengler: “A história não aparece aqui como uma série de ações grandiosas em sequência, […] mas como uma sequência de crimes sofridos pelas vítimas: a história é uma história das vítimas.” (1996SCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Bruchlinien. Vorlesungen zur österreichischen Literatur 1945 bis 1990. Salzburg und Wien: Residenz Verlag, 1996.: 118, tradução nossa)9 9 No original: „Geschichte erscheint nicht als eine Serie aufeinanderfolgender Großtaten, (…) sondern als eine Folge von Missetaten an den Opfern; Geschichte ist eine Geschichte der Opfer“. .

A história aqui é da ordem da barbárie. Se nas Teses se lê que “Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie” (BENJAMIN 2005LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Trad.: Wanda Nogueira Caldeira Brant. Tradução das teses de Jeanne Marie Gagnebin e Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.: 70), estamos diante de uma inversão: um documento da barbárie que expressa a cultura e a tradição. O louco do título é justamente aquele que não aceitou se tornar um assassino ou, noutras palavras, fez parte ‘daqueles que não cumpriram seu dever’, e que será assassinado ao final do conto, não se sabe por quem.

Esse final interessa pelo que ele esconde. Se o conto havia iniciado com um ponto de vista generalizante, com opiniões vindas de fora da história, ele rapidamente se contradiz e toma o caminho oposto, o da crítica histórica radical, que articula a história secular com a situação mais recente. Também o final engana: quando Friedl, Mahler e o narrador encontram o desconhecido que não conseguiu matar, ferido, sangrando e, enfim, morto, uma leitura rápida indicaria ser esse o ponto culminante do conto, seu ápice, resultado dramático e efeito final. Mas uma análise mais acurada mostra que não havia um conflito específico que levasse a esse resultado. O personagem não estava previsto no conto, o que ele diz não é particularmente ofensivo para ninguém, não há indícios que nos levem ao autor do crime, nem mesmo os personagens dos ‘judeus’ fazem disso um tema. É uma história fragmentada, montada a partir de farrapos de histórias, como na fala do comandante dos camaradas. Sua morte é tratada com uma frieza assustadora, próxima da naturalização da barbárie. O fato de não se tornar o clímax do conto, mas sim, pelo contrário, diluir-se em lamentos quase banais e sem ação, é expressão contundente de impotência narrativa e social: é uma morte que não será enfrentada discursivamente.

O conto apresenta uma situação histórica ampla, envolta por uma série de histórias das quais ouvimos apenas pequenos trechos, como vozes que entram pelas frestas no tecido discursivo, que se imiscuem pouco a pouco no conto e se tornam, a partir dessa forma fragmentada, o seu assunto. Da forma se cria um tema, que não é redutível a nenhuma história particular, e que se constrói pela negação, pelo mascaramento, pela falsificação, pela insinuação, mais do que pela sua abordagem direta. O conto apresenta uma situação travada, expressão de um tempo saturado de tensões, que se agitam por trás de uma fachada bem construída e planejada para consumo externo e interno. O conto, portanto, deixa de contar uma história específica para, a partir de sua forma inovadora, se alçar ao nível da elaboração alegórica, nesse sentido precisa: depois da guerra, algo em torno de 10 anos depois da guerra, de onde partimos e onde chegamos. A forma é a do tempo suspenso, imobilizado em tensão dialética - não em harmonia apaziguadora.

Se Bachmann está, nos anos 1960, entre os iniciadores dessa perspectiva literária, nos anos 80 ela está não apenas consolidada, mas ganha as ruas, por assim dizer, e se espraia para todos os campos da vida social. Acompanharemos isso a partir da eleição de Kurt Waldheim para a presidência da Áustria e da publicação do romance Extinção, de Thomas Bernhard, ambos eventos de 1986, oportunidade em que a literatura pode ser vista a partir desta tendência, de matriz benjaminiana, de longo alcance e duração, de politização da estética, contra a esteticização da política.

