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Trajetória de migração de software proprietário para livre: evidências empíricas associadas ao open office

Migration trajectory from commercial off-the-shelf software to free software: empirical evidence associated with open office

Resumos

O presente artigo visa analisar a trajetória de migração de um software proprietário para uma plataforma livre. Especificamente, buscou-se analisar o processo de migração e identificar os fatores determinantes de sucesso/resistência na implantação do Open Office, em uma empresa privada nacional, em substituição ao Microsoft Office. O referencial teórico do trabalho aborda a adoção/resistência a sistemas de informação, constituindo a base de conhecimento que auxiliou os pesquisadores no entendimento dos fatores observados em campo. A metodologia de estudo de caso único foi aplicada, de modo que os dados de campo foram coletados via análise de documentação, entrevistas, questionários, observações diretas e participantes, e analisados por meio de análise de conteúdo e estatística não paramétrica. Foram identificados três grupos de usuários com comportamentos distintos em relação à intenção de uso do novo software, analisando-se as razões para tal comportamento, em função da identificação dos fatores críticos associados à aceitação/resistência ao software livre implantado.

Software Livre; Open Office; Resistência a Sistemas de Informação; Adoção de Sistemas de Informação; Comportamento de Resistência a Sistemas


This article aims at analyzing the migration trajectory from a commercial off-the-shelf software to a free one. Thus, it was pursued to analyze the migration process and investigate the critical success/resistance factors associated with the implementation of the Open Office in a Brazilian private company replacing the extant Microsoft Office. The bibliographical review of this work addresses adoption/resistance to information systems being that the theoretical framework adopted to explain the data collected. The single case study method was then applied and via documentation analysis, interviews, questionnaires, and direct and participant observations data was collected, as well as analyzed via content analysis and non-parametric statistics. Three sorts of users' behaviors were unveiled in which concerns to their intention of use of the free software. Finally, the reasons for those behaviors were set forth based on the investigation of the critical factors associated with the users' adoption/resistance to the implemented free software.

Free Software; Open Office; Resistance to Information Systems; Adoption of Information Systems; Resistance Behavior to Systems


Introdução

Atualmente, o software livre tem se apresentado como uma alternativa à aquisição de licenças de softwares proprietários, sendo adotado por um número cada vez maior de empresas. (CRNKOVIC; MORETTI, 2010CRNKOVIC, L. H.; MORETTI, S. L. A. Vantagens competitivas com softwares livres: o caso de uma instituição de ensino. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 9, n.1, p. 5-18, 2010.; GONÇALVES NETO; AUGUSTO, 2004GONÇALVES NETO, C.; AUGUSTO, M. P. Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e programadores brasileiros de software livre. In: ENCONTRO DA EnANPAD, 28., 2004, Curitiba. Anais... Curitiba: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 2004.; GUTIERREZ; ALEXANDRE, 2004GUTIERREZ, R. M. V.; ALEXANDRE, P. V. M. Complexo eletrônico - introdução ao Software. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 20, p. 3-76, set. 2004.; SALEH, 2004SALEH, A. M. Adoção de Tecnologia: um estudo sobre o uso do software livre nas empresas. 2004. (Dissertação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.)

Apesar da importância do tema, ainda existe um grande desconhecimento por parte da comunidade em geral acerca da definição do termo "livre" para os softwares livres. A expressão inglesa free software é frequentemente associada com o termo software grátis, em português. Porém, a palavra free não está relacionada com o conceito de preço, mas com liberdade. (STALLMAN, 2007STALLMAN, Richard. Why "Open Source" misses the point of Free Software. Free Software Foundation, 2007. Disponível em: <https://www.gnu.org/philosophy/open-source-misses-the-point.html>. Acesso em 24 jul. 2014.
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)

Segundo Stallman (2007)STALLMAN, Richard. Why "Open Source" misses the point of Free Software. Free Software Foundation, 2007. Disponível em: <https://www.gnu.org/philosophy/open-source-misses-the-point.html>. Acesso em 24 jul. 2014.
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, quando um software é tido como livre, está implícita a premissa de que esse software respeita as liberdades essenciais dos usuários, tais como: liberdade de execução, estudo, modificação e redistribuição de cópias desse software, com ou sem mudanças. Já Hexsel (2002, p. 01)HEXSEL, R. A. Propostas de ações de governo para incentivar o uso de software livre. Relatório Técnico do Departamento de Informática da UFPR, n. 4, 2002. afirma que:

[...] a característica mais importante do software livre é a liberdade de uso, cópia, modificação e redistribuição. Esta liberdade é conferida pelos autores e é efetivada através da distribuição do código fonte dos programas, o que os transforma em bens públicos, disponíveis para utilização por toda a comunidade e da maneira que seja mais conveniente a cada indivíduo.

Segundo Augusto (2003)AUGUSTO, M. P. Um estudo sobre as motivações e orientações de usuários e programadores brasileiros de software livre. 2003. 99 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto Coppead e Administração, Universidade Federal da Bahia, Rio de Janeiro, 2003., o modelo de desenvolvimento do software livre possui algumas diferenças significativas se comparado com o modelo utilizado pela indústria tradicional. Segundo o autor, os programas são desenvolvidos por uma comunidade de profissionais que utiliza a internet como meio de comunicação, e a participação nos projetos é voluntária, não havendo compensação financeira pelo trabalho desenvolvido.

O modelo de desenvolvimento dos softwares livres aproveita as economias de escala e de escopo, permitindo também correções rápidas de falhas e o aumento da segurança, já que o código fonte é inspecionado publicamente - o que o expõe a severas avaliações -, havendo grande quantidade de profissionais que podem colaborar com a correção das falhas detectadas. (SOFTEX, 2005SOFTEX. O impacto do software livre e de código aberto na indústria de software do Brasil. Softex; Campinas: 2005.)

Em contraste com o modelo hierárquico - com rígidas normas de controle e subordinação -, o mecanismo de controle de projetos de desenvolvimento de softwares livres possui características extremamente desafiadoras. Nos projetos de softwares livres, a equipe é virtual, interage digitalmente e inexiste subordinação direta. Assim, uma vez que a participação dos desenvolvedores nos projetos é voluntária, eles não estão submetidos aos padrões de gerenciamento típicos de projetos proprietários. (TAURION, 2004TAURION, C. Software Livre: potencialidades e modelos de negócios. Brasport, Rio de Janeiro: Free Software Foundation, 2004.)

Este modelo de desenvolvimento foi denominado por Raymond (1999)RAYMOND, E. S. The cathedral and the Bazaar: musings on Linux and Open Source by an Accidental Revolutionary. Sebastopol, CA: O'Reilly & Associates, 1999. de bazar - contrastando com o modelo que predomina no desenvolvimento de softwares proprietários, o modelo catedral. No modelo bazar, a qualidade dos softwares não é uma consequência de padrões rígidos ou autocracia, mas é obtida por meio da disponibilização de novas versões dos softwares e da obtenção de uma rápida avaliação de seu desempenho.

Geralmente, a motivação para a implantação de softwares livres engloba aspectos técnicos, ideológicos, sociológicos e econômicos. Porém, segundo vários autores, um dos principais fatores motivadores para tal é a redução de custos via o não pagamento de licenças pela utilização de softwares livres. (BOZMAN et al., 2002BOZMAN, J. et al. Windows 2000 versus Linux in enterprise computing. Framingham: IDC White Paper, 2002.; BRETTHAUER, 2002BRETTHAUER, D. Open source software: a history. Information Technology and Libraries. v. 21, n. 1, mar. 2002.; GARCIA et al., 2010GARCIA, M. N. et al. Software livre em relação ao software proprietário: aspectos favoráveis e desfavoráveis percebidos pelo especialista. Gestão & Regionalidade, v. 26, n. 78, p. 106-120, 2010.; TAURION, 2004TAURION, C. Software Livre: potencialidades e modelos de negócios. Brasport, Rio de Janeiro: Free Software Foundation, 2004.;) No entanto, migrações de softwares proprietários para livres muitas vezes geram resistência por parte dos usuários, levando ao fracasso dessas implantações. (ALENCAR, 2007ALENCAR, A. F. A pedagogia da migração de software proprietário para o livre: uma perspectiva freireana. 2007. 255 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.; CHAU; TAM, 1997CHAU, P.; TAM, K. Factors affecting the adoption of open systems: an exploratory study, MIS Quarterly, v. 21, n. 1, p. 1- 24, 1997.; KIM; KANKANHALLI, 2009KIM H.; KANKANHALLI A. Investigating user resistance to information systems implementation: a status quo bias perspective. MIS Quarterly, v. 33, n. 3, p. 567-582, set. 2009.; WARING; MADDOCKS, 2005WARING T.; MADDOCKS P. Open Source Software implementation in the UK public sector: Evidence from the field and implications for the future. International Journal of Information Management, v. 25, n. 5, p. 411-428, 2005.)

Dentre os vários softwares livres existentes no mercado, o Open Office - software livre alvo do presente estudo - tem sua origem remontando a meados da década de 1990, quando a empresa alemã Star Division criou um pacote de escritório chamado StarOffice e começou a distribuí-lo de forma gratuita para as plataformas Windows e Linux. (BROFFICE.ORG, 2011BROFFICE.ORG. As origens do OpenOffice. Disponível em: <http://www.openoffice.org.br/sobre>. Acesso em: 28 ago. 2011.
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)

Em 1999, a Star Division foi adquirida pela empresa americana Sun Microsystems. Logo após lançar o StarOffice 5.2, a Sun Microsystems doou parte do código fonte do StarOffice para a comunidade de código aberto, tornando-se colaboradora e patrocinadora principal do recém-lançado projeto OpenOffice.org. Desde então, milhões de downloads foram contabilizados. (BROFFICE.ORG, 2011BROFFICE.ORG. As origens do OpenOffice. Disponível em: <http://www.openoffice.org.br/sobre>. Acesso em: 28 ago. 2011.
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)

Assim, este trabalho visa estudar a trajetória de migração, em uma empresa, de um software proprietário (Microsoft Office) para um software livre equivalente (Open Office), no que tange à dinâmica de resistência/aceitação deste pelos seus potenciais usuários.

