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TRANSPORTES E A LOGÍSTICA FRENTE À REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL

TRANSPORTES Y LA LOGÍSTICA FRENTE A LA REESTRUCTURACIÓN ECONÓMICA EN BRASIL

RESUMO

A contemporânea reestruturação econômica possui dois importantes componentes que articulados impactam na reconfiguração espacial que sofre o território brasileiro: são eles a logística de Estado e a logística corporativa voltadas para os transportes e funcionando como estratégias para o planejamento e para a gestão territorial (pública) e corporativa, com a finalidade de inserir e expandir a fluidez e a competitividade e alterar as configurações territoriais. Já os processos de expansão geográfica do capital contam com a atuação do poder público no atendimento das demandas corporativas por infraestruturas de transportes e armazenamento. Na mesma direção, a logística realizada pelas empresas, otimiza os sistemas de engenharia de transportes, a fim de minimizar novas construções e custos de produção. Este estudo mostra que a logística, enquanto inovação organizacional, serve para aumentar a fluidez e a competitividade territorial, interferindo no reordenamento de diversos espaços do território brasileiro.

Palavras-chave:
Logística corporativa; Logística de Estado; Fluidez territorial; Competitividade territorial; Modernização; Sistemas de normas e tributação

RESUMEN

La contemporánea reestructuración económica posee dos importantes componentes que articulados impactan en la reconfiguración espacial que sufre el territorio brasileño: son ellos la logística de Estado y la logística corporativa volcadas al transporte y funcionando como estrategias para la planificación y la gestión (público) y corporativa, con la finalidad de insertar y expandir la fluidez y la competitividad y alterar las configuraciones territoriales. Los procesos de expansión geográfica del capital cuentan con la actuación del poder público en la atención de las demandas corporativas por infraestructuras de transporte. En la misma dirección, la logística realizada por las empresas optimiza los sistemas de ingeniería de transporte y de almacenamiento a fin de minimizar nuevas construcciones y costos de producción. La investigación, tiene como objetivo mostrar que la logística, como innovación organizacional, sirve para aumentar la fluidez y la competitividad territorial, interfiriendo en el reordenamiento de diversos espacios del territorio brasileño.

Palabras clave:
Logística corporativa; Logística de Estado; Fluidez territorial; Competitividad territorial; Modernización; Sistemas de normas y tributación

ABSTRACT

The contemporary economic restructuring has two important components that articulated impact on the spatial reconfiguration in Brazilian territory: they are, the state logistics and corporate logistics focused on transportation and functioning as strategies for planning and management territorial (public) and corporative, with the purpose of inserting and expanding fluency, competitiveness and changing territorial configurations. The process of geographical expansion of capital count with the participation of the public power in the service of corporate demands for transport and infrastructure. In the same direction, the logistics held by companies optimizes engineering systems of transport and storage, to minimize new constructions and production costs. This study, therefore, has as scope to show that the logistics, as organizational innovation, serves to increase the fluidity and territorial competitiveness, interfering in the reordering of various spaces in the Brazilian territory.

Keywords:
Corporate logistics; State logistics; Territorial competitiveness; Territorial fluidity; Modernization; Standards and taxation systems

INTRODUÇÃO

Houve no Brasil, a partir de 1991, com a abertura econômica, uma mudança significativa no volume da circulação das mercadorias, capitais e informações. Uma intensidade mais significativa dos fluxos econômicos (circulação de insumo-produto) adveio notadamente a partir de 2003, com o governo Lula da Silva, como resultado de uma política econômica voltada para a ampliação do mercado interno, do crescimento das exportações de produtos agroindustriais (grãos e carnes), minerais e da importação de insumos e produtos acabados. A China entra mais agressivamente nesse cenário como parceira comercial do Brasil, substituindo os Estados Unidos como principal parceiro comercial. Conformou-se, deste modo, um aumento desigual da circulação de mercadorias em relação ao planejamento e à construção de infraestruturas de transportes e armazenamento para atender a crescente movimentação de mercadorias. Esse fato foi um dos motivos para diversos analistas e planejadores econômicos e de transportes indicarem um pretenso “apagão logístico” (ao modelo do que houve no setor energético no governo de Fernando Henrique Cardoso). Esses profissionais alegavam, ainda, que para evitar o “apagão logístico”, ou mais precisamente, um “apagão infraestrutural”, o poder público deveria desacelerar a economia, já que as infraestruturas, de uma forma geral, não acompanhariam o ritmo crescente da economia. Essa foi uma tese defendida até mesmo por integrantes do governo Lula da Silva.

Todavia, o “apagão logístico” nunca aconteceu - apesar de haver por todo território brasileiro nítidos nós de estrangulamento das infraestruturas - e os sistemas de engenharia suportaram o aumento da circulação tanto de mercadorias, de pessoas (com o aumento da renda o número de automóveis particulares aviltou-se vertiginosamente) quanto de informações (ampliação da rede de fibras óticas, satélites e telefonia celular). Nesse contexto, quais foram os motivos para as infraestruturas suportarem as grandes demandas de transportes e armazenamento em um espaço relativamente curto de tempo? E quais foram as consequências desse aumento da fluidez, no que diz respeito à produção do espaço no território nacional? O objeto do artigo também visa contribuir, através de um método crítico e analítico, para estudos que tenham aspirações de decifrar as reconfigurações territoriais no Brasil causadas pelas políticas públicas e corporativas de transportes e logística.

Sabe-se que foi por meio da política econômica do Governo Lula da Silva e do aquecimento da economia mundial que o Brasil ampliou seu PIB (Produto Interno Bruto). Esses dois coeficientes estão diretamente relacionados, numa interação entre causa e efeito, com a adição da movimentação de mercadorias pelo território nacional. Contudo, não é presumível, nesse mesmo intervalo de tempo, o Estado desenvolver infraestruturas necessárias para atender esses novos pleitos corporativos e de consumo, pois o tempo da economia, de dinamização de um PIB nacional (mais rápido) é, apesar de relacionado, diverso do tempo do planejamento e da execução das infraestruturas (mais lento). Diante desse cenário, questiona-se: como o Brasil cresceu economicamente durante anos seguidos sem haver um “apagão infraestrutural” que comprometesse a fluidez e a competitividade territorial do país? Alguns motivos serão discutidos, como: 1) a habilidade exponencial do uso de inovações organizacionais e técnicas - como a “logística corporativa” e o progresso técnico nos meios de transportes - efetivada pelas empresas, a fim de otimizar as infraestruturas existentes; e 2) a capacidade do Estado, mediante a “logística de Estado”, de ampliar a fluidez territorial, melhorando o planejamento da circulação no território aos seletivizados litígios corporativos.

O uso da logística corporativa (com adoção de estratégias de otimização de processos e de custos de transportes e armazenamento) entre as empresas sediadas no país foi ampliado a partir da abertura da década de 1990 e, especialmente, com o aumento da competitividade auferida pelo Governo Lula da Silva. A finalidade do seu aperfeiçoamento foi proporcionar avanços nas estratégias, no planejamento e na gestão de transportes no âmbito empresarial. Mas, esse movimento aconteceu numa relação direta com a logística de Estado (estratégia, planejamento e gestão do poder público no provimento de maior fluidez territorial), expandindo a eficiência na movimentação de mercadorias, nos fluxos econômicos e, por consequência, das interações espaciais.1 1 As interações espaciais, segundo um enfoque dialético-materialista, referem-se à noção que reflete, na consciência, a relação dialética entre formações materiais contraditórias e deriva da categoria filosófica de interação ou ação recíproca. Essa relação dialética tem por resultado uma síntese, uma transformação, ou a ignição de um novo processo de desenvolvimento. Portanto, as interações espaciais envolvem os transportes, a mobilidade e a acessibilidade - que são categorias que possuem uma dimensão espacial - sem as quais não pode ocorrer a relação dialética entre as referidas formações materiais, como, por exemplo, o capital e o trabalho, o sujeito e seu objeto de conhecimento, entre outras que exigem algum tipo de mobilidade e que são socialmente construídas em diferentes escalas geográficas (SILVEIRA; COCCO, 2011). Tendo em vista que a logística corporativa, ao campear a otimização dos custos de transportes e armazenamento, igualmente, esquadrinha maximizar os sistemas de transportes (objetos e ações dos transportes), dando-lhes maior eficiência e movimentação pelas vias de transportes, sem o imperativo de implementação de novos fixos de circulação.

O papel do Estado, por meio das políticas públicas, foi direcionado para: 1) a construção e melhoria das infraestruturas em nós estratégicos da rede de circulação nacional, como dragagem e derrocagem em canais portuários, túneis, pontes, contornos e duplicações rodoviárias e outros; 2) a construção de novas infraestruturas estratégicas (portos, autoestradas, Portos Secos, linhas ferroviárias e outros) capaz de mudar a antiga lógica espacial de circulação regional (concentrada no Sudeste e no Sul) para outra, um pouco mais descentralizada, em que se direcionaram tanto recursos públicos e privados quanto público-privados (parcerias público-privadas); 3) a formulação e implementação de um sistema de normas e tributação (sistemas de ações, relações de produção), com a finalidade de desburocratizar a movimentação de mercadorias (importação/exportação e circulação interna), abrandar e padronizar impostos e taxas. Todos esses elementos da “logística de Estado” caminharam na direção de amortecer os custos totais da circulação do capital por meio da fluidez territorial.

Por fim, nossa pretensão é contribuir teoricamente e celeremente analisar alguns fatos contidos no território brasileiro, arrogados à circulação, aos transportes e à logística, responsáveis pelas proeminentes alterações territoriais, no que diz respeito aos fluxos econômicos, à fluidez e à competitividade territorial e, por implicação, às devidas interações espaciais. Para um resultado satisfatório, também é necessário entender mais profundamente alguns componentes atribuídos às mudanças nos sistemas de transportes, como: 1) as inovações técnicas nos meios e nas vias de transportes; 2) as inovações organizacionais, como a logística; 3) a construção de infraestruturas em nós ou linhas da rede de transportes nacional; 4) as desregulamentações e novas regulamentações (normativas); e 5) as transformações tributárias. O avanço das forças produtivas internacionais e suas realocações em diversos espaços nacionais produziram variações nas relações de produção que, por conseguinte, afetaram a divisão territorial do trabalho até então vigente. Com isso, a intensidade da circulação do capital, fruto das expansões geográficas dos capitais, foi vastamente revolucionada. A circulação, de forma generalizada, não é mais realizada presentemente como era no passado.