Anos 80: Esteticização da política (Waldheim) X politização da estética (Bernhard)

São muitos e variados os itens que se articularam para a construção de um contexto político, social e cultural conturbado nos anos 80 na Áustria, e certamente a eleição de Kurt Waldheim para a presidência da Áustria em 1986 é um evento político que dá expressão aguda a essa situação - aliás, não apenas em nível nacional, mas também internacional. O assim chamado Waldheim Affair se inicia com as revelações sobre a participação ativa do então candidato na cavalaria das SA - o que provava que ele omitira e mentira deliberadamente, em sua biografia, sobre sua participação na guerra. Segundo Waldheim, após ser ferido em 1942 ele teria sido dispensado da guerra; mas, em 1986, ficou provado que ele esteve implicado, inclusive, em assassinatos em massa durante a guerra. Essa situação detona um escândalo de enorme projeção internacional, trazendo à tona a participação da Áustria com o nazismo. Esse quadro complexo não impede que Waldheim vença as eleições; para muitos, aliás, sua eleição não ocorre a despeito do seu passado, mas provavelmente devido a ele. Os três pilares discursivos que adotou como defesa surtiram efeito: 1) ele ‘teria apenas cumprido com suas obrigações’; 2) ele se colocou como vítima de um complô orquestrado, em grande medida, pela comunidade judaica internacional; 3) por fim, justificou suas ações por seu elevado patriotismo. Ao vencer as eleições tinha ainda, contra si, a opinião pública internacional: seu nome constava, inclusive, na Watchlist como criminoso de guerra. Por conta disso estava proibido de entrar em muitos países, como por exemplo os EUA, mesmo sendo o presidente eleito da Áustria (GEHLER 1997GEHLER, Michael. Die Affäre Waldheim. In: STEININGER, Rolf; GEHLER, Michael (orgs.). Österreich im 20 Jahrhundert. Vol 2. Wien: Böhlau, 1997, 355-414.).

No longo e profundo ensaio Politik der Gefühle, Haslinger (2001HASLINGER, Josef. Politik der Gefühle. Ein Essay über Osterreich. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.) desenvolve a tese de que a eleição de Waldheim foi um divisor de águas para a política e para a vida pública austríacas. Entre outros tópicos, ele acompanha e expõe um processo de mercadorização e estetização da política - processo que remete à estrutura e operação do capitalismo mesmo, aqui conformadas à conjuntura nacional. Segundo seu argumento, as luzes potentes focalizadas nesta eleição produziram como efeito positivo a explicitação de contradições históricas que haviam sido recriadas e difundidas - no caso, coletiva e consciente - nos últimos 40 anos na Áustria. Isso incluía, necessariamente, uma nova identidade para os agentes políticos envolvidos, tanto os partidos como os indivíduos ocupando espaços de poder - e o marketing político fazia parte dessa equação. Esta eleição-chave, para a qual Waldheim contrata a consultoria Young & Rubikam para forjar sua imagem de estadista, é apresentada como um momento único para se haver com esse passado-presente austríaco, inclusive para expor os processos de neutralização da atuação do país no nazismo. Menasse (2005MENASSE, Robert. Seinesgleichen wird geschrieben: die Sozialpartnerschäftliche Ästhetik. In: MENASSE, Robert. Das war Österreich. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005, 122-172.) nota que, ao tomar esse discurso como bandeira de sua defesa na campanha eleitoral, ele (o discurso) deixa os porões a que estava relegado e reprimido e, com a vitória de Waldheim, erige as bases sobre as quais irá ascender um político como Jörg Haider, com suas tintas anti-semitas e xenófobas.

Antes de Waldheim, um político na Áustria poderia ser antissemita, mas não assumiria isso em público. Depois de Waldheim ele poderia dizê-lo - e o faria, com grande probabilidade, consciente [...] que ganharia muitos eleitores com isso. Este é o contexto que possibilitou a carreira de Jörg Haider [...] (MENASSE 2005MENASSE, Robert. Seinesgleichen wird geschrieben: die Sozialpartnerschäftliche Ästhetik. In: MENASSE, Robert. Das war Österreich. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005, 122-172.: 269-70)10 10 No original: „Vor Waldheim konnte ein Politiker in Österreich zum Beispiel Antisemit sein, aber er hätte es nie öffentlich gesagt. Nach Waldheim kann er es sagen - und er sagt es dann mit hoher Wahrscheinlichkeit auch ganz bewußt, [...] daß er mit solch einer Aussage eine bestimmte Anzahl Wähler für sich gewinnen kann. [...] Das ist der Hintergrund, vor dem die Karriere von Jörg Haider möglich wurde und auch erst einschätzbar wird“. .

