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Di Giovanni, Elena; Zanotti, Serenella. (Orgs.) Donne in Traduzione. Firenze: Giunti; Milano: Bompiani, 2018, 570 p.

Di Giovanni, Elena; Zanotti, Serenella. Donne in Traduzione. Firenze: Giunti, Milano: Bompiani, 2018. 570 p.

No prefácio da tradução de I principi della filosofia [Principia philosophiae/ Princípios da filosofia], de Descartes, publicada em Turim em 1722, a tradutora, Giuseppa-Eleonora Barbapiccola (1702 – aprox.1740), uma das principais expoentes do iluminismo italiano, realiza um manifesto em defesa do direito à educação e à instrução das mulheres, dizendo que “dos Estudos das Ciências não devem ser excluídas, como aquelas que têm os mais elevados espíritos e que em todas as maiores virtudes não são inferiores ao Homem”1 1 “da’ Studi delle Scienze non ne debbano essere escluse, come quelle, que hanno spiriti più sollevati e che in tutte le virtù più grandi non sono all’Uomo inferior”. Tradução nossa. . (Barbapiccola, 8Barbapiccola, Giuseppa Eleonora. I principi della filosofia di Renato DesCartes. Tradotto dal Francese col confronto del Latino in cui l’Autore li scrisse da Giuseppa-Eleonora Barbapiccola, tra gli Arcadi Mirista. Torino, 1722.)

Discorrendo sobre mais de sessenta mulheres que, desde o mundo clássico greco-romano-árabe, realizaram obras fundamentais nas ciências exatas, na filosofia e na poesia, e tomando-as como exemplo, a autora incorpora o desejo de suplantar a tradicional educação feminina, baseada em aprender “catecismo, costura e vários pequenos trabalhos, cantar, dançar, seguir a moda, fazer bem a reverência e falar civilizadamente”2 2 “catechismo, cucitura, e diversi piccoli lavori, cantare, ballare, acconciarsi alla moda, far bene la riverenza, e parlar civilmente”. Tradução nossa. (Barbapiccola, 1Barbapiccola, Giuseppa Eleonora. I principi della filosofia di Renato DesCartes. Tradotto dal Francese col confronto del Latino in cui l’Autore li scrisse da Giuseppa-Eleonora Barbapiccola, tra gli Arcadi Mirista. Torino, 1722.), em prol do acesso à educação letrada, que poderia possibilitar às mulheres os mesmos direitos conseguidos pelos homens. Enquanto tradutora, vê-se imbuída de uma missão: escolhe traduzir Descartes por considerá-lo o filósofo que celebrava o pensamento feminino, por isso ela dedica às mulheres a sua tradução, para que “muitos pudessem conhecer a verdade, em particular as mulheres”3 3 “molti potessero partecipare alla verità, e in particolare le donne”. Tradução nossa. . (Barbapiccola, 2Barbapiccola, Giuseppa Eleonora. I principi della filosofia di Renato DesCartes. Tradotto dal Francese col confronto del Latino in cui l’Autore li scrisse da Giuseppa-Eleonora Barbapiccola, tra gli Arcadi Mirista. Torino, 1722.)

De alguma maneira, o ativismo de Giuseppa-Eleonora Barbapiccola é bastante peculiar, não apenas por escrever em uma época na qual as mulheres tinham bem menos oportunidades de instrução letrada e de escrita e publicação que os homens, mas por ver na tradução um caminho para incentivá-las a pensar sobre sua condição e seus direitos. Não podemos deixar de perceber também como a autora faz uso do paratexto para expressar suas opiniões, antecipando, de alguma maneira, teorias e considerações sobre o uso desse material que seriam amplamente discutidas nos séculos XX e XXI.