METODO, DESDOBRAMENTO TEÓRICO E RELEVÂNCIA DA CIRCULAÇÃO, TRANSPORTES E LOGÍSTICA FRENTE ÀS RECENTES REESTRUTURAÇÕES ECONÔMICAS

O homem, como um ser social, ao interagir com a natureza e com outros homens o faz em sociedade e, consequentemente, produz espaço. É nesse sentido que o espaço, como conhecido pelos geógrafos, perde parcamente seu predicado natural e ganha o admirável papel de instância social (segunda natureza). Por essa razão, o espaço é uma totalidade (complexos de complexos) apinhada de consignações complexas, em grande parte, intermediada por interações sociais (contidas no espaço geográfico). Essas, em certa medida, só cooperam para a produção do espaço se possuir circulação (movimento, transportes, mobilidade) e armazenamento, bem como suas formas de planejamento e gestão, entre outros. Tais processos contínuos se tornam cada vez mais complexos, conforme os grupos humanos vão afastando-se do comunismo primitivo e se direcionando para as relações mais “adiantadas” do modo de produção capitalista (SILVEIRA, 2014SILVEIRA, Márcio R. Circulação, transportes e logística. In: SILVEIRA, M. R. (Org.). Circulação, transportes e logística no estado de São Paulo. Curitiba: Editora Appris, 2014, p. 11-34.). Essas, em seguida, têm, juntamente com a evolução humana, um componente espacial, isto é, as interações espaciais, a formação territorial e as territorialidades. Aparecem, assim, os elementos cruciais na nossa interpretação, isto é: os transportes, a logística e, mais tarde, o Estado como regulador de ambos, mas também que faz uso deles para a produção do espaço.

Os homens, ao se deslocarem no espaço, transportam e armazenam, porque as duas ações são determinantes geográficas da produção. A produção só advém por meio do trabalho, pois essa é a categoria fundante das relações sociais e a única capaz de estabelecer, ao mesmo tempo, a intermediação entre os homens e a natureza. Os transportes têm uma relação direta com a produção geral (produção da existência humana na sua relação com a natureza). Dessa forma, se há produção, existe algum tipo de translado, de deslocamento, de mobilidade, de armazenamento e de logística (das formas mais simples às mais complexas). Os sistemas de transportes e armazenamento são condições gerais de produção imperiosas à existência humana, pois eles são auxiliares cruciais para os grupos humanos tirarem da natureza seus meios de subsistência. Ademais, eles também são meios de produção para a vida social.

Como a produção é uma necessidade coletiva, são dois os seus arquétipos fundamentais e auxiliares, ou seja: a logística, como estratégia, e o planejamento de transportes e armazenamento que, em grande medida, é pensado pelas corporações (logística corporativa). Esses componentes podem ser explicados da seguinte maneira: o ato do Estado em desenvolver estratégias, planejamento e gerir a fluidez e a competitividade territorial (logística de Estado), pelo meio de ações diversas, como a normatização e a tributação, além de realizar concretamente sistemas de engenharia que as viabilizam; e o transporte em si, de se deslocar (mudança de espaço pelos grupos humanos ou indivíduos) e, em certo momento histórico, de guardar os meios de subsistência (armazenamento). Fatores, consequentemente, relacionados a interações espaciais e, por isso, relacionados à produção do espaço.

Os transportes, o armazenamento e suas planificações são basilares para a concretização da mercadoria mediante o consumo e, consequentemente, para a geração de demanda na produção (movimento cíclico entre a produção, a distribuição, a troca e o consumo) que, cada vez mais, se especializa e aperfeiçoa. Tais feições são vastamente desenvolvidas no capitalismo. As atividades humanas são conscientes. Tudo que os homens fazem é esquematizado, pois tentam antever os resultados da sua ação, por mais que essas não expressem precisamente suas objetivações. Nesse sentido, se a logística é estratégia, planejamento e gestão de transportes e armazenamento, ela está presente desde a emancipação do homem, pois essas atividades estão no cerne desse processo, tendo a logística como uma importante abstração. O homem só se instituiu, entre outros fatores, enquanto tal ao mobilizar-se no espaço (caça e coleta), ao transportar seu sustento (caça e coleta) e, posteriormente, ao cambiar seu excedente e acumular capital. Tudo isso abarca o ato de transportar e esse só se realiza com uma estratégia, um planejamento, uma objetivação. O mesmo vale para as distintas formas de armazenamento constituídas ontologicamente.

Da mesma forma como o labor assalariado e a maquinaria foram aplicados, a logística foi empregada, aperfeiçoada, intensificada nas forças armadas antes de ser vastamente incorporada pela sociedade burguesa. Esta última fase, ou seja, a logística como atividade importante no modo de produção capitalista, especialmente com o advento da grande indústria, é a logística que nomeamos de logística corporativa, mormente, ao verificar que ela se tornou uma determinação constitucional para o avanço das forças produtivas e para a reestruturação das relações de produção no mais recente tirocínio do capitalismo, ou melhor, no denominado “império do capital” (WOOD, 2014WOOD, Ellen M. O império do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2014.).

Portanto, o referencial teórico que norteia o presente artigo envolve diversos teóricos do funcionamento do capitalismo (Marx, 2011aMARX, K. Grundisse. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011a., 2011bMARX, Karl. O Capital (Livro 2, Vol. III). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011b.; Cheptulin, 1982CHEPTULIN, Alexandre. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Omega, 1982.; Chesnais, 1996CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.; Chandler, 1998CHANDLER, Alfred. Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa. São Paulo: FGV Ed., 1998.; Harvey, 1992HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992., 2006HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006.; Porter, 1986PORTER, Michael. Estratégia competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1986.; Santos, 1996SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996., 2001SANTOS, Milton. Globalização em questão. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.; Wood, 2014WOOD, Ellen M. O império do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2014.; Arrighi,1996ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora da UNESP, 1996.; Belluzzo, 2013BELLUZZO, Luiz G. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora da UNESP, 2013. e outros) e estudiosos sobre circulação, transportes e logística (Castillo, 2001; Silveira, 2011SILVEIRA, Márcio R. (Org.). Circulação, transportes e logística. São Paulo: Outras Expressões, 2011., 2013SILVEIRA, Márcio R. Circulação, transportes e logística. In: SILVEIRA, M. R. (Org.). Circulação, transportes e logística no estado de São Paulo. Curitiba: Editora Appris, 2014, p. 11-34., 2014SILVEIRA, Márcio R. Infraestruturas e logística de transportes no processo de integração econômica e territorial. Revista Mercator, Fortaleza, v. 12, n. 2, p. 41-53, 2013.; Santos e Silveira, 2008SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. Brasil. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.; Monié e Silva, 2003MONIÉ, F.; SILVA, G.(Orgs.). A mobilização produtiva dos territórios. Rio de Janeiro: DO&D Ed., 2003.; Felipe Junior, 2014FELIPE JUNIOR, N. Circulação, transportes e logística no setor portuário e marítimo brasileiro. Vila Velha: Above, 2014.; Barat, 2007BARAT, J. Logística e transporte no processo de globalização. São Paulo: Editora da UNESP, 2007., além de outros) para se chegar a uma abstração capaz de dar sentido a esses elementos, como essenciais à recente reestruturação econômica mundial e brasileira. Nossa pesquisa ainda propõe organizar um referencial teórico que seja capaz de cooperar com o entendimento das mudanças territoriais em curso em certos territórios do Brasil, designadamente, os mais impactados com a logística de Estado e com a corporativa no provimento de maior fluidez e competitividade territorial. As forças produtivas, deste modo, progridem como uma indigência da concorrência intercapitalista e, por conseguinte, afetam as configurações e reconfigurações espaciais. Os mais dinâmicos em termos de infraestruturas são os mais afetados e passam a demonstrar uma maior fluidez econômica. Destarte, a territorialidade é afetada, e a hierarquia de poder coloca o evento econômico como destaque. Ao mesmo tempo, contradições entre as forças produtivas e as relações de produção começam a se intensificar, pois dinamicamente as mudanças institucionais são mais lentas e, concomitantemente, primordiais para a acumulação capitalista. É por esses fatos que no Brasil não só a ampliação das infraestruturas de transportes é importante para a reestruturação produtiva, mas também as mudanças normativas e tributárias são cruciais para desatar os nós institucionais que não atendem o avanço das forças produtivas que demandam as corporações. Alterações institucionais (normativas e tributárias) são implementadas, enquanto os díspares territórios, em diferentes escalas, são submetidos a várias contradições.

As reestruturações econômicas alteram a organização territorial pré-estabelecida e novas reconfigurações espaciais surgem dos investimentos externos diretos, da ampliação do setor terciário (KON, 2004KON, Anita. Economia de Serviços. Rio de Janeiro: Elsevier/Editora Campus, 2004.), da valorização da circulação e dos novos padrões relacionados aos fluxos econômicos e as interações espaciais. Impõem-se novos arquétipos de localização econômica em grandes superfícies ao longo de infovias e sob domínio conjugado das corporações. Concomitantemente falências, fusões e aquisições estão relacionadas aos investimentos externos especulativos e fugas de capitais. Assim, perante o poder seletivo do capital, definem-se os espaços com maior fluidez e competitividade territorial. O Estado, desprovido de capacidade de inversões, inicia um processo de desmonte do sistema de regulamentações e tributações existentes, auferindo, à vista disso, vantagens competitivas para as corporações, gestionando contrassensos entre os concorrentes capitalistas nacionais e estrangeiros. Em certos momentos a concorrência capitalista entra num estágio mais agressivo, impactando sobretudo os capitais locais e, com isso, a relação capital e trabalho e a luta de classes também são redefinidas. A divisão territorial do trabalho como reflexo dessas feições muda, pois estabelece novas lógicas tanto para a expansão quanto para a mobilidade geográfica do capital, da qual os transportes, o armazenamento e a logística são peças-chave.

