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Clements, Rebekah. A Cultural History of Translation in Early Modern Japan. Cambridge: Cambridge University Press, 2015, 288 p.

Clements, Rebekah Carlos. A Cultural History of Translation in Early Modern Japan. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. 288

A Cultural History of Translation in Early Modern Japan foi escrito por Rebekah ClementsClements, Rebekah. A Cultural History of Translation in Early Modern Japan. Cambridge: Cambridge University Press, 2015, 288 p., pesquisadora associada do Departamento de Estudos do Leste Asiático da Universidade de Cambridge e também pesquisadora na Queens’ College, Universidade de Cambridge. Esse trabalho começou como uma tese de doutorado e foi aprofundado em uma monografia de pós-doutorado. O livro é dividido em cinco capítulos, introdução e conclusão. No sumário, há índice de nomes, índice de títulos, índice de assuntos, lista de figuras e lista de tabelas.

O livro procura, antes de tudo, preencher uma lacuna nos estudos históricos de tradução do japonês pré-moderno, visto que não havia, até a publicação do livro, panoramas históricos específicos e aprofundados sobre a tradução no Japão desse período. O período pré-moderno refere-se ao Xogunato Tokugawa, uma ditadura feudal que precedeu a era Meiji. A tradução teve um papel primordial no desenvolvimento dos sistemas legais e religiosos japoneses, assim como sua literatura. O intercâmbio cultural do período pré-moderno pode ser equivocadamente tomado como inexpressivo devido ao sakoku , uma medida de isolamento nacional que tornava o comércio e as relações internacionais reguladas e limitadas por leis rígidas. Todavia, a autora esclarecerá que foi nesse período, e não na era Meiji, que a cultura de tradução no Japão começou a se estabelecer.

Durante o período, o Japão teve contato com mercadores chineses, missionários católicos e comerciantes holandeses, participando de um amplo intercâmbio intelectual, com forte impacto na literatura e na língua. O livro nos coloca a par do passado multilinguístico do país. Mesmo os leitores menos alfabetizados da época tiveram contato com um variado número de línguas e registros linguísticos no cotidiano, incluindo tipos diferentes de chinês, o estilo sino-japonês híbrido, além de várias versões do japonês escrito. Nesse cenário, a tradução foi crescendo em importância, tanto pela curiosidade linguística advinda do contato e da mistura de diferentes linguagens como da necessidade de intermediação.

Um ponto importante para entender o livro e as práticas tradutórias no Japão da época é que ela não ocorria nos mesmos moldes europeus, algo que a autora procura esclarecer de antemão. Para começar, não havia palavra que correspondesse à “tradução” no Japão durante esse período. As práticas também não correspondiam ao modelo dicotômico romano “fiel” versus “livre”. Isso não significa necessariamente que os tradutores japoneses pré-modernos não estivessem preocupados com rigor, porém a relação japonesa com os textos parte de um contexto cultural bastante diverso. O livro indica, pelo menos, 22 termos utilizados para indicar tradução no Japão do período em questão, o que já aponta para uma diversidade de estratégias tradutórias utilizadas.

O livro não se detém em teorias específicas dos estudos de tradução, mas cita brevemente Gideon Toury e Even-Zohar, em cujos trabalhos as traduções podem ser estudadas como obras circulando em um “polissistema”, o estudo do contexto sendo crucial para entender as práticas de tradução. A autora faz uma apresentação rigorosa do contexto histórico do Japão do período Tokugawa. Já no primeiro capítulo, ela explica alguns fatores que tornaram práticas tradutórias propícias ou necessárias. O período foi de mudanças sociais e políticas e foi quando o arquipélago adquiriu certa estabilidade, que culminou com uma crescente urbanização e burocracia. O desenvolvimento de uma indústria de impressão; a remoção do poder educacional das mãos das elites; o interesse nos clássicos; a ascensão da língua vernacular; a consciência das mudanças linguísticas. Todos foram fatores que contribuíram para o grande número de traduções nunca visto antes no Japão.

No segundo capítulo, a autora aponta as mudanças nos modos de transmissão de conhecimento no período Tokugawa. Algumas obras da literatura da corte passaram a ser lidas e estudadas para além dos círculos aristocráticos e dos soldados de prestígio. Não somente surgiram novas classes de leitores com menor grau de instrução, como também a tradução foi uma ferramenta utilizada por alguns intelectuais para interpretar e comentar os clássicos. Algo que contribuiu para a disseminação desses clássicos foi o desenvolvimento da tecnologia de impressão. Antes do período Tokugawa, os textos, e mesmo os comentários, tinham circulação limitada e eram passados como manuscritos dentro da elite japonesa. O conhecimento clássico não deixou de ser um capital cultural da corte, mas o acesso a ele aumentou e se expandiu para outras classes, incluindo cidadãos comuns. Assim, uma das razões pelas quais os clássicos precisaram ser traduzidos foi o fato de a linguagem dos novos leitores que emergiram no período estar separada da linguagem de corte dos clássicos. Os tradutores frequentemente se referiam às traduções como zokugo , que significa língua informal. Em muitos casos, eles chegavam a explicar o porquê de terem trazido os textos elegantes da elite para a linguagem comum.

Porém, o maior acesso aos textos clássicos levantou questões não só de classe, como de gênero e moralidade. Segundo a autora, alguns estudiosos da época se preocupavam que Genji, ou mesmo Ise, pudessem corromper as leitoras, visto que tratava de assuntos polêmicos, como o caso do filho do imperador com a madrasta. Essas preocupações, entretanto, eram dirigidas a plebeias. O conhecimento de Genji sempre ficou restrito à educação das mulheres da aristocracia. Pelo final do século 18, Genji se tornaria um livro de condutas de corte tido como benéfico para as mulheres japonesas, em geral.

Desde cerca de 1630, os clássicos japoneses eram parodiados e usados como inspiração para a criação de novos textos. No final do século 17, autores comerciais começaram a enriquecer a escrita adicionando enredo, personagens e elementos próprios da época. Isso resultou em obras híbridas e inspiradas livremente nos clássicos. Alguns exemplos de obras clássicas traduzidas durante o período são: Ise monogatari (c. 900), uma coleção de poemas; Genji monogatari (c. 1008), uma narrativa de ficção que contém 795 poemas; e a antologia de poemas Kokin wakashu (c. 905). Levando em conta as novas classes de leitores, sem esquecer os estudiosos, os editores produziram várias obras com glossários, notas, notas de rodapé, ilustrações e outros elementos elucidativos do texto.

Um exemplo de tradução de Genji que o livro traz é, se fôssemos colocar em terminologia contemporânea, uma transcriação. Essa tradução, feita por Miyako no Nishiki, utiliza Genji para criar uma narrativa de ficção mais longa e insere livremente detalhes narrativos para alimentar a história. Toda tradução, como a autora aponta, oscila entre tradução mais “próximas” do texto fonte e as inserções próprias do autor e sua imaginação. Ele estava, portanto, procurando criar novas obras narrativas da tradução dos clássicos.

No capítulo 3, a autora discorre sobre a tradução de textos chineses. É importante frisar que a cultura chinesa teve crucial importância no desenvolvimento da cultura, da escrita e da literatura japonesas. Antes do período pré-moderno, como a autora comenta, as línguas escritas chinesa ou japonesa eram tidas como opções na educação da elite no Japão. Então, na visão pré-moderna a escrita chinesa era vista, de certa forma, como pertencente também à essas elites, não somente da China. No período Tokugawa, entretanto, foi quando essa visão começou a mudar. O interesse no estudo de línguas, o desenvolvimento político no Japão, o comércio de publicação que começou a tornar visível as diferenças linguísticas, tudo isso contribuiu para essa mudança de perspectiva. O Japão passou a separar as línguas por tempo e diferença cultural e a ver a tradução como mediadora. A nova ordem social estabelecida com o Xogunato Tokugawa trouxe um crescente senso de identidade como nação, o que contribuiu para que começassem a enxergar também suas particularidades linguísticas.

Para reforçar seu poder, os líderes Tokugawa empregavam uma combinação da religião nativa, budismo e neoconfucianismo, o que exigia estudiosos de chinês. A língua chinesa era, portanto, uma forma de sustento para os estudiosos. Surgiu, assim, além de edições de comentários e obras introdutórias, uma forma de anotação chamada kundoku , uma das peculiaridades textuais japonesas. Kundoku é o nome dado a um dos métodos usados para ler textos escritos em chinês e consistia em anotar os caracteres chineses com guias para produzir uma versão japonesa que normalmente não era escrita, mas vocalizada mentalmente ou em voz alta. As anotações costumavam indicar a ordem de leitura dos caracteres de acordo com a gramática e sintaxe japonesas; podiam contar notas tradutórias dos caracteres, associando caracteres chineses a palavras nativas japonesas ou a palavras de origem chinesa que já estavam incorporadas à cultura japonesa.

No capítulo 4, Rebekah Clements fala sobre a tradução das línguas ocidentais, sobretudo o holandês. Foi através de um posto baseado em Nagasaki que a Companhia Holandesa das Índias Orientais se tornou uma grande fonte de intercâmbio cultural para os japoneses. Os intérpretes que foram surgindo em Nagasaki tiveram um papel importante nas permutas intelectuais e bibliográficas com estudiosos que se interessaram pelo holandês. Começou a surgir a necessidade de obras traduzidas, que variavam de assuntos geográficos e históricos a médicos e científicos. Os tradutores do holandês estavam espalhados pelo país e ganhavam a vida como médicos, professores e tradutores. A tradução era um meio de adquirir o conhecimento necessário às diferentes profissões. No capítulo 5, Clements relata como o xogunato começa a se movimentar para traduzir obras militares ocidentais, um passo estratégico.

O livro, que nasce de uma monografia, expõe minuciosamente as práticas tradutórias dentro do contexto do Japão do período pré-moderno. Por outro lado, a autora expõe muito brevemente as teorias tradutórias vigentes, afirmando que seria difícil lançar um olhar crítico sobre práticas que fogem à tradição ocidental. Clements prefere analisar e descrever o contexto específico em que nascia no Japão uma tradição tradutória rica e peculiar. As ilustrações, embora pouco numerosas, são adequadas. O livro é denso e repleto de exemplos, dentre eles as inúmeras traduções de Genji monogatari, considerado um dos primeiros romances do mundo. A autora tem o cuidado também de assinalar o que não era traduzido, como algumas obras de medicina chinesa, tidas como propriedade intelectual da classe médica e raramente traduzidas no período.

Outro ponto importante sublinhado por Clements é que, à medida em que os japoneses se viam como nação, começam a perceber e se interessar pelas diferenças linguísticas, utilizando a tradução como mediação, como método de ensino e meio de conhecimento.

Cabe dizer, finalmente, que A Cultural History of Translation in Early Modern Japan é muito bem estruturado e as notas de rodapé chegam a ocupar, por vezes, metade da página. Trata-se de uma obra valiosa na bibliografia de história da tradução no Japão e que pode interessar tanto o especialista como o grande público.

Referências

  • Clements, Rebekah. A Cultural History of Translation in Early Modern Japan Cambridge: Cambridge University Press, 2015, 288 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2019
  • Aceito
    20 Jul 2019
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