O exemplo de Giuseppa-Eleonora Barbapiccola poderia, dessa maneira, encontrar ressonância no trabalho de Elena Di Giovanni e Serenella ZanottiDi Giovanni, Elena; Zanotti, Serenella. (Orgs.) Donne in traduzione. Firenze: Giunti; Milano: Bompiani, 2018, p. 570., professoras e pesquisadoras de língua e tradução das universidades de Macerata e de Roma Tre, respectivamente, que, quase trezentos anos depois, organizaram e publicaram Donne in traduzione [Mulheres em tradução], uma coletânea de quinze ensaios assinados por pesquisadoras em Estudos da Tradução e em Estudos de Gênero, que buscam refletir sobre tradução sob diferentes prismas: teórico, prático, epistemológico, histórico, hermenêutico, filosófico, não necessariamente desvinculados uns dos outros, tendo como base as relações intrínsecas entre Estudos da Tradução e Estudos Feministas e de Gênero, ou ainda se quisermos agrupar em uma área, teríamos os Estudos Feministas da Tradução. Podemos, portanto, interpretar essa publicação a partir da caminhada paralela e também sobreposta e interligada entre Estudos da Tradução, Estudos Feministas e de Gênero, e Estudos Feministas da Tradução, percurso que teve início de forma sistemática, como se sabe, nos anos 80 do século XX, com a Escola Canadense de Tradução Feminista.

Com efeito, algumas das fundadoras desse movimento estão presentes na coletânea, seja como autoras de ensaios, seja como objeto de estudo. É o caso de Barbara Godard, Luise von Flotow e Sherry Simon. Os demais nomes que compõem a coletânea são os de pesquisadoras e professoras de Literatura, Linguística e Tradução em Centros de Pesquisa e universidades de vários países. Em ordem alfabética, Carol Maier, Cláudia de Lima Costa, Emily Apter, Joan W. Scott, Kate Sturge, Luise F. Pusch, Mary Phil Korsak, Meena T. Pillai, Olga Castro, Pascale Sardin, Raffaella Baccolini, Rosemary Arrojo, Sonia E. Alvarez, Toril Moi e Valleria Illuminati.

Além disso, há de se destacar o papel das tradutoras dos textos para o italiano, pois as contribuições foram escritas em alemão, francês e inglês. Fazem parte do grupo de tradutoras os seguintes nomes, também essas professoras e ou pesquisadoras de diferentes universidades: Adele D’Arcangelo, Chiara Elefante, Daniela La Penna, Elena Di Giovanni, Emilia di Martino, Franca Cavagnoli, Francesca Vigo, Ira Torresi, Katherine E. Russo, Letizia Cirillo, Serenella Zanotti, Silvia Bruti, Teresa Fiore e Stefania Cavagnoli.

Cabe constatar que as tradutoras dispõem de um espaço, em forma de posfácio, para comentários explicativos sobre o texto e sobre as escolhas de tradução, possibilidade esta importante para dar voz a todas as envolvidas no processo da tradução, de modo que somam-se mais quatorze textos que enriquecem a obra com seus comentários e análises. Além disso, um prefácio assinado por Susan Bassnett, um dos principais nomes dos Estudos da Tradução, e uma apresentação das organizadoras abrem a coletânea.

O volume, de 570 páginas, está estruturado da seguinte maneira: prefácio; texto de apresentação; Parte I, intitulada Voci storiche [Vozes históricas], composta por quatro textos e quatro comentários de tradução e crítica; Parte II, Prospettive contemporanee [Perspectivas contemporâneas], contendo dez textos e dez comentários de tradução e crítica; e, por fim, Riflessioni conclusive [Reflexões conclusivas]. Cada texto apresenta ao final uma bibliografia sobre o tema tratado. Há, ainda, uma seção dedicada ao curriculum das autoras.

No prefácio, Susan Bassnett destaca o papel acadêmico-cultural da feminista e tradutora Rosa Maria Bosinelli (1940-2016), fundadora da Scuola Superiore di Lingue Moderne per Interpreti e Traduttori (1990) e do Dipartimento di Studi Interdisciplinari su Traduzione, Lingue e Culture (2000), ambos da Universidade de Bologna, para o desenvolvimento dos Estudos de Gênero e da Tradução.

