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A literatura como traição: os versos de Dante em "O alienista"

Literature as betrayal: the Dante lines in "O alienista"

Resumos

Este artigo discute o procedimento estilístico-literário da citação na obra de Machado de Assis, em particular no conto "O alienista". Nele, Machado faz uma pequena emenda nos versos do canto XXXIII do "Inferno" da Comédia, de Dante Alighieri. Essa alteração, defende-se aqui, está ligada ao sistema discursivo do beletrismo local que, por sua vez, modaliza o fazer literário machadiano, que acaba rebaixando a "alta" literatura para poder seguir ainda com o fazer literário.

Divina Comédia; citação; discurso; beletrismo


This article aims at discussing Machado de Assis' literary and stylistic procedures while quoting other authors, especially in the short story "O alienista". In this work, the writer makes a small correction to a few lines from canto XXXIII of the Divine Comedy's "Inferno", by Dante Alighieri. Our argument is that this correction is linked to the local belletrist discursive system, which in its turn softens Machado's writing, as it downgrades works of "high" literature in order to allow itself to still be seen as literary.

Divine Comedy; quotation; discourse; belletrism


ARTIGOS

Eugênio Vinci de Moraes

Centro Universitário Internacional. Curitiba (PR), Brasil

RESUMO

Este artigo discute o procedimento estilístico-literário da citação na obra de Machado de Assis, em particular no conto "O alienista". Nele, Machado faz uma pequena emenda nos versos do canto XXXIII do "Inferno" da Comédia, de Dante Alighieri. Essa alteração, defende-se aqui, está ligada ao sistema discursivo do beletrismo local que, por sua vez, modaliza o fazer literário machadiano, que acaba rebaixando a "alta" literatura para poder seguir ainda com o fazer literário.

Palavras-chave:Divina Comédia; citação; discurso, beletrismo.

ABSTRACT

This article aims at discussing Machado de Assis' literary and stylistic procedures while quoting other authors, especially in the short story "O alienista". In this work, the writer makes a small correction to a few lines from canto XXXIII of the Divine Comedy's "Inferno", by Dante Alighieri. Our argument is that this correction is linked to the local belletrist discursive system, which in its turn softens Machado's writing, as it downgrades works of "high" literature in order to allow itself to still be seen as literary.

Keywords: Divine Comedy; quotation; discourse; belletrism.

Pesquisador da obra de Machado de Assis e um de seus biógrafos, o jornalista cearense Raimundo Magalhães Jr. publicou, em 1955, o ensaio "O deturpador de citações", em que levanta vários trechos de autores da literatura ocidental usados e alterados por Machado em sua obra. Dá destaque sobretudo aos de autores franceses. Outros autores, porém, trataram dessa questão com outro viés, mais interessados em compreender os sentidos dessas alterações, como no caso, por exemplo, de Gilberto Pinheiro Passos, que trabalha com a presença da literatura francesa na obra de Machado; e Marta de Senna, que vem fazendo um exaustivo levantamento das citações e alusões na obra de Machado e analisando minuciosamente esse processo estilístico de Machado.1 1 Entre outros: PASSOS, Gil Pinheiro. A poética do legado: presença francesa em Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Annablume, 1996; SENNA, Marta de. Estratégias de embuste: relações intertextuais em Dom Casmurro. In: _____. Alusão e zombaria. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2003; além do website Citações e Alusões na ficção de Machado de Assis (< www.machadodeassis.net>), que Marta de Senna coordena e em que é possível conhecer todas essas passagens na obra do escritor carioca.

Aqui, trataremos da citação de dois versos do canto XXXIII do "Inferno" da Divina Comédia, de Dante Alighieri (La bocca sollevò dal fero pasto / Quel seccatore...", inserido no fim do "Terror", quinto capítulo de "O alienista", novela publicada pela primeira vez na revista Estação e inserida mais tarde em Papéis avulsos, em 1882. Versos que Machado altera (seccatore em vez de peccatore), conforme se lê tanto na edição da revista Estação, onde o conto foi publicado pela primeira vez, quanto na primeira edição de Papéis avulsos.

Abordaremos igualmente outros elementos que aludem também à obra de Dante para, ao fim, tecer algumas reflexões acerca do uso e das consequências desse processo estilístico-literário de Machado.

Presença da Comédia em Machado

As alusões a Dante são inúmeras na obra de Machado de Assis. Aparecem em todos os gêneros - poesia, crítica, crônicas, contos e romances - , da década de 1870 até seu último romance, Memorial de Aires. Edoardo Bizarri, que chegou a São Paulo para ser adido cultural no Brasil em 1948 e ficou mais conhecido por traduzir a obra de Guimarães Rosa para o italiano, foi o primeiro a fazer um levantamento exaustivo das citações de Dante na obra de Machado.2 2 O artigo inaugural é o "Machado de Assis e a Itália", que saiu primeiro no Suplemento Literário do Estado de S. Paulo, em 8 de abril de 1961 e depois nos Cadernos do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, o número 1, no mesmo ano. Mais tarde, em 1965, ele publica o "Machado de Assis e Dante", no quinto caderno da mesma série, intitulado "O meu Dante". Ele contou 23 citações da Comédia - 19 do "Inferno" e 4 do "Purgatório". Escapou-lhe uma, do canto VI do "Purgatório", que Machado usou como epígrafe do poema "Niâni", escrito em 1873, publicado nas Americanas. Há, portanto, 5 citações do "Purgatório", aumentando para 24 o número de citações diretas da Comédia.

Bizarri também comenta várias alusões a Dante, sobretudo nas crônicas, mas não faz um levantamento de todas. De fato, este é um trabalho a ser feito, como também o da identificação das alusões que "não se apoiam em uma referência direta e textual",3 3 MASSA, Jean-Michel. La présence de Dante dans l'oeuvre de Machado de Assis. In: BOTREL, J. F. Études luso-brésiliennes. Paris: PUF, 1966. p. 3. como notou Jean-Michel Massa em sua "La présence de Dante dans l'oeuvre de Machado de Assis", ensaio escrito em 1965. Há também traduções esparsas de versos da Comédia, como o que aparece, levemente modificado, no épico herói-cômico O Almada, também escrito na década de 1870: "A boca levantou do eterno pasto", versão machadiana do famoso verso do canto XXXIII do Inferno, "La bocca sollevò dal fiero pasto",4 4 Numa tradução literal: "A boca levantou do fero pasto". no qual se descreve o gesto do conde Ugolino, desprendendo-se do crânio do arcebispo Ruggieri, cena das mais conhecidas da Comédia. Verso que, como vimos, Machado usa novamente em "O alienista", só que desta vez, modificando-o sutilmente. Citação e modificação que passamos a analisar agora.

Em 1876 aparece uma citação do terceiro verso da Comédia em Helena e uma série de alusões a ele em todo o romance, e uma referência ao último canto do Inferno, o XXXIV, no conto "D. Mônica", publicado no Jornal das Famílias no mesmíssimo período em que 5 5 "[...] qui mi scusi / A urgência , se fior la penna aborra", quando o original reza "[...] qui mi scusi / La novità, se fior la penna aborra", versos que Machado de Assis traduziu como "[...] a novidade / Me absolva o estilo desornado e rudo" ( Ocidentais, em: ASSIS, Machado de. Obra completa. 3 v. Organização de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar [1959], 1986. p. 173). , 6 6 "[...] che 'l pianto degli occhi / le natiche bagnava per lo ferro", verso que saiu com um erro: " ferro" em vez de " fesso". Em: ALIGHIERI, Dante. A divina comédia - Inferno. Trad. Jorge Wanderley Jorge. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 260.

A citação

A história do alienista de Itaguaí foi tirada das crônicas desta cidade, segundo nos diz seu narrador. À primeira vista, ela mostra a inversão e reversão dos papéis da razão e da loucura, que acabam por dissolver os seus limites. O protagonista, o Dr. Simão Bacamarte, é uma das personagens mais conhecidas de Machado, uma espécie de Quixote da ciência,7 7 "Ao que tudo indica, 'O alienista' pode ser considerado como uma reescritura do Quixote, seja por intermédio do heroísmo insustentável e anacrônico, seja pela ideia fixa que orienta a ação da personagem" (VIEIRA, M. A. d. C. "O alienista" de Machado de Assis: o Dom Quixote de Itaguaí. Letras & Letras n. 20/1. Uberlândia, 2004. p. 78). uma caricatura de cientista.8 8 "[...] homem de ciência até a medula, consequentemente até o ridículo" (BOSI, Alfredo. A máscara e a fenda. In: ______. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999. p. 88). Desembarcando na pequena Itaguaí, vindo da Europa, "filho da nobreza da terra",9 9 ASSIS, Machado de. O alienista. In: ______. Papéis avulsos. Edição de I. Teixeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 5 (doravante referido apenas como "O alienista"). ele irá modificar brutalmente o cotidiano do vilarejo, por meio da criação de um hospício, a Casa Verde. Nela confinará quase todos os habitantes da cidade por força de suas teorias acerca da loucura; provocará verdadeira revolução por isso; e, ao cabo, chegará à máxima verdade: de que o único louco ali era ele, em virtude do perfeito equilíbrio de suas faculdades mentais.

As peripécias trazem à tona personagens como os barbeiros Porfírio e João Pina, cidadãos comuns que lideram a rebelião contra Simão Bacamarte e tomam momentaneamente o poder; ou como padre Lopes, que representa a Igreja local e o poder religioso, na boca do qual o narrador coloca a citação de Dante; além de alguns beletristas, sobre os quais falaremos mais detalhadamente.

Os versos de Dante citados por Machado de Assis no fim do capítulo V d' "O alienista" são os dois primeiros do canto XXXIII, penúltimo do "Inferno", "La bocca sollevò dal fiero pasto / Quel peccatore [...]",10 10 "A boca levantou do fero pasto / o pecador [...]" (Tradução de Jorge Wanderley, p. 395). cena em que o conde Ugolino está roendo o crânio do arcebispo Ruggieri. É um dos momentos mais trágicos e sublimes do "Inferno". Os dois pecadores estão no último círculo, o nono, no qual penam os traidores ("os fraudadores em que se confia", segundo Dante). Sendo esse círculo dividido em quatro zonas, eles estão naquela destinada aos traidores da pátria, a Antenora. Machado de Assis altera o segundo verso, em vez de peccatore grafa seccatore mudando-lhe o sentido "La bocca sollevò dal fero pasto / Quel seccatore...".11 11 Alteração que consta na primeira publicação do conto na revista Estação. Além disso, escreve fero em vez de fiero - como está no original - , palavras equivalentes em italiano, o que não altera nem deturpa o sentido do trecho.12 12 Ver: ZINGARELLI, Nicola. Lo Zingarelli - Vocabolario della língua italiana. 12ª ed. A cura di Miro DOgliotti e Luigi Rosiello. Bologna: Zanichelli, 1997.

A mudança é sutil, uma simples troca de "P" por "S", que além de demonstrar certa desenvoltura com a língua italiana, mostra também um conhecimento em pormenor da Comédia. Neste caso não acreditamos ser a alteração um "cochilo" de Machado, como acontece várias vezes em sua obra, como notou Marta de Senna em "A Bíblia de Mrs. Oswald ou os cochilos de Machado de Assis". Nem sempre é simples saber com precisão o que está por trás de cada alteração de citação operada por Machado. Senna expressa essa complexidade no mesmo artigo:

Para voltarmos aos "cochilos" e com esta volta aproximarmo-nos do fim destes comentários, destaco um engano do mesmo narrador Dom Casmurro, a respeito do qual tenho lá as minhas dúvidas se é mesmo um cochilo ou mais uma das estratégias de embuste desse narrador ardiloso, que não cessa de nos surpreender, a cada nova leitura.13 13 SENNA, M. de A Bíblia de Mrs. Oswald ou os cochilos de Machado de Assis. Machado de Assis em Linha: revista eletrônica de estudos machadianos, n1., junho de 2008. Rio de Janeiro; São Paulo: Fundação Casa de Rui Barbosa; Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: < http://machadodeassis.net/download/numero01/num01artigo07.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2013. p. 81 (grifos nossos).

Neste caso, porém, da alteração do verso dantiano, parece-nos ser proposital.

À primeira vista, a deturpação da citação parece querer jogar no chão o ar de sublimidade que cerca o episódio dantiano. "Seccatore" pode ser traduzido como "enfadonho", "maçador", e vem do verbo "seccare", que significa "secar", em sentido estrito, mas também "irritar", "aborrecer", "exaurir" e "esgotar", em sentido figurado. Mas além da troca da grafia, Machado faz um pequeno deslocamento, como se emendasse a Comédia. O verbo que encerra o canto anterior, o XXXII, é justamente "seccare". O escritor fluminense transporta o mesmo verbo para o verso à frente, nominalizando-o, multiplicando as possibilidades de sentido, além de mostrar, por um lado, uma intimidade com o texto do escritor florentino; e, por outro, uma desfaçatez tamanha em modificá-lo. Tal desfaçatez parece ter relação com o beletrismo nacional. Uma das suas marcas é o uso vazio das citações,14 14 Como ensina o pai de Janjão, na "Teoria do Medalhão": "Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento". (ASSIS, Machado. de. Papéis avulsos, cit., p. 91) o que implica - Machado parece dizer - esvaziar a obra citada. Falemos, então, sobre os beletristas.

O beletrismo15 15 Beletrismo é aqui entendido como "atividade literária de segunda ordem, perfunctória, diletante ou puramente recreativa" (HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.).

O beletrismo aparece no conto por meio da caricatura de algumas personagens. Os seus métodos são tratados com gradação e ironia, sem ignorar a força social que têm - das aparências - , que dão poder ou status a seus usuários.

As figuras satirizadas são emblemáticas. Logo no segundo capítulo ("Torrente de loucos"), quando Simão já construiu o hospício, a Casa Verde, loucos de toda a região afluem para lá. O primeiro a ser descrito é uma figura híbrida: um camponês beletrista. Trata-se de um homem rústico que todos os dias depois do almoço "fazia regularmente um discurso acadêmico, ornado de tropos, de antíteses, de apóstrofes, com seus recamos de grego e latim, e suas borlas de Cícero, Apuleio e Tertuliano".16 16 "O alienista", p. 12. O narrador descreve o caso como inexplicável, e o padre Lopes arrisca dizer que isso se deve à "confusão das línguas" trazida pela Torre de Babel. O fato é que essa figura - sem nome - parece ser a reelaboração de velha personagem machadiana, o Luís Tinoco de "Aurora sem dia" (1870). Tinoco é uma das primeiras caricaturas de beletrista na obra de Machado de Assis. Candidato a poeta, orador e político, ele escrevia à custa de muita cópia e imitação, sem sentimento verdadeiro nem conhecimento literário: "não era homem que meditasse uma página de leitura; ele ia atrás das grandes frases - sobretudo das frases sonoras - , demorava-se nelas, repetia-as, ruminava-as com verdadeira delícia [...]".17 17 ASSIS, Machado de. Aurora sem dia. In: ______. Obra completa. 3 v. Organização de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar [1959], 1986. p. 230. E o uso de epígrafes era-lhe um dos recursos estilísticos prediletos, que usou, aliás, num poema dedicado à Laura, citando um verso de Dante, do canto V - "nessun maggiore dolore" - , numa confusão proposital armada pelo narrador entre a musa de Petrarca e a Beatriz de Dante. No final, Tinoco desiste de ser poeta e acaba como um camponês, casado e pai de dois filhos. Em "O alienista" o quadro é outro - o de "Aurora sem dia" resvala no pedagógico18 18 "Mas não esqueçamos que a sátira tem também uma função pedagógica ou mesmo um papel de correção de costumes" (LOUREIRO, Jayme. Leitura, escrita e crítica em "Aurora sem dia". Teresa, n. 6/7. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 123). - , e o vilão não se corrige, pois é um Tinoco sem consciência do ridículo de sua condição. A crítica que subjaz é feroz: qualquer ignorantão pode manejar uma peça oratória, valendo-se da imitação deslavada, como lembra Soares: "Ele [Machado] se insurgiu contra uma maneira (ainda vigente no seu tempo) de entender a linguagem literária como um acervo de fórmulas consagradas, de modos de bem dizer que qualquer indivíduo dotado de boa memória pudesse manejar".19 19 SOARES, M. N. L. Machado de Assis e a análise da expressão. Rio de Janeiro: INL, 1968 [Coleção de Cultura Brasileira - Série Estudos]. p. 4.

O próximo beletrista apanhado em flagrante é Martim Brito. O leitor o encontra num jantar oferecido à mulher de Bacamarte, D. Evarista. Ela acabara de voltar do Rio de Janeiro, para onde fora desenfastiar-se da vida de Itaguaí. O episódio acontece no capítulo do "Terror", no qual a Casa Verde via-se lotada, pois a loucura agora era um "continente", segundo a nova teoria do alienista, de acordo com a qual todo aquele que não gozasse de perfeito equilíbrio mental era um demente. A essa altura, Bacamarte era tratado como traidor pela população de Itaguaí, e a Casa Verde era chamada de "cárcere privado". Era a rebelião que se aproximava.

No jantar, o narrador, mimetizando suas personagens beletristas, incorpora as dores da população: "D. Evarista era a esperança de Itaguaí; contava-se com ela para minorar o flagelo da Casa Verde".20 20 "O alienista", p. 34. O narrador toma de empréstimo construções retóricas de suas personagens, como neste "esperança de Itaguaí" e "minorar o flagelo". Ou quando a descreve, parodiando - e mimetizando - outras personagens: "Ela era a esposa do novo Hipócrates, a musa da ciência, anjo, divina, aurora, caridade, vida, consolação; trazia nos olhos duas estrelas, segundo a versão modesta de Crispim Soares, e dois sóis, no conceito de um vereador".21 21 Idem, p. 35-36. Mas o narrador logo trata de desviar a atenção do leitor para Martim Brito, que louvará a senhora, falando coisas como "Deus quis vencer a Deus, e criou D. Evarista".22 22 Idem, p. 36. O narrador nos conta que ele escreve odes, nas quais sobressaem imagens como "'O dragão aspérrimo do nada' esmagado pelas 'garras vingadoras do Todo'".23 23 Idem, p. 37. Antes de levá-lo para a Casa Verde Simão já comentara com a mulher sobre a retórica, que esta "permitia tais arrojos sem significação".24 24 Idem, p. 36. Parece-nos uma formulação lapidar do discurso vazio e ornamental mimetizado em toda a novela, como é o caso do de Martim Brito. Mas é também o discurso do alienista, que a rigor não se distingue do discurso do beletrista, só é mais poderoso. Como são os discursos dos rebelados, dos políticos. Todos esses perceberão que os arrojos sem significação são um grande instrumento de persuasão, usado para fins políticos.

O último beletrista de que falaremos é o Coelho, cuja notícia de seu recolhimento à Casa Verde encerra o capítulo do Terror. Segundo o narrador, Coelho é um conversador incorrigível, que gostava da "boa palestra, a palestra comprida, gostada a sorvos largos".25 25 Idem, p. 40. Muitos desviam do seu caminho ao vê-lo, conforme o descreve o narrador, a fim de enfatizar a sua queda para a conversa maçante. Se ele aparentemente não seria um beletrista típico, acaba sendo pela forma como o narrador o apresenta. Este usa formas adornadas para descrevê-lo: "palestra", em vez de "conversa"; a locução "a sorvos largos". Ambas são formas que remetem a um tipo amante das formas elevadas. Essa característica é enfatizada com a notícia de que o padre Lopes, o vigário local, sempre que o via "desligar-se" de uma pessoa, soltava os versos de Dante: "La bocca sollevò dal fiero pasto / Quel 'seccatore'". Padre Lopes é personagem importante da historia, que representa evidentemente o discurso religioso e a Igreja, assim como Simão, o da ciência.

Ao comentário do padre, a citação dantiana, acrescenta-se uma observação: de que uns entendiam os versos dantianos e a sua modificação e outros, não a entendendo, achavam que era latim. Quando se entende o verso e sua alteração, traz-se para o texto de Machado a imagem de Ugolino aferrado ao crânio do arcebispo Ruggieri (roendo-o como um Coelho). Isso ao mesmo tempo eleva o tipo retratado e o próprio texto machadiano; e o rebaixa, uma vez que o episódio trágico dantiano é reduzido a um comentário jocoso, devido ao objeto a que se dirige - seja o personagem Coelho, seja o universo de Itaguaí, seja a literatura local, periférica. Assim, vai-se do pecador para o maçador (seccatore) num salto; da língua que exalta o seu objeto para a língua que o exaure. O recurso da citação, então, pode ser entendido tanto como leviano quanto como preciso, pois destaca a condição do pecado intelectual local por meio de uma "piada" (o deslocamento que traz à tona o "de/feito" local). "Piada" produzida por alguém que maneja como ninguém a tradição literária que acaba de rebaixar.

Se virmos do ponto de vista interno da obra, a citação e sua alteração têm a propriedade de elevar a caricatura do beletrista ao máximo: alguém cujo discurso rói o crânio alheio. Um conversador incorrigível que fala até "secar" e que, de tanto falar, rói a mente de seu interlocutor e exaure a própria língua. São sentidos entre outros tirados do empréstimo da obra dantiana, o que só é possível mediante um deslocamento do original, que é um recurso estilístico-literário de Machado. Esta é uma das maneiras pelas quais o escritor repõe a tradição em sua obra, levando em consideração a adequação do objeto à forma de tratá-lo. Não se trata apenas de usar um recurso da tradição sério-cômica, como muitos já notaram, mas de perceber que a imitação de situações da "alta" literatura para os temas locais - como ele fez em vários poemas e narrativas da primeira fase de sua obra - não funcionava sem perda de fatura literária. A meu ver, sem descartar a fortíssima influência das obras "luciânicas", esse processo de alteração da fonte clássica deriva de uma condição interna à sua obra, de uma necessidade de adequar os fatos ao verbo: ou seja, de imitar, no sentido auerbachiano, o melhor possível a realidade à sua volta.