OS SISTEMAS DE CIRCULAÇÃO, TRANSPORTES E LOGÍSTICA DIANTE DAS RECENTES TRANSFORMAÇÕES GEOECONÔMICAS NO MUNDO E NO BRASIL

O advento da reestruturação econômica no âmbito mundial e, mais recentemente, no Brasil, necessitou de mudanças na produção e nos padrões de consumo, como: as terceirizações via desverticalizações da produção espacialmente diversas; a ampliação da divisão territorial do trabalho; a predominância das inovações incrementais; a flexibilização das relações trabalhistas; o acréscimo da terciarização; e outros. Fatos que estão diretamente relacionados à ampliação da circulação do capital e, especialmente, à propagação da especulação financeira.

A concentração e a centralização do capital via investimentos diretos e especulativos têm na sua base a exploração do trabalho, isto é, a mais-valia retirada da produção, das atividades que produzem valor, sejam elas tangíveis (móveis, automóveis, computadores, roupas, calçados e outros) ou intangíveis (teatro, música, serviços superiores, como a logística e outros). Mesmo que essa produção seja presentemente cativa de um sistema completamente financeirizado e tornando refém a produção, isto é, a base da geração de riqueza. Esta, por sua vez, ainda está em transformação, na materialidade da mercadoria, mesmo que ela seja intangível e que sua circulação ocorra por caminhos completa/relativamente diferente de uma mercadoria móvel tradicional. Isso implica, de uma forma ou de outra, a existência de uma crescente movimentação na escala global de mercadorias e de dinheiro como fluxo de pagamento de toda essa movimentação. Vale ressaltar que na escala global de mercadorias - foi estimado pela UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) que, na metade da década de 1990, 1/3 do comércio internacional era fruto da relação entre empresas do mesmo grupo, 1/3 do mesmo setor e 1/3 do produto acabado, ou seja, os insumos circularam duas vezes mais do que os produtos acabados, e essa movimentação de insumos continua. Mas, para isso foi necessário a flexibilização e a padronização nos sistemas de normas e tributação, além de uma revolução nos sistemas de transportes, armazenamento e logística, ou seja, uma revolução logística, com o objetivo de baixar os custos e ampliar a circulação do capital.

Observa-se que a dinamização do mercado foi mais significativa nos países que, até então, se encontravam fora dos tradicionais padrões do Estado de Bem-Estar Social (Welfere State), com destaque para a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, o Brasil e países do Leste Europeu. Nesses lugares, o mercado capitalista passa a ter uma dimensão, pela primeira vez, em larga escala,2 2 Corroboramos com Santos (2001) e Hirst; Thompson (1999), ao relatarem que a “globalização” no passado foi espacialmente tão ampla como a atual. Todavia, pode-se mencionar como diferenciais atuais: a intensidade e a facilidade de circulação devido, especialmente, aos fatores comunicacionais. notadamente, no que tange às relações comerciais, políticas, tributárias, normativas e de circulação do capital financeiro, com proeminência para o especulativo. Esses fatos remetem à necessidade da diminuição dos custos de transportes, armazenamento e logística via ampliação das infraestruturas, progresso técnico dos meios e vias de transportes, de padronização da normatização e menores gastos tributação, além da extensa colaboração dos governos nacionais e locais, via uma dimensão de políticas públicas. A mesma dinâmica é observada para a intensificação da circulação de informações e capitais. É por isso que as recentes transformações na economia mundial são classificadas por Chesnais (1996)CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996., de mundialização do capital; e por Ellen Wood (2014)WOOD, Ellen M. O império do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2014., de império do capital. Somente com tudo isso é que foi possível, entre outras coisas, verificar a desenvoltura das cadeias produtivas e a constituição de extensas cadeias globais de valores (extensas cadeias internacionais de fornecimento, produção e distribuição).

A revolução logística presente para ser concretizada e contribuir com a recente “ordem econômica” careceu de uma série de elementos em constante interação, como:

  1. demandas por fluxos econômicos na escala global, um padrão comercial amplo e intenso permitido pela abertura das economias nacionais;

  2. inovações técnicas nos meios e vias de transportes como auxílio para a arrefecimento dos custos de movimentação, como aumento do transporte de cargas por veículo de transporte (em peso e quantidade), menor manutenção e vias otimizadas para rotas mais rápidas, velozes e seguras (como as autoestradas duplicadas ao estilo autobans, como a Castelo Branco, no estado de São Paulo);

  3. inovações organizacionais relacionadas às estratégias, ao planejamento e à gestão de transportes e armazenamento, ou seja, uma logística moderna realizada pelas empresas;

  4. um sistema de normas e tributação que facilite as transações entre os responsáveis pela origem, pelo movimento (em grande medida os operadores multimodais) e pelo destinatário das cargas;

  5. um sistema de tecnologia da informação que estabeleça com precisão a movimentação da carga e informações para sua segurança (controle e rastreamento das cargas);

  6. um sistema financeiro internacional (padronizado e de baixo custo) que viabilize o pagamento dos fretes e das mercadorias negociadas instantaneamente (só possível com a ampliação da tecnologia da informação e padronização das normas de movimentação financeira).

O Brasil, a partir de 2003, com o governo de Luiz Lula da Silva, foi um dos países substanciais que reestruturou sua economia, ampliando sua inserção nas relações e no comércio internacional (com destaque para o agronegócio e commodities minerais), além de estender e intensificar seu mercado interno, de maneira especial, para as importações de insumos e mercadorias. Por outro lado, há um fato que antecede as mudanças geoeconômicas das primeiras décadas do século XXI no Brasil, ou seja, as ocorridas na década de 1990, com a abertura mais abrupta da economia brasileira, durante uma crise econômica. Nesse período, grande parte das empresas nacionais estavam endividadas e num processo de reestruturação produtiva, além de estarem acostumadas às vantagens da reserva de mercado (que também favorecia as multinacionais estrangeiras instaladas no país). A relativa reserva do mercado nacional aos produtores nacionais foi capaz de manter uma insipiente preocupação com relação aos custos de produção (por algumas empresas que não estavam atreladas ao mercado internacional e, por isso, não sofriam forte concorrência externa e que eram oligopolistas e monopolistas) e não estimulava a busca de por inovações técnicas e organizacionais para a otimização e aumento da eficiência nos transportes e armazenamento.

As empresas, portanto, com unidades produtivas no território nacional sofreram rapidamente uma forte concorrência das transnacionais, havendo uma cadeia de fusões, aquisições e falências. Um dos handicaps frente às transnacionais foram os maiores custos de circulação relacionados às cadeias de fornecimento, de produção e de distribuição. Em parte, eles foram fruto: de um sistema infraestrutural de transportes e armazenamento deficiente e de uma logística arcaica, além de uma frota antiga; dos custos elevados dos combustíveis; de uma matriz de transporte desequilibrada; de um sistema normativo e tributário complexo, burocrático e caro. A logística arcaica das empresas e do Estado tornavam as empresas nacionais menos competitivas (em eficiência, prazos, segurança e preço dos seguros, tempo, perda de cargas e, por fim, redundando em custos de circulação) frente às transnacionais tanto no mercado interno quanto na sua conexão com mercado externo.

Esse conjunto de eventos mudou a organização do espaço brasileiro, ou seja, alterou o território para satisfazer os litígios do grande capital ávido por modernizar, ao seu interesse, os seletivizados territórios. Exigiu nesses espaços uma fluidez territorial também seletivizada e o maior agente na consolidação dessas novas formas espaciais fluídas foi o Estado (nas suas diversas escalas) que, via políticas públicas, praticou uma logística, um ordenamento territorial, com o fito de atender os interesses empresariais nacionais e estrangeiros, como as montadoras (insumos para automóveis, eletroeletrônicos, telefonia e outros) que atendem o mercado nacional e que também exportam através do território brasileiro (vide o caso das empresas transnacionais ao longo das rodovias Castelo Branco, Anhanguera, Bandeirantes e Presidente Dutra, no estado de São Paulo). Ainda nesse patamar, há uma série de empresas comerciais nacionais e, sobretudo, estrangeiras importadoras, além de diversas do setor de serviços, como transportes e armazenamento.

A hodierna organização econômica mundial incorporou, consecutivamente, novos espaços produtivos e de consumo, além da modernização de alguns tradicionais territórios. Efetuou-se, destarte, a geração de novos fluxos econômicos, de mobilidade populacional, de investimentos públicos e privados, id est, enquanto as interações espaciais foram notadamente ampliadas. A dinamização mais recente da economia brasileira é produto da expansão do comércio internacional e da nova política externa independente (extrovertida) que, juntamente com diversas políticas públicas, avivaram o mercado nacional. Assim, criaram-se novas configurações territoriais que são imbuídas de mais fluidez e aptas à competitividade.

A incorporação de novos territórios à economia internacional, inclusive a brasileira, só ocorreu devido a uma maior viabilidade/facilidade/flexibilidade dos fatores de produção (terra, capital e trabalho). Obra, em grande medida, dos pleitos corporativos que buscam uma maior fluidez territorial a fim de flexibilizar os tradicionais fatores de localização espacial. Além de otimizar os fluxos de bens e capitais no território, acatando as demandas transnacionais por competitividade, à procura de uma maior acumulação de capital, é o factual objetivo. Nada disso ocorre sem uma revolução logística de domínio mundial, ambientada em um contexto de meio técnico-científico e informacional (SANTOS, 1996SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.), com aguda reverberação no país. A corrente posição do capitalismo só foi obtida, e se adolesce rapidamente, mediante as eloquentes inovações tecnológicas e organizacionais tanto nos sistemas de transportes e armazenamentos quanto nos sistemas de normas, de tributação e, em especial, de logística. O arrefecimento dos custos de transportes e armazenamento, em valência do aumento da concorrência intercapitalista e exploração do trabalho, passou a ser uma das mais elementares estratégias competitivas das firmas à consolidação e à busca de presumíveis mercados.