Este artigo está estruturado como descrito a seguir. Após esta seção, apresenta-se o referencial teórico utilizado. Em seguida, é discutido o procedimento metodológico seguido pelos autores. A partir daí, apresenta-se o caso estudado e, em seguida, o levantamento e análise dos dados coletados. Termina-se o artigo apresentando-se as conclusões oriundas dos resultados obtidos, a relevância do trabalho e as suas limitações. São também propostos trabalhos futuros relacionados a esse corpo de conhecimento.

Revisão bibliográfica

Nesta seção, será analisado o fenômeno da resistência a sistemas de informação, descrevendo-se os principais modelos que analisam o fenômeno, os quais serão consolidados num meta-frame a ser utilizado neste trabalho.

Resistência a Sistemas de Informação

O grau de aceitação e uso efetivo de sistemas de informação é um fator que possui grande relação com o sucesso ou fracasso na implementação de novas tecnologias. (FERNANDES; JOIA, 2012FERNANDES, C.; JOIA, L. A.; ANDRADE A. Resistência à implantação de sistemas de folha de pagamento na administração pública: um estudo multi-caso. Organizações & Sociedade, v. 19, n. 60, p. 145-164, 2012.; GAETE, 2010GAETE, L. Análise da resistência a sistemas de informação: a percepção dos gestores de tecnologia da informação acerca de sistemas ERP. 2010. 168 f. Dissertação (Mestrado em Gestão Empresarial) - EBAPE, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2010.; JOIA; MAGALHÃES, 2009JOIA, L. A.; MAGALHÃES, C. Evidências empíricas da resistência à implantação de prescrição eletrônica: uma análise explano-exploratória. RAC-Eletrônica, Curitiba, v. 3, n.1, 2009.; GRADVHOL; GAETE; JOIA, 2012GRADVOHL, D.; GAETE L.; JOIA, L. A. Análise dos Antecedentes à Resistência a Sistemas Empresariais sob a Ótica dos Gestores de TI. In: ENCONTRO DA EnANPAD, 36., 2012, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 2012.) A resistência dos usuários a sistemas de informação, desenvolvida por meio dos mais diversos fatores, pode ser considerada como a responsável pelo adiamento da implementação de novas tecnologias ou, até mesmo, pela inviabilidade das mesmas. (FREITAS; SANTOS JUNIOR; LUCIANO, 2005FREITAS, H.; JUNIOR, S. S.; LUCIANO, E. M. Dificuldades para o uso da tecnologia da informação. RAE-eletrônica, v. 4, n. 2, Art. 20, jul./dez. 2005.)

Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983. defende que tratar a resistência é uma ação de grande importância, uma vez que, segundo a autora, "de maneira informal ou implícita, a resistência guia o comportamento e é capaz de influenciar as ações tomadas pelos gestores e analistas de sistemas envolvidos na implementação de aplicações informatizadas". (MARKUS, 1983, p. 430MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983.)

Davis (1993)DAVIS, F. User acceptance of information technology: system characteristics, user perceptions and behavioral impacts. International Journal of Man-Machine Studies, v. 38, n. 3, p. 475-487, 1993. também afirma que a falta de aceitação da tecnologia por parte dos usuários é um impedimento para o sucesso dos sistemas de informação, tendo como consequência a ausência de uma melhoria no desempenho dos funcionários na realização de suas tarefas no trabalho - meta de grande parte das organizações que adotam sistemas informatizados.

Para demonstrar a importância do tema, Lapointe e Rivard (2005)LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005. argumentaram, após análise de 20 publicações relacionadas com Sistemas de Informação, que durante os últimos 25 anos, 43 artigos abordaram a resistência como um assunto fundamental para a implementação de novas tecnologias. Apesar de reconhecerem a importância da resistência, a maioria desses artigos, segundo as autoras, trata o assunto como uma espécie de "caixa preta", uma vez que somente nove dos 43 artigos apontaram claramente os geradores da resistência.

A partir dessa constatação, surge a necessidade de identificar as características que podem interferir no processo de aceitação e uso de sistemas informatizados pelos usuários. Somente após a identificação dessas características, é que as empresas serão capazes de tratá-las, de modo a facilitar o processo de implementação de novos sistemas.

Um estudo que pode ser útil para a identificação dessas características foi realizado por Davis (1989)DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989.. Por meio do desenvolvimento do Modelo de Aceitação da Tecnologia (TAM), o autor identificou a percepção de utilidade do sistema e a percepção de facilidade de uso do sistema como dois dos principais constructos associados à intenção de uso do software.

Segundo Darsono (2005)DARSONO, Licen Indahwati. Examining information technology acceptance by individual professionals. Gadjah Mada International Journal of Business, v. 7, n. 2, p. 155-178, 2005., as diferenças individuais, como o conhecimento pessoal de informática e as características do sistema informatizado, como a sintaxe e o layout, são os principais fatores determinantes da aceitação de sistemas. O autor afirma que esses fatores atuam de forma direta ou indireta na percepção da utilidade e da facilidade de uso do software.

As características do sistema, mais especificamente a riqueza de seu layout, também são apontadas por Doll e Torkzadeh (1998)DOLL, W. J.; TORKZADEH, G. developing a Multidimensional Measure of System-Use in an Organisational Context. Information and Management, v. 33, n. 4, p. 171-185, 1998. e Liu, Liao e Peng (2005)LIU, S-H.; LIAO, H.-L; PENG, C.-J. Applying the technology acceptance model and flow theory to online e-learning users' acceptance behavior. Issues in Information Systems, v. 6, n. 2, p. 175-181, 2005. como fatores significantes para a definição do nível de percepção de utilidade do sistema por parte dos usuários, o que, segundo os autores, influenciaria a intenção de uso do software.

Já segundo Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983., características organizacionais como estrutura, cultura, poder, política e controle também atuam de forma fundamental e decisiva no sucesso ou fracasso da implementação de sistemas, assim como as características técnicas e de gestão dos sistemas.

A autora aborda a questão da resistência aos sistemas de informação, tendo como base o trabalho seminal de Kling (1980), sob o enfoque de três dimensões: pessoas, sistemas e interação, dando maior ênfase à terceira dimensão, que é utilizada por Markus (1983) de uma forma mais efetiva para explicar as causas da resistência aos sistemas de informação.

A dimensão interação de Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983. apresenta duas variantes distintas. A primeira dessas variantes é a sociotécnica, que possui foco numa nova divisão do trabalho.

A segunda variante identificada por Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983. é a política. Nela, a resistência é explicada como sendo produto da interação das características do sistema com a distribuição existente de poder institucional.

Por outro lado, segundo Venkatesh e outros (2003)VENKATESH, V. et al. User acceptance of information technology: toward a unified view. MIS Quarterly, v. 27, n. 3, p. 425-478, 2003., diversas seriam as características que fariam com que uma pessoa viesse a aceitar ou rejeitar um sistema de informação. Os autores desenvolveram um estudo com base nessas características, formulando o Modelo Unificado de Aceitação e Uso da Tecnologia da Informação (UTAUT). Esse modelo foi desenvolvido a partir de uma revisão de literatura e da análise comparativa empírica de oito modelos distintos identificados na literatura.

Basicamente, o modelo apresenta quatro fatores determinantes e quatro fatores moderadores da intenção de uso de sistemas de informação nas organizações, tendo sido testado e validado empiricamente, explicando cerca de 70% da variação associada à intenção de uso. Segundo o modelo, os fatores determinantes da intenção de uso são: "a expectativa de performance", "a expectativa de esforço", "a influência social" e "as condições facilitadas".

De forma complementar, outros fatores atuam como moderadores da intenção de uso de sistemas de informação nas organizações. Seriam eles: o gênero, a idade, a experiência e a voluntariedade do uso por parte do usuário.

Lapointe e Rivard (2005, p. 461)LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005. afirmam que:

[...] quando um sistema informatizado é introduzido, os usuários reunidos em grupo irão avaliar o sistema fazendo projeções sobre as conseqüências da sua utilização. Caso essas projeções resultem em conseqüentes ameaças, os primeiros comportamentos de resistência já poderão ser observados.

Segundo Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983., um exemplo dessas ameaças projetadas é a possibilidade de perda de poder por parte de um grupo de usuários, o que os levaria a resistir à tecnologia, o que não aconteceria caso o sistema em questão viesse a apoiar a posição de poder desse grupo. A autora considera que os sistemas de informação são veículos geradores de mudanças organizacionais, como também argumenta Orlikowski (2000), defendendo a existência de uma relação positiva direta da resistência com o tamanho e a importância percebida de perda de poder.

Lapointe e Rivard (2005)LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005. ainda abordam uma questão de grande importância no que tange ao processo de adoção/rejeição de um sistema de informação. Segundo as autoras, inicialmente a resistência é observada junto aos usuários, de forma individual e independente. De acordo com a evolução da implementação, grupos começam a ser formados, o que se torna uma ameaça ainda mais intensa à implantação do sistema de informação em questão. Segundo Lapointe e Rivard (2005)LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005., os comportamentos de resistência são tipificados em três níveis: (1) o nível individual, no qual as características do sistema são percebidas pelo usuário em sua interação com o sistema e sua implementação; (2) o nível grupal, no qual se poderá constatar a construção coletiva de significados acerca das consequências da implementação do sistema por equipes, categorias profissionais ou outras coletividades dentro da organização e (3) o nível organizacional, no qual eventualmente existirá tensão ou conflito contrapondo defensores do sistema e resistentes claramente identificados no cenário da organização.