A partir da atuação de Rosa Maria Bosinelli, Susan Bassnett traça um panorama das principais modificações que, a partir dos anos 70 e 80 do século XX, caracterizam a sociedade no que tange à luta das mulheres pela igualdade de oportunidades, pelo fim da violência e pela afirmação dos seus direitos, e de como a tradução teve um papel fundamental nessas mudanças. Aliás, Susan Bassnett diz-se surpresa perante a constatação de que, na época, o maior acervo de textos feministas publicados na Itália era composto por traduções, especialmente de textos ingleses e franceses, e ressalta que inclusive alguns conceitos, como o de écriture feminine, de Hélène Cixous, circularam primeiramente no idioma italiano do que em inglês. (9-10)

Outro aspecto que vale a pena ser destacado do prefácio é a imagem visceral da tradutora como obstetra e como mãe, imagem essa proposta por Jaqueline Risset, poetisa e tradutora da Divina Comédia de Dante para o francês. Afirma Susan Bassnett, parafraseando Jaqueline Risset: “enquanto obstetra, a tradutora acompanha o texto na complexa passagem interlinguística e contribui para o nascimento da nova versão, que vem à luz graças à tradutora enquanto mãe”4 4 “come ostetrica, la traduttrice accompagna il testo nel complesso passaggio interlinguistico e contribuisce a far nascere la nuova versione, data alla luce dalla traduttrice come madre.” Tradução nossa. A tradução do texto de Susan Bassnett do inglês para o italiano foi feita por Elena Di Giovanni e Serenella Zanotti. . (11) Com isso, Jaqueline Risset quer dizer que a tradução, assim como a mulher, não tem uma identidade fixa, já que quem traduz ocupa um lugar intermediário no qual abrem-se várias possibilidades de leitura e tradução, ou reescritura, em que pesam uma rede de significados culturais; escolhas e estratégias tradutórias que ultrapassam a esfera da língua para focarem também nos conceitos de poder e manipulação, criatividade e visibilidade da tradutora, de modo a assinalar o seu protagonismo, aspecto esse fundamental dentro dos Estudos Feministas da Tradução.

Na segunda década do século XX, a percepção das questões de gênero em tradução mudou, segundo Susan Bassnett, pois a reflexão sobre o assunto “se manifesta em sinais tangíveis, por exemplo, cada vez mais através de material paratextual que fale sobre o assunto, ou do desejo de cada vez mais mulheres de discutir sobre a própria atividade tradutória.”5 5 “si manifesta con segni tangibili, per esempio attraverso sempre più materiale paratestuale che ne parli, o la volontà di sempre più donne di discutere della propria attività traduttiva.” Tradução nossa. (15). Ao finalizar, destaca que atualmente a contribuição mais importante provém de Bella Brodsky, estudiosa de literatura comparada:

No seu extraordinário livro sobre tradução e memória cultural, insiste na necessidade de considerar as traduções como parte integrante da produção literária, uma vez que as traduções refletem as mudanças histórico-sociais de qualquer sociedade e são parte integrante desta. A tradução, ainda de acordo com Brodsky, representa hoje uma política, mas também uma poética, uma ética, mas também uma estética. Por fim, a autora afirma que, uma vez que atualmente as questões de gênero são consideradas fundamentais para compreender a estrutura do mundo, o mesmo deveria acontecer no que diz respeito à tradução. (16)6 6 “Nel suo straordinario libro su traduzione e memoria culturale, insiste sulla necessità di considerare le traduzioni come parte integrante della produzione letteraria, poiché le traduzioni riflettono i mutamenti storico-sociali di qualsiasi società e ne sono parte integrante. La traduzione, sempre secondo Brodsky, rappresenta oggi una politica ma anche una poetica, un’etica ma anche un’estetica. Infine, la stessa afferma che poiché oggigiorno le questioni di genere sono considerate fondamentali per comprendere la struttura del mondo, lo stesso dovrebbe avvenire per la traduzione.” Tradução nossa.