Transladar mais rápido por longas distâncias, resguardando ou valorando as mercadorias, é um “ótimo” que as corporações tentam apreender para elevar suas bases competitivas. A “relativização da distância”, com menores custos para a movimentação de mercadorias e capitais, é medular nesse vigente estádio do capitalismo, que está territorialmente mais intenso e alastrado que nas suas etapas anteriores. Nesse ínterim, os estados nacionais, federativos e locais se lançam na busca por prover seus territórios de sistemas de engenharia satisfatórios para ampliar a fluidez territorial na eminência de se tornarem mais competitivos, definindo seus espaços como receptores de vultosas corporações que, por assim dizer, afligem as territorialidades preexistentes. O Estado de Santa Catarina e diversos dos seus municípios são exemplos recentes desse processo. Durante algum tempo, os governos - por meio de guerras fiscais (como ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e ISS - Imposto sobre Serviços, mediante programas Prodec3 3 O Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (PRODEC) tem como objetivo conceder incentivos à implantação ou à expansão de empreendimentos industriais, que vierem produzir e gerar empregos e renda no Estado de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2017). e Pró-Emprego4 4 Tem como objetivo a geração de emprego e renda por meio de tratamento tributário diferenciado do ICMS (SANTA CATARINA, 2017). ) e ampliação dos sistemas de engenharia (modernização portuária, ampliação e manutenção de rodovias) - atraíram empresas estrangeiras, como a General Motors, a BMW, a Perini e outras. Outro fator é que os governos estaduais e, notadamente, o de Santa Catarina, passaram a adotar uma política de relações internacionais chamada de “paradiplomacia”. Ela visa à realização de contatos comerciais diretamente com governos e empresas estrangeiras, sem a intermediação do Itamarati e, por isso, com pouca presença do Governo Federal. Essa “paradiplomacia”, com intenções comerciais, é agressiva na busca de IEDs (Investimentos Externos Diretos). No caso do estado catarinense, há, ainda, a Invest SC (Agência de Atração de Investimentos) que possui o objetivo de atrair e facilitar inversões e impulsionar o desenvolvimento econômico do estado (FIESC, 2017FIESC - Federação das Indústrias de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.fiesc.com.br/>. Acesso em 29 de novembro de 2017.
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). O poder público cria, portanto, condições favoráveis para atração de IEDs, mediante infraestruturas de transportes (rodovias, portos, aeroportos) e armazenamento e um sistema de normatização e tributação para circulação.

Ao gestar o território com o desígnio de atender os litígios corporativos, no que tange à logística, o Estado adimple uma “logística de Estado” voltada, com maior fim, aos interesses empresariais. Tal evento intensifica a emulação entre os territórios para atrair empresas industriais, do varejo e de serviços, ensejando a dilatação da terceirização, sem um planejamento totalizador e inclusivo. As reestruturações econômicas ocorridas no Brasil conferiram especializações aos territórios (entre gestão e produção) capazes de fornir desigualmente os mesmos com sistemas de engenharia, serviços, mão de obra e insumos. Uma visão “míope”, mas de acordo com os rumos predominantes de ampliação da competitividade global e da contemporânea fase de acumulação capitalista, da qual o Brasil adentra desigualmente, mas de forma combinada.

O Brasil, nesse cenário, passou por imperscrutáveis mudanças nos sistemas de transportes, armazenamento e logística, começando: 1) pelas concessões de serviços públicos à iniciativa privada; 2) pela introdução de uma logística moderna e progresso técnico, ambos permitidos pela abertura das empresas nacionais ao capital nacional através de um processo de desnacionalização da economia brasileira; 3) pelo reajustamento das empresas nacionais a um arquétipo de transportes, armazenamento e logística mais competitivo; e 4) pelo papel do Estado no provimento de infraestruturas, nas readequações dos aparelhos de normas, tributação e ordenamento territorial5 5 Os órgãos de planejamento de infraestruturas foram desmontados ou sucateados a partir, especificamente, da década de 1990. Desde então, o que passou a prevalecer foram as agências reguladoras. Essas atuam, em grande parte, desconectadas dos interesses estatais (SILVEIRA, 2014). voltados à fluidez corporativa.

Portanto, a hodierna reestruturação econômica, implicação da “mundialização do capital” e/ou “império do capital”, afeta a economia brasileira. Ela tem um artifício “relativamente novo” e mais articulado, ou seja, uma logística corporativa e uma logística de Estado que tornam admissível um significativo acréscimo da fluidez e da competitividade territorial a ponto de reordenarem/reorganizarem respeitáveis porções do território brasileiro. Assim, há correlação intrínseca entre a “logística de Estado” e a “logística corporativa” e juntas, articuladas, influenciam, de forma seletiva, o aumento da fluidez e da competitividade territorial em apuradas porções do Brasil em detrimento de outros espaços, em especial, sempre por meio das predileções corporativas. Isto é, quando o poder público opera mais estimulado a atender às grandes instâncias empresariais por sistemas de engenharias, e quando as empresas, mediante a logística corporativa, otimizam as infraestruturas existentes para preencher a falta de infraestruturas de transportes e de armazenamento. Diante desse contexto, os fatos acarretam abalroamentos na organização territorial, ampliando em certos espaços as desigualdades regionais.

Antes da inserção mais competitiva do Brasil no comércio internacional e da ampliação do mercado interno, os sistemas de transportes, de armazenamento, de logísticas, de normas e de tributação eram desarticulados e insuficientes, importando numa fluidez e competitividade territorial tacanhas e diversa do que se constata presentemente. A desopressão desses sistemas, como reflexo da nova forma de acumulação capitalista, alongou a competitividade entre as corporações e, posteriormente, entre os territórios, interferindo na dinâmica territorial brasileira com o objetivo de afetar as correlações de forças entre os mesmos, criar novas territorialidades e impelir um reordenamento territorial canalizado aos negócios corporativos.

Assim, tanto a logística de Estado, no provimento de sistemas de engenharia dos transportes, de normas e tributação, quanto a logística corporativa otimizam os transportes, o armazenamento e os serviços de logística (alfandegamento, consolidação de cargas, manuseio da mercadoria, embalagem, entre outros). Esses elementos estão presentes na recente reestruturação econômica no Brasil e potencializam as regiões mais competitivas no amparo das atuais premências dos mercados externo e interno. Uma amostra são as políticas públicas dos governos federal, estadual e municipal (infraestruturas, concessões, benefícios fiscais e outros) e, por consecutivo, o know-how em serviços de transportes, armazenamento e de logística, cunhada corporativamente no complexo portuário e logístico de Itajaí/Navegantes, tornando-o proeminência nacional, culminando nova feição a uma região portuária que, nos anos de 1990, era tipicamente deprimida.

Por outro lado, o planejamento e a efetivação, dos sistemas de transportes, logística, normas e tributação podem cooperar para uma reorganização territorial mais equilibrada, ou seja, uma logística de Estado que induza o desenvolvimento de forma que abrande as desigualdades regionais existentes. A logística de Estado e corporativa são destaques no reordenamento geoeconômico do território brasileiro, pois salientam uma fluidez e uma competitividade territorial vigente.

ABERTURA ECONÔMICA, INSERÇÃO INTERNACIONAL E ASPECTOS DA REORGANIZAÇÃO TERRITORIAL NO BRASIL

Para que a circulação do capital ocorra é usual haver tanto o planejamento e gestão de transportes (logística de transportes) quanto o movimento físico das mercadorias de um lugar de produção para um de consumo e são os transportes que propiciam isso. Logo, é fundamental a criação de certas condições para a ampliação da circulação do capital (desenvolvimento do capitalismo) e, por isso, é primordial a reestruturação econômica e territorial (a mudança é contínua, pois é aspecto crucial do movimento). Fato que cabe aos diversos produtores do espaço, entre eles, sobressai-se o Estado e a iniciativa privada, expressando-se mais concretamente mediante a ampliação das infraestruturas de transportes; do desenvolvimento e utilização das tecnologias de transportes (tecnologias da informação e progresso técnico nos meios e vias de transportes); nas normas e nas tributações para os transportes; do armazenamento; e dos sistemas de logística. Concebem-se e reestruturam-se, com esses instrumentos, púberes territórios que atendem os imperativos da expansão capitalista. As territorialidades vão se moldando.

Os custos de transportes incidem sobre o preço final do produto, já que são custos de produção efetivos em toda a cadeia de circulação - fornecimento, produção e distribuição (MARX, 2011aMARX, K. Grundisse. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011a.). O arrefecimento dos custos de circulação, via inovações tecnológicas e organizacionais, é efeito do aumento da produtividade do trabalho, pois ao realizar a atividade desempenhada pelo trabalhador com mais eficácia, rapidez e precisão, a máquina (caminhão mais eficiente ou uma empilhadeira substituindo um estivador ou “chapa”) acresce a quantidade de horas não pagas ao trabalhador e, consequentemente, o produto transladado é depreciado.6 6 Além de aumentar a conservação do produto por meio de um acondicionamento adequado, um caminhão, um vagão, entre outros meios de transporte, que possuam elevada tecnologia e logística, também encurtam o tempo de entrega da mercadoria e, assim, ampliam o tempo de exposição do produto para venda, principalmente os de prazo curto de validade. Enfim, são fatores que aumentam ou conservam o valor da mercadoria e, por isso, aumentam o lucro e tornam o capitalista, que “lança mão” dessas tecnologias, mais competitivo. Amplia-se, dessa maneira, a concorrência intercapitalista. Além das inovações em processos (organizacionais) e produtos (técnicas) serem fundamentais para o desenvolvimento das forças produtivas e da acumulação de capital em larga escala (CHANDLER, 1998CHANDLER, Alfred. Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa. São Paulo: FGV Ed., 1998.), elas criam condições concretas para a superação das barreiras espaciais, ensejando expansões geográficas do capital. Novos espaços são incluídos enquanto seletivamente mercados consumidores e produtores usuais são dinamizados. O Brasil experienciou isso em dois períodos recentes: com a abertura econômica da década de 1990, com os governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso e com a ampliação do comércio internacional e aquecimento do mercado interno, após 2003.

Custos de circulação são atenuados devido ao desenvolvimento das inovações tecnológicas e organizacionais aplicadas aos meios de transportes e armazenamento, mas, sobretudo, em razão das inversões públicas em infraestruturas e da flexibilização do sistema tributário e normativo. Vale lembrar que os preços das matérias-primas e outras mercadorias são sensíveis aos passivos de transporte. Fato que afrouxa espacialmente as relações de trocas, quer dizer, a ampliação geográfica do capital (SILVEIRA, 2014SILVEIRA, Márcio R. Circulação, transportes e logística. In: SILVEIRA, M. R. (Org.). Circulação, transportes e logística no estado de São Paulo. Curitiba: Editora Appris, 2014, p. 11-34.). Os custos de circulação são reduzidos pelo aperfeiçoamento dos transportes, pois este impinge preços mais acessíveis, torna mais rápida a movimentação de mercadorias e, por isso, a circulação passa a ser mais eficiente. O barateamento de muitos elementos do capital constante, somado ao acréscimo da exploração do capital variável, induz a expansão do mercado geográfico. Desse modo, o cenário é de maior concorrência intercapitalista. Essa é uma paisagem em que a circulação está estreitamente relacionada ao desenvolvimento das forças produtivas. Nesse processo, há intensas mudanças socioespaciais e as mudanças sociais são inclusive decorrentes desse processo de interação entre o território e a sociedade. É por isso que a circulação é um fenômeno estritamente geográfico e fortemente vinculado ao movimento circulatório do capital.

Com a produção baseando-se cada vez mais no valor de troca - com a ampliação das trocas e das escalas espaciais para sua realização - as condições físicas das trocas são fundamentais para os custos de circulação. Conjunções físicas consentâneas para as trocas são criadas pelo capital. A suplantação das barreiras geográficas não depende só de simples reestruturações nas relações políticas, econômicas e produtivas, mas também de investimentos em transportes e telecomunicações, portanto, estão articuladas à evolução do planejamento e da gestão nos meios de comunicações, normatizações e tributações em variadas escalas, inclusive, as supranacionais (vide o caso da IIRSA/COSIPLAN). A busca no capitalismo pela redução dos dispêndios de circulação não é só para avultar as relações de trocas entre espaços econômicos e populacionais já consolidados, mas ela serve inclusive para conceber e gerenciar novos territórios para a acumulação. Evento só franqueado por meio da redução dos custos de comunicação, entre eles estão os transportes. Um exemplo ocorre no interior do Brasil, principalmente no Centro-Oeste, Oeste da Bahia e Norte, onde cidades, como Dourados/MS, Sorriso/MT, Porto Nacional/TO, Santana do Araguaia/PA, Luiz Eduardo Magalhães/BA e Barreiras/BA, erguem-se para outorgar a expansão do agronegócio. Cidades que, além da produção, funcionam para assessorar a cadeia produtiva da soja e do gado, criando condições infraestruturais e superestruturais, por meio do provisionamento de moradia, assistência médica, escolar, segurança, entre outros e, principalmente, servem como nó logístico de uma rede de transportes nacional e internacional de escoamento de grãos e carnes. Tal fluidez passou por um processo de descentralização com a abertura de rodovias, estradas de ferro, hidrovias, portos fluviais e marítimos no interior do Brasil, formando corredores de exportação. Todavia, a concentração ainda permanece nos portos do Sudeste e Sul do Brasil (portos Santos e Paranaguá, por exemplo) (FELIPE JUNIOR, 2014FELIPE JUNIOR, N. Circulação, transportes e logística no setor portuário e marítimo brasileiro. Vila Velha: Above, 2014.). Essa dinâmica no interior do Brasil seria impraticável sem as condições gerais de produção, sem inovações técnicas e organizacionais nos sistemas de transportes, armazenamento e nos serviços de logística. Além, é claro, dos fatores de produção (terra, trabalho, capital, incluindo tecnologia, todos esses aspectos ligados ao agronegócio). Todos esses elementos citados estão em interação para a ampliação da competitividade territorial de diversos espaços do Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiro.

Um território tem dificuldade de competir com outro se os meios necessários para isso não são postos em prática. Não dá para explorar, para transformar a natureza pelo trabalho se certas áreas do território brasileiro não possuem condições gerais de produção, ou seja, sistemas de engenharia adequados para a prática da fluidez. É assaz custoso transportar insumos, produzir e distribuir mercadorias por estradas de chão, se, além disso, os basilares competidores estrangeiros do Brasil transportam com menores custos, por ferrovias e hidrovias modernas. Igualmente, as infraestruturas; a logística; os sistemas de normas e de tributação; o custo dos insumos e de mão de obra; a produtividade do trabalho, entre outros elementos são peremptórios para a competitividade, notadamente, a territorial. Em condições desiguais, os meios de transportes tornam-se mais baratos ou caros, sendo elementos importantes da competitividade. Mas, essas condições desiguais, ainda muito comuns, referem-se a uma gama de fatores que envolvem os transportes, a logística e o armazenamento. Em outras palavras, isso significa que trafegar com um caminhão numa rodovia em péssimo estado de conservação pode ser vantajoso, se o transportador autônomo ou empresarial tiver uma logística que aponte para a proscrição de filas, pedágios e a maior relativização da distância, enfim, que torne esse trajeto mais eficiente, mais competitivo que outro. A distância com sua característica marcante de relatividade só é possível graças a um fator essencial, id est, “o tempo”. E este último, no que se refere a um aprazado percurso, é condicionado, como relatado pelas inovações tecnológicas e organizacionais, pelos investimentos, pelas normas, pelas tarifas, pelas infraestruturas, pela logística corporativa e pelos demais coeficientes coadunados à circulação.

Do mesmo modo, a necessidade de ampliar o processo de acumulação, mediante a diminuição dos custos de circulação (via tempo de giro), promove a aglomeração da produção em alguns centros metropolitanos/urbanos, e da mesma forma, estimula constantes reestruturações econômicas via desconcentrações e reconcentrações produtivas e de consumo. O nível de complexidade para se chegar ao ótimo da localização econômica (industrial, comercial e de serviços) aumenta, consecutivamente, superando, em certos aspectos, os fatores tradicionais de localização. O território é afetado, reconfigurado e novas territorialidades surgem como produto da mobilidade geográfica do capital abalizada nas demandas corporativas globais. O ordenamento do território, até então imperfeito, é redirecionado para ampliar a fluidez territorial. O Estado, em muitas circunstâncias, procede, por meio de uma logística de Estado, para uma logística territorial voltada às corpulentas corporações, via autoestradas, pedagiamentos, corredores ferroviários de exportação, entre outros. Episódio habitual na Macrometrópole Paulista (EMPLASA, 2015EMPLASA. Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano. Plano de ação da macropetrópole paulista 2013-2040. Secretaria da Casa Civil do Estado de São Paulo. São Paulo: Emplasa, 2015.) durante décadas (forte incremento das autoestradas pedagiadas), mas a partir do governo Lula da Silva, as inversões mais desconcentradas (e um pouco descentralizadas) auferiram a outros territórios um certo grau de competitividade e, por conseguinte, houve desconcentrações produtivas e de consumo para áreas até então consideradas econômica e socialmente deprimidas (SPOSITO, 2015SPOSITO, E. S. (Org.). O novo mapa da indústria no início do século XXI. São Paulo: Edi. UNESP, 2015.). Desconcentrações que também ocorreram devido ao aumento do poder de consumo do interior do Brasil (SILVEIRA, 2014SILVEIRA, Márcio R. Circulação, transportes e logística. In: SILVEIRA, M. R. (Org.). Circulação, transportes e logística no estado de São Paulo. Curitiba: Editora Appris, 2014, p. 11-34.). Elas também foram frequentes a partir da abertura economia, e o fator-chave era diminuir os custos de produção via mão de obra mais barata. A desconcentração produtiva e de consumo não é uma determinante inquestionável, pois muitos espaços reafirmaram seu caráter concentrador, como a região Sul do Brasil, na produção e beneficiamento de carnes de suíno e aves.

Esse processo de mobilidade geográfica do capital ocorre com mais veemência a partir do final da década de 1970, no centro do sistema capitalista e, no final da década de 1980, na periferia do sistema. No Brasil, esse processo foi mais intenso a partir da década de 1990. Os processos de mundialização do capital, com as inovações (mais incrementais e de processo do que básicas e de produto) nos sistemas de transportes e logística, com a diminuição das barreiras alfandegárias e com a desregulamentação do sistema financeiro, oportunizaram aos capitais a liberação das fontes locais de poder (BARAT, 2007BARAT, J. Logística e transporte no processo de globalização. São Paulo: Editora da UNESP, 2007.). Isto, ao mesmo tempo, tornou o território importante e relativamente desnecessário, especialmente, para muitas corporações, que passaram a ser mais flexíveis em relação aos tradicionais fatores de localização. O tempo presente, expresso pelo meio técnico-científico-informacional (SANTOS; SILVEIRA, 2008SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. Brasil. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.), coloca toda a sociedade diante de um púbere modelo produtivo de consumo e geopolítico. Foram necessárias reestruturações e o estabelecimento de um novel arquétipo de circulação para extrair o máximo de valor dos sistemas de transportes e, notadamente, da logística corporativa e de Estado. Por isso que o jovem instrumento que se soma à revolução técnico-científica é a comunicação, pelo fato de ser mais abrangente que a informação e comtemplar essa.

É, nessa orientação, que se observam transformações destacáveis nos sistemas de movimento e seus impactos nos territórios, como: 1) reestruturações nas relações cidade-porto (MONIÉ; SILVA, 2003MONIÉ, F.; SILVA, G.(Orgs.). A mobilização produtiva dos territórios. Rio de Janeiro: DO&D Ed., 2003.); 2) amplitude dos fluxos aéreos e, proeminentemente, nas cidades médias e de porte médio, formando novos hubs aeroportuários, reorientando a lógica que privilegiava a centralidade de determinados espaços da rede urbana brasileira; e 3) formação de eixos de circulação nas rodovias com altivo tráfego de veículos, compondo, em muitos casos, “eixos de desenvolvimento” (SPOSITO, 2005), com grande fluxo econômico, com atração de atividades econômicas e população, além de um sistema paralelo de infovias, margeando os grandes eixos rodoviários. Essas alterações são críveis, porque abrangem infraestruturas, meios e sistemas organizacionais facilitadores da fluidez territorial. Elas podem ser reais em razão das novas configurações do avanço das forças produtivas que exigem, no Brasil, mudanças normativas e tributárias densas, ou seja, essas transformações impelem as relações de produção ao máximo e obrigam sua readequação. As remotas lógicas espaciais são substituídas por novas, mais dinâmicas e capazes de transformações territoriais profundas, maiormente quando o Estado nacional possui uma estrutura de poder cingida.