Deste modo estão dadas as bases para a ascensão política de Haider, que chega ao primeiro escalão do poder em 2000 quando seu partido (FPÖ - Freiheitliche Partei Österreichs) recebe 26% dos votos e participa da coalizão de governo encabeçada pela ÖVP - o que evidencia como, de fato, as eleições de 1986 tiveram profunda influência na política austríaca desde então.

O contraponto e confronto mais vigoroso e público a esse processo eleitoral foi a publicação de Extinção, de Thomas Bernhard, em 1986. A politização da estética contra esse contexto será uma das linhas de força de sua obra: Bernhard realiza o enfrentamento com a história recente austríaca, que deve ser relida a contrapelo, buscando justamente na linguagem e na memória o outro discurso, abafado, reprimido e esquecido: esta linha leva até Extinção. Nas palavras de Schmidt-Dengler: “[...] com o nome Bernhard se nomeia um discurso que se localiza na divisa entre literatura e política, e como nenhum outro autor conseguiu se projetar para além do gueto intraliterário na Áustria, de modo tão visível, duradouro e com efeito.” (SCHMIDT-DENGLER s/dSCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Vorlesung über österreichische Literatur, 1990-2000. Cópia mimeografada, s/d.: 2, tradução nossa)11 11 No original: „[...] mit dem Namen Bernhard ein Diskurs benannt wird, der an der Schnittlinie von Literatur und Politik gelagert ist, und daß kaum ein Autor über das Ghetto des Innerliterarischen hinaus in Österreich so nachhaltig wahrnehmbar und wirksam geworden ist“. . O momento histórico é propício, diferentemente das condições das duas décadas anteriores: agora Bernhard pode obter a repercussão que considera decisiva e, nas palavras de Schmidt-Dengler, fazer os austríacos falarem. (SCHMIDT-DENGLER s/dSCHMIDT-DENGLER, Wendelin. Vorlesung über österreichische Literatur, 1990-2000. Cópia mimeografada, s/d.: 7) Esse efeito extraliterário é parte inseparável de seu projeto estético, marcando boa parte de sua obra a partir do início dos anos 1980, como Árvores Abatidas - uma provocação (1984), Extinção - uma derrocada (1986), Praça dos heróis (1988), entre outras (FLORY 2006FLORY, Alexandre Villibor. Sopa de letras nazista: a apropriação imediata do real e a mediação pela forma na ficção de Thomas Bernhard. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.).

Uma rápida retomada do enredo de Extinção ajuda com o argumento do artigo. O narrador Franz-Josef Murau recebe um telegrama de suas irmãs em Roma, onde mora, comunicando a morte dos pais e do irmão mais velho, no Castelo Wolfsegg, Áustria, residência da família e de onde Murau fugira há décadas. Este tira de sua escrivaninha fotos nas quais sua família aparece e, a partir destas fotos e sob o impacto das mortes, que o tornam herdeiro do castelo Wolfsegg e de tudo relacionado a ele (leia-se, seu passado), destrói e reconstrói a história conflituosa de sua família e de seus país. Os juízos não são, contudo, definitivos, uma vez que uma mesma imagem pode ser lida sob diversos ângulos, luzes e disposição. Depois de mais de trezentas páginas escritas em seu quarto em Roma, que perfazem a parte intitulada O telegrama, Murau volta ao castelo Wolfsegg para, em suas palavras, tomar parte do enterro triplo como teatro. A segunda parte, O testamento, mostra a lenta e conturbada volta a Wolfsegg, seu encontro com as irmãs, o cunhado, os serviçais e, mais tarde, com os convidados para o enterro - quando se materializa a saída dos porões dos nazistas que estiveram, por assim dizer, escondidos ao longo dessas quatro décadas, esperando o momento adequado, numa remissão quase direta à eleição de Waldheim, bem como outros eventos análogos. Os pais de Murau, o saberemos pela narrativa, eram afeitos ao nazismo e próximos de vários nazistas, que desde o fim da guerra se mantiveram invisíveis, na medida do possível. Agora, em outra conjuntura, eles se sentem à vontade para participar ativamente do enterro.