O texto que dá sequência ao prefácio é de autoria das organizadoras e tem como título Donne in traduzione: prospettive di genere negli studi traduttologici [Mulheres em tradução: perspectivas de gênero nos estudos da tradução], em que inicialmente se justifica a publicação em italiano de textos escritos em alemão, francês e inglês. Tais textos ainda não haviam circulado em italiano e o motivo para fazê-lo relaciona-se com a realização de importantes iniciativas editoriais de pauta feminista nos últimos anos, como os volumes Feminist Translation Studies, organizado por Olga Castro e Emek Ergun (2017); Translating Woman: Different Voices and New Horizons, organizado por Luise von Flotow e Farzaneh Farahzad (2016), e, mais recentemente, The Routledge Handbook of Translation, Feminism and Gender, organizado por Luise von Flotow e Hala Kamal (2020).

Fazendo coro às contribuições da Escola Feminista de Tradução canadense, destacando as mulheres no seu papel de agentes de tradução em uma perspectiva feminista, o objetivo da coletânea é:

chamar a atenção não apenas para a contribuição ativa dada pelas mulheres ao conhecimento, no papel historicamente atribuído a elas como tradutoras, mas também à voz traduzida das mulheres na história, examinando o conjunto de manipulações ativadas na transferência de textos cardinais do pensamento feminista de um contexto cultural para outro, bem como a dimensão crítica e transformadora da prática feminista de tradução.7 7 “richiamare l’attenzione non solo sul contributo attivo dato dalle donne alla conoscenza, nel ruolo storicamente loro attribuito di traduttrici, ma anche sulla voce tradotta delle donne nella storia, esaminando l’insieme delle manipolazioni attivate nel trasferimento di testi cardine del pensiero femminista da un contesto culturale all’altro, nonché la dimensione critica e trasformativa della pratica femminista della traduzione.” Tradução nossa. (22)

Nessa perspectiva, Elena Di Giovanni e Serenella Zanotti ilustram o conteúdo do livro, que, como foi dito, é composto por duas partes: “Voci Storiche” [Vozes históricas] e “Prospettive Contemporanee” [Perspectivas contemporâneas], e dividem os temas dos ensaios em seis tópicos: Donne e traduzione [Mulheres e tradução], Questione di genere: femminismo e traduzione [Questão de gênero: feminismo e tradução], La traduzione femminista [A tradução feminista], Linguistica femminista e teoria della traduzione [Linguística feminista e teoria da tradução], Tradurre le idee del femminismo [Traduzir as ideias do feminismo], Tradurre i femminismi oggi: per una politica femminista della traduzione [Traduzir os feminismos hoje: por uma política feminista da tradução], além de uma nota conclusiva. Com base em ampla bibliografia sobre cada tema, as organizadoras apresentam os ensaios que compõem a coletânea.

Assim, sobre o primeiro tópico, Donne e traduzione, ressaltam a intersecção entre mulheres e tradução, uma vez que historicamente no ofício da tradução parece prevalecer a presença de mulheres. Porém, embora as mulheres sejam referenciadas pelo seu trabalho de intermediadoras culturais, isso não significa que suas condições de trabalho e remuneração sejam sempre satisfatórias, pelo contrário, e também não significa que as políticas editoriais, pautadas em sua maioria nos conceitos de invisibilidade e transparência, encorajem as traduções feministas. Esse tópico é ilustrado com o texto de Sherry Simon “Germaine de Stael e Gayatri Spivak: intermediatrici culturali” [Germaine de Stael e Gayatri Spivak: intermediadoras culturais], que centra na figura de duas importantes autoras que escreveram sobre tradução em épocas e contextos diferentes.