LOGÍSTICA DE ESTADO E CORPORATIVA, INVESTIMENTOS, NORMAS E TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

Exclusivamente o uso de novas tecnologias e a estratégias logísticas com a finalidade de ampliar a circulação não são satisfatórias para o alargamento dos fluxos econômicos pelo território. É imperioso ainda um sistema de normas e de tributação que enseja legalmente o avanço da fluidez territorial. O Estado, portanto, é basilar no que diz respeito às estratégias, ao planejamento e à gestão do território. Observa-se que no Brasil essa logística de Estado, inclusive, com investimentos massivos em infraestruturas de transportes, é desigual territorialmente, seja pela atuação do governo federal, das unidades federativas e dos municípios. Vide o evento da construção, ampliação, duplicação e concessão de autoestradas na Macrometrópole Paulista (EMPLASA, 2015EMPLASA. Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano. Plano de ação da macropetrópole paulista 2013-2040. Secretaria da Casa Civil do Estado de São Paulo. São Paulo: Emplasa, 2015.), mirando atender grandes demandas empresariais por novéis espaços subsidiados, com valor do solo baixo e com fácil acessibilidade. Na microrregião de Itajaí, instalou-se um complexo portuário e logístico, fruto das condições naturais favoráveis, dos investimentos públicos, dos subsídios (ICMS, ISS e outros) e da presença do capital privado com know-how em serviços de transportes, alfandegamento, armazenamento e logística. Ainda, podemos destacar a Zona Franca de Manaus e alguns territórios produtores de grãos do Centro-Oeste, que pela falta de infraestruturas adequadas, utilizam da intermodalidade e/ou modais com custos elevados para o tipo de cargas transportadas, como grãos a granel.

O pedágio, produto da logística de Estado em associação com grupos empresariais, é uma sobretaxa que atinge diversos interesses. Nesse sentido, ele é um exemplo significativo de atuação estatal via concessão à iniciativa privada. Além do mais, as taxas e os impostos de circulação (tributações) são desiguais espacialmente, como o ICMS e o ISS, além de outros subsídios das esferas públicas (por mais que o ICMS tenha sido equalizado em todo território nacional, muitos estados e municípios devolvem parte dele para empresas privadas, como um dos elementos da guerra fiscal). Os investimentos públicos e o modelo normativo e tributário7 7 Caso contundente que justifica essa assertiva é a discussão sobre reforma tributária, com destaque para o ICMS, para o ISS, IPI, CIDE, COFINS, PIS, entre outros. O ICMS, por ter base de cálculo diferente, até recentemente, para cada estado federativo, atuou no sistema de circulação, interferindo diferentemente nas interações espaciais. instalado, favoráveis à iniciativa privada, não dão conta de acolher as precisões das forças produtivas instaladas para auferir ao território a fluidez aspirada. Por outro lado, os arquétipos de concessões, necessários para a ampliação da fluidez, foram desprovidos e contribuíram somente para uma parcela de empresas avançarem na movimentação de cargas e capitais. Destacamos o aumento da fluidez para as mercadorias de altivo valor agregado, pois essas circulam prontamente pelas grandes autoestradas pedagiadas, devido ao ignóbil acréscimo nos custos de produção.

As demandas corporativas especulativas e produtivas, em pleno andamento da “globalização econômica” e do “regime de acumulação flexível”, intervêm nos sistemas de normas e de tributações para operarem mais eficazmente, além de exorarem fixos de transportes, de armazenagem e de comunicações do poder público. Como essas corporações são seletivas espacialmente, a pouca presença do Estado em provir o território com logística de Estado mais “justa” coopera para ampliar as desigualdades territoriais. As estratégias organizacionais das corporações em logística (corporativa), por outro lado, permitiram o acréscimo dos fluxos, e com a logística de Estado controlada em parte pelas corporações, conduziram a fluidez territorial para uma melhor circulação do capital.

Um sistema adequado de normatização e de tributação da circulação tende, portanto, a dinamizar os fluxos econômicos e a interferir no ordenamento adequado do território que, em grande parte, é voltado para os interesses corporativos. O aumento da fluidez territorial para atendimento do grande capital não seria problema, se o capital não fosse utilizado para ocasionar perdas regionais e locais por meio da seletividade espacial. Esta é estabelecida na busca por maiores lucros mediante a concorrência intercapitalista e a exploração do trabalho. Cada vez mais há a dinamização de acurados espaços em prejuízos de outros, solidificando ou ampliando as diferenciações regionais.

DINÂMICA ECONÔMICA E IMPACTOS TERRITORIAIS DA FLUIDEZ E COMPETITIVIDADE NO BRASIL

O Brasil possui vantagens comparativas na produção de grãos, alimentos e alguns produtos industriais. Contudo, a competitividade é acometida pela falta e inadequada conservação das infraestruturas de transportes e de armazenamento e, portanto, pela carência de uma logística de Estado mais operativa, como também de uma logística corporativa mais inovativa (tanto organizacional quanto na demanda por tecnologias), com mais capital intensivo. Além disso, os sistemas de normas e tributação efetivos impossibilitam uma maior articulação intermodal e multimodal8 8 Entretanto, não é só o “Custo Brasil de Transportes” pela acirrada concorrência que os produtos brasileiros enfrentam no mercado internacional, mas também os subsídios dos países concorrentes, isto é, há uma guerra fiscal, uma competitividade territorial no âmbito mundial da qual o Brasil participa. e, por consecutivo, uma fluidez territorial mais elevada. O “custo Brasil de transportes”, que possui ampla variação regionalmente, é um dos mais elevados do mundo e é quatro vezes maior que os “custos de transportes dos Estados Unidos”.

Todavia, a mão de obra de transportes e, por conseguinte, o baixo lucro dos transportadores são favoráveis ao Brasil. Esses elementos são consequências da alta mais-valia e oferta de serviços, respectivamente. Verifica-se que o Brasil, em 2016, possuía um elevado número de caminhoneiros autônomos, além de uma grande frota de caminhões, com 1.883.867 unidades e idade média de 10 anos e 3 meses (BRASIL, 2017). A oferta de transportes, especialmente com autônomos e cooperados, obra inclusive de um processo de financiamento barato e facilitado (através do FINAME), designadamente no governo Lula da Silva, abranda o lucro dos transportadores. Isso somado aos custos de manutenção e circulação elevados inibe a renovação da frota nacional. Um cenário, portanto, que mantém os custos elevados de transportes, mas este fato também está atrelado à predominância da matriz de transporte nacional ao rodoviarismo.

Para um desenvolvimento mais compensado há a necessidade de indústrias e serviços coligados ao setor de transportes, como o setor produtivo de equipamentos de transportes. A indústria ferroviária brasileira chegou a produzir mais de três mil vagões por ano na década de 1970, todavia, perante o sucateamento do setor, nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, tanto a malha ferroviária diminuiu de tamanho quanto as indústrias ferroviárias estagnaram e foram desestatizadas e desnacionalizadas, como a MAFERSA que foi contraída pela francesa ALSTOM.

A matriz de transportes é baseada nas rodovias e as mesmas são responsáveis por movimentar aproximadamente 63% do total de toneladas-quilômetros de mercadorias e por 96% dos passageiros-quilômetros (BRASIL, 2017). Sem o minério de ferro e grãos transladados pelas ferrovias, o modal rodoviário alcança a movimentação de aproximadamente 90%9 9 As ferrovias transportam 90% da sua carga com apenas cinco produtos: minério de ferro, siderúrgicos, cimento, granéis agrícolas e carvão. A chamada carga geral é transportada basicamente por caminhão. As ferrovias, pela sua história, não formam uma rede nacional, mas redes regionais pouco articuladas. (BRASIL, 2017). O transporte multimodal ainda é incipiente, e tão somente, algumas empresas impetram precariamente a multimodalidade, valendo-se, em muitos casos, da intermodalidade. As ferrovias possuem um ritmo de modernização lento, e o modelo de concessão foi equivocado, pois criou um monopólio tanto no controle e manutenção das linhas quanto na operação do transporte. As rodovias responderam melhor o ritmo histórico de crescimento do capitalismo brasileiro que precisava congregar os dispersos territórios econômicos e populacionais de um país de proporções continentais. Os investimentos em transportes, na década de 1970, suplantaram 2% do PIB, já na década de 1990, essas inversões permaneceram longe da casa de um dígito, ou melhor, giraram em torno de 0,10% a 0,30% do PIB (BRASIL, 2013). Essa foi uma fase projetada de sucateamento das infraestruturas de transportes no atendimento dos pleitos corporativos (especialmente os grupos de investimentos especulativos) que esquadrinhavam o mando dos serviços públicos sob o comando das empresas estatais. A melhor forma era sucatear e abrandar a qualidade dos serviços públicos, provocar contrariedades quanto à eficácia da administração estatal e baratear os lances nos leilões de concessões dos serviços públicos à iniciativa privada (BIONDI, 2003BIONDI, A. O Brasil Privatizado II: o assalto das privatizações continua. São Paulo: Perseu Abramo, 2003.). No entanto, essa estratégia corporativa não foi aplicada somente nos serviços públicos de transportes, mas igualmente nas telecomunicações, na produção e na distribuição de energia, entre outros.

Logo, a queda na qualidade dos serviços, devido às baixas inversões, a partir da década de 1980, levou ao avanço do dígito de acidentes e do “Custo Brasil de Transportes” para as exportações e para o abastecimento do mercado interno. Outros exemplos são: 1) o esgotamento dos mecanismos de financiamento; 2) o desmonte dos núcleos de inteligência e planejamento, como o GEIPOT; e 3) a interrupção do processo de geração de estatísticas. Esses e outros componentes para o controle de serviços públicos estratégicos persistiram com menor intensidade no governo Lula da Silva, com as concessões rodoviárias. A falta de um planejamento estratégico nacional de desenvolvimento macroeconômico restringiu o avanço da economia brasileira por mais de duas décadas, e as concessões (e seu devido modelo) derivaram de uma imposição do mercado ao invés de uma demanda da sociedade. Destarte, as concessões foram benévolas ao modelo de reestruturação econômica neoliberal, em especial, às grandes corporações internacionais. Elas assumiram parte dos serviços públicos do país, e muitas outras utilizaram como fator competitivo o privilégio de localização/instalação nas margens das infovias pedagiadas, com autoestradas, fibras óticas e outras. A maior parte do PIB brasileiro é produzido nas imediações das estradas pedagiadas e, do mesmo modo, circulam por elas, demandando mais interesses privados na sua concessão.

As técnicas de granelização e de conteinerização para transferência e estocagem revolucionaram os processos de movimentação e acondicionamento das cargas. Feições que interferiram até no modal aéreo. Igualmente, as cadeias logísticas mais complexas advieram a utilizar mais o transporte aéreo para mercadorias com elevado valor agregado por unidade de peso e/ou exigências de prazo, como produtos culturais, de alta tecnologia, do e-commerce e das indústrias farmacêuticas. Estas importam dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia matérias-primas pelo aeroporto de Viracopos, Guarulhos e Manaus. Porém, uma parte dos procedimentos de alfandegamento de entrada no Brasil é feito tanto pela Infraero nos aeroportos quanto pelos CLIAs (Centros Logístico e Industrial Aduaneiro). Um exemplo são os CLIAs localizados em Santa Catarina (mais designadamente na microrregião de Itajaí), devido aos tributos diferenciados, recebem cargas de outros aeroportos para o processo de alfandegamento. Assim, a carga, parte reefers, sai de Campinas (com um Despacho de Trânsito Aduaneiro - DTA) para Santa Catarina e volta para São Paulo para as indústrias farmacêuticas. Todo o transporte no território nacional é efetivado por via rodoviária. Isso significa que há uma intermodalidade aerovia-rodovia insuficiente e baseada mais nos subsídios de tributos do que na diminuição de custos logísticos e de transportes.

Ademais, o acréscimo da movimentação de passageiros, especialmente nos países emergentes, devido ao aumento das classes médias e do barateamento das passagens (low cost), também condicionou o desenvolvimento do transporte aéreo regional, tendo como novos hubs aeroportuários as cidades grandes (Campinas) e médias (Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Londrina, Maringá, Uberlândia, Joinville, Chapecó, entre outras). Outros fatores que incitaram o setor aéreo e propiciaram seu aumento na matriz de transportes de cargas e passageiros relacionam-se: 1) à ampliação do tamanho das aeronaves e sua maior capacidade unitária (wude-bodies); 2) ao máximo rendimento dos motores (aumento do passageiro-quilômetro por litro de combustível); 3) ao crescimento da produtividade da mão de obra pela informatização das tarefas; 4) ao melhor desempenho empresarial das companhias aéreas; e 5) à dilatação das inovações na indústria aeronáutica e na infraestrutura aeroportuária.

As empresas estão trabalhando cada vez mais com estoques reduzidos pelo sistema Just in time, com um giro mais rápido nos armazéns e, desse modo, necessitam de maior agilidade nos translados (otimizar é o conceito-chave). Essa ocorrência coloca os transportes como a novel fronteira para o arrefecimento dos custos de produção. É nesse sentido que a logística esboça contribuir com a redução do hiato entre o tempo de produção e o tempo de trabalho (MARX, 2011bMARX, Karl. O Capital (Livro 2, Vol. III). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011b.). A investigação pelo aumento da eficiência operacional (compatibilizando tempo, custo e qualidade) via opção por modais com menor transit time, e custos passam a ser essencial tanto na competição global quanto regionalmente.10 10 A degradação da malha rodoviária pode aumentar os custos operacionais (que podem chegar a 40%) nas despesas com combustíveis (até 60%) e nos tempos de viagem (até 100%) (BARAT, 2007).

No que tange aos sistemas de normas, transcorreram variações expressivas, como: 1) a criação do OTM (Operador de Transporte Multimodal); 2) a multimodalidade; 3) os terminais retroportuários alfandegados; 4) o despacho aduaneiro (despacho aduaneiro simplificado); 5) o código brasileiro da aeronáutica (criando o agente de carga); 6) a regulamentação das agências de cargas aéreas; 7) a flexibilização da regulação do setor aéreo; 8) as normas internacionais (International Air Transport Association - IATA); 9) as convenções para o setor aéreo (como o de Varsóvia, em 1929, e o de Chicago, em 1944) que dispõem sobre os direitos dos passageiros e da soberania do espaço aéreo; 10) o registro e nacionalidade das aeronaves e tripulação; e 11) os serviços aeroportuários.

No Brasil, após a abertura econômica da década de 1990, ocorreram retrocessos expressivos, principalmente, na perda de patrimônio público, mas também notam-se avanços normativos, tributários e de infraestruturas, que se destacaram a partir de 2003, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo assim, as concessões e sua legislação equivocada, realizada no governo Fernando Henrique Cardoso, abrolharam para o país um prejuízo, até o momento, irrecuperável. As melhorias, por mais que sejam importantes, resumiram-se a algumas modificações normativas e tributárias mais condizentes com o estágio das forças produtivas, mas, ainda muito longe de acompanhar os padrões competitivos internacionais de logística e transportes. Fato que não impede o Brasil de ser competitivo internacionalmente no setor agroindustrial e mineral, haja vista que outros custos, como capital e trabalho, compensam certos custos de circulação, como transportes, armazenamento e logística (renda da terra).

As inovações em logística e transportes desataram a produção das fontes locais de poder político e sindical, dos custos mais elevados de mão de obra, dos impostos atribuídos à guerra fiscal, das deseconomias de aglomeração ou deseconomias externas nas grandes cidades e metrópoles.1 11 Uma das formas de amenizar as deseconomias de aglomeração é o uso da “city logistics”, isto é, a estratégia, o planejamento e a gestão na transferência de cargas de veículos maiores para veículos menores, que facilmente conseguem circular nas áreas mais densas da cidade. Essas inovações convêm para relativizar ainda mais a relação espaço e tempo, além de cunhar novos ensejos para a acumulação capitalista (SILVEIRA, 2014SILVEIRA, Márcio R. Circulação, transportes e logística. In: SILVEIRA, M. R. (Org.). Circulação, transportes e logística no estado de São Paulo. Curitiba: Editora Appris, 2014, p. 11-34.). Destarte, as aglomerações industriais perderam importância relativa quando passaram a ser afetadas pelas deseconomias de aglomeração. Muitos setores econômicos - confinados pela antiga divisão territorial do trabalho - foram desprendidos para relocalizações espaciais, em que se estabeleceram novas lógicas de “localização” (auferidas pelo livre comércio), mediante diversificadas barreiras comerciais, de novos padrões de consumo e outros tantos subsídios resultantes da reorganização das forças produtivas e das relações de produção. Nesse contexto, surge uma tensão entre concentração e desconcentração espacial da produção, centralização e descentralização da gestão e dos capitais e maior mobilidade e expansão geográfica do capital. A nova organização territorial do trabalho, sobretudo, a internacional só foi possível devido a mais recente revolução logística.

A partir da década de 1980, as características principais da produção industrial foram transformadas na direção da integração horizontal das cadeias produtivas, logo, houve a fragmentação de diversas atividades tangíveis e intangíveis pelo espaço. Essas exigiram uma organização logística dos transportes e das comunicações mais competentes para atrelar pontos espacialmente longínquos. A dissociação entre o fabricante e o detentor da marca e/ou da tecnologia, via complexos processos de terceirizações (outsourcing), forçou relações comerciais geograficamente mais amplas, já que grandes empresas direcionaram a produção de seus bens e serviços para a China, como fez a Hering, a Sony, a Philips e a Nike. Como consequência, dimanou a mudança nos sistemas de transportes e logística para tornar mais eficiente a circulação das mercadorias no espaço. Os contêineres, o transporte intermodal e multimodal e os sistemas de estocagem just in time tributaram tanto para o arrefecimento das áreas de armazenamento a montante e a jusante do sistema produtivo, como ainda diminuíram as extensas linhas de produção. Ocorrências que mostram a otimização e as variadas utilizações do espaço para instâncias privadas e corporativas.

A produção de bens e serviços ultrapassou as fronteiras regionais e nacionais e constituiu intricadas cadeias produtivas que necessitaram de complexas cadeias logísticas, de transportes, de armazenamento e de telecomunicações para movimentação de insumos e produtos (fluxos econômicos). O sistema de circulação incidiu por aguda modernização no que pulsa o acondicionamento, o manuseio, a estocagem, a transferência e a movimentação de mercancias para atender as novas lógicas da competição global. Os novéis profissionais de operações de serviços de logísticas (Operadores de serviços de Logística-OSLs) passaram a utilizar e planejar o uso mais eficiente dos sistemas para acrescer a produtividade nos transportes, como a intermodalidade, o transporte combinado e o transporte multimodal.

A logística, mediante o planejamento, cotizou para a remoção de obstáculos, de gargalos de natureza física, operacional e institucional, racionalizando regulamentos, controles governamentais, legislação e procedimentos burocráticos (simplificação de processos aduaneiros e de movimentação). Ela incrementou a performance dos veículos pela compatibilização das infraestruturas, o que induz os investimentos em infraestruturas de transportes, de estocagem e de terminais intermodais e aduaneiros e de tecnologias da informação, desenvolvendo técnicas de unitização. A logística também ajuda na demanda por desenvolvimento de tecnologias nos sistemas de transportes e no planejamento territorial. Portanto, ela coopera para todos esses aspectos, mas não faz parte de nenhum deles, pois sua particularidade é ser uma estratégia, um planejamento, uma forma de gestão que envolve/arrasta todos esses elementos. A logística otimiza e consente de maneira mais eficiente a circulação no espaço, além de colaborar nos ganhos econômicos das corporações por meio da diminuição de custos e aumento da competitividade. A logística modifica substancialmente o espaço geográfico via ações corporativas, estatais e, até mesmo, individuais. Assim, faz-se a produção do espaço geográfico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contemporânea reestruturação econômica - implicação da “mundialização do capital” e/ou do “império do capital” - que acomete a economia brasileira, tem um componente relativamente novo, mais articulado, id est, uma logística de Estado (orientada para o planejamento territorial) e uma logística corporativa que tornam presumível uma ampliação, apesar de seletiva espacialmente, da fluidez e da competitividade territorial, aludindo em reconfigurações/reorganizações de certas parcelas do território nacional. Há, nesse contexto, uma estreita relação de complementariedade e de dissensão entre a logística de Estado e a logística corporativa que, por conseguinte, influenciam seletivamente no acrescentamento da fluidez e da competitividade territorial em porções do Brasil, em destaque, as seletivas demandas capitalistas internacionais e nacionais associadas a estas. O poder público, em grande medida, opera mais propenso ao acolhimento das demandas corporativas por infraestruturas. Já as empresas, através da logística corporativa, otimizam as infraestruturas existentes a ponto de suprirem a falta de infraestruturas de transportes e de armazenamento e, por consecutivo, os respectivos impactos que causam na organização territorial.