O passado e a tradição miram o presente de Wolfsegg, turvando a visão de Murau pelo peso e força que exercem, impedindo e travando seus projetos para o futuro. O narrador se anima pela possibilidade de reconstrução da Kindervilla, espaço ligado ao Castelo onde, quando criança, ele, seus amigos e parentes apresentavam peças teatrais. Logo em seguida, contudo, Murau repele categoricamente essa ação, porque se lembra que esse espaço serviu para esconder criminosos nazistas amigos dos pais, no pós-guerra. Para o narrador, suas ruínas parecem mais afeitas à verdade histórica do que uma reconstrução - embelezadora - do passado que o esquecesse; fala-se da perspectiva do historiador materialista de Benjamin. Nessa passagem se alude, ainda, aos esforços de reconstrução da identidade austríaca, de uma literatura do lar, voltada para o âmbito privado e idealizado, contra o qual Bernhard lutava no plano tanto social quanto estético. Nesse sentido, a forma literária desse romance equivale a uma escrita em demolição, em que os conceitos, ideias, conjecturas, projetos são apresentados e, em seguida, profundamente questionados, despedaçados - tornam-se ruínas que, assim, servem à ressignificação.

Para essa postura ativa, contribui também a provocação social que Bernhard faz irromper como um elemento interno de sua forma, entre outras coisas pela categoria do exagero. Suas invectivas, e de seus personagens, contra a Áustria, os austríacos, sua falsidade, seu nazismo mal-escondido, sua suposta neutralidade política, seu totalitarismo internalizado tornaram-se proverbiais. Além do exagero, marca sua narrativa a retomada de temas e avaliações, de modo incessante, numa espécie de espiral narrativa, marcada pela contundência de avaliações generalizantes e categóricas. Contra esse caráter diretivo das avaliações sumárias se coloca a reiteração obsessiva das mesmas, posto que por trás de um suposto imobilismo narrativo há pequenas nuances e informações novas, bem como variações interpretativas, que expõe tanto o caráter de construção discursiva quanto a dúvida e a falta de clareza do narrador. Noutras palavras, a retomada não resulta em fortalecimento do muitas vezes dito e repisado, mas no seu contrário: a incerteza e a variação são as marcas da narrativa. Contribui para a auto-extinção social e narrativa a ironia formal que organiza os materiais, que ganha expressão na distância e desconfiança com que trata a tudo e a todos, sobretudo a si mesmo. O solipsismo irônico do narrador deixa transparecer tanto seu narcisismo e egolatria como sua autodestruição completa, social e subjetiva, sincrônico e histórico, como sujeito e como tipo social e psicológico.

O narrador Murau se constrói por um movimento contínuo de pôr e se distanciar dos materiais que organiza e mobiliza - seja os pais, os irmãos, ele mesmo, o nazismo, o catolicismo etc. Com isso, a vertigem narrativa, que flerta com o mergulho e fechamento no campo intraestético, intraliterário, não se realiza como sistema autorreferente e fechado, como uma mera descrição e análise psicológica de um personagem, mas remete necessariamente à história recente austríaca. Por assim dizer, o nazismo e os desdobramentos que acompanhamos até agora funcionam como uma espécie de ponto de fuga como âncora que faz irromper o cenário material, socio-histórico, da Áustria. As invectivas de Bernhard têm efeito performativo tanto literário quanto social, o que é raro de se ver, e pode ser acompanhado pelos escândalos e processos em torno de sua obra a partir dos anos 1980. O caráter generalizante que marca o tom de seu romance, já mencionado, e a falta de argumentação de seus ataques narrativos contribuíram para que fosse atacado por seu radicalismo e exagero, o que é inegável. O objetivo, no entanto, não era realizar a argumentação racional e acadêmica sobre a Áustria, mas de alguma forma mimetizar, na linguagem, a falta de lógica da construção discursiva da própria Áustria, expondo as fraquezas e falsidades do processo social em curso. Não apenas o exagero, mas também a fragmentação resultante nas idas e vindas, dos abandonos e retomadas, da troca de assunto sem que o anterior tivesse sido esgotado, contribui para uma forma caracterizada pela aresta não lapidada, pela tensão do choque. Sendo assim, a incompletude e o inacabamento são parte de um projeto narrativo que reconfigura o plano estético, pois o vê atravessado pelos demais campos da vida social, de tal forma que a recepção da obra não é um momento posterior de um texto fechado, mas a própria razão de ser da escrita. Com isso, também se expressa a impossibilidade de superação dessas questões no plano da arte, como compensação simbólica ou como documento crítico, visto que elas também não são superáveis no plano da história.