No segundo tópico, Questione di genere: femminismo e traduzione, as organizadoras destacam o ensaio “Una donna in traduzione, che riflette” [Uma mulher em tradução, que reflete], de Carol Maier, um dos primeiros exemplos de reflexão feminista sobre a tradução. Analisam também o ensaio de Barbara Godard, “Da angeli a angoli: o della differenza che può fare una donna in traduzione” [De anjos a ângulos: ou sobre a diferença que pode fazer uma mulher na tradução], relacionando-o com os estudos de Susanne Jill Levine e Lori Chamberlain, em que as mulheres, enquanto tradutoras feministas, para além das oposições binárias de gênero, subvertam não o discurso, mas o processo “através do qual a tradução satisfaz as construções do gênero.”8 8 “attraverso il quale la traduzione soddisfa i costrutti del genere.” Tradução nossa. (26)

Daí a importância não somente de traduzir, mas de escrever sobre tradução, fazendo com que a atividade prática se entrelace à própria redefinição do conceito de tradução, para assim sair da condição subalterna ao “original”. Desse modo, a tradução feminista “se configura como uma prática textual destinada a subverter o monologismo patriarcal por meio de procedimentos transformadores que se configuram como práticas de resistência.”9 9 “si configura come una pratica testuale volta a sovvertire il monologismo patriarcale attraverso procedimenti trasformativi che si configurano come pratiche di resistenza.” Tradução nossa. (27). Uma dessas práticas é a reivindicação, em primeiro plano, da subjetividade da tradutora, que sob esse prisma participa ativamente da construção do significado do texto. A tradução seria, portanto, um ato político de reescritura, “um instrumento de transformação crítica do discurso dominante.”10 10 “uno strumento di trasformazione critica del discorso dominante”. Tradução nossa. (28)

No terceiro tópico, La traduzione femminista, as organizadoras evidenciam o marco temporal do desenvolvimento da tradução feminista a partir dos anos 80 do século XX, com os textos de Luise von Flotow, e destacam as estratégias propostas por von Flotow, como a interferência no texto, o uso dos paratextos e o chamado hijacking, que traduzimos por “apropriação”, destinada a tornar a língua/linguagem libertas da praxis do masculino neutro e assim promover a “feminização do texto de chegada”11 11 “femminizzazione del testo di arrivo”. Tradução nossa. (31); estratégias estas que se configuram como importantes intervenções políticas para dar voz e vez às tradutoras. Ainda nesse tópico, temos o ensaio de Mary Phil Korsak sobre a tradução da Bíblia, que, segundo a autora, foi dominada por versões patriarcais, com escolhas lexicais que cristalizam padrões a serviço de ideologias dominantes, sem a possibilidade de interpretações alternativas (38), e o texto da brasileira Rosemary Arrojo, “L’interpretazione come amore possessivo: Hélène Cixous, Clarice Lispector e l’ambivalenza della fedeltà” [A interpretação como amor possessivo: Hélène Cixous, Clarice Lispector e a ambivalência da fidelidade], no qual a autora “analisa, critica e subverte a noção de subalternidade que caracteriza as relações de natureza colonial, patriarcal, autorial e que se aplicam também à tradução e à feminilidade, essas últimas sempre em posição subalterna”12 12 “analizza, critica e sovverte la nozione di subalternità che caratterizza i rapporti di natura coloniale, patriarcale, autoriale e che si applica anche alla traduzione e alla femminilità, queste ultime sempre in posizione subalterna.” Tradução nossa. (32). Na sequência, é apresentado um ensaio de Kate Surge que trata o conceito de tradução considerando uma perspectiva etnográfica a partir de um estudo da condição da mulher nas áreas rurais do México e os seus vários desdobramentos/níveis.