Machado, é bom lembrar, sabia bem o que estava fazendo. Refere-se a esse processo de imitação no prefácio de seu poema "O Almada" (1879), em que explica ao leitor que está aplicando ali as "regras" do poema cômico: "Observei quanto pude o estatuto do gênero, que é parodiar o tom, o jeito e as proporções da poesia épica. No canto IV atrevi-me a imitar uma das mais belas páginas da Antiguidade, o episódio de Heitor e Andrômaca, na Ilíada".26 26 ASSIS, Machado de. O Almada. In: ______. A poesia completa de Machado de Assis. Org. Rutzkaya Q. dos Reis. São Paulo: Nankin, 2009. 2009. p. 546. Em "O Alienista", o escritor carioca já vai além dos propósitos do poema épico-cômico, intervindo no texto original emendando-o, como recurso mais apropriado à matéria tratada por ele. Nesse sentido, uma imitação séria e elevada só viria a ratificar o discurso beletrista. Ao contrário, na obra de Machado o que se vê é o desmascaramento desse discurso. E um dos recursos usados pelo escritor é retificar a alta literatura, é zombar dela, rebaixá-la. Mas para chegar até aí Machado tentou muitas formas, como se vê no próprio "O Almada".

Voltando a "O alienista", é possível dizer que Coelho estava entre aqueles oradores incapazes de produzir "significação". Mesmo porque não significar é bom, quer para as aparências, quer para convencer o "povo", quer para granjear mais seguidores. No ambiente machadiano - real e literário - , o discurso verdadeiro não medra, é "latim", como lemos na sequência do trecho: "uns sabiam do ódio do padre, e outros pensavam que isto era uma oração em latim".27 27 "O alienista", p. 40. Há um sistema frágil - ou forte, dependendo da forma que se o encare - , em que o público desconhece o que se fala, e quanto mais desconhece mais força os "arrojos sem significação" adquirem. Isso deve, espero, ficar mais claro com a análise dos discursos político e "científico", que se fará a seguir.

O discurso vazio e a rebelião

Com a prisão de Coelho, desponta figura do barbeiro Porfírio, que irá liderar a rebelião contra Bacamarte. Uma frase de Porfírio na Câmara espalhava-se como fogo por Itaguaí: "essa Bastilha da razão humana".28 28 Idem, p. 42. Esta imagem da Casa Verde foi roubada pelo barbeiro de um "poeta local". Um vereador como Sebastião Freitas, vencido pela elegância da frase, "repetia consigo, namorado: - Bastilha da razão humana!".29 29 Idem, p. 43.

O quadro e o momento em que a sentença de Porfírio aparece são importantes para o que se analisa aqui. Ela surge quando o presidente da Câmara pede aos rebeldes algo mais consistente do que simples acusações contra o alienista: "para demonstrar o erro era preciso alguma coisa mais do que arruaças e clamores",30 30 Idem, p. 42. ele diz. "Demonstrar o erro" lembra procedimento científico ou no mínimo investigativo. No entanto, será refutado pela frase vaniloquente de Porfírio. Tudo cai, portanto, na vala do discurso vazio, para onde tudo parece ir afinal. Não se demonstrou nada, ao contrário, usou-se uma figura retórica - a comparação entre a Bastilha e a Casa Verde - forte o bastante para disparar a rebelião. Assim, em lugar da verdade, que pressupõe o método "demonstrativo", temos o arrojo sem significação.

Mais adiante, vemos Simão Bacamarte diante dos revoltosos. Ele não se intimida e se recusa a mexer em sua ciência, não obstante considerar mudanças na administração da Casa Verde. Porfírio entende que essa é sua hora e não perde a oportunidade: mais uma vez se vale da eloquência para não perder o bonde da história:

- Meus amigos, lutemos até o fim! A salvação de Itaguaí está nas vossas mãos dignas e heroicas. Destruamos o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e irmãs, de vossos parentes e amigos, e de vós mesmos. Ou morrereis a pão e água, talvez a chicote, na masmorra daquele indigno.31 31 Idem, p. 48.

Usando o imperativo, pronomes pessoal e possessivo da segunda pessoa do plural (vós, vossos, vossas), além da a segunda pessoa do plural (morrereis), em tom elevadíssimo, convence a massa, que fica ao seu lado novamente, sempre oscilando entre o "latim" dos poderosos. Mais tarde quando já tiver vencido os dragões do rei, dissolvido a Câmara e tomado o poder, Porfírio usará do latinório na sua proclamação do poder, agora por escrito:

Itaguaienses! Não vos peço senão que me rodeeis de confiança, que me auxilieis em restaurar a paz e a fazenda pública, tão desbaratada pela Câmara que ora findou às vossas mãos. Contai com o meu sacrifício, e ficai certos de que a coroa será por nós.32 32 Idem, p. 52.

Mas Porfírio não destruirá a Bastilha, fazendo ver que Itaguaí não é a França.33 33 "[...] porque Napoleão não provou a Casa Verde" (Idem, p. 68). Trai o povo, e logo Bacamarte vê nele mais um louco. Com a Casa Verde de pé, o povo se agita, e quem se aproveita é outro barbeiro, João Pina. Em seu primeiro lance, usa um clichê, o mais vazio dos discursos, com o qual acusa Porfírio de estar "vendido ao ouro de Simão Bacamarte".34 34 Idem, p. 60. Logo teve adeptos. Porfírio reage, mas é derrotado mediante a lábia do adversário: "João Pina mostrou claramente, com grandes frases, que o ato de Porfírio era um simples aparato, um engodo, em que o povo não devia crer. Duas horas depois caía Porfírio ignominiosamente e João Pina assumia a difícil tarefa do governo".35 35 Ibidem (grifos nossos). Teve apenas tempo de copiar decretos alheios antes de ser deposto pelas tropas do rei. Insurreição debelada, Casa Verde revigorada. Assim, a força da retórica encontra seu reverso, a força dos fuzis, que estão ao lado do alienista e não dos rebelados.

Bacamarte - que é nome de arma de fogo - , ao fim, é quem detém a melhor das retóricas, o discurso mais forte.

O discurso vazio e a contrarrevolução

Simão Bacamarte lembra, além de um "Quixote da ciência", um cientista pré-racionalista,36 36 Vem bem a propósito a interpretação de Luiz Costa Lima a respeito da crítica à retórica de Sterne, que ataca um tipo de "cientista" muito semelhante a Simão Bacamarte: "[...] a sátira de Sterne pressupõe o mundo pré-racionalista, ainda dominado pela 'ciência' medieval, com sua medicina especulativa, com seu casuísmo desenfreado, que leva os letrados a propor explicações racionais exaustivas, baseadas, contudo, em premissas não verificadas" (LIMA, Luiz Costa. Sob a face de um bruxo. In: ______. Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. p. 63). que tece teorias que explicam per se os seus objetos, sem lastro empírico algum. Mas ao contrário da personagem de Cervantes, Bacamarte é poderoso, sutil, ardiloso. Mas a força discursiva dele está na formação de sua imagem (da sua aparência). Isso se dá quando o narrador descreve a recepção de Simão em Itaguaí, vila em que "se desconhece o latim": a de um homem nobre, sábio, amigos dos poderosos, do rei inclusive. Mas esse sábio possui um aspecto sombrio, que o faz dominar a cidade e seus moradores, aspecto que fica encoberto pela imagem altissonante de que falamos. Cabe agora ver isso mais de perto.