Se o imobilismo e a passagem do tempo que apagava as contradições eram vistos como percurso para uma literatura austríaca tradicionalista, Bachmann havia localizado em seus <<dez anos depois da guerra>> um espaço de rememoração e travamento, que fez com que o narrador fosse, ele mesmo, tomado por essa espécie de instância narrativa que remete ao lugar histórico da mentira. Bernhard também dá expressão ao imobilismo, mas o faz pela reiteração contínua de frases, palavras, expressões, avaliações, ao longo de um romance de mais de 600 páginas (no original alemão) que tem enorme força expressiva. Trata-se antes de uma espécie de mônada que aponta para um “agora da conhecibilidade” benjaminiano; embora fechada, essa mônada não está alheia ao desenvolvimento histórico, pelo contrário, ela o traz para o interior da forma em seu impulso tanto criador quanto destruidor.

O caráter destrutivo se alinha na frente de combate dos tradicionalistas. Uns transmitem as coisas na medida em que as tornam intocáveis e as conservam; outros transmitem as situações na medida em que as tornam palpáveis e as liquidam. Estes são chamados destrutivos. (BENJAMIN 1986BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Trad.: Ruth Mayer. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1986.: 187)

Esse impulso não se perde em discussões metafísicas sobre a natureza da alma, ou do indivíduo, mas estão ancorados na vida social austríaca, ponto de apoio fundamental para o projeto de Bernhard - sobretudo a partir do início dos anos 1980, tendo como ponto de fuga a altercação crítica com o nazismo. A reiteração cansativa e agressiva da história da reconstrução da Kindervilla, em Extinção, por exemplo, resulta de um treinamento do narrador que exige a revisitação contínua do passado, em cada presente por ele visado, num processo descrito minuciosamente pelo narrador, que não se cansa de alimentar seu ódio contra as instituições austríacas que toma como objeto. Se em Proust a memória é involuntária, pessoal e arbitrária, em Bernhard sua ativação é necessária e exige vontade férrea daquele que rememora. Ela é coletiva, posto que não pode deixar de lado a exposição das condições sociais que levaram ao nazismo, o que impede a fuga na idealização da infância, individual. Nas palavras de Bennholdt-Thomsen: “A função da rememoração em Bernhard, comparando com Proust, apresenta obviamente uma nova dimensão, a da necessidade. Ela pressupõe a Segunda Guerra Mundial. [...]” (BENNHOLDT-THOMSEN 1999BENNHOLDT-THOMSEN, Anke. ‘Zu Thomas Bernhards Gedächtnis-Kunst’. In: HOELL, Joachim; LUEHRS-KAISER, Kai (org.). Thomas Bernhard. Traditionen und Trabanten. Würzburg: Königshausen & Neumann, 1999, p. 14-32.: 17, tradução nossa)12 12 No original: „Diese [...] Funktion des Erinners bei Bernhard hat freilich im Verglech zu Proust eine neue Dimension der Notwendigkeit erhalten. Sie setzt den Zweiten Weltkrieg voraus, [...]“ .

Em Extinção a modernidade capitalista, o patrimônio cultural austríaco e o nazismo se articulam muito bem. Uma checagem na lista dos convidados confirmados para o enterro aterroriza Murau: dois Gauleiter estarão presentes, além de ex-membros das SS, os quais considerava presos ou mortos. Em verdade, eles saem dos esconderijos subterrâneos onde se escondiam e de onde mantiveram contato com seus pais por todo esse tempo. “[...] e eles agora vão usar esse enterro, disse para mim, para voltar a aparecer em público nitidamente pela primeira vez.” (BERNHARD 1986BERNHARD, Thomas. Auslöschung. Ein Zerfall. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1986.: 440). O enterro dos pais não corresponde ao fim do mundo deles, pelo contrário: dá o ensejo para a volta triunfal ao primeiro plano do que estava reprimido e escondido.