No tópico quatro, Linguistica femminista e teoria della traduzione, a discussão gira sobre as questões linguísticas e o papel que essas ocupam nas traduções e suas implicações ideológicas ligadas à questão do gênero. Dentro dessa perspectiva, as organizadoras trazem um ensaio de Olga Castro intitulado “Comunicare su diverse lunghezze d’onda? Il collegamento mancante tra la linguistica feminista e gli studi traduttologici” [Comunicar em diversos comprimentos de onda? O elo perdido entre a linguística feminista e os estudos tradutológicos]. Nesse texto, a partir do exemplo de uma tradução de um texto em inglês para o galego, a autora intersecciona aspectos da linguística feminista e dos estudos tradutológicos. Outro texto que compõe essa temática é o de Luise F. Pusch, intitulado “Il tema della lingua e dell’omofobia come campo di ricerca in Germania e negli Stati Uniti: considerazioni generali e personali” [O tema da língua e da homofobia como campo de pesquisa na Alemanha e nos Estados Unidos: considerações gerais e pessoais], que reflete sobre o tema da homofobia e os seus desdobramentos em traduções.

Em Tradurre le idee del feminismo, as organizadoras selecionam um ensaio de Joan W. Scott e Luise von Flotow que trata da interconexão entre os estudos da tradução, estudos de gênero e outras disciplinas, a partir da palavra inglesa gender. Nessa mesma esteira, segue o ensaio de Emily Apter “Intraducibili. Le parole Sesso e Genere” [Intraduzíveis. As palavras Sexo e Gênero], em que ela discute sobre as palavras sexo e gênero e seus desdobramentos em traduções americanas de obras de Simone de Beauvoir. Outro texto é o de Meena T. Pillai, “Il genere della traduzione, la traduzione del genere: il caso del Kerala” [O gênero da tradução, a tradução do gênero: o caso do Kerala], no qual temos um estudo “das estratégias tradutórias e as práticas discursivas ligadas à tradução do pensamento feminista na língua Malayalam”13 13 “strategie traduttive e le pratiche discorsive legate alla traduzione del pensiero femminista nella lingua Malayalam.” Tradução nossa. (39), a partir da tradução de um texto de Simone de Beauvoir e de um conto da escritora indiana Mahasweta Devi.

Em Tradurre i femminismi oggi: per una politica femminista della traduzione é proposto o artigo de Cláudia de Lima Costa e Sonia Alvarez “Dislocare il segno: per una politica femminista translocale della traduzione” [Deslocar o signo: por uma política feminista translocal da tradução], pautado no conceito de tradução “como instrumento político e teórico indispensável para moldar e reforçar a epistemologia feminista” (41)14 14 “strumento politicamente e teoricamente indispensabile per forgiare e rafforzare l’epistemologia feminista.” Tradução nossa. , chamando atenção para a necessidade de uma política feminista da tradução. As autoras destacam, dentre outras questões, como o uso das revistas e das traduções são responsáveis por estabelecer os cânones e a consequente exclusão de mulheres, e refletem, além disso, sobre a dimensão geopolítica das línguas. A coletânea de textos conclui-se com um texto de Raffaella Baccolini e Valeria Illuminati, que comentam os ensaios traduzidos a partir de reflexões de Jhumpa Lahiri sobre tradução, autora esta que por sua vez se dedica ao estudo da literatura de migração em sua relação com a tradução e com questões linguísticas e culturais que contribuem para determinar o pertencimento e não pertencimento do/a imigrante à sociedade.

Para finalizar, podemos dizer que Donne in traduzione cumpre com o seu objetivo, colocando as mulheres não só no centro da prática da tradução, mas também como autoras de textos traduzidos e comentados, a partir da perspectiva feminista e de gênero da tradução. Vai de encontro, assim, a outros estudos que cada vez mais vêm ganhando lugar, especialmente nas universidades e em outros espaços e formas de ativismo. Desse modo, torna-se referência fundamental para quem estuