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Desafios da atuação dos psicólogos nos CREAS do Rio Grande do Norte

Psychologist's working challenges in creas in Rio Grande do Norte

Resumos

O presente estudo objetiva discutir os aspectos contextuais que condicionam e possibilitam a prática profissional do psicólogo no campo da Assistência Social, utilizando como recorte a fala dos psicólogos que atuam nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) do estado do Rio Grande do Norte (RN). Coloca-se em debate a atuação do psicólogo nesses espaços, pensando a sua contribuição na consolidação da política pública em questão. A análise dos dados demonstra a necessidade da construção de uma identidade do psicólogo como trabalhador social, apontando para a importância de mudanças no corpo conceitual e técnico da Psicologia.

assistência social; proteção social especial; trabalho do psicólogo.


This paper aims to discuss about contextual aspects that can determine and enable psychological professional exercise in Social Welfare area, using as data the speech of psychologists who work at the Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) from the state of Rio Grande do Norte (RN). It debates the psychologist's performance in these new spaces, thinking about their contribution for the consolidation of this Social Welfare policy. Analysis shows the need of building an identity of psychologist as a social worker, pointing to the importance of changes in the conceptual and technical framework of Psychology.

social assistance; special social protection; psychologist work.


Para a implantação e estruturação da proposta de um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foram necessárias mudanças nas perspectivas da política de Assistência Social do país, além de um reordenamento estrutural e teórico dos programas e serviços existentes. Houve, então, uma reorganização na estrutura da proteção social, por meio de articulação e provimento de dois níveis de complexidade de ação: a proteção social básica e a proteção social especial, que foi subdividida em média e alta complexidade. O presente estudo busca refletir sobre a atuação dos psicólogos na proteção social especial de média complexidade, mais especificamente nos Centro de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS).

Contudo, antes de discutir a implantação do CREAS e seus desdobramentos, é preciso compreender o contexto histórico que precede a construção do SUAS e os avanços e retrocessos nesse percurso.

Assistência social no Brasil

Segundo Behring e Boschetti (2006BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006.), a história da política de Assistência Social no Brasil demonstra um desenvolvimento fragmentado, desorganizado e instável em suas configurações - um quadro que Covre (1986CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para Prática de Psicólogas(os) no Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS. Brasília: CFP, 2012., p. 08) denominou "panorama dos direitos sociais ilusoriamente atendidos". De forma que, historicamente, a Assistência Social no País adotou um caráter mais filantrópico em detrimento de uma perspectiva de direito social.

Vislumbrou-se uma possibilidade de mudança nesta história, a partir dos diálogos conduzidos pelos movimentos e mobilizações sociais da década de 1980, que culminaram na Constituição de 1988. A partir do texto constitucional, a Assistência Social passa a ser um direito da população, independente de contribuições prévias de qualquer natureza. As ações assistenciais são, na realidade, concebidas como a garantia de mínimos sociais (em renda e/ou espécie) àqueles que estiverem necessitados, ou cujos rendimentos estiverem abaixo a um mínimo considerado (DRAIBE, 1990). A Assistência Social torna-se, então, um direito da população assegurado pelo Estado, fazendo parte do tripé Seguridade Social/ Saúde/ Previdência Social.

No entanto, é necessário ressaltar que apesar das orientações sociais mudarem com a Carta Magna de 1988, a operacionalização das conquistas sociais estabelecidas tem ocorrido de maneira lenta, gradual e dissonante de sua proposta política original.

Destaca-se que, no campo econômico, o período é marcado pela adoção do modelo neoliberal refletindo na reestruturação das políticas sociais em um momento fundamental da implementação da política de Assistência Social, durante a tramitação das legislações complementares e leis orgânicas (INSTITUTO DE ESTUDOS ESPECIAIS DA PUC-SP, 2006). Dessa forma, um conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais, dificultou a aprovação das leis que deveriam regular a Assistência Social. Fazendo um resgate histórico, a primeira versão da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS foi apresentada em 1990, sendo, contudo, vetada pelo então presidente Fernando Collor,¹ e aprovada, apenas em 1993 (SPOSATI, 2007). Já em meados da década de 1990, verifica-se uma intensificação no movimento de abertura econômica no Brasil e de reestruturação do aparelho estatal. Nesse período, a Assistência Social teve seu processo dificultado e, pode se afirmar, que houve um retrocesso na esfera da proteção social com a instituição do Programa Comunidade Solidária, ocasionando o que muitos autores denominaram de refilantropização da questão social (SPOSATI, 2007; MOTA; MARANHÃO; SITCOVSKY, 2006).