O enterro alegoriza o momento histórico em que o livro é publicado, em 1986, com as discussões em torno da eleição de Waldheim cada vez mais acaloradas. O discurso com tonalidade nazista volta a ser ouvido em alto e bom som, e ganha eleições. O discurso que parecia morto renasce no enterro, diante da cova aberta, com a palavra cedida aos ex- nazistas para as últimas despedidas fúnebres. A alegoria como construção literária fragmenta e desconfigura todos os materiais que toca. Nesse sentido, a ruína é um lugar privilegiado, posto que instaura, necessariamente, muitos tempos sobrepostos: o tempo de seu auge, de seu declínio, da transmissão de sua história e a avaliação contemporânea - processo que acompanhamos em Extinção. Nas palavras de Benjamin: “Aquilo que é atingido pela intenção alegórica permanece separado dos nexos da vida; é, ao mesmo tempo, destruído e conservado. A alegoria se fixa às ruínas. Oferece a imagem da inquietação entorpecida.” (BENJAMIN 2000BENJAMIN, Walter. Parque central. In: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. Trad.: José M. Barbosa, Hemerson A. Batista. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2000, 151-184.: 159, negritos nossos). Essa tensão gerada pelo fragmento, portanto, reúne tempos históricos afins e expressa contradições sociais e estéticas, forma uma dialética muito própria, que Benjamin chama de dialética em suspensão, que dá ensejo a um momento epistemológico específico, o “agora da conhecibilidade” mencionado. Este tem na construção alegórica uma forma à altura de sua complexidade: nessa conjunção a história, imobilizada num presente saturado de tensões, se alça ao nível da forma, como se vê desenvolvido nas teses ‘Sobre o conceito de história’, de Benjamin, especialmente nº XIV, XVI e XVII. Bernhard (e Bachmann) têm na intenção alegórica, em acepção benjaminiana, tanto um princípio organizador profundo como uma chave analítica fundamental, ampliando a potencialidade de sua significação.

Se Auschwitz se tornou um espaço de memória pela história, Wolfsegg o é pela literatura, mas isto não implica dizer que prescinda da história, pelo contrário: o projeto de Bernhard pretende fazer da literatura uma política, uma revisão da história, e para isso cria sua Wolfsegg. Sendo um artefato literário, quer ser lido com toda a dignidade que merece, como escrita inconsciente da história, ao inscrevê-la em meio às ruínas da tradição. E com novas perspectivas: se a memória de Auschwitz está ancorada num determinado tempo e espaço, Wolfsegg é um artefato literário como alegoria da história austríaca e de sua inserção na modernidade, e suas feridas continuam abertas. Wolfsegg é um lugar esteticamente concebido, como Murau é um personagem do discurso. As palavras guardam o peso da história e suas barbáries, o que havia sido subtraído da linguagem sob o primado de uma concepção que a entende como transmissora de mensagens.

Murau, que se considera “um mediador de terrenos literários” visando o “Novo”, faz a crítica da concepção de arte como mera mercadoria para consumo e explicita a necessária politização da literatura para ‘preparar espaços’. Resta a necessária extinção do discurso dominante, que é também o do narrador, para almejar este ‘Novo’, sobre o qual silencia. A visada do ‘Novo’ tem o feitio do caráter destrutivo benjaminiano que, pela extinção do que existe, limpa o terreno, mas não faz prognósticos: “O caráter destrutivo conhece apenas uma divisa: criar espaço; conhece apenas uma atividade: abrir caminho.” (BENJAMIN 1986BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Trad.: Ruth Mayer. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1986.: 187). Em 1986, dirá Bernhard numa entrevista sobre Extinção: “Cada palavra uma bomba, cada capítulo uma acusação mundial e o todo uma total revolução mundial até a extinção total. Mas o que significa Extinção? Recomeço do Novo. [...] Onde há um fim, [...] há também um início.” (BERNHARD apud FLEISCHMANN 1991FLEISCHMANN, Krista. Thomas Bernhard. Eine Begegnung. Gespräche mit Krista Fleischmann. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991.: 143, tradução nossa, itálicos do original)13 13 No original: „Jedes Wort ein Treffer, jedes Kapitel eine Weltanklage und alles zusammen eine totale Weltrevolution bis zur totalen Auslöschung. Aber was heißt Auslöschung? Wiederbeginn des Neuen. [...] Wo ein Ende ist, [...] ist auch ein Anfang“. .

Essa extinção passa necessariamente por uma auto-extinção, física e discursiva. O caráter destrutivo dessa Extinção vai da temática à forma do romance, da palavra agressiva à acusação mundial - uma acusação da forma desta sociedade capitalista totalizante.