No entanto, as próprias autoras afirmam que a análise da resistência de grupo no estágio inicial de implantação de um sistema de informação deve focalizar, inicialmente, o comportamento individual e independente dos usuários, ao invés de considerar o grupo como uma entidade unificada. Nos estágios posteriores de implantação do sistema de informação, torna-se então relevante entender como e por que as resistências individuais convergem para uma resistência grupal. (LAPOINTE; RIVARD, 2005LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005.).

Meta-Frame para Análise da Resistência a Sistema de Informação

Por meio do referencial teórico apresentado, foi desenvolvido um meta-frame para auxiliar a análise dos dados levantados e evidências observadas, por meio do qual procura-se analisar os fatores geradores de resistência individual ao sistema Open Office. Após isso, procura-se representar o processo de resistência ao sistema, objetivando rastrear o surgimento da resistência grupal ao sistema em questão.

Esse meta-frame possui como ponto central o Modelo Unificado de Aceitação e Uso de Tecnologia da Informação (UTAUT), desenvolvido por Venkatesh e outros (2003)VENKATESH, V. et al. User acceptance of information technology: toward a unified view. MIS Quarterly, v. 27, n. 3, p. 425-478, 2003., que se destaca dos demais por ser composto de oito dos modelos previamente existentes mais utilizados, quando se trata da aceitação e uso de sistemas de informação em nível individual.

Adicionalmente, o Modelo de Aceitação da Tecnologia (TAM), proposto por Davis (1989)DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989. para adoção de sistemas de informação em nível individual, enriqueceu o meta-frame, fornecendo dois aspectos analisados durante esta pesquisa: a percepção de utilidade do sistema e a percepção de facilidade de uso do sistema pelos seus potenciais usuários.

O modelo desenvolvido por Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983. também mereceu destaque na composição do meta-frame, já que esse modelo oportuniza a análise dos fatores individuais, técnicos, sociais e políticos da implementação de sistemas de informação. Dessa forma, o modelo de Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983., conforme corroborado por Joia e Magalhães (2009)JOIA, L. A.; MAGALHÃES, C. Evidências empíricas da resistência à implantação de prescrição eletrônica: uma análise explano-exploratória. RAC-Eletrônica, Curitiba, v. 3, n.1, 2009. e Fernandes, Joia e Andrade (2012)FERNANDES, C.; JOIA, L. A.; ANDRADE A. Resistência à implantação de sistemas de folha de pagamento na administração pública: um estudo multi-caso. Organizações & Sociedade, v. 19, n. 60, p. 145-164, 2012., analisa a resistência a sistemas de informação em nível individual, grupal e organizacional, levando em conta a interação dos usuários com o sistema em um dado contexto organizacional.

É preciso enfatizar que o modelo TAM e seus derivados (dentre os quais o UTAUT) não levam em consideração o específico tipo de tecnologia em análise, como demandado por Orlikowski e Iacono (2001)ORLIKOWSKI, W. J.; IACONO, C. S. Research commentary: Desperately seeking the "IT" in IT research - a call to theorizing the IT artifact. Information Systems Research, v. 12, n. 2, p. 121-134, 2001., além de analisarem a implantação do sistema em um corte transversal de tempo, sendo estas, dentre outras, algumas das limitações desse modelo e de seus derivados. (BENBASAT; BARKI, 2007BENBASAT, I.; BARKI, H. Quo Vadis TAM? Journal of the Association of Information Systems, v. 8, n. 4, article 3, p. 211-218, 2007.; LEE; KOZAR; LARSEN, 2003LEE, Y.; KOZAR, K. A.; LARSEN, K. R. T. The technology acceptance model: past, present, and the future. Communications of the AIS, v. 12, n. 50, p. 752-780, 2003.; LEGRIS; INGHAM; COLLERETTE, 2003LEGRIS, P.; INGHAM, J.; COLLERETTE, P. Why do people use information technology? A critical review of the technology acceptance model. Information & Management, v. 40, p. 191-204, 2003.) Assim, neste estudo, de forma a superar a primeira restrição apresentada, o Open Office é analisado por meio de suas características em relação às respectivas características do seu antecessor - Microsoft Office - e, de forma a superar a segunda restrição, procura-se reproduzir o processo de implantação do Open Office, na empresa em questão, ao longo do tempo.

Além disso, Seldin, Rainho e Caulliraux (2003)SELDIN, R.; RAINHO, M. A. F.; CAULLIRAUX, H. M. O papel da cultura organizacional na implantação de sistemas integrados de gestão - uma abordagem sobre resistência a mudanças. In: ENEGEP, 23., 2003, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: [s.n.], 2003. concluíram que os principais papéis organizacionais em processos de mudança referentes à implantação de novas tecnologias são desempenhados pelos gerentes, líderes e usuários finais. Segundo os autores, "os gerentes ou líderes de projeto formam o conjunto de agentes de mudança e possuem a responsabilidade de fazer a mudança efetivamente acontecer com sucesso, dentro dos prazos e orçamentos estabelecidos, respeitando os aspectos humanos envolvidos." (SELDIN; RAINHO; CAULLIRAUX., 2003, p. 6SELDIN, R.; RAINHO, M. A. F.; CAULLIRAUX, H. M. O papel da cultura organizacional na implantação de sistemas integrados de gestão - uma abordagem sobre resistência a mudanças. In: ENEGEP, 23., 2003, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: [s.n.], 2003.) Assim, esses autores afirmam que a liderança pode ser considerada como um fator crítico de sucesso durante o processo de migração de sistemas informatizados, já que é atribuído aos líderes o papel de facilitadores do processo de mudança. Embora tal abordagem não seja considerada explicitamente no meta-frame desenvolvido, o papel da liderança é levado em consideração neste estudo para entender os comportamentos distintos de grupos, no que tange à migração para o Open Office.

No Quadro 1, a seguir, apresenta-se o meta-frame utilizado neste trabalho.

Quadro 1
Meta-frame de Análise de Resistência a Sistemas de Informação

Abordagem metodológica

Markus e Robey (1988) classificam a estrutura lógica dos estudos científicos em dois tipos: baseada em processos ou baseada em variações. Este último tipo focaliza as variações no evento em análise oriundas da interação entre vários fenômenos, ou seja, analisa os relacionamentos entre os fenômenos percebidos, assim como os fatores que provocaram essas variações. Em outras palavras:

  • Percebida uma variação em A

  • Que fatores (B, C... K) podem ser a ela ligados (pelas respectivas interações)

  • De modo a que a variação em A possa ser ligada às variações nos fatores (B, C,....K)? (DUBIN, 1978)

Já a estrutura baseada em processos analisa e investiga a ordem temporal associada a uma série de eventos discretos ocorridos, baseando-se numa história, caso ou narrativa histórica. (HUBER; VAN DE VEEN, 1995HUBER, G.; VAN DE VEEN, A. Longitudinal field research methods. Sage Publications: Thousand Oasks, CA, 1995.)

Alguns autores, como Mohr (1982)MOHR, L. B. Explaining organizational behavior: the limits and possibilities of theory and research. Jossey-Bass, San Francisco, CS, 1982., suportam que essas duas abordagens devem ser mantidas separadas. No entanto, segundo Gregor (2006)GREGOR, S. The nature of theory in information systems. MIS Quarterly, v. 30, n. 3, p. 611-642, Set. 2006., Mohr (1982)MOHR, L. B. Explaining organizational behavior: the limits and possibilities of theory and research. Jossey-Bass, San Francisco, CS, 1982. adota uma abordagem controversa para justificar essa sua posição.

Por outro lado, outros autores (HUBER; VAN DE VEEN, 1995HUBER, G.; VAN DE VEEN, A. Longitudinal field research methods. Sage Publications: Thousand Oasks, CA, 1995.) argumentam que o uso conjunto dessas duas abordagens em Sistemas de Informação explicaria melhor os eventos percebidos, na medida em que o processo analisaria o contexto e o ambiente em que os sistemas de informação foram introduzidos, enquanto os fatores que contribuíram para a trajetória do processo estudado seriam isolados e estudados separadamente, de modo a que se pudesse entender o resultado final da introdução de um sistema de informação em um ambiente organizacional. (GREGOR, 2006GREGOR, S. The nature of theory in information systems. MIS Quarterly, v. 30, n. 3, p. 611-642, Set. 2006.)

Como este estudo investiga os fenômenos relativos à introdução de um sistema aberto (Open Office) no lugar de um software comercial instalado e em uso em uma empresa (Microsoft Office), optou-se, seguindo a linha de Huber e Van de Veen (1995)HUBER, G.; VAN DE VEEN, A. Longitudinal field research methods. Sage Publications: Thousand Oasks, CA, 1995., por adotar tanto a abordagem baseada em processos, como também em fatores, investigando-se a trajetória de implantação do sistema Open Office (abordagem baseada em processos), assim como os fatores chaves que levaram à aceitação ou não do sistema pela empresa (abordagem baseada em fatores).

Além disso, uma vez que não houve nenhuma forma de controle sobre os acontecimentos durante o ciclo de vida do projeto estudado e o trabalho tratou de um acontecimento contemporâneo, a metodologia de estudo de caso torna-se adequada para o desenvolvimento desta pesquisa. (YIN, 2005YIN, R. K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.)

Como unidade de análise deste estudo, foi investigada uma empresa nacional, de estrutura familiar, possuidora de 96 funcionários, fundada em 1980, atuante em todo o território nacional como produtora, revendedora e distribuidora de produtos químicos e derivados de petróleo para fins industriais, detentora de um faturamento médio anual em torno de 55 milhões de reais.