Nesse contexto, houve a resistência à política baseada na solidariedade, vista como retrocesso aos preceitos constitucionais e da LOAS, e surgiram propostas de redefinição das políticas de assistência e do seu modelo de gestão. Um dos momentos emblemáticos na construção da Política Nacional de Assistência ocorre em 2003, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, que foi considerada um marco, pois possibilitou um espaço de lutas e debates, voltados para o estabelecimento de novas bases e diretrizes para um sistema de proteção social, resgatando a ideia de um Sistema Único. (MOTA; MARANHÃO; SITCOVSKY, 2006).

Frente ao cenário apresentado, em 2005 ocorre a implantação do SUAS, que é um "sistema público não-contributivo, descentralizado e participativo" (BRASIL, 2005, p. 15). Regulamentado pela LOAS e pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que institui a Assistência Social como política de Estado, prioriza a matricialidade sociofamiliar e tem como base de organização o território.

Tendo como pressuposto que as necessidades humanas são complexas, diversas e devem se estruturar em tipos de proteção diferenciados, o SUAS é organizado em proteção social - básica, de caráter preventivo; e especial, quando ocorre violação de direitos.

A proteção social especial exige atenção em serviços ou centros especializados, e é voltada à proteção de famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social. Divide-se em dois níveis de complexidade: a proteção social especial de média complexidade e de alta complexidade, como apontamos alhures. O primeiro nível, foco deste trabalho, se caracteriza por serviços que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos, tendo como referência para o atendimento os CREAS. O segundo nível, busca garantir a proteção integral - moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência, ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e/ou comunitário (BRASIL, 2004).

Os fenômenos sociais que são foco de atenção do CREAS estão para além das populações pobres, trata-se de violação de direitos, que geram situações de risco pessoal e social, fragilização ou rompimento de vínculos e violência intrafamiliar ou doméstica. Segunda a PNAS (BRASIL, 2005) e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009) a proteção social especial oferece: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

O CREAS, então, apresenta-se com a proposta de articulação dos serviços de média complexidade² e ação de referência e contrarreferência com a rede de serviços socioassistenciais da proteção social básica e especial, além das demais políticas públicas e instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos e movimentos sociais.

Diante de uma política em construção e com necessidade de articulação permanente, ainda existem muitos desafios para a sua consolidação.³ Como ressalta Couto et al. (2010CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Conselho federal de Psicologia - relatório final. 2001. Disponível em: <http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/ Pesquisa_WHO.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2002.
http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/ P...
, p. 252) "a proteção especial ainda carece de maturação e compreensão" fato este que reflete na dificuldade dos gestores e equipes técnicas em definir como se estrutura o atendimento e o campo de ação. Dentre as mudanças esperadas pode-se apontar a necessidade de uma política apropriada de recursos humanos, que garanta formação adequada, capacitação continuada e valorização profissional, que vise se afastar de práticas históricas assistencialistas, clientelistas e preconceituosas e consolidar sua ação na proteção social e garantia de direitos.

Este desafio ainda se torna maior para algumas categorias como a do psicólogo, que se insere recentemente de maneira exponencial na Assistência Social, lançando-nos algumas questões: quais as possibilidades e limites de atuação desse profissional nesse campo? Como a Psicologia poderá contribuir na construção e consolidação dessa política?

Diante disso, é necessário entender em que contexto os psicólogos entram no setor de bem-estar social, na década de 1980, uma vez que tradicionalmente a Psicologia tem se alinhado às perspectivas políticas e práticas conservadoras (BOCK, 2003; BOTOMÉ,1979; DIMENSTEIN, 1998; MELO, 1975; YAMAMOTO, 2003, 2007).

É após o período de redemocratização, que a Psicologia se torna uma das profissões chamadas a ingressar no campo das políticas sociais, ocorrendo uma abertura significativa de mercado para os profissionais no setor do bem-estar. Essa grande inserção da categoria é também impulsionada por alguns fatores, tais como: a) a crise econômica e social no país, da década de 1980, que gera a diminuição do poder aquisitivo da classe média e, assim, a diminuição do atendimento privado; b) movimento interno da categoria buscando uma redefinição da função do psicólogo na sociedade (DIMENSTEIN,1998). A inserção no campo da saúde pública, na década de 1980, seguido pela inserção no "terceiro setor", na década de 1990, coloca o psicólogo, sobretudo, como executor de políticas sociais.

A partir de 2004 há uma grande inserção da Psicologia dentro da Assistência Social, pós-SUAS, o que exige da categoria uma revisão, tanto por profissionais quanto pelos pesquisadores, dos modelos e concepções adotados pela Psicologia. Embora, a inserção do psicólogo já existisse antes do SUAS, em instituições ligadas ao campo da Assistência Social como creches, orfanatos, Casas de Passagens, essa inserção, até então, era pontual, não sistematizada e sem registros. Com o SUAS há a necessidade da consolidação da identidade do psicólogo como trabalhador da proteção social, o que apontaria a importância de mudanças no corpo conceitual e técnico da Psicologia e uma discussão sobre a abrangência do seu trabalho profissional. Uma vez que a atuação na proteção social demanda um trabalho articulado, em equipe multidisciplinar, com foco na matricialidade sociofamiliar e suas ações precisam fortalecer os vínculos familiares e comunitários, "seja por meio de projetos destinados à geração de emprego e renda, seja por acompanhamento das famílias no Sistema de Garantia de Direitos e, sobretudo, dos grupos minoritários ou que estejam reconhecidamente em risco" (OLIVEIRA; PAIVA, 2013, p. 143).