Considerações finais

Bachmann e Bernhard são autores fundamentais para a literatura austríaca no pós-guerra. Interessou-nos estudar seus processos de elaboração estética muito diversos para tratar de seus objetos. Embora os dois tenham relação com um registro realista, que remete diretamente a situações históricas pontuais, há ao mesmo tempo uma perspectiva alegórica, que expõe contradições históricas austríacas em uma visada de longo alcance e que se estendem até o presente da narrativa e da narração.

Ao retirar seus elementos constituintes de relações cristalizadas, o processo de criação da alegoria funciona como uma crítica a concepções de história fechadas e sedimentadas, sobretudo pela transmissão ao longo do tempo, que torna algumas interpretações parciais e interessadas em verdades inquestionáveis, por onde fala a voz dominante, naturalizando-se e legitimando suas posições. O processo de construção alegórica opera, esteticamente, por vários categorias e processos, que vão da fragmentação e montagem, como já dito, à articulação de planos narrativos, passando pela exposição de contradições em uma dada situação, pela formalização de afinidades eletivas entre formações históricas distintas que faz explodir o contínuo da história - e faz com que a categoria tempo seja decisiva para sua operação fundamental. Também é importante remeter à constituição dos personagens, que podem ser, ao mesmo tempo, indivíduos psicologicamente bem elaborados e tipos sociais e psicológicos coletivos - como vimos nas obras que foram analisadas neste artigo.

Assim, esses textos de Bachmann e Bernhard exigem uma atualização do passado nazista que, por seu turno, traz para primeiro plano questões históricas não enfrentadas e, portanto, sem superação. No âmbito da forma literária, levamos em conta a análise dos tempos dessas narrativas, transitando entre o passado distante (vivo e atuante) e o presente da narrativa, por vezes sobrepondo-se, em um movimento que tanto afirma quanto nega a passagem do tempo histórico. Além disso, os dois textos expressam momentos de crise da formação e funcionamento da subjetividade, do Eu, que se mostra cindido face à fragmentação advinda tanto da experiência da vida social contemporânea do capitalismo (num plano histórico mais geral) quanto, também, da necessidade de mascaramento e de esvaziamento de ações individuais e coletivas do passado recente da Áustria (num plano mais específico).

Há algo de específico no enfrentamento da história do nazismo austríaco pela sua repressão e mascaramento em nível institucional, tanto social quanto subjetivamente. Para tratar desse tema é necessário colocar em cena tanto essa voz institucional, negacionista, que foge de quaisquer tensões em busca de uma suposta harmonia social, quanto o seu avesso, o encoberto, a máscara, o teor de verdade histórica escondido nos porões e que, aos poucos, volta ao primeiro plano, querendo-se purificado. “Isso significa que o crítico tem que conhecer, antes de mais nada, o processo de fabricação de imagens. Em vez de ele próprio contribuir na feitura de mitologias, deve torná-las transparentes.” (BOLLE 1994BOLLE, Willi. Alegoria, Imagens, Tableau. In: NOVAES, Adauto (org.). Artepensamento. São Paulo: Cia das Letras, 1994, 411-432.: 429). Bachmann e Bernhard são excelentes construtores de imagens, sejam imagens verbais, visuais ou mentais, e incluem em suas obras a exposição mesmo dos processos de construção dessas imagens, bem como os pressupostos ideológicos que lhe dão significado, expondo interesses velados.

Essa perspectiva poderia ser aprofundada com o estudo de romances como Fasching, de Gerhard Fritsch, de 1967, e Wolfshaut, de Hans Lebert, de 1960, bem como a peça Heldenplatz, de Thomas Bernhard, de 1989, de tal modo que não se trata apenas das discussões a partir dos autores aqui em tela, em obras específicas, mas de uma linha de força muito significativa da literatura austríaca. Interessa apontar a atualidade da discussão em torno de uma crítica literária materialista a partir de uma localização histórica fora dos grandes centros produtores e consumidores. Esse deslocamento resulta muito produtivo para se discutir tanto a construção ideológica de uma literatura nacional, quanto a função social da arte em tempos de efervescência neoliberal, em que os mercados são tomados como entidades metafísicas e supostamente neutras para a regulação social.

O caso da literatura austríaca ainda é importante e revelador porque toca um aspecto decisivo da crise da linguagem, em geral, e da arte, em particular, após a Segunda Guerra Mundial: como entender o papel da arte em um mundo que produziu Auschwitz? No caso, tratamos diretamente de materiais que remetem ao nazismo, bem como à busca de autonomia política da Áustria, e da necessidade de construção de uma identidade nacional harmônica, pacífica e pacificada (com a desnazificação), projeto para o qual a arte cumpriu enorme papel.

A perspectiva aberta continua atual, haja vista a guinada neoliberal a partir da crise de 2008 e o modo como a crise foi interpretada, provocando uma onda xenófoba, nacionalista (embora se diga liberal) e opressora dos mais frágeis, revendo momentos decisivos da história recente - em espírito análogo ao que foi realizado pelo professor de história austríaca no conto de Bachmann estudado. Em grande medida, esse percurso é revelador para a literatura brasileira, também ela à margem e dependente dos grandes centros, com enorme responsabilidade de dar expressão ao esquecido capítulo da ditadura brasileira, para ficar apenas num exemplo.

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  • 2
    No original: „In der Tat brauchen wir nur dort fortzusetzen, wo uns die Träume eines Irren unterbrochen haben, in der Tat brauchen wir nicht voraus-, sondern nur zurückblicken [...] wir sind, im besten und wertvollsten Verstande, unsere Vergangenheit“.
  • 3
    No original: „In der Bemühung, die Folgen der NS-Vergangenheit bei einzelnen Individuen vergessen zu machen, waren sich die meisten Parteien einig, und so und nicht anders verfuhr man auch bei den Autoren, die nun wirklich nicht mehr in Anspruch nehmen dürften, sich als das Gewissen der Nation zu fühlen“.
  • 4
    No original: „Der Immobilismus wird also mit tiefem Bedeutungsgehalt umkleidet und zu einer Offenbarung höherer Weisheit erhoben, während er doch nur eine schmerzliche, von den objektiven Verhältnissen auferlegte Realität war, eine zwar erfaßte, doch erlittene Realität: so werden Begrenzungen und Fehler zu Vorzügen und Tugenden“.
  • 5
    No original: „(...) es ist die fundamentalste und umfassendste Abrechnung mit der österreichischen Restauration nach 1945“.
  • 6
    No original: Wir sind in Wien, mehr als zehn Jahre nach dem Krieg. <<Nach dem Krieg>> - dies ist die Zeitrechnung.
  • 7
    No original: „Ich hörte Satzfetzen: << ... unbegreifliche Provokation ... ich bitte Sie ... alte Frontsoldaten ...>>“.
  • 8
    No original: „Mein Vater war ein Opfer der Dollfuss-Zeit, mein Grossvater ein Opfer der Monarchie, meine Brüder Opfer Hitlers (...)“.
  • 9
    No original: „Geschichte erscheint nicht als eine Serie aufeinanderfolgender Großtaten, (…) sondern als eine Folge von Missetaten an den Opfern; Geschichte ist eine Geschichte der Opfer“.
  • 10
    No original: „Vor Waldheim konnte ein Politiker in Österreich zum Beispiel Antisemit sein, aber er hätte es nie öffentlich gesagt. Nach Waldheim kann er es sagen - und er sagt es dann mit hoher Wahrscheinlichkeit auch ganz bewußt, [...] daß er mit solch einer Aussage eine bestimmte Anzahl Wähler für sich gewinnen kann. [...] Das ist der Hintergrund, vor dem die Karriere von Jörg Haider möglich wurde und auch erst einschätzbar wird“.
  • 11
    No original: „[...] mit dem Namen Bernhard ein Diskurs benannt wird, der an der Schnittlinie von Literatur und Politik gelagert ist, und daß kaum ein Autor über das Ghetto des Innerliterarischen hinaus in Österreich so nachhaltig wahrnehmbar und wirksam geworden ist“.
  • 12
    No original: „Diese [...] Funktion des Erinners bei Bernhard hat freilich im Verglech zu Proust eine neue Dimension der Notwendigkeit erhalten. Sie setzt den Zweiten Weltkrieg voraus, [...]“
  • 13
    No original: „Jedes Wort ein Treffer, jedes Kapitel eine Weltanklage und alles zusammen eine totale Weltrevolution bis zur totalen Auslöschung. Aber was heißt Auslöschung? Wiederbeginn des Neuen. [...] Wo ein Ende ist, [...] ist auch ein Anfang“.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2020
  • Aceito
    11 Fev 2021
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