No que diz respeito a seu parque tecnológico, a empresa possuía um total de 49 máquinas interligadas em rede com acesso à internet, utilizando o sistema operacional Windows XP e realizando suas operações administrativas via um sistema ERP de desenvolvimento próprio.

Como forma de coleta de evidências, a pesquisa utilizou as seguintes fontes: documentações, entrevistas, questionários, observações diretas e observações participantes.

Com relação à análise de documentos, foram analisados e-mails, comunicações internas, relatórios e atas de reuniões relativas à adoção do novo sistema. O levantamento de documentação se deu de forma bastante tranquila, já que um dos pesquisadores possuía livre acesso aos documentos do Departamento de Informática da empresa estudada.

Foram utilizados questionários compostos de 21 questões (ver Tabela 2), que objetivaram levantar dados que pudessem ser confrontados com os constructos do meta-frame apresentado. Em cada questão, havia uma afirmação seguida de um conjunto de alternativas que indicavam, por meio de uma escala Likert de cinco pontos, o grau de concordância de cada respondente com relação à afirmação feita. (CARMAN, 1990CARMAN, J. M. Consumer perceptions of service quality: an assessment of the SERVQUAL dimensions. Journal of Retailing, v. 66, n. 1, p. 33-23, 1990.)

As 21 questões foram adaptadas de trabalhos que identificaram os três constructos adotados (ver Tabela 1), quais sejam: percepção de utilidade do sistema/expectativa de performance (DAVIS, 1989DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989.; VENKATESH et al., 2003VENKATESH, V. et al. User acceptance of information technology: toward a unified view. MIS Quarterly, v. 27, n. 3, p. 425-478, 2003.); percepção de facilidade de uso do sistema/expectativa de esforço (DAVIS, 1989DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989.; VENKATESH et al., 2003VENKATESH, V. et al. User acceptance of information technology: toward a unified view. MIS Quarterly, v. 27, n. 3, p. 425-478, 2003.) e influência social/norma social. (DAVIS, 1989DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989.; MARKUS, 1983MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983.) No caso de Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983. - único trabalho qualitativo dentre os acima citados -, adotou-se a escala desenvolvida por Gradvohl, Gaete e Joia (2012)GRADVOHL, D.; GAETE L.; JOIA, L. A. Análise dos Antecedentes à Resistência a Sistemas Empresariais sob a Ótica dos Gestores de TI. In: ENCONTRO DA EnANPAD, 36., 2012, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 2012., os quais adotam uma abordagem quantitativa associada às ideias de Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983., para analisar a resistência a sistemas empresariais.

Assim, criou-se uma rede nomológica (TROCHIM, 2005TROCHIM, William M. The research methods knowledge base. 2nd ed. 2005. Disponível em: <http://www.socialresearchmethods.net/>. Acesso em: 7 nov. 2011.
http://www.socialresearchmethods.net/...
) para guiar a coleta e análise de dados de campo via questionários, assim como para fornecer uma linha mestra às entrevistas realizadas. Responderam ao questionário, em setembro de 2010, todos os trinta funcionários que efetivamente estavam associados ao pacote de aplicativos de escritório. Foram descartados apenas os funcionários que, profissionalmente, não precisavam se relacionar com o software livre implantado, identificados por meio de observação direta. Em alguns casos, quando o grau de utilização do sistema não era claro, uma breve entrevista foi utilizada.

Como a amostra de respondentes é pequena, adotou-se métodos de estatística não paramétrica (SIEGEL; CASTELLAN Jr., 2006SIEGEL, S.; CASTELLAN Jr., J. Estatística não-paramétrica para ciências do comportamento.2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006) para análise dos dados obtidos por meio dos questionários.

No Quadro 2 abaixo, são apresentadas as questões existentes no questionário, agrupadas pelo seu respectivo constructo e as fontes de referência associadas.

Quadro 2
Questões existentes no questionárioFonte: elaboração própria

As entrevistas foram conduzidas de forma espontânea, seguindo modelo apresentado por Yin (2005)YIN, R. K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.. Os pesquisadores solicitaram que o respondente apresentasse sua própria interpretação dos acontecimentos e utilizaram essas interpretações como base para uma nova análise. Em média, as entrevistas foram realizadas em 30 minutos em outubro de 2010.

Os entrevistados foram selecionados por meio da sua participação no projeto de migração de softwares. Deu-se preferência para os funcionários que apresentaram comportamentos mais extremos, tanto no que concerne à aceitação do novo software, quanto à sua rejeição. Outra característica que foi considerada na seleção dos entrevistados foi o grau de liderança que eles exerciam junto a seus companheiros de trabalho.

A quantidade de entrevistas foi considerada ideal no momento em que houve uma acentuada convergência das respostas às questões formuladas, indicando saturação metodológica. (EISENHARDT,1989EISENHARDT, K. M. Building theories from case study research. Academy of Management Review, v. 14, n. 4, p. 532-550, 1989.; EISENHARDT; GRAEBNER, 2007EISENHARDT, K. M.; GRAEBNER M. Building theories from case study research. Academy of Management Journal, v. 50, n. 1, p. 25-32, 2007.)

A observação direta consistiu de visitas de campo ao local escolhido para estudo do caso. Os pesquisadores puderam realizar constantes observações diretas sobre os acontecimentos, todas de caráter informal, analisando como o projeto alvo de pesquisa era desenvolvido.

A observação participante foi também bastante utilizada, uma vez que um dos pesquisadores atuou de forma direta na migração do sistema existente para software livre, tanto na fase de implantação quanto na de suporte. Essa técnica propiciou oportunidades incomuns para a coleta de dados, já que oportunizou a percepção da realidade do ponto de vista de alguém de dentro do estudo de caso, e não de um ponto de vista externo. (YIN, 2005YIN, R. K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.)

Assim, foram identificados, por meio de observação participante e observação direta, três grupos de usuários cujas características relacionadas ao uso do novo sistema eram bem distintas. Esses grupos foram classificados pelos pesquisadores como "adotantes", "parcialmente adotantes" e "não adotantes".

Identificados esses três grupos, foram utilizados os dados levantados pelo questionário da Tabela 2, de modo a verificar se houve diferença significativa entre as percepções dos integrantes desse grupo, com relação ao uso do software livre. Para realizar a comparação das respostas obtidas pelos três grupos, utilizou-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. (SIEGEL; CASTELLAN Jr., 2006SIEGEL, S.; CASTELLAN Jr., J. Estatística não-paramétrica para ciências do comportamento.2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006)

Após análise dos questionários, teve início a análise de conteúdo das entrevistas (BARDIN, 2000BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000.), procurando-se excertos das mesmas que embasassem os resultados obtidos por outras vias. (RICHARDSON, 1999RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1999.; YIN, 2005YIN, R. K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.) Assim, como dito anteriormente, procurou-se tanto reproduzir o processo de implantação do Open Office na empresa, no que tange à aceitação/rejeição a este sistema, como também os fatores chaves que levaram a que o processo de implantação seguisse o rumo que seguiu, caracterizando-se pelo surgimento de três grupos com distintas posturas em relação à implantação do sistema em questão.

Descrição do caso

Em meados de 2010, uma vez que a punição para o uso de software não licenciado era de multa de até 3000 vezes o valor da licença do software (BRASIL, 1998BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm>. Acesso em: 26 mar. 2011.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), a empresa estudada decidiu eliminar a sua única pendência com relação ao licenciamento de softwares: o seu pacote de aplicativos de escritório - no caso, o Microsoft Office 2003.

Optou-se, inicialmente, pela aquisição das licenças do Microsoft Office. Essa alternativa foi abandonada, já que o software estava instalado em todas as 49 máquinas existentes na empresa e a compra das licenças implicaria em alto custo para a mesma.

Uma vez verificada a impossibilidade da compra das licenças, algumas alternativas foram sugeridas, dentre elas, a adoção do Open Office. Decidiu-se, então, pela instalação da versão 2.2 do sistema no Departamento de Informática, o qual seria o responsável pela análise de viabilidade da operação do software.

Após parecer positivo do Departamento de Informática, o Microsoft Office foi imediatamente desinstalado das máquinas de todos os 30 usuários que, efetivamente, utilizavam o pacote de aplicativos de escritório, e o Open Office versão 2.2 foi instalado, sem que houvesse aviso ou reunião com os usuários para tratar do assunto.

Essa atitude não foi bem recebida pelos usuários, uma vez que a natureza da migração não estava clara para eles, e as primeiras reações foram as mais negativas possíveis. Esse clima de incerteza e insegurança se agravou de tal forma que teve como consequência a imposição, por parte do diretor da empresa, do imediato cancelamento do projeto de migração. Após o cancelamento, o Gerente de Informática resolveu agendar uma reunião com todos os gestores, a fim de expor o projeto, visando conquistar apoio para o novo sistema.

Durante essa reunião, verificou-se que sete dos oito gerentes possuíam sérias restrições ao uso de softwares livres. Alguns acreditavam que o software não tinha qualidade e que sua utilização era extremamente complexa, o que iria prejudicar sensivelmente o desenvolvimento das tarefas diárias dos funcionários.

Todas essas dúvidas foram esclarecidas por meio da demonstração do Open Office e de seus benefícios. Assim, o software foi de novo instalado, o que ocorreu cerca de um mês após a primeira tentativa.

Após essa instalação, as reações contrárias à adoção do novo software foram percebidas de forma isolada e independente, não havendo formação de grupos de resistência. Em geral, os usuários expressavam seu descontentamento relativamente a questões bastante particulares e pontuais.