Diante disso, faz-se importante colocar em debate a atuação do psicólogo nesses novos espaços, pensando a nossa contribuição na consolidação da política de Assistência Social do país. Assim, o objetivo deste texto é discutir quais os aspectos contextuais que condicionam e possibilitam a prática profissional do psicólogo, estruturada no campo da política pública em questão, utilizando como recorte a fala dos psicólogos que atuam nos CREAS do estado do Rio Grande do Norte (RN).

A experiência do grupo de discussão

Para a realização do trabalho foi efetuada uma parceria entre o Grupo de Pesquisa Marxismo e Educação (GPME/UFRN) e o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP/seção RN), que disponibilizaram pesquisadores para condução de um Grupo de Discussão (GD) com psicólogos que atuam nos CREAS do estado do RN, e posterior análise qualitativa dos dados.

É importante destacar que o estudo aqui apresentado refere-se a um recorte realizado pelos pesquisadores do GPME de uma das etapas de ampla pesquisa conduzida em âmbito nacional pelo CREPOP, acerca da atuação do psicólogo nos Serviços de Enfrentamento à Violência Sexual. A discussão tratada neste estudo focaliza-se, então, no modo como vem se operacionalizando, no RN, a articulação de vários programas no âmbito dos CREAS, bem como a recente inserção de psicólogos nesse campo.

Vale salientar que, segundo dados do MDS (BRASIL, 2010), existem no país, 1.590 CREAS, sendo que, no momento que foi realizada a pesquisa havia 25 localizados no estado do Rio Grande do Norte (RN), nos quais 27 psicólogos atuavam.

Para a realização do GD, a coordenação estadual do CREAS convocou os 27 psicólogos que atuam no serviço, sendo que apenas 20 profissionais se dispuseram a participar. O GD teve duração de duas horas, tendo sido abordados os seguintes temas, a partir de um roteiro semiestruturado: a situação atual do campo de trabalho (dificuldades enfrentadas e funcionamento da rede de atendimento da região), potencialidades e limitações do campo de trabalho, além de considerações sobre a política de assistência social e o CREAS.

A discussão do grupo foi gravada em áudio, com a autorização de todos os participantes, para posterior transcrição e análise.

Os dados foram analisados com base no Método Comparativo Constante - MCC, proposto pela Teoria Fundamentada (Grounded Theory), que busca compreender o significado do fenômeno a partir da ótica dos participantes (STRAUSS; CORBIN, 1990). Através do MCC, buscou-se as diferenças e semelhanças, através da análise dos incidentes contidos nas falas dos participantes do GD. A elaboração de categorias é um elemento central do método, sendo que, desde o começo, o pesquisador busca significados e reflexiona sobre os dados coletados, codificando os segmentos de textos.

Dessa forma, as categorias apresentadas nesse estudo foram organizadas, primeiramente, a partir de uma codificação aberta, a partir de leitura e releitura das transcrições do GD. A comparação originou categorias desconexas, que, no decorrer da análise, foram se conectando, formando o desenho da investigação, com os seguintes blocos de discussão: Identidade do CREAS; Referências teórico-metodológicos para atuação no CREAS; A política da "boa vontade"; A articulação do CREAS com a rede socioassistencial; Possibilidades e limites para as ações do psicólogo no CREAS.

Psicólogo no CREAS

Identidade do CREAS

Inicialmente, o grupo discutiu acerca da identidade do CREAS, tentando-se definir as peculiaridades e características desse serviço. Diante da proposta de uma política social que se encontra em constituição, os psicólogos afirmaram que as equipes buscam "construir uma identidade" para o CREAS, apesar de muitos profissionais ainda estarem confusos quanto a isso. Ademais, alguns participantes afirmaram que, a despeito das mudanças trazidas pela política, continuam atendendo, exclusivamente, como o Serviço de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes (antigo Programa Sentinela), conforme demonstram as falas abaixo:

Nós trabalhamos, ainda, especificamente com o enfrentamento à violência sexual. Agora estamos tentando construir a identidade do CREAS. Em Natal, há dois locais físicos onde estão instalados os CREAS. Na nossa unidade, temos trabalhado exclusivamente com serviço de enfrentamento a violência, abuso e exploração sexual. (P13)

Ainda estamos num processo de construção da identidade de CREAS. Todos na comunidade conhecem como Sentinela. Estamos ampliando o público e o atendimento agora. (P17)

Esse processo torna-se mais confuso, quando, para responder às orientações do MDS, a maioria dos municípios do estado está adaptando ou tentando transformar a estrutura e as equipes de programas já existentes em Centros de Referência Especializados. Como citado anteriormente, o Programa Sentinela torna-se, a partir da PNAS, um dos serviços ofertados pelo CREAS, contudo sem a necessária orientação e formação da equipe. Esse foi um ponto muito discutido pelos participantes, que corroboraram que, em alguns casos, verifica-se uma mudança de nomenclatura, sem ocorrer transformações nos objetivos dos serviços e atividades.