Por todos esses motivos há fortes impactos da logística de Estado e corporativa no reordenamento do território brasileiro, sobressaindo-se a fluidez e a competitividade territorial. O período de maior intensidade, quando estes elementos avançaram significativamente, foi após a abertura econômica da década de 1990 e, mais especificamente, depois da reinserção do Brasil, de forma mais competitiva, no comércio e nas relações internacionais e da pujança do mercado interno, com o governo Lula da Silva, a partir de 2003. O território brasileiro passou a ter recortes espaciais mais fluidos e competitivos, passando por acelerados processos de modernização e inserindo-se de forma mais competitiva na divisão internacional do trabalho. A expansão geográfica do capital para novas áreas do território brasileiro foi extensa e extremamente rápida. E por isso tudo, nesses processos de continuidades e descontinuidades, permaneceram relações de produção e trabalho arcaicas, rugosidades, ampliou-se a diferença entre os circuitos inferiores e superiores da economia urbana, amplamente vistos nos conflitos sociais urbanos. Entrementes, também houve aumento salarial, renda, consumo e melhoria em diversos indicadores econômicos e sociais. Acomodações e surgimento de conflitos caracterizam a modernização do “interior” do Brasil.

Assim, os elementos da logística de Estado no provimento de sistemas de engenharia dos transportes, de normas e tributação e da logística corporativa, a fim de otimizar os transportes, o armazenamento e os serviços de logística (alfandegamento, consolidação de cargas, manuseio de mercancias, embalagem, entre outros), na contemporânea reestruturação econômica no Brasil, potencializaram as regiões mais competitivas para o acolhimento das novas necessidades dos mercados externo e interno associado. Houve elementos que envolveram:

  1. a abertura da economia brasileira, a maior inserção do país no comércio e nas relações internacionais e o alargamento do mercado interno, nomeadamente as decorrências mais gerais, para a organização do território brasileiro. Nesse sentido, houve adequação das infraestruturas e das inovações corporativas no acrescentamento da circulação, dos transportes e dos serviços de logística;

  2. os basilares elementos empregados pelo poder público para adequar os territórios, escolhidos seletivamente, com os sistemas de engenharia de transportes, normas e tributação, com o desígnio de estender a fluidez territorial, id est, o planejado e a gestado uma logística de Estado, coligindo aos territórios um maior grau de eficácia para a competitividade. Nessa fase, o approach é a atuação estatal como produtora do espaço, ensejando infraestruturas, operando normativamente e tributariamente a fim de arraigar fluidez e competitividade a privilegiadas porções do território brasileiro. Por mais que a apreciação seja referente ao Estado brasileiro há elementos e arquétipos que podem incluir outras escalas, como as supranacionais e intranacionais, como no caso da IIRSA/COSIPLAN no patamar da América do Sul e do Mercosul, das unidades federativas e dos municípios;

  3. a evolução/modernização nos transportes, armazenamento e nos serviços de logística pelas corporações agentes no território brasileiro (empresas nacionais e estrangeiras) a partir da abertura da década de 1990, e de maneira especial, a partir do governo Lula da Silva. Houve progressos da logística corporativa e sua articulação com a logística de Estado, ampliando a eficiência na movimentação de mercadorias nos fluxos econômicos e, por subsecutivo, das interações espaciais, frutando produções de espaços embasados na lógica centro-periferia, todavia, com ampliação do grau de autonomia advinda das relações exteriores do governo Lula da Silva e da nova geopolítica e geoeconomia mundial. Tem-se em vista que a logística corporativa, ao campear a otimização dos custos de transportes e armazenamento, também maximizou os sistemas de transportes, dando a eles máxima eficiência, maior movimentação pelas vias de transportes, sem muitas vezes o imperativo de ampliação das mesmas;

  4. determinados/seletivizados territórios foram mais afetados pelo aumento da fluidez e pela competitividade territorial do que outros no Brasil, fruto da articulação mais elaborada entre a logística de Estado e a logística corporativa. Destacamos, através de alguns estudos de caso, as alterações na organização territorial entusiasmadas pela busca de inserção competitiva dos territórios, como na Macrometrópole Paulista, as áreas de expansão do agronegócio no Centro Oeste, Nordeste e Norte do Brasil e porção do litoral de Santa Catarina (entre Joinville e Florianópolis, estendendo-se com menor intensidade até o município de Criciúma). Produto, sobretudo, dos subsídios dos sistemas de engenharia de transportes e armazenamento, da planificação e gestão das esferas de Estado, da logística corporativa, dos interesses produtivos e das demandas internacionais. O ponto capital foi que estudos de caso revelaram os impactos movidos pela atuação estatal e privada, em diversas escalas, sobre determinados territórios, diminuindo ou expandindo suas desigualdades.

  • 1
    As interações espaciais, segundo um enfoque dialético-materialista, referem-se à noção que reflete, na consciência, a relação dialética entre formações materiais contraditórias e deriva da categoria filosófica de interação ou ação recíproca. Essa relação dialética tem por resultado uma síntese, uma transformação, ou a ignição de um novo processo de desenvolvimento. Portanto, as interações espaciais envolvem os transportes, a mobilidade e a acessibilidade - que são categorias que possuem uma dimensão espacial - sem as quais não pode ocorrer a relação dialética entre as referidas formações materiais, como, por exemplo, o capital e o trabalho, o sujeito e seu objeto de conhecimento, entre outras que exigem algum tipo de mobilidade e que são socialmente construídas em diferentes escalas geográficas (SILVEIRA; COCCO, 2011SILVEIRA, M. R.; COCCO, Rodrigo G. Basis for a materialist and dialectical approach to spatial interactions. Revista Terrae, Campinas, v. 8, p. 35-42, 2011.).
  • 2
    Corroboramos com Santos (2001)SANTOS, Milton. Globalização em questão. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001. e Hirst; Thompson (1999)HIRST, P. Q.; THOMPSON, G. Globalization in question. Nova Jersey: Wiley-Blackwell, 1999., ao relatarem que a “globalização” no passado foi espacialmente tão ampla como a atual. Todavia, pode-se mencionar como diferenciais atuais: a intensidade e a facilidade de circulação devido, especialmente, aos fatores comunicacionais.
  • 3
    O Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (PRODEC) tem como objetivo conceder incentivos à implantação ou à expansão de empreendimentos industriais, que vierem produzir e gerar empregos e renda no Estado de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2017SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Fazenda. Disponível em: <http://www.sef.sc.gov.br/>. Acesso em 28 de novembro de 2017.
    http://www.sef.sc.gov.br/...
    ).
  • 4
    Tem como objetivo a geração de emprego e renda por meio de tratamento tributário diferenciado do ICMS (SANTA CATARINA, 2017SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Fazenda. Disponível em: <http://www.sef.sc.gov.br/>. Acesso em 28 de novembro de 2017.
    http://www.sef.sc.gov.br/...
    ).
  • 5
    Os órgãos de planejamento de infraestruturas foram desmontados ou sucateados a partir, especificamente, da década de 1990. Desde então, o que passou a prevalecer foram as agências reguladoras. Essas atuam, em grande parte, desconectadas dos interesses estatais (SILVEIRA, 2014SILVEIRA, Márcio R. Circulação, transportes e logística. In: SILVEIRA, M. R. (Org.). Circulação, transportes e logística no estado de São Paulo. Curitiba: Editora Appris, 2014, p. 11-34.).
  • 6
    Além de aumentar a conservação do produto por meio de um acondicionamento adequado, um caminhão, um vagão, entre outros meios de transporte, que possuam elevada tecnologia e logística, também encurtam o tempo de entrega da mercadoria e, assim, ampliam o tempo de exposição do produto para venda, principalmente os de prazo curto de validade. Enfim, são fatores que aumentam ou conservam o valor da mercadoria e, por isso, aumentam o lucro e tornam o capitalista, que “lança mão” dessas tecnologias, mais competitivo. Amplia-se, dessa maneira, a concorrência intercapitalista.
  • 7
    Caso contundente que justifica essa assertiva é a discussão sobre reforma tributária, com destaque para o ICMS, para o ISS, IPI, CIDE, COFINS, PIS, entre outros. O ICMS, por ter base de cálculo diferente, até recentemente, para cada estado federativo, atuou no sistema de circulação, interferindo diferentemente nas interações espaciais.
  • 8
    Entretanto, não é só o “Custo Brasil de Transportes” pela acirrada concorrência que os produtos brasileiros enfrentam no mercado internacional, mas também os subsídios dos países concorrentes, isto é, há uma guerra fiscal, uma competitividade territorial no âmbito mundial da qual o Brasil participa.
  • 9
    As ferrovias transportam 90% da sua carga com apenas cinco produtos: minério de ferro, siderúrgicos, cimento, granéis agrícolas e carvão. A chamada carga geral é transportada basicamente por caminhão. As ferrovias, pela sua história, não formam uma rede nacional, mas redes regionais pouco articuladas.
  • 10
    A degradação da malha rodoviária pode aumentar os custos operacionais (que podem chegar a 40%) nas despesas com combustíveis (até 60%) e nos tempos de viagem (até 100%) (BARAT, 2007).
  • 11
    Uma das formas de amenizar as deseconomias de aglomeração é o uso da “city logistics”, isto é, a estratégia, o planejamento e a gestão na transferência de cargas de veículos maiores para veículos menores, que facilmente conseguem circular nas áreas mais densas da cidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2017
  • Aceito
    12 Mar 2018
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