Cerca de um mês após a instalação do Open Office, observou-se a formação de grupos de resistência. Na medida em que os usuários identificavam tópicos em comum nas suas reclamações, grupos eram formados, como preconizado por Lapointe e Rivard (2005). Ao longo do tempo, as reivindicações não mais chegavam ao Departamento de Informática de forma individual, mas por meio de verdadeiras comissões de usuários.

Outro ponto que demonstrou a formação de grupos foi a maneira como o suporte aos usuários passou a ser prestado. Inicialmente, o suporte ocorria de forma individual, com os usuários expressando questões particulares. Posteriormente, as solicitações passaram a ter caráter de reclamação coletiva.

Após sucessivas reclamações de funcionários de que não houve nenhum tipo de treinamento antes da implantação do Open Office, tentou-se contratar uma empresa terceirizada para aplicar o treinamento. Entretanto, o Departamento de Recursos Humanos não conseguiu encontrar uma instituição que aplicasse o treinamento nas instalações da empresa estudada - imposição da Diretoria para a concretização do treinamento -, o que acabou inviabilizando essa ideia.

Alguns funcionários demonstraram insatisfação, reclamando que os menus e ícones haviam sido totalmente alterados com relação ao software antigo e que o layout do novo programa era bastante precário. Esse problema foi tratado por meio da instalação de uma ferramenta que alterava o layout do novo software, tornando-o mais semelhante ao Microsoft Office.

Os usuários reclamavam, também, de algumas incompatibilidades de documentos gerados no Microsoft Office e da lentidão dos novos aplicativos de escritório - que levavam quase três vezes mais tempo para abrir um documento, se comparado com o tempo de abertura do Microsoft Office, anteriormente instalado nas máquinas.

Com o lançamento da versão 3.2 do Open Office, prontamente instalada nas máquinas, verificou-se que o layout do software havia evoluído bastante, agregando alguns elementos gráficos bastante agradáveis aos usuários. A evolução do software também elevou a qualidade de conversão dos documentos - talvez a maior reclamação dos usuários - e minimizou a lentidão na abertura dos documentos, já que a nova versão passou a contar com um software de inicialização rápida de arquivos.

Houve, no entanto, uma forte divisão da empresa em três grupos com comportamentos distintos. Um grupo de oito usuários (27% do total) simplesmente passou a ignorar a existência do Open Office - chegando a desinstalá-lo das máquinas -, utilizando somente o Microsoft Office. Esse grupo era composto, em sua maioria, por funcionários do Departamento de Qualidade/Laboratório. Esses usuários eram os que mais utilizavam as funções do Microsoft Office, já que usavam bastante o seu editor de textos e planilha, por serem os responsáveis pela geração de diversos documentos, dentre eles: as fichas de emergências, os laudos de análise e as cartas de comunicação com os clientes. Esses três documentos exploravam diversas funcionalidades avançadas existentes nos editores de textos e planilhas do Microsoft Office.

Outro grupo, composto por treze usuários (43% do total), resolveu utilizar o Microsoft Office somente em casos de necessidade, dando preferência ao Open Office, demonstrando estar empenhado para que o projeto de migração obtivesse sucesso.

Finalmente, um terceiro grupo, formado por nove funcionários (30% do total), foi o único que solicitou a total retirada do Microsoft Office de seus computadores. É interessante observar que todos os funcionários do Departamento Financeiro estavam inseridos nesse grupo.

Levantamento e análise dos dados

A análise do processo de decisão da adoção do software livre na empresa estudada demonstrou que a migração foi motivada, única e exclusivamente, pela questão financeira, já que o custo foi o responsável pelo abandono do projeto inicial de aquisição de licenças do Microsoft Office.

Por meio de observação direta, ficou claro que a imediata retirada do Microsoft Office das máquinas dos usuários, sem que houvesse aviso ou reunião com os usuários para tratar do tema, foi uma das atitudes mais infelizes em todo o projeto estudado. Em nenhum momento, a satisfação do usuário final, principal meta a ser atingida no final do processo de migração, foi considerada. A consequência dessa ação foi uma imediata rejeição ao novo sistema.

Segundo um funcionário do departamento comercial:

Os usuários não possuíam absolutamente nenhuma motivação para usar o Open Office. Essa ausência de motivação ficou ainda mais evidente quando observada a forma autoritária com que o novo software foi instalado em nossas máquinas. Nesse momento, nós passamos a ter motivos para não utilizá-lo, já que, se o fizéssemos, estaríamos concordando com aquela ação absurda.

Outra funcionária do departamento comercial, resistente ao Open Office, também defendeu que a migração autoritária desenvolveu sentimentos de resistência, citando:

No dia da migração dos sistemas, fui surpreendida quando cheguei à minha máquina e verifiquei que o Microsoft Office não estava instalado. É um absurdo que a empresa tome uma iniciativa dessas sem realizar a devida divulgação dos motivos da mesma aos funcionários.

A falta de divulgação foi tida pelos entrevistados como fundamental para a não aceitação do software, ratificando o observado no campo. Segundo a Analista Química, não adotante do software livre:

Efetuar a migração sem esclarecer os motivos da mesma, sem mostrar as vantagens do novo software em relação ao que está sendo utilizado, torna a ação como sendo algo imposto. Assim, os usuários sempre irão buscar problemas no novo software.

Conforme já dito, a observação direta evidenciou que, ao longo da implementação, houve uma clara divisão dos usuários de acordo com o grau de aceitação e uso do novo sistema. Foram identificados três grupos, denominados de: "adotante", "parcialmente adotante" e "não adotante".

De forma a corroborar o observado no campo, as respostas dos usuários para o questionário da Tabela 2 foram analisadas via teste de Kruskal-Wallis, a fim de verificar se havia diferença significativa na avaliação geral de cada grupo de usuários acerca do software livre adotado. Como resultado do teste, obteve-se H igual a 25,09 e p-valor < 0,0001. Desse modo, concluiu-se que se podia suportar a hipótese de que havia diferença significativa na avaliação geral do software livre, segundo os três grupos de análise, ratificando o observado no campo.

As respostas dos usuários também foram utilizadas com o objetivo de verificar se havia diferença significativa entre as percepções dos usuários dos distintos grupos acerca dos constructos "percepção de utilidade do sistema" / "expectativa de performance"; "percepção de facilidade de uso do sistema" / "expectativa de esforço"; "influência social" / "fatores sociais", com relação ao uso do software livre.

A comparação das médias das respostas do questionário do Quadro 2 acerca dos constructos "percepção de utilidade do sistema" / "expectativa de performance" foi realizada via teste de Kruskal-Wallis, obtendo-se H igual a 21,69 e p-valor < 0,0001. Desse modo, concluiu-se que existia uma diferença significativa da "percepção de utilidade do sistema" / "expectativa de performance" entre os três grupos de análise, corroborando o observado no campo.

De acordo com os resultados obtidos, percebeu-se que o grupo adotante teve uma maior percepção de utilidade do sistema se comparado com os outros dois grupos. Por sua vez, o grupo não adotante teve uma baixa percepção de utilidade do sistema.

Igualmente, as respostas dos questionários acerca dos constructos "percepção de facilidade de uso do sistema" / "expectativa de esforço" foram analisadas por meio da prova de Kruskal-Wallis, obtendo-se H igual a 23,32 e p-valor < 0,0001. Desse modo, concluiu-se que existia uma diferença significativa da "percepção de facilidade do sistema" ou "expectativa de esforço" entre os três grupos de análise, corroborando o verificado no campo.

De acordo com os resultados obtidos, percebeu-se que o grupo adotante teve uma maior percepção de facilidade de uso do sistema se comparado com os outros dois grupos. Por sua vez, o grupo não adotante teve uma baixa percepção de facilidade de uso do sistema.

Finalmente, as respostas acerca dos constructos "influência social" / "fatores sociais" foram analisadas via teste de Kruskal-Wallis, obtendo-se H igual a 19,96 e p-valor < 0,0001. Desse modo, concluiu-se que existia uma diferença significativa da "influência social" / "fatores sociais" entre os três grupos de análise.

De acordo com os resultados obtidos, verificou-se que o grupo adotante teve uma maior percepção da influência social do uso do sistema se comparado com os outros dois grupos. Por sua vez, o grupo não adotante teve uma baixa percepção da influência social do uso do sistema.

Uma vez que a análise das percepções dos usuários acerca dos constructos "percepção de utilidade do sistema" / "expectativa de performance"; "percepção de facilidade de uso do sistema" / "expectativa de esforço"; "influência social" / "fatores sociais" evidenciou diferenças significativas entre os três grupos, tornou-se interessante verificar quais características do Open Office impactaram mais significativamente as percepções dos usuários - implicando na aceitação ou rejeição do software livre.

Para tal, analisou-se individualmente as respostas do questionário da Tabela 2 para cada questão, por meio do teste de Kruskal-Wallis, possibilitando, assim, a identificação das características do Open Office que exerceram efeito significativo sobre os usuários no momento da decisão quanto à adoção ou rejeição do software livre.

Os resultados dessa análise evidenciaram que as características relacionadas com layout (questão 2.3), expectativa dos superiores (questão 3.3), compatibilidade (questão 2.1), facilidade de aprendizado (questão 2.10), funcionalidades (questão 1.2) e tempo de resposta do Open Office (questão 1.3) tiveram um maior peso na determinação do comportamento dos usuários, sendo avaliadas com significativa distinção (p-valor < 0,0004) pelos três grupos de usuários identificados - implicando na aceitação ou rejeição do software livre.

As diversas formas de levantamento de dados evidenciaram que os usuários não adotantes identificaram que a compatibilidade do software livre com relação aos outros sistemas existentes era o seu maior problema, já que todos os oito integrantes desse grupo assinalaram a pontuação mínima para o item 2.1 do questionário da Tabela 2 - que trata da compatibilidade do software livre com outros sistemas. Isso pode ser explicado pela grande complexidade dos documentos produzidos por esse grupo - o que obrigava o usuário a utilizar diversas funcionalidades específicas do Microsoft Office.

O Departamento de Gestão de Pessoas utiliza constantemente o editor de apresentações para a elaboração de treinamentos. A Analista de RH identificou um problema de compatibilidade do Open Office, citando: "É impossível utilizar o Open Office para preparar algum treinamento externo porque as fontes são alteradas, muitas vezes deixando a apresentação ilegível". Essa afirmação demonstra uma importante deficiência do Open Office, que implicou numa percepção limitada com relação à utilidade do sistema. A posição defendida pelo assistente do Departamento de Qualidade, também não adotante, com relação à compatibilidade do Open Office é significativamente negativa. Segundo o assistente: "Quando você faz uma formatação muito complexa no Microsoft Office e abre o arquivo com o Open Office podem acontecer erros de formatação e você precisará fazer os ajustes necessários, o que pode levar muito tempo".

A observação participante evidenciou outra grande insatisfação dos usuários não adotantes: sempre que havia necessidade do envio de algum documento para o público externo à empresa, era necessária a exportação dos arquivos gerados no Open Office para o formato do Microsoft Office. Essa operação, em diversos casos, demandava algumas alterações no formato dos arquivos, tendo como consequência uma maior percepção de esforço por parte dos usuários.

A técnica de laboratório, não adotante, defendeu da seguinte forma a sua posição quanto à impossibilidade do uso do Open Office:

Cerca de 50% dos arquivos de texto, planilhas e apresentações que os clientes me enviam não abrem perfeitamente no Open Office. Somente os arquivos mais simples são abertos sem que eu tenha que fazer alguma alteração. Como é que eu vou pedir para os clientes simplificarem os seus arquivos, antes de me enviarem os mesmos? Seria absurdo falar para um cliente que eu não possuo um sistema de qualidade para abrir o arquivo que ele deseja me enviar.

Pôde-se perceber que, em alguns casos, realmente não ocorreu uma perfeita sintonia entre o que a tecnologia do software livre permitia realizar e as funções que os usuários necessitavam executar. Houve momentos nos quais os usuários foram obrigados a voltar para o software antigo, principalmente quando utilizavam o software de edição de planilhas eletrônicas do Open Office - inegavelmente com menos funções do que seu antecessor.

Por meio de observação direta e das entrevistas, percebeu-se que o layout pobre influenciou significativamente a percepção de qualidade/utilidade do novo sistema, corroborando o resultado do questionário - que demonstrou uma significativa diferença nas respostas dos grupos para a questão 2.3 (p-valor < 0,0001), relacionada com o layout do software livre. Isso ocorreu porque os usuários associavam o seu conhecimento do sistema anterior com a nova interface do software livre.

A questão do layout do Open Office foi abordada durante as entrevistas pela Analista Química, não adotante, que citou:

O mínimo que eu esperava quando soube da migração era que o novo software fosse parecido com o que eu estava acostumada. Para a minha surpresa, quando executei o novo software, percebi que eu havia regredido ao tempo do Microsoft Office 95.

Na verdade, essa citação indica fortemente a relação dos aspectos estéticos do software livre com a percepção de qualidade do sistema.

Quando a usuária defendeu que estaria regredindo ao tempo do Microsoft Office 95, em nenhum momento a mesma realizou uma análise comparativa de funções entre os softwares. Assim, após abrir o software adotado e perceber que o visual do sistema era ultrapassado, imediatamente houve uma sensação de perda de qualidade por parte da usuária, que associou a limitada interface gráfica do software livre com as funções oferecidas pelo sistema.

A aproximação do aspecto visual do software livre com a interface dos softwares proprietários poderia minimizar essa sensação de perda, é o que defendeu o assistente de contas a receber, quando afirmou: "O Open Office deveria seguir o layout do Microsoft Office, o que tornaria a utilização do mesmo algo muito mais simples".

Além disso, alguns usuários utilizavam determinadas funções no sistema antigo sem ao menos conhecer a nomenclatura das mesmas, somente sendo guiados pelos ícones. Após a alteração do layout, esses usuários ficaram literalmente perdidos, sem saber que função deveriam encontrar, quanto mais onde procurar pela mesma.

Ainda com relação ao layout, o Gerente de Qualidade, não adotante, citou:

A dificuldade de uso do Open Office está relacionada com o fato dos menus estarem espalhados através de vários ícones e seções diferentes do Microsoft Office, sendo que alguns itens possuem nomenclaturas totalmente diferentes das habituais.

A questão 1.2, relacionada com as funcionalidades do software adotado, também foi avaliada de forma negativa pelos usuários não adotantes. O assistente de contas a pagar levantou uma questão bastante pertinente. Segundo o assistente, a planilha que acompanha o Open Office é significativamente menos eficiente do que a planilha do Microsoft Office, que possui diversas funções estatísticas. Este funcionário, usuário habitual de documentos que utilizam cálculos estatísticos, se viu obrigado a deixar de lado o Open Office no momento de realizar as suas tarefas. A seguinte afirmação foi obtida na entrevista com esse funcionário: "Ao adotar o Open Office, a empresa está gastando mais dinheiro com o valor-hora de meu salário, já que sou obrigado a fazer diversos cálculos na calculadora. Esse gasto adicional não existiria caso a empresa adquirisse o Microsoft Office". Percebeu-se que a limitação funcional do software implicou numa menor percepção de utilidade do sistema por parte de seus usuários.

O Gerente de Qualidade, talvez o maior exemplo de rejeição dentre todos os funcionários, fez a seguinte afirmação sobre as funcionalidades do software livre:

A economia obtida através da adoção do Open Office é o único ponto positivo do mesmo. O acabamento dos arquivos por ele elaborados é bastante deficiente, a formatação de páginas é complicada, os recursos gráficos deixam muito a desejar, você tem que passar por um caminho enorme até realizar a tarefa desejada, a planilha não ordena corretamente etc. Ainda é impossível utilizar o software livre para realizar trabalhos que sejam minimamente sofisticados.

A observação direta possibilitou a identificação de qual funcionalidade era o foco principal das reclamações dos usuários: o corretor ortográfico. O corretor ortográfico do Microsoft Office é bastante completo, oferecendo correções de ortografia e gramática, chegando a sugerir aos usuários alguns sinônimos da palavra digitada e autocorreções.

O corretor ortográfico do Open Office é bastante simples, não possuindo qualquer tratamento gramatical para o texto digitado. Segundo uma vendedora não adotante:

No Microsoft Office era muito mais simples escrever um texto. Eu simplesmente ignorava os acentos, que o Word os inseria automaticamente. Como eu já estava acostumada a não inserir os acentos, diversos documentos meus ficaram com erros ortográficos após a adoção do Open Office. Esse é o motivo de eu não usá-lo.

Por meio da observação direta, percebeu-se que essa limitação desmotivou os usuários a buscarem outras funcionalidades. A consequência desta ação foi o desconhecimento, por parte dos usuários, das demais funcionalidades do software livre, o que os levou a abandonar o sistema.

As entrevistas do grupo não adotante demonstraram que seus usuários não perceberam nenhuma influência social que os levassem a utilizar o software livre. Segundo o Gerente da Qualidade: "O meu superior não espera que eu utilize o software livre e eu não serei mais ou menos reconhecido apenas por utilizá-lo. O que meu superior espera é que eu faça os meus trabalhos da melhor forma, o que é impossível caso eu utilize o Open Office".

As respostas do questionário demonstraram que não havia uma expectativa dos superiores dos funcionários integrantes do grupo não adotante quanto à utilização do software adotado. Além disso, pôde-se verificar a presença de uma forte liderança contrária ao uso do software livre no grupo não adotante, representada pelo Gerente de Qualidade. Este funcionário encontrava-se extremamente insatisfeito devido a fatores não relacionados ao processo de adoção do Open Office e acabou descontando essa insatisfação no novo software. Ao longo do tempo, verificou-se que a insatisfação desse gerente disseminou-se entre seus liderados, que adotaram discurso semelhante ao expressarem críticas relacionadas ao novo software.

Uma vez que houve baixa percepção de utilidade/expectativa de performance, facilidade de uso/expectativa de esforço para o uso e influência social do uso do software livre, a atitude dos usuários do grupo não adotante tendeu para a resistência total ao Open Office.

Na Figura 1, apresenta-se a trajetória de implantação do Open Office nesse grupo não adotante.

A análise das respostas do grupo parcialmente adotante para o questionário mostrou que o indicador relacionado com a facilidade de uso do sistema (questão 2.2) obteve uma média relativamente baixa (2,385). Tal pode ser explicado devido ao limitado conhecimento de informática dos usuários que compõem esse grupo. Consequentemente, esses foram os indivíduos que mais sentiram a ausência de um treinamento para a utilização do software.

A observação direta e as entrevistas evidenciaram que a grande maioria dos usuários parcialmente adotantes defendia a necessidade de um treinamento. Esses usuários não demonstraram qualquer rejeição ao software livre, exceto nos momentos nos quais se viram hesitantes, em decorrência da ausência de um programa de capacitação profissional anterior à adoção do Open Office.

Em contrapartida, ao contrário do grupo não adotante, não ficou evidenciado que a compatibilidade tenha impactado significativamente a utilização do novo software. Pode-se encontrar uma explicação para esse fato, por meio das características dos documentos elaborados pelos usuários parcialmente adotantes. Em geral, seus documentos são bastante simples, o que possibilita a sua manipulação sem que haja necessidade de utilização dos recursos mais avançados existentes no Microsoft Office, possibilitando a alteração dos documentos, sem problemas, no Open Office.