A dificuldade de delimitação da identidade do CREAS poderia ser minimizada por um dos meios principais de informação sobre serviços e ações, que é a documentação oficial. Ela aponta que o CREAS deve ter, em um primeiro momento, serviços destinados a crianças e adolescentes em situação de risco ou violação de direitos, e atendimento de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, assim como suas famílias. Posteriormente, esse serviço deve ser ampliado para outros tipos de violação como a pessoas idosas, deficientes, população de rua e outras (BRASIL, [201?]).

A construção da identidade da assistência social deve ser central para o órgão gestor, que, através da articulação, planejamento, monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas, tem um papel estratégico na consolidação do SUAS (INSTITUTO DE ESTUDOS ESPECIAIS DA PUC- SP, 2006).

Além disso, percebe-se que as maiores dificuldades, neste momento, estão relacionadas ao atendimento, em um mesmo espaço, dessas demandas diversificadas. É necessário destacar que os documentos oficiais ainda são gerais e amplos sobre as formas de atuação da proteção social especial, pois apontam os serviços que devem existir, sem, contundo, servir como diretriz para os modos de execução dessas atividades. O Guia de Orientação Nº 1, que seria o norteador da implantação dos CREAS, destaca, em sua apresentação, a necessidade de produção de outros Guias de Orientação para nortear as ações de ampliação de demanda. Contudo, essa ampliação está ocorrendo, apesar da documentação complementar ainda não ter sido elaborada. Que suportes legais os profissionais podem usar para consolidar esse processo de implantação? Como eles podem responder às exigências do MDS?

Referências teórico-metodológicas para atuação no CREAS

A transição entre os programas antigos e o CREAS ocorreu com vários outros problemas. Os profissionais não sabiam direito o que fazer, tendo todos se queixado da falta de capacitação para lidar com as novas questões postas, como ilustrado pelo trecho abaixo:

Começamos em 2005 como Sentinela. Apenas no final de 2007 o serviço passou a ser chamado CREAS. O processo foi muito complicado, não houve capacitação para os profissionais, não houve informação para a população. Estamos divulgando o CREAS junto à rede e à comunidade, por que com a mudança de nome há uma abrangência muito maior do programa, e a população não sabe disso. (P15)

A capacitação acaba tornando-se um requisito para atuação, não apenas pela mudança paradigmática ocorrida com a implementação de uma nova lógica de Assistência Social, mas também pelo estranhamento de discussões dessa natureza dentro da Psicologia. Some-se ao fato de que, na maior parte das vezes, os profissionais desconhecem os documentos oficiais que embasam as políticas. Ao serem perguntados sobre referências que embasam o trabalho do psicólogo, não foi citado, por exemplo, praticamente nenhum marco lógico-legal sobre a política de assistência social brasileira, ou referências especializadas.

Podemos perceber essas dificuldades de fundamentação teórica no trabalho do CREAS, a partir dos trechos abaixo:

Agora estamos tentando montar uma biblioteca no programa. A gente chega e não tem essa fundamentação. Como somos o Centro de Referência na área, as pessoas buscam essa referência, e não temos. (P13)

Na faculdade é tudo muito disperso. Como atender? Qual é atividade mais adequada? A princípio nos orientamos e fundamentamos de acordo com a demanda de cada cliente. Não tem algo delimitado, o que está delimitando é a própria demanda. O que estou fazendo é o que para ser feito? Não sei, mas estou fazendo o melhor possível. (P8)

A dificuldade encontra-se na delimitação, dentro da Psicologia, de referências teórico-metodológicas, além da ausência de produção de técnicas específicas para o campo. As grandes escolas da Psicologia, presentes maciçamente nas Instituições de Ensino Superior, raramente se debruçam sobre a realidade trabalhada por esses profissionais. Por ser uma área recente de trabalho para o psicólogo, as demandas dos atendimentos impõem uma série de temas a serem abordados, como drogadição, violência contra mulher, abuso sexual, entre outros. O pouco acesso a programas de capacitação do governo e a referenciais internos da própria Psicologia acabam comprometendo o trabalho desses profissionais. A não ser por algumas citações esparsas a alguns trabalhos de mestrado, aparentemente os psicólogos tem pouco contato com a produção acadêmica atual da Psicologia no Brasil, um ponto negativo em se tratando da construção de um campo novo e emergente no país.