Algum tempo depois de ter chegado ao Brasil, Simão se "entrega de corpo e alma ao estudo da ciência", ao cabo do qual encontra na investigação da patologia cerebral o seu objetivo maior, ou em linguagem machadiana, sua ideia fixa. Nesta hora, ele se derrama:

Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de "louros imarcescíveis", - expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto, segundo convém aos sabedores.37 37 "O alienista", p. 7.

Na verdade, esses "louros imarcescíveis" cobrem a aura de objetividade do cientista. Projetam uma sombra por trás da imagem de sábio, figura tão proeminente que até suas entranhas são egrégias,38 38 O sintagma constrói-se com o adjetivo anteposto ao substantivo, para dar mais força irônica: "egrégias entranhas" (idem, p. 24). como dirá mais tarde o narrador. O tom classicizante do trecho liga o sábio ao desejo de fama - os "louros" - e ao sentimento de probidade - o cultismo "imarcescíveis". Mesma probidade que o narrador usara para descrever a aparição do barbeiro Porfírio, que é desenhado como um homem que põe os interesses públicos acima dos seus, recebendo por isso o selo de retidão do narrador: "essa é uma das laudas mais puras desta sombria história".39 39 Idem, p. 39. Mas já sabemos que o móvel de Porfírio era a sede de poder, revelada pela pompa de seu discurso. Assim, é preciso prestar atenção na ironia do narrador, que está a todo o momento mostrando como a eloquência ou o discurso elevado encobre sentimentos escusos e nada imarcescíveis.

Essa eloquência será a arma de Bacamarte na Câmara dos Vereadores, ao defender sua ideia de criar uma Casa de Orates em Itaguaí. Essa é a chave com que abre as portas para seu projeto. A Câmara consente e logo cria um imposto para sustentar o asilo de loucos. Construída a casa, um primeiro truque: Simão coloca uma inscrição no pórtico da Casa Verde trocando o nome do autor: em vez de Maomé, o autor de fato, coloca o nome de Benedito VIII. A farsa conta com a cumplicidade do padre Lopes ("fraude, aliás pia"40 40 Idem, p. 10. ), que finge não perceber nada. A razão invocada é política, Simão não quer melindrar a Igreja, embora não se vexe de melindrar a verdade. Pura política.

A essa altura, Simão já é, segundo o narrador, um "alto espírito", um "varão ilustre", não obstante a fraude. Contudo, outro componente desabonador, na contramão da figura do sábio, vem à baila. No capítulo três, "Deus sabe o que faz", numa operação bem típica de Machado de reverter bons sentimentos em sentimentos duvidosos, o narrador exibe outra consequência nada pia do mister científico de Simão: a riqueza. Sua mulher, D. Evarista, queixosa da ausência do marido, que se enfurnara em suas pesquisas científicas, esboça um lamento: " - Quem diria nunca que meia dúzia de lunáticos..." a faria viúva novamente,41 41 Ela teve um primeiro marido, um juiz de fora, de quem enviuvara. seria o complemento da sentença. Mais adiante, quando Simão propõe-lhe viajar para o Rio de Janeiro, ela testemunha o estado de riqueza em que se encontram: "Enquanto ela comia o ouro com os seus olhos negros, o alienista fitava-a, e dizia-lhe ao ouvido com a mais pérfida das alusões: - Quem diria que meia dúzia de lunáticos..."42 42 Idem, p. 18. os deixaria ricos! À custa da loucura alheia, os Bacamartes enchem a burra de ouro, sob as vistas grossas de Deus. " - Deus sabe o que faz!",43 43 Idem. diz a esposa, casando a religião com a riqueza.

Temos, portanto, um cientista beletrista, fraudulento e rico. Esses três aspectos vão oscilar junto com a sua imagem de sábio, movimento que está no núcleo do conto, impulsionado, quero crer, por outro movimento traiçoeiro e fraudulento, o do discurso, que bascula44 44 Termo emprestado de textos e aulas de Antonio Pasta Jr. entre a vacuidade e a plenipotência. Esses aspectos são as saliências que nos deixam ver o problema do exercício do discurso vazio, por enquanto inofensivo. Mas essa questão vai se tornar mais complexa quando se vir que no lugar do discurso científico está a forma do belo, e por trás do sábio, sua estátua.

O belo científico

No quarto capítulo, Simão anuncia uma teoria nova, fruto da "investigação constante", que descobriu: que a loucura "é um continente", ou seja, é muito maior do que se imaginava. Amplia-se o universo da loucura. Ele explica tudo isso ao boticário Crispim, com uma "cópia de raciocínios, de textos, de exemplos", tirados da história e dos casos do vilarejo, embora reconhecendo o "perigo de citar todos os casos de Itaguaí".45 45 "O alienista", p. 22. Ele então demonstra sua habilidade retórica - citação dos exemplos históricos - e política - ao deixar de citar os casos de Itaguaí. Assim, o leitor tem uma noção de seu método, em que há muito pouco de análise empírica. Esclarecido o método, sintetiza sua tese:

- Supondo o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia, e só insânia.46 46 Idem, p. 24.

Ele usa um estilo figurado para explicar sua teoria: o espírito é uma grande concha, e a razão, uma pérola. A associação entre o belo (pérola) e o racional é evidente; e a definição de razão parece uma definição da arte clássica, "demarquemos os limites", "é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades". É a ciência de um varão, de homem ilustre, de um clássico. Mas como ele é um cientista e não um poeta, todas essas formas de expressão servem para legitimar uma ciência fraudulenta.

Simão sabe que seu discurso é eficaz. Afinal ele é um sábio, figura elevada: "Era um grande homem austero, Hipócrates forrado de Catão".47 47 Idem, p. 65 (Catão foi general e estadista romano que viveu entre os séculos III e II a. C. Passou para a história como uma figura íntegra, tornada exemplo de retidão moral. Por isso Dante o colocou como guardião da antessala do Purgatório). O cientista fundira-se ao estadista virtuoso. Sim, porque a essa altura a rebelião já havia sido debelada, os homens do rei tinham intercedido a seu favor, e ele voltara, mais poderoso do que antes, a exercer sua "ciência".

Com plenos poderes, "prendia" quem bem entendesse, os maiorais da cidade inclusos, ajudado por agentes secretos que trabalhavam para ele na busca dos loucos. Sua penúltima cartada foi prender os homens virtuosos e, depois de corrompê-los, soltá-los, mostrando que não eram virtuosos quando "postos em situação", quer dizer, tentados pela fama, riqueza ou vaidade.48 48 Esta será uma das dinâmicas constantes nos contos e episódios machadianos após 1880, como vemos por exemplo no "Caso da vara", de Várias histórias, e no episódio do irmão das almas, de Esaú e Jacó. Assim, estamos prestes a conhecer a descoberta final de Simão, quando sua imagem avulta de tal forma, que chega a petrificar-se em forma de estátua. Uma primeira estocada do cinzel dá-nos a primeira imagem elevadíssima do sábio:

Dizia isto, passeando ao longo da vasta sala, onde fulgurava a mais rica biblioteca dos domínios ultramarinos de Sua Majestade. Um amplo chambre de damasco, preso à cintura por um cordão de seda, com borlas de ouro (presente de uma Universidade) envolvia o corpo majestoso e austero do ilustre alienista. A cabeleira cobria-lhe uma extensa e nobre calva adquirida nas cogitações quotidianas da ciência. Os pés, não delgados e femininos, não graúdos e mariolas, mas proporcionados ao vulto, eram resguardados por um par de sapatos cujas fivelas não passavam de simples e modesto latão. Vede a diferença: - só se lhe notava luxo naquilo que era de origem científica; o que propriamente vinha dele trazia a cor da moderação e da singeleza, virtudes tão ajustadas à pessoa de um sábio.49 49 "O alienista", p. 79-80.

Observe-se a linguagem elevada debaixo dos grifos: "domínios ultramarinos", "chambre de damasco", "cordão de seda", "borla de ouro" ("borlas de Cícero" usava o orador vilão), "corpo majestoso e austero". E sobretudo os "pés [...] proporcionados ao vulto". Estamos ou não estamos diante de sua estátua? O que são esses pés proporcionados ao vulto, senão a explicitação do princípio de equilíbrio da arte clássica?50 50 "[...] o classicismo se distingue fundamentalmente por elementos como equilíbrio, a ordem, a harmonia, a objetividade, a ponderação, a proporção, a serenidade, a disciplina [...] (GUINSBURG, Jacob e ROSENFELD, Anatol. Um conceito de classicismo. In: GUINSBURG, Jacob (Org.). O classicismo. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 374). Sim, ele era equilibrado não do ponto de vista científico, mas conforme as regras clássicas. O Hipócrates forrado de Catão imobilizado em pedra.

O tom do narrador, altissonante e bufo ao mesmo tempo, prossegue. Vem a segunda cinzelada, agora dando o clima moral que antecede a descoberta da nova teoria, que a essa altura nós já sabemos ser pura retórica, como mostram os grifos:

A aflição do egrégio Simão Bacamarte é definida pelos cronistas itaguaienses como uma das mais medonhas tempestades morais que têm desabado sobre o homem. Mas as tempestades só aterram os fracos; os fortes enrijam-se contra elas e fitam o trovão. Vinte minutos depois alumiou-se a fisionomia do alienista de uma suave claridade.51 51 "O alienista", p. 81.

Em seguida, o sentimento de modéstia leva-o à constatação final de que ele era o único homem equilibrado do universo de Itaguaí. Assim, ruma para a Casa Verde, onde se encerrará até a morte. Com isso, a imagem do modesto e do mártir soma-se à imagem grandiloquente do sábio e do homem moralmente imarcescível. Esse tom elevado de estilo combina com o filho da "nobreza da terra", súdito especial do rei, que o queria "regendo a universidade", ligado a toda prova à metrópole. Ele, cuja passagem pelo pequeno vilarejo fez vir à tona a mesquinharia de seus habitantes. E a imagem de estátua, de "vulto proporcionado", serve para distingui-lo da malta. Contudo, suas ações e palavras são tão vazias quanto sua moral, tal qual a dos cidadãos de Itaguaí. Por conseguinte, a construção do homem de bem mediante a sobriedade de estilo, correção e equilíbrio é uma farsa como outra qualquer. O tom é cômico mas a ironia é pesada, pois em que pese todo o quixotismo de Bacamarte, seu método prevaleceu. Com ajuda do artificialismo retórico, o qual, a despeito da diferença que há entre suas regras e o uso de clichês e formas vaniloquentes por parte dos agentes políticos do conto, converge para o mesmo fim, de colocar no lugar da verdade o artifício - o bordado vertiginoso e brilhante do nada. Mas, então, não haveria nenhum discurso com significação no conto? Talvez haja no polo oposto ao de Simão.

O bordado do real

Talvez o que chamamos de discurso com significação seja mais precisamente a resistência ao discurso vazio de que vimos falando. Essa forma de resistência aparece de forma isolada e à primeira vista marginal no conto. Ela se mostra no momento em que a rebelião de Itaguaí estoura. A notícia da revolta se espalha e chega aos ouvidos de um escravo de D. Evarista. Ele corre para avisá-la de que uma rebelião na vila havia sido deflagrada. A mulher de Simão não lhe dá ouvidos, o que obriga o moleque a insistir na notícia: " - Não é patuscada, não, senhora; eles estão gritando: - Morra o Dr. Bacamarte! O tirano! Dizia o moleque assustado".52 52 Idem, p. 44. A senhora manda o garoto calar a boca enquanto se distrai com a altura da barra de seu vestido. Em seguida, os clamores do povo entram pelo ouvido da senhora, que se apavora. Do seu lado, o moleque teve seu instante de júbilo: "Quanto ao moleque, a quem D. Evarista não dera crédito, teve um instante de triunfo, um certo movimento súbito, imperceptível, entranhado, de satisfação moral, ao ver que a realidade vinha jurar por ele".53 53 Ibidem. A palavra do moleque coincidiu com os fatos, e o valor dessa adequação é tal que sobe a um valor moral - "satisfação moral". Desautorizado pela senhora, foi redimido pela justa adequação de suas palavras à realidade.

A cena é descrita por Machado de Assis com o sentido de criar o contraste entre a futilidade e a realidade. Quando o moleque dá a notícia, D. Evarista está às voltas com um dos seus 37 vestidos trazidos do Rio de Janeiro, mudando as posições dos alfinetes para chegar a um melhor caimento do tecido. É o paroxismo da futilidade, o foco cai sobre os recamos, o vaivém da agulha cosendo o vestido, cosendo-se paralelamente ao alarido que vem do povo, pedindo sangue. O diálogo costura os dois movimentos, do ornamento e da revolta. Esse é o bordado mimético de Machado, quer dizer, em que ele usa a força do estilo para melhor produzir o contraste: diálogo fútil versus clamor público; ornamento versus violência. Cena em que ecoam outros trechos da história, por exemplo os "recamos" do vilão imitador de Cícero, que tanto significam "bordados" como ornato retórico. O contraste da cena se enriquece, portanto, com a acumulação de sentidos que vem do conto todo. E com isso compõe o contraste fundamental: recamos retóricos, de um lado; verbo adequado aos fatos, de outro. E exibir esse descompasso exige uma retórica singular, essa sim machadiana, que, numa cena prosaica, faz o contraste do episódio representar o contraste do discurso que está em cena no conto: o discurso em que a realidade está à parte, obscurecida pelas aparências.

A fraude daquele em que se confia

Como vimos até aqui, a ciência de Bacamarte tem a face exterior do belo e o interior do corregedor, policialesca. Essa ciência acaba gerando um espetáculo ligado não ao conhecimento, mas ao poder. Nesse sentido, vimos como o movimento da história é imanente e horizontal, ou seja, ligado à luta entre forças que se escoram no artificialismo do discurso. Vazio retórico que a imagem de Ugolino exacerba tanto por sua imagem dantiana transportada para o conto, a de um homem roendo o crânio de outro, quanto pela adulteração da citação, que exibe ao mesmo tempo a fraude e a força desta mesma fraude, como alegoria do conto.

Os fraudadores são os beletristas, que são parodiados por sua eloquência vazia, cuja definição mais precisa encontramos na boca do próprio alienista: "arrojos sem significação", definição paradoxal que no fundo esta análise tenta explicar: o poder do discurso vazio. Poder que se cristaliza na ação dos revoltosos Porfírio e João Pina, por exemplo, que experimentam com sucesso a força da eloquência, contra a qual os cidadãos de Itaguaí não oferecem resistência alguma, sempre, como dissemos, oscilando ao sabor do "latim" dos poderosos. A força do discurso político só é barrada pela força da bala, que concentra a força das instituições na figura dos soldados do rei, os quais estão, aliás, ao lado do alienista.

Mas nós não vemos essa força discursiva explicitamente, ela nos é repassada pela composição da figura do sábio, moldada nos princípios de equilíbrio e proporção de feitio clássico. É a estátua de Simão, um cientista horaciano, fraudulento e rico, que se distingue no plano das aparências dos demais cidadãos de Itaguaí. Ele desloca, ao esvaziar ao máximo o seu discurso, o discurso científico para o discurso ornamental, à oratória, quase. A ciência em Itaguaí não tem relação com a experiência, "a realidade não vem jurar por ela", mas é apenas discurso. Nesse sentido é fraudulenta. Nesse sentido trai seu interlocutor que confia na ciência como o lugar da verdade. Simão, usando a terminologia dantiana, é o fraudador em quem se confia, o traidor.

Imponente ruína

No início de Memórias póstumas de Brás Cubas, Virgília é descrita como uma imponente ruína, ao entrar no quarto onde está o narrador, no limiar da morte. Ele nos contará no decorrer do romance o seu caso amoroso com ela, quando jovens. Foram namorados e depois amantes, pois ela se casaria com Lobo Neves. Virgília remete a Virgílio, o poeta que conduz Dante pelo Inferno e é a fonte literária principal da Comédia. Essa representação de Virgília bem poderia ser uma representação do modo de Machado ver a literatura de seu tempo, uma imponente ruína. Imagem que a forma especiosa de Machado citar, como a chama Roberto Schwarz, parece sinalizar como uma espécie de ponta do iceberg.

O uso das citações, então, tanto imita o mecanismo da eloquência do beletrista quanto o põe a nu, por meio da deturpação do original. Deformação que ganha mais sentidos quando se vai à Comédia, o que mostra que a inserção dantiana não é vazia - no que se opõe ao "sistema" beletrista - , mas sim expressiva do vazio em que está imersa a literatura local, entre beletristas e leitores despreparados. Sentidos que, deslocados para o universo de Itaguaí, apontam para o poder da ornamentação. Machado de Assis vivia e convivia com beletristas que parodia, ao mesmo tempo que testemunhava seu êxito. Aliás, sucesso ensinado passo a passo na "Teoria do medalhão", conto que se segue a "O alienista".

Luiz Costa Lima, ao diferenciar o ataque à retórica de Sterne do de Machado de Assis, anota a singularidade do escritor brasileiro em relação ao irlandês:

[...] em Machado a crítica da retórica assume desde logo a função de mostrar seu papel no novo mundo: o papel de encobrir o vazio, de dar-se ares de importância. É óbvia a solidariedade entre esta conclusão e a anterior: a alusão irônica do leitor assume seu verdadeiro peso ao notarmos que este pertencia ao mesmo meio dos usuários da retórica.54 54 LIMA, Luiz Costa. Sob a face de um bruxo, cit., p. 64.

Machado estava imerso nesse ambiente vaniloquente, ao qual restava aderir ou combater ou ambas as coisas, como parece ter sido a solução machadiana.55 55 Crítico do beletrista e fundador da Academia Brasileira de Letras. Em "O alienista" o narrador se esconde debaixo da capa dos antigos cronistas. Isso poderia nos fazer crer que o tom ornamental do narrador e das personagens viria daí. Mas o estilo dos cronistas é generoso e polido, como o de Gil Bernardes, personagem do conto, também levado para o hospício de Simão. Essa personagem é formada jocosamente pelos sobrenomes de dois escritores caros a Machado, Gil Vicente e Manuel Bernardes, autores que escreveram polida e generosamente, jamais vaniloquentemente. Os cronistas não criam estátuas, como o narrador da novela. A figura do sábio bem proporcionado é uma construção desse narrador bifronte, dialógico, volúvel, que assume as várias vozes das personagens, tendendo a não se fixar em nenhuma delas. Os bakhtinianos chamariam isso de polifonia. Mas, como Machado não é Dostoiévski, e a perspectiva aqui é dantiana, nossa conclusão vai em outro sentido.

O círculo onde penam Ugolino e Ruggieri é o dos traidores, e esse aspecto nos leva à nossa última consideração: a fraude machadiana. A troca entre seccatore e peccatore toca na questão dantiana ligada à capacidade de expressar a grandiosidade do objeto que estava por vir, o sublime, o espetáculo de Ugolino roendo a cabeça do arcebispo Ruggieri. Na obra machadiana, se há o sublime, este só pode ser muito especial, singular. É, usando a expressão do "Delírio" de Memórias póstumas, a voluptuosidade do nada. E uma das formas de fazê-lo aparecer é por meio da fraude. Em um mundo em que Dante é latim, a alta literatura só aparece quando é traída. E o contrário vale: se ela não é traída, se é só imitada, não é literatura, mas pura ornamentação. A literatura a essa altura - "do seu tempo" - só pode ser literatura se trair a literatura. Nesse aspecto, a alteração da citação é o seu mecanismo mais visível. Mecanismo de uma literatura na qual o clássico se abisma na vertigem vazia da moderna literatura, transformando-se numa "imponente ruína". Esse parece ser o resultado a que chegou Machado, que a custo conseguiu tecer as situações das literaturas antiga, medieval e moderna nas narrativas da mundanidade nacional. Uma saída singular para um ambiente que muitas vezes lhe pareceu sem saída.56 56 Expressão emprestada de: GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Pobres-diabos num beco. Teresa, n. 6/7. São Paulo: Editora 34, 2005. p. 142-163.

Recebido: 15.03.2013

Aprovado:17.06.2013

Eugênio Vinci de Moraes é bacharel em Letras e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. É professor de Língua Portuguesa do Centro Universitário Uninter, em Curitiba (PR). Traduziu, entre outras obras, O marquês de Roccaverdina, de Luigi Capuana, e as Novelas de Pescara, de Gabrielle D'Annunzio, ambas publicadas pela Berlendis & Vertecchia editores. E-mail: euvinci@uol.com.br

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  • A literatura como traição: os versos de Dante em "O alienista"

    Literature as betrayal: the Dante lines in "O alienista"
  • 1
    Entre outros: PASSOS, Gil Pinheiro.
    A poética do legado: presença francesa em
    Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Annablume, 1996; SENNA, Marta de. Estratégias de embuste: relações intertextuais em
    Dom Casmurro. In: _____.
    Alusão e zombaria. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2003; além do website
    Citações e Alusões na ficção de Machado de Assis (<
    www.machadodeassis.net>), que Marta de Senna coordena e em que é possível conhecer todas essas passagens na obra do escritor carioca.
  • 2
    O artigo inaugural é o "Machado de Assis e a Itália", que saiu primeiro no Suplemento Literário do
    Estado de S. Paulo, em 8 de abril de 1961 e depois nos Cadernos do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, o número 1, no mesmo ano. Mais tarde, em 1965, ele publica o "Machado de Assis e Dante", no quinto caderno da mesma série, intitulado "O meu Dante".
  • 3
    MASSA, Jean-Michel.
    La présence de Dante dans l'oeuvre de Machado de Assis. In: BOTREL, J. F.
    Études luso-brésiliennes. Paris: PUF, 1966. p. 3.
  • 4
    Numa tradução literal: "A boca levantou do fero pasto".
  • 5
    "[...]
    qui mi scusi / A urgência
    , se fior la penna aborra", quando o original reza "[...]
    qui mi scusi / La novità, se fior la penna aborra", versos que Machado de Assis traduziu como "[...] a novidade / Me absolva o estilo desornado e rudo" (
    Ocidentais, em: ASSIS, Machado de.
    Obra completa. 3 v. Organização de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar [1959], 1986. p. 173).
  • 6
    "[...]
    che 'l pianto degli occhi / le natiche bagnava per lo ferro", verso que saiu com um erro: "
    ferro" em vez de "
    fesso". Em: ALIGHIERI, Dante.
    A divina comédia - Inferno. Trad. Jorge Wanderley Jorge. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 260.
  • 7
    "Ao que tudo indica, 'O alienista' pode ser considerado como uma reescritura do
    Quixote, seja por intermédio do heroísmo insustentável e anacrônico, seja pela ideia fixa que orienta a ação da personagem" (VIEIRA, M. A. d. C. "O alienista" de Machado de Assis: o Dom Quixote de Itaguaí.
    Letras & Letras n. 20/1. Uberlândia, 2004. p. 78).
  • 8
    "[...] homem de ciência até a medula, consequentemente até o ridículo" (BOSI, Alfredo. A máscara e a fenda. In: ______.
    Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999. p. 88).
  • 9
    ASSIS, Machado de. O alienista. In: ______.
    Papéis avulsos. Edição de I. Teixeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 5 (doravante referido apenas como "O alienista").
  • 10
    "A boca levantou do fero pasto / o pecador [...]" (Tradução de Jorge Wanderley, p. 395).
  • 11
    Alteração que consta na primeira publicação do conto na revista
    Estação.
  • 12
    Ver: ZINGARELLI, Nicola.
    Lo Zingarelli - Vocabolario della língua italiana. 12ª ed. A cura di Miro DOgliotti e Luigi Rosiello. Bologna: Zanichelli, 1997.
  • 13
    SENNA, M. de A Bíblia de Mrs. Oswald ou os cochilos de Machado de Assis.
    Machado de Assis em Linha: revista eletrônica de estudos machadianos, n1., junho de 2008. Rio de Janeiro; São Paulo: Fundação Casa de Rui Barbosa; Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: <
    http://machadodeassis.net/download/numero01/num01artigo07.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2013. p. 81 (grifos nossos).
  • 14
    Como ensina o pai de Janjão, na "Teoria do Medalhão": "Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento". (ASSIS, Machado. de.
    Papéis avulsos, cit., p. 91)
  • 15
    Beletrismo é aqui entendido como "atividade literária de segunda ordem, perfunctória, diletante ou puramente recreativa" (HOUAISS, Antonio.
    Dicionário eletrônico Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.).
  • 16
    "O alienista", p. 12.
  • 17
    ASSIS, Machado de. Aurora sem dia. In: ______.
    Obra completa. 3 v. Organização de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar [1959], 1986. p. 230.
  • 18
    "Mas não esqueçamos que a sátira tem também uma função pedagógica ou mesmo um papel de correção de costumes" (LOUREIRO, Jayme. Leitura, escrita e crítica em "Aurora sem dia".
    Teresa, n. 6/7. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 123).
  • 19
    SOARES, M. N. L.
    Machado de Assis e a análise da expressão. Rio de Janeiro: INL, 1968 [Coleção de Cultura Brasileira - Série Estudos]. p. 4.
  • 20
    "O alienista", p. 34.
  • 21
    Idem, p. 35-36.
  • 22
    Idem, p. 36.
  • 23
    Idem, p. 37.
  • 24
    Idem, p. 36.
  • 25
    Idem, p. 40.
  • 26
    ASSIS, Machado de. O Almada. In: ______.
    A poesia completa de Machado de Assis. Org. Rutzkaya Q. dos Reis. São Paulo: Nankin, 2009. 2009. p. 546.
  • 27
    "O alienista", p. 40.
  • 28
    Idem, p. 42.
  • 29
    Idem, p. 43.
  • 30
    Idem, p. 42.
  • 31
    Idem, p. 48.
  • 32
    Idem, p. 52.
  • 33
    "[...] porque Napoleão não provou a Casa Verde" (Idem, p. 68).
  • 34
    Idem, p. 60.
  • 35
    Ibidem (grifos nossos).
  • 36
    Vem bem a propósito a interpretação de Luiz Costa Lima a respeito da crítica à retórica de Sterne, que ataca um tipo de "cientista" muito semelhante a Simão Bacamarte: "[...] a sátira de Sterne pressupõe o mundo pré-racionalista, ainda dominado pela 'ciência' medieval, com sua medicina especulativa, com seu casuísmo desenfreado, que leva os letrados a propor explicações racionais exaustivas, baseadas, contudo, em premissas não verificadas" (LIMA, Luiz Costa. Sob a face de um bruxo. In: ______.
    Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. p. 63).
  • 37
    "O alienista", p. 7.
  • 38
    O sintagma constrói-se com o adjetivo anteposto ao substantivo, para dar mais força irônica: "egrégias entranhas" (idem, p. 24).
  • 39
    Idem, p. 39.
  • 40
    Idem, p. 10.
  • 41
    Ela teve um primeiro marido, um juiz de fora, de quem enviuvara.
  • 42
    Idem, p. 18.
  • 43
    Idem.
  • 44
    Termo emprestado de textos e aulas de Antonio Pasta Jr.
  • 45
    "O alienista", p. 22.
  • 46
    Idem, p. 24.
  • 47
    Idem, p. 65 (Catão foi general e estadista romano que viveu entre os séculos III e II a. C. Passou para a história como uma figura íntegra, tornada exemplo de retidão moral. Por isso Dante o colocou como guardião da antessala do Purgatório).
  • 48
    Esta será uma das dinâmicas constantes nos contos e episódios machadianos após 1880, como vemos por exemplo no "Caso da vara", de
    Várias histórias, e no episódio do irmão das almas, de
    Esaú e Jacó.
  • 49
    "O alienista", p. 79-80.
  • 50
    "[...] o classicismo se distingue fundamentalmente por elementos como equilíbrio, a ordem, a harmonia, a objetividade, a ponderação, a proporção, a serenidade, a disciplina [...] (GUINSBURG, Jacob e ROSENFELD, Anatol. Um conceito de classicismo. In: GUINSBURG, Jacob (Org.).
    O classicismo. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 374).
  • 51
    "O alienista", p. 81.
  • 52
    Idem, p. 44.
  • 53
    Ibidem.
  • 54
    LIMA, Luiz Costa. Sob a face de um bruxo, cit., p. 64.
  • 55
    Crítico do beletrista e fundador da Academia Brasileira de Letras.
  • 56
    Expressão emprestada de: GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Pobres-diabos num beco.
    Teresa, n. 6/7. São Paulo: Editora 34, 2005. p. 142-163.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2013
    • Aceito
      17 Jun 2013
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