Uma vez que os usuários do grupo parcialmente adotante possuíam um nível básico de conhecimento de informática, era bastante comum a solicitação de suporte técnico por esses usuários. A observação participante demonstrou que, após a adoção do Open Office, as solicitações de suporte técnico em decorrência de problemas de estabilidade foram reduzidas drasticamente, tendo como consequência a liberação do profissional responsável pelo suporte para a realização de outras tarefas.

A questão que obteve a maior média das respostas dos usuários parcialmente adotantes estava relacionada com o tratamento de erros do Open Office. Com relação a esse item, uma usuária do Departamento de Comércio Exterior, parcialmente adotante, fez a seguinte afirmação:

Figura 1
Trajetória de Implantação do Open Office no Grupo Não Adotante Fonte: elaboração própria

Eu já estava cansada de chamar o suporte quando surgia a seguinte mensagem na tela: WINWORD.exe gerou erros e será fechado pelo Windows. Você precisará reiniciar o programa. Já tinha feito de tudo, porém, nada adiantava. Passei a salvar meus documentos de 2 em 2 minutos. Somente após a instalação do Open Office é que pude trabalhar tranqüila, sem o temor de perder os meus trabalhos.

Já a assistente de comércio exterior, parcialmente adotante, teve a sua percepção de utilidade do sistema minimizada pela percepção de esforço. Segundo a mesma: "Não se pode afirmar que um software é útil caso você leve mais de 30 minutos apenas para inserir uma figura em um documento simples de texto, já que essa mesma operação era realizada anteriormente em poucos segundos".

Essa afirmação corrobora a posição de Davis (1989)DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989., que defende que caso um sistema seja avaliado como sendo de difícil utilização, os benefícios conquistados pelo uso do software serão minimizados devido ao esforço extra necessário para a utilização dessa ferramenta.

Durante as entrevistas com o grupo parcialmente adotante, duas operações foram citadas pelos usuários como sendo de difícil execução no novo software: a edição de figuras e a formatação de tabelas. Porém, ficou evidente que essas dificuldades estavam relacionadas com a falta de habilidade dos usuários em realizar uma tarefa diferentemente de como estavam acostumados no software antigo, não representando uma limitação tecnológica da nova ferramenta.

O encarregado do estoque, parcialmente adotante, fez a seguinte afirmação quando estava tratando da questão acima: "No Microsoft Office, era só clicar uma vez com o botão do mouse que a figura já estava formatada da maneira que eu desejava. Já com o Open Office, eu preciso entrar em três menus diferentes para fazer a mesma operação, ou seja, uma perda de tempo".

A alteração na forma de se realizar uma tarefa também foi citada por um funcionário do Departamento Industrial. Segundo o funcionário: "O Open Office pode até oferecer recursos tão poderosos quanto os encontrados no Microsoft Office, porém, há uma enorme falta de praticidade para utilizá-los e até mesmo para encontrá-los".

Um usuário parcialmente adotante do Departamento Comercial citou a dificuldade que teve ao se deparar com o novo software: "Houve um momento em que eu estava com o cliente no telefone e fui obrigado a pedir para retornar a ligação alguns minutos mais tarde por não estar conseguindo formatar um documento com um modelo de cotação".

Diferentemente dos grupos adotantes e não adotantes, não se pôde perceber a presença efetiva de um líder que influenciasse o comportamento do restante dos integrantes do grupo parcialmente-adotante.

Uma vez que houve moderada percepção de utilidade/expectativa de performance, facilidade de uso/expectativa de esforço e influência social do uso do software livre, a atitude dos usuários parcialmente adotantes tendeu para a desconfiança em relação ao Open Office, o que atenuou, mas não eliminou, a intenção de uso do novo software.

Na Figura 2, apresenta-se a trajetória de implantação do Open Office nesse grupo parcialmente adotante.

Ao contrário dos demais grupos, verificou-se, por meio da análise do questionário, observações e entrevistas, que o grupo adotante avaliou positivamente a compatibilidade, facilidade de uso e o layout do novo software. É importante ressaltar que os usuários adotantes, em geral, possuíam um alto grau de conhecimento de informática e utilizavam arquivos menos elaborados, o que possivelmente atenuou os problemas relacionados com a compatibilidade de seus documentos.

Durante o processo de entrevistas, o Gerente Comercial, adotante, fez a seguinte afirmação quanto à compatibilidade de seus arquivos: "É impossível negar que existem alguns pequenos problemas de compatibilidade quando abro no Open Office os arquivos elaborados com o Microsoft Office, porém, é plenamente possível conviver com esses problemas, sendo necessária apenas a realização de alguns ajustes".

Figura 2
Trajetória de Implantação do Open Office no Grupo Parcialmente Adotante Fonte: elaboração própria

Outra característica dos usuários adotantes, evidenciada por meio das entrevistas, foi a utilização do novo software, não devido a uma questão de obrigação, mas sim devido à sua qualidade. Um usuário adotante afirmou: "Eu utilizo o Open Office porque não percebo nenhuma diferença na qualidade do meu trabalho, caso eu esteja utilizando o Microsoft Office ou o Open Office. As pessoas falam que não gostam do software livre simplesmente porque não sabem usá-lo".

O Gerente Financeiro fez uma importante afirmação relacionada com a facilidade de uso do novo sistema - uma característica que desagradou significativamente grande parte dos usuários do software livre: "Dizem que os softwares somente são bons quando pagos, mas o Open Office provou ser exatamente o contrário, não devendo nada ao seu concorrente. O programa é bastante funcional e tudo nele é mais simples do que no Microsoft Office".

O assistente de contas a pagar, adotante, citou:

No começo, existem algumas dificuldades que podem desmotivar o usuário iniciante. Porém, depois que o usuário aprende a utilizar o sistema, tudo se torna mais fácil. Uma forma de tornar essa ação mais fácil é a utilização da Internet para consultas. O Open Office possui diversas comunidades de usuários espalhadas pela Internet onde é fácil adquirir informações e ajuda

O analista contábil, adotante do novo sistema, elogiou bastante as funcionalidades do novo sistema, justificando da seguinte forma:

Sou responsável pela criação de diversos relatórios. Esses eram elaborados com o auxílio da planilha eletrônica do Microsoft Office e eram exportados por um terceiro programa para o formato PDF. Essa exportação gerava muitos erros, já que era feita por uma ferramenta externa à planilha eletrônica. Com a adoção do Open Office, esses erros na exportação de meus relatórios simplesmente sumiram, já que o novo software possui essa funcionalidade integrada.

Uma vez que os usuários adotantes puderam explorar o software livre mais a fundo, eles identificaram uma quantidade maior de funcionalidades do que os integrantes dos outros dois grupos. Como consequência, o item funcionalidade foi melhor avaliado pelos usuários adotantes se comparado com o restante dos usuários.

Outra característica importante do grupo adotante é que seus integrantes consideraram que o software livre possuía qualidades técnicas similares ou superiores às qualidades técnicas dos softwares proprietários, ao contrário dos demais usuários, que tinham, em geral, a percepção que o software livre não era desenvolvido com qualidade. No grupo adotante, o Gerente Financeiro atuou como um líder, incentivando o uso do novo software.

Ao longo do tempo, a liderança do Gerente Financeiro era tão grande que pessoas de outros departamentos entravam em contato com ele para esclarecer algumas dúvidas acerca da operação do Open Office.

Uma vez que houve alta percepção de utilidade/expectativa de performance, facilidade de uso/expectativa de esforço e influência social do uso do software livre, a atitude dos usuários adotantes tendeu para o uso do Open Office, o que elevou a intenção de uso do novo software.

Na Figura 3, apresenta-se a trajetória de implantação do Open Office nesse grupo adotante.

Figura 3
Trajetória de Implantação do Open Office no Grupo Adotante Fonte: elaboração própria

Observações finais

O presente artigo tratou de um estudo de caso numa organização que, ciente do potencial dos softwares livres, adotou uma solução livre como o seu pacote de aplicativos de escritório. Em um determinado momento dessa adoção, percebeu-se a formação de três grupos distintos com relação ao grau de adoção - adotantes, parcialmente adotantes e não adotantes.

A análise do processo de migração evidenciou que a adoção progressiva do software livre, em conjunto com palestras de divulgação e treinamentos, minimizaria a resistência dos usuários, que demonstraram uma significativa sensação de perda e incerteza. Uma vez que a mudança não estava clara para os usuários, riscos foram por eles percebidos, ao invés de expectativas de oportunidades de ganhos, ratificando os trabalhos de Zander (1977)ZANDER, A. Resistência às modificações: análise e prevenção. In: BALCÃO, Y. F.; CORDEIRO L. L. 3.ed. O comportamento humano na empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1977., Joshi (1991)JOSHI, K. A model of users' perspective on change: the case of information systems technology implementation. MIS Quarterly, v. 15, n. 2, p. 229-242,1991. e Oliveira (1997)OLIVEIRA, D. P. R. Sistemas, organização e métodos: uma abordagem gerencial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997..

Após a migração, verificou-se ser de extrema importância o acompanhamento das solicitações dos usuários, buscando resolvê-las o mais rapidamente possível, de modo a criar um ambiente seguro para os usuários. Percebeu-se que a velocidade nas respostas dos questionamentos dos usuários estava diretamente relacionada com a percepção que eles tinham da facilidade e utilidade do sistema.

Com base no meta-frame desenvolvido, investigou-se - por meio da análise de documentação, entrevistas, questionários, observações diretas e observações participantes - se as percepções dos usuários acerca dos constructos "percepção de utilidade do sistema", "percepção de facilidade de uso do sistema", "expectativa de performance", expectativa de esforço", "influência social", "fatores sociais e políticos" variavam de acordo com o grau de aceitação do novo sistema, ratificando o referencial teórico levantado.

As respostas do questionário, confrontadas com as documentações, entrevistas, observações diretas e observações participantes demonstraram que, conforme defendido por Markus (1983)MARKUS, M. L. Power, politics, and MIS implementation. Communications of the ACM, v. 26, n. 6, p. 430-444, 1983., Davis (1989)DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, v. 13, n.3, p.319-340, set. 1989. e Venkatesh e outros (2003)VENKATESH, V. et al. User acceptance of information technology: toward a unified view. MIS Quarterly, v. 27, n. 3, p. 425-478, 2003., a "percepção de utilidade de uso do sistema" / "expectativa de performance", a "percepção de facilidade do sistema" / "expectativa de esforço" e a "influência social" / "fatores sociais" foram determinantes para a adoção do novo sistema de informações.

Verificou-se, também, por meio de observações e entrevistas, que a facilidade percebida de uso da ferramenta interferiu significativamente na percepção de utilidade do software livre. Quanto maior a percepção de dificuldade de uso do Open Office por parte dos usuários, menores eram as suas percepções de utilidade ou expectativa de performance acerca do software livre.

Além disso, a existência de defensores da migração, principalmente ocupantes de altos cargos hierárquicos, comportou-se como um facilitador para a mudança, devido à liderança que tais profissionais exercem sobre os outros usuários, confirmando os trabalhos de Zander (1977)ZANDER, A. Resistência às modificações: análise e prevenção. In: BALCÃO, Y. F.; CORDEIRO L. L. 3.ed. O comportamento humano na empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1977., Morgan (1996)MORGAN, J. Administração da mudança. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. e Seldin, Rainho e Caulliraux (2003)SELDIN, R.; RAINHO, M. A. F.; CAULLIRAUX, H. M. O papel da cultura organizacional na implantação de sistemas integrados de gestão - uma abordagem sobre resistência a mudanças. In: ENEGEP, 23., 2003, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: [s.n.], 2003..

Assim, nos departamentos onde os gestores eram defensores do novo sistema, a migração se deu de forma muito mais simples e menos traumática do que nos departamentos onde os líderes não estavam empenhados no sucesso do empreendimento.

Especificamente em relação ao Open Office, foi identificada uma séria limitação técnica no seu programa de planilhas eletrônicas. Esta falta de funcionalidade pode ser considerada como uma das questões fundamentais a ser observada pelas empresas que desejam adotar a planilha do Open Office. Em casos de utilização mais sofisticada desse software, essa característica pode representar um empecilho para a sua adoção.

Adicionalmente, uma questão de extrema importância para a elevação da percepção de utilidade do software livre é a sua garantia de interoperabilidade com os demais sistemas legados. A análise Kruskal-Wallis demonstrou que a avaliação de compatibilidade do software livre foi significativamente distinta entre os três grupos - indicando que a mesma interferiu no comportamento dos usuários.

Baseado no exposto acima deve ser possível ao software livre manipular, sempre que necessário e com sucesso, arquivos com formatos proprietários. Verificou-se, por exemplo, ao longo do estudo, que a dificuldade de manipulação, por meio do Open Office, de um arquivo elaborado no Microsoft Office gerava uma enorme sensação de limitação da ferramenta livre. Esta percepção de utilidade limitada desencadeou comportamentos resistentes por parte dos usuários.

Além disso, a análise Kruskal-Wallis evidenciou uma significativa distinção na avaliação do layout do software livre por parte dos três grupos de usuários. A observação participante demonstrou que o layout do software livre deve ser o mais semelhante possível à do software proprietário em uso, de modo a minimizar a sensação de mudança nos usuários. Verificou-se que o layout atua de forma direta na percepção de utilidade e de facilidade de uso do sistema.

Finalmente, não foi possível observar um padrão de comportamento dos usuários com relação a alguns fatores citados por Venkatesh e outros. (2003)VENKATESH, V. et al. User acceptance of information technology: toward a unified view. MIS Quarterly, v. 27, n. 3, p. 425-478, 2003. como moderadores da intenção e uso da tecnologia da informação nas organizações, como o gênero e a idade.

Em suma, tanto a estatística não paramétrica como as entrevistas e observações diretas e participantes indicaram que compatibilidade, layout, funcionalidades e facilidade de uso e aprendizado do Open Office foram os fatores que mais explicaram a adoção/rejeição do sistema pelos funcionários.

Essa conclusão aponta para o importante fato de que numa migração para softwares livres a partir de softwares proprietários instalados e em uso há tempos, não se deve considerar a empresa como um grupo homogêneo de funcionários. Isto é, o tipo e grau de dificuldade/complexidade do trabalho que cada profissional realiza com o software, a sua capacitação no uso de ferramentas tecnológicas, e a relevância, para a direção, do trabalho que realiza por meio informatizado devem ser claramente considerados numa migração para software livre. Foi exatamente a desconsideração dessas características que acabou por dividir a empresa em três grupos distintos, no que tange à adoção/rejeição ao Open Office, como preconizado por Lapointe e Rivard (2005)LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005..

Ademais, não se pode desprezar o importante papel da liderança superior (seja ela positiva ou negativa) no sucesso/fracasso de tal implantação, como apontado por Seldin, Rainho e Caulliraux (2003)SELDIN, R.; RAINHO, M. A. F.; CAULLIRAUX, H. M. O papel da cultura organizacional na implantação de sistemas integrados de gestão - uma abordagem sobre resistência a mudanças. In: ENEGEP, 23., 2003, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: [s.n.], 2003..

Limitações da Pesquisa

Como toda pesquisa, esta também apresenta as suas limitações. Estas limitações estão relacionadas, principalmente, com a metodologia escolhida. Reconhece-se que os resultados obtidos por meio de um estudo de caso único estão muito relacionados ao contexto da unidade de análise da pesquisa. Dessa forma, o caso analisado, por tratar de uma empresa familiar de porte médio, tendo a distribuição e a produção de produtos químicos como a sua principal atividade, não necessariamente representa a realidade da maioria das empresas nacionais no que se refere às práticas de gestão e uso de tecnologias da informação.

Além disso, o estudo não considerou diretamente o ambiente organizacional da empresa estudada na análise do processo de implantação do Open Office, tendo a pesquisa focalizado a adoção/rejeição individual. A partir do uso de oportunismo controlado (EINSENHARDT, 1989EISENHARDT, K. M. Building theories from case study research. Academy of Management Review, v. 14, n. 4, p. 532-550, 1989.; EINSENHARDT; GRAEBNER, 2007EISENHARDT, K. M.; GRAEBNER M. Building theories from case study research. Academy of Management Journal, v. 50, n. 1, p. 25-32, 2007.), verificou-se a possibilidade de se analisar o comportamento de três grupos com comportamentos distintos (nível grupal). No entanto, não se analisou a influência das características organizacionais na adoção/rejeição do Open Office (nível organizacional).

Deve-se dizer que alguns trabalhos seminais também desconsideram o ambiente organizacional, como os trabalhos referentes ao modelo TAM (BENBASAT; BARKI, 2007BENBASAT, I.; BARKI, H. Quo Vadis TAM? Journal of the Association of Information Systems, v. 8, n. 4, article 3, p. 211-218, 2007.; LEE; KOZAR; LARSEN, 2003LEE, Y.; KOZAR, K. A.; LARSEN, K. R. T. The technology acceptance model: past, present, and the future. Communications of the AIS, v. 12, n. 50, p. 752-780, 2003.) Tal não deve ser encarado como uma justificativa para a não consideração do ambiente organizacional, mas sim como uma constatação da dificuldade em fazê-lo, sendo esta uma questão de pesquisa a ser mais investigada.

Some-se ao já dito, a dificuldade em explicar a passagem da adoção/resistência individual ao Open Office para a adoção/resistência grupal ao sistema, o que no trabalho foi creditado ao papel da liderança (negativa e positiva) existente nos grupos analisados. Como atestam Lapointe e Rivard (2005)LAPOINTE, L.; RIVARD, S. A multilevel model of resistance to information technology implementation. MIS Quarterly, v. 29, n. 3, p. 461-491, 2005., a passagem da resistência a sistemas de informação do nível individual para o grupal e deste para o organizacional ainda deve ser melhor investigada.

Adicionalmente, embora a empresa seja de médio porte e todos os trinta potenciais usuários do sistema Open Office tenham respondido ao questionário da pesquisa, este número levou à aplicação de testes de estatística não paramétrica, menos robustos que testes de estatística paramétrica, não exigindo, portanto, a validação estatística das escalas adotadas, as quais foram adaptadas das fontes referenciais que as desenvolveram, como explicado anteriormente.

Por fim, os resultados desta pesquisa podem ser utilizados em futuros trabalhos similares, de modo a confrontá-los ou complementá-los. Entre estes futuros estudos estão, por exemplo, pesquisas que utilizem outras unidades de análise, com características distintas, baseando a análise numa maior população e em outros softwares livres, como o sistema operacional Linux, que vem conquistando novos usuários e atraindo empresas de todos os portes e setores.

Em suma, este trabalho acredita ter provido conhecimento que pode ser utilizado por gestores e profissionais da área de tecnologia da informação em um projeto similar de migração para softwares livres. Esses profissionais poderiam considerar, ao planejar ou desenvolver tais projetos, o processo e os fatores identificados nesta pesquisa, de forma a que sejam reduzidas as ocorrências de problemas durante a migração de uma plataforma proprietária para uma solução livre.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2012
  • Aceito
    09 Maio 2014
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