Vale salientar que o próprio CREPOP tem produzido referenciais para atuação nos espaços das políticas públicas, buscando suprir um deficit nas formações em Psicologia (YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2010; OLIVEIRA; AMORIM, 2012). Exemplo importante é a recente publicação do Conselho Federal de Psicologia (2012), Referências Técnicas para Prática de Psicólogas(os) no Centro de Referência Especializado da Assistência Socialque aponta diretrizes de atuação para os psicólogos neste campo. No entanto, é preciso reforçar a necessidade de uma formação ampla no campo das políticas públicas, que consiga dar conta de uma atuação interdisciplinar e intersetorial, esperada das equipes nesses espaços.

A política da "boa vontade"

Em outro ponto de discussão, os profissionais questionaram o empenho do poder público em concretizar a política de Assistência Social, por meio da constatação que as necessidades da população são muito maiores do que se pode oferecer, como mostra o exemplo abaixo:

Falta empenho do poder público. Não há, por exemplo, casa de apoio a adolescentes, a crianças. As políticas andam a passos de tartaruga. Falta conseguir na própria cidade esse espaço, até para não precisar mandar para a capital. Muitas vezes já está lotado e não tem vagas. Apoio a gente tem, mas não há serviços suficientes. Os programas já estão cheios. Não conseguimos atender a família como um todo. A gente tenta fazer o trabalho da melhor forma possível, mas há entraves que dificultam muito o nosso trabalho. A gente tenta dar orientação para as pessoas, mas não contamos com os serviços apropriados. Temos na mão quatro panelas com três tampas! A gente percebe que existe a boa vontade. A prefeitura faz o que é possível, mas é algo paliativo, não há políticas a longo prazo. Eles ajudam (a prefeitura), mas não existe soluções a longo prazo. É tudo de imediato, não conseguimos dar continuidade. (P6)

É necessário lembrar que, na construção de políticas sociais, existem conflitos de interesses entre classes e pressões de ambos os lados. Assim, para pensar na consolidação e efetivação de uma política é importante levar em conta esse movimento dialético de forças. Como destacam Behring e Boschetti (2006BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006., p. 36), analisar as políticas sociais passa pela compreensão de que elas são "processos e resultados de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo".

Frente a essas questões, é importante refletir sobre as forças fundamentais para o funcionamento da política pública e como a participação da população pode contribuir, por meio de pressões populares e da gestão participativa, por exemplo, para que as atividades ocorram de acordo com o que a lei propõe, sem esperar o que os participantes chamaram de "boa vontade" dos prefeitos, que aparece como limitada.

Além disso, os participantes chamaram a atenção para o fato de que as prefeituras não entram com a contrapartida que lhes cabe na implantação das políticas. Isso é visto como um enorme entrave para o trabalho do psicólogo:

Nossas ações se quebram no meio do caminho, por que não conseguimos estruturar as famílias de maneira real. (P6)

Estamos sempre esperando. A gente pede muito um veículo para visitas, e dificilmente eles disponibilizam. Será que eu vou com meu próprio carro? Isso é correto? (P7)

Com o pouco esforço das prefeituras para a implantação e efetivação da política municipal de Assistência Social, os profissionais, muitas vezes, disponibilizam recursos pessoais para efetuar o trabalho e diminuir as tensões sociais geradas pela falta de atendimento. Entretanto, não é o profissional que tem de responder a uma falta institucional, já que o compromisso é do poder público em efetivar os direitos sociais.

A articulação do CREAS com a rede socioassistencial

Além da avaliação do profissional sobre a política de Assistência, foi discutida com os psicólogos a articulação do CREAS com outras instituições. As ações que desenvolvem são isoladas ou se articulam em uma rede de referência? Afinal, de que maneira os serviços e as políticas se coadunam?

Constatou-se, a partir das discussões, que não existe ainda o desejado trabalho em rede. Evidentemente que há diferenças entre os municípios, em alguns há algum nível de articulação, em outros o serviço caminha isoladamente. Alguns profissionais, inclusive, comentaram sobre um esforço em fortalecer a rede, como demonstra a fala a seguir:

A Secretaria de Assistência Social vem tentando fortalecer a rede, dar visibilidade a mesma. Houve vários eventos para que todas as entidades pudessem se encontrar, trocar experiências, tornar conhecido cada trabalho. Já houve a proposta de se criar um órgão articulador dessa rede - através do PAIR. Um dos maiores entraves é o encaminhamento de usuários de drogas, adolescentes que não temos para onde encaminhar... Há furos nos serviços dos CAPS, e não há outros lugares para encaminhar. Há um esforço, mas ainda precisa de muita estrutura e investimento. (P14)

É necessário ter mais clareza sobre o conceito de rede para avaliar essa discussão. O que é rede? Qual a importância do trabalho em rede na área social?

Para Rizzini (2006RIZZINI, I. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006.), o conceito de redes sociais é complexo e vem sendo construído na prática, a partir da experiência de grupos que se organizam para melhor atender às suas necessidades, desnaturalizando práticas que, historicamente,vêm sendo gerenciadas de forma vertical. O trabalho em rede, ao contrário, apresentaria uma estrutura extensa e horizontal, caracterizada pelos elos criados entre seus membros.

Nesse sentido, o SUAS deveria trazer uma redefinição de serviços socioassistenciais, rompendo com a lógica de atendimento segmentado, para estruturá-los em redes de proteção social, assegurando um amplo conjunto de seguranças sociais (INSTITUTO DE ESTUDOS ESPECIAIS DA PUC- SP, 2006).

No entanto, como os recursos são escassos e mal distribuídos, cria-se um déficit de serviços, que dificulta a articulação política em rede (COLIN, 2008). Por isso, na prática, as ações da assistência social parecem pontuais e desarticuladas de um projeto mais amplo de proteção social.

Além disso, quando questionados sobre o que podiam contar na rede de referência do município, os participantes responderam quase invariavelmente pelo que não há na rede de atendimento.

Duas questões se mostraram problemáticas para os psicólogos com relação aos encaminhamentos. Quase todos se queixaram de que não têm para onde encaminhar demanda de dependência química. Outra dificuldade foi o encaminhamento para abrigos, quando há necessidade de afastar a criança da família ou do agressor.

Quando perguntados sobre o que fazem quando precisam encaminhar, e não há o serviço no município, os psicólogos falaram que encaminham para a capital, que, por sua vez, está sempre com enormes listas de espera. Na verdade, não há como a capital absorver a demanda dos outros municípios. Vejamos outras falas que indicam essa dificuldade:

Se partirmos para programas mais específicos, abrigamento, usuários de drogas, não há como encaminhar. (P2)

A parte de saúde de lá é boa, mas eu concordo que para usuários de drogas é muito difícil... Quando encaminhamos, mandam as pessoas de volta. Temos que encaminhar para municípios maiores. (P4)

Nota-se que a inserção do psicólogo na área da Assistência Social vem acelerando um processo de interiorização da Psicologia, tendo em vista que, historicamente, a profissão esteve centrada nas capitais (ROSAS, P.; ROSAS, A.; XAVIER, 1988). Esse processo de interiorização - por ser um fenômeno recente e atípico - precisa ser estudado com maior profundidade.

Possibilidades e limites para as ações do psicólogo no CREAS

Após as discussões acerca das dificuldades contextuais enfrentadas pelos profissionais, passou-se a questionar quais ações são efetivadas. Diante de tamanha adversidade, que atividades os psicólogos conseguem realizar? Como é a atuação do psicólogo nos CREAS? Vejamos algumas falas:

Fazemos acolhimento interdisciplinar, em que participam psicóloga e assistente social, o advogado está à disposição para a família. Realizamos palestras em escolas da comunidade e nas Unidades Básicas de Saúde. O nosso objetivo é informar sobre o serviço e fazer um trabalho de prevenção. Quando há denúncia de violência ou abuso, realizamos visita de averiguação à família. Confirmando a violência ou abuso, encaminhamos a família para atendimento. Depois realizamos visitas de monitoramento, para observar como as famílias atendidas estão. Fazemos abordagem à noite, nas ruas. (P13)

A gente faz de tudo e mais um pouco. Todo tipo de demanda a gente recebe. A gente faz atendimento, visita, acolhimento. Não estamos fazendo grupo. Tentamos fazer um grupo, mas não foi para frente. Vamos tentar retomar esse negócio. Parceria com o CRAS é ombro a ombro. Fazemos um trabalho a partir do alto índice de evasão escolar no município. Fazemos muita visita domiciliar. (P2)

Temos um trabalho socioeducativo para adolescentes em situação de risco. Trabalhamos a questão da sexualidade. Trabalhos com os agentes de saúde. A dificuldade é que abarcamos outros municípios e não temos como fazer visitas nem como atender a todos. Não tem nenhum incentivo. (P8)

Diante da diversidade de funções descritas pelos psicólogos, poderíamos considerar que há um denominador comum acerca do papel do psicólogo no contexto da ação social?

Os psicólogos encontram-se, ainda, diante do desafio de construir uma identidade como trabalhador da assistência social, percebendo as possibilidades e limites de atuação nesses novos espaços que se configuram (YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2010; MACEDO et al., 2011). Afinal, "o que está em questão é a ressignificação da identidade do trabalhador da assistência social, referenciada em princípios éticos, políticos e técnicos, qualificada para assumir o protagonismo que a implantação do SUAS requer" (INSTITUTO DE ESTUDOS ESPECIAIS DA PUC- SP, 2006, p. 19).

A inserção do psicólogo no SUAS traz a necessidade de agregar novos conhecimentos teóricos e técnicos, que o capacite a formular, implementar, monitorar e avaliar políticas públicas.

Essa atuação profissional diferenciada evoca a necessidade de uma dimensão ético-politica na sua prática profissional, exatamente por lidar com segmentos distintos, além da garantia da produção de técnicas que assegurem a própria sobrevivência profissional do psicólogo nesse espaço de atuação.

Como discutido anteriormente, a maior parte dos psicólogos acha que as políticas deixam a desejar, que falta vontade política, que os programas são ineficientes em vários aspectos. Porém, quando avaliam suas próprias atividades, a percepção é um pouco diferente:

Quando você usa o seu carro, assim você está colocando para você uma responsabilidade que não é sua. Quando pensamos no compromisso com a população você acaba fazendo coisas que não é de sua responsabilidade, mas da política. O técnico tem feito acontecer, e não a política! (P8)

A instância macro não funciona, mas na sua realidade cotidiana o trabalho corre relativamente bem. Os psicólogos acham que conseguem desempenhar bem suas atividades, apesar das adversidades. Questionamos, contudo, esse grau de "eficácia" dos profissionais. Em um serviço no qual os psicólogos não têm claros os resultados esperados, nem um projeto político para seu trabalho, como afirmar, por exemplo, que sua atuação profissional é competente?

Além do mais, é interessante perceber também que as adversidades, segundo os profissionais, não existem apenas no nível da política. Como citado, também foi mencionada a falta de fundamentação e capacitação, da dificuldade do trabalho em rede. Porém, quase todos os profissionais apresentaram experiências possivelmente válidas para trabalhos com proteção especial. O que nos faz refletir se de fato estão sendo produzidas atividades realmente originais, e se os psicólogos estão, apesar de tudo, produzindo experiências e técnicas inovadoras, diferentes das práticas advindas da Psicologia Clínica tradicional. Uma possibilidade menos otimista é que estejam ocorrendo experiências sem embasamento teórico-metodológico, esparsas e sem coesão.

Outra dificuldade ressaltada pelos profissionais é a precarização dos vínculos empregatícios, que muitas vezes limita a ação do psicólogo. Como expresso pela citação a seguir:

Ninguém que é do CREAS e CRAS é funcionário público, somos cargo comissionado, e fica muito difícil ir contra interesses e a gente acaba se prejudicando. (P4)

Ao fazer um resgate histórico, especificamente para a Psicologia, a "falência do milagre econômico", e a transição democrática, significaram uma retração do mercado de trabalho liberal, clínica em sua maioria, em consequência da crise financeira e decorrente diminuição do poder aquisitivo da classe média. A manutenção do modelo liberal clínico tornou-se inviável como a principal fonte de renda desses profissionais.

Essa retração de mercado faz com que os profissionais da Psicologia migrem para outros espaços, em condições de assalariamento, modificando certo "perfil" da profissão. Mesmo transmitindo, a partir da identificação do modelo clínico, uma imagem de profissão liberal/autônoma, já no final da década de 1980 a área de Psicologia encontrava-se fortemente assalariada (BASTOS, 1990). O que provavelmente a categoria não esperava era uma inserção em um mercado assalariado em uma época de modificações nos padrões de contratação e exercício profissionais, a saber, em um modelo de acumulação flexível.4 Esse modelo, junto a um padrão neoliberal que aporta de maneira mais efetiva no país, a partir da década de 1990, impõe uma precarização do trabalho que certamente atinge a categoria dos psicólogos.

Essa inserção acaba se dando pelas "leis de mercado", que gradativamente vão assalariando o psicólogo e inserindo-o nas já condições precarizadas de uma profissão com um histórico de péssimas condições de trabalho (BASTOS; GOMIDE, 1989; CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA [CFP], 2001). A maior parte dos estudos nacionais, inclusive, aponta para uma profissão com uma alta carga horária, múltiplos empregos e baixa remuneração (BASTOS, 1990; CFP, 1988, 2001; INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA (IBOPE), 2004).

De fato, estudos no Rio Grande do Norte (SEIXAS, 2009; YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2010) tem apontado a área da Assistência Social como uma das mais precarizadas do estado. Carga horária elevada, remuneração muito abaixo da média da categoria de psicólogos - mais baixa até do que dos outros psicólogos que trabalham com Políticas Sociais. Esses dados desanimadores, são corroborados pelas informações fornecidas no presente estudo. Percebemos nas entrevistas que, além das questões trabalhistas citadas, a situação parece ser agravada pela falta de proteção trabalhista, já que quase a totalidade dos profissionais possui contratos temporários:

Não podemos ficar reféns do prefeito. Temos a NOB-RH que prevê os concursos públicos e precisamos batalhar por isso. Precisamos usar do poder de convencimento para fazê-los entender as necessidades para efetivar a política (P10).

A Norma Operativa Básica que rege os profissionais da Assistência Social (NOB-RH), prevê a contratação efetiva de seu corpo técnico, através de concurso público. Os psicólogos aparentemente se apegam a esses aspectos normativos para pressionarem uma esperada efetivação. No entanto, questionamos se os rumos e as características de um política social brasileira que trabalha costumeiramente com inserções desqualificadas irá cumprir com o exposto, sobretudo, se levarmos em consideração a obscuridade do seu processo de financiamento de seus programas e políticas, fato que acaba virando um "jogo de transferência de responsabilidade" e adia sobremaneira eventuais melhorias nas condições de trabalho da categoria (COLIN, 2008).

Ao fim da discussão foram solicitadas, do grupo, algumas sugestões de propostas de ação que poderiam colaborar para a mudança do quadro atual. Estas propostas versaram sobre três temas: o primeiro está ligado à instrumentalização técnica da equipe (construção de referências técnicas para se trabalhar os diferentes grupos que chegam ao CREAS; criação de instrumento único, ou guia norteador de atuação; capacitações; Montagem de bibliotecas de referência.); o segundo, relaciona-se ao apoio e a fiscalização da gestão estadual e federal (respaldo da equipe estadual gestora dos CREAS, maior fiscalização nos municípios, presença física da equipe nos municípios; supervisão, suporte às equipes dos CREAS; envio de relatórios para os gestores dos municípios, a partir das visitas da equipe gestora estadual); e o terceiro, versou sobre a necessidade de articulação entre os CREAS (realização de encontros de articulação).

Considerações finais

O recorte realizado pelo GPME das discussões produzidas por esse grupo de psicólogos, proporcionou a reflexão sobre funcionamento, gestão, características e dificuldades para a efetivação da política de proteção social especial.

Além do mais, é interessante perceber também que as adversidades, segundo os profissionais, não existem apenas no nível da política. Como citado, eles também falaram da falta de fundamentação e capacitação, da dificuldade do trabalho em rede, das condições de trabalho precárias.

Apesar de todos os problemas que os profissionais citaram, também trouxeram sugestões para a mudança desse quadro, apontando possibilidades para a realização de ações que consolidem a política e subsidiem a atuação profissional. Essas sugestões, como apresentadas anteriormente, demonstram requerer intervenções nos âmbitos político e teórico-técnico. Por um lado, as sugestões dos profissionais deveriam ser socializadas com o resto da categoria e os obstáculos encontrados no cotidiano profissional serem levados para as instituições formadoras para que, em um esforço conjunto, ocorra reflexão e consequente produção de novos conhecimentos científicos na área.

Esse aspecto tange não só aos cursos de Psicologia, mas às entidades da categoria, exemplificado pelo trabalho do CREPOP, na produção de um documento referencial de ação no campo da Assistência Social. Por outro lado, o segundo conjunto de sugestões apresenta um componente político e exige uma articulação com outros setores do poder público. A consecução dessas propostas de caráter político teria que envolver necessariamente um grau de conscientização e articulação da categoria a fim de pressionar o poder público em direção às mudanças apontadas. A maior dificuldade, e ponto de reflexão desses dados, então, perpassa pela necessidade da criação de um projeto político para a categoria.

Por fim, a entrada do psicólogo, não apenas no CREAS, mas na Assistência Social, pode permitir a articulação da categoria para construir referências político- profissionais e a organização dos profissionais da Assistência Social para a consolidação dessa política. Devido à proximidade com as classes subalternas e o fato dos profissionais depararem-se com as sequelas da questão social exige um posicionamento político do psicólogo, que evidencia a possibilidade de ser um agente de transformação social.

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  • ¹ Collor justificou o veto afirmando que a proposição não estava "vinculada a uma assistência social responsável" (SPOSATI, 2007, p. 19).
  • ² Os serviços ofertados pelos CREAS: Serviço de Enfrentamento à violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes; Serviço de Orientação e Apoio Especializado a Indivíduos e Famílias com seus Direitos Violados; e Serviço de Orientação e Acompanhamento a Adolescentes em Cumprimento de Medida Sócio-Educativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. Mas, cada município verificará a possibilidade de ampliação gradual dos serviços, de modo a abarcar outras situações de risco ou violação de direitos (com relação às pessoas idosas, pessoas com deficiência, mulheres vítimas de violência, população de rua, entre outras). (BRASIL, [201?].)
  • Alguns desafios importantes são apontados pelos Cadernos de Estudos (AZEVEDO, 2005), em que são produzidos textos que embasaram a discussão política teórica da V Conferência Nacional de Assistência Social.
  • Acumulação flexível é um processo de mudança nas políticas administrativas, em contraposição ao fordismo, que tem como características principais a flexibilização dos processos de trabalho, mercado de trabalho, produtos e padrões de consumo (HARVEY, 2001).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2010
  • Aceito
    09 Abr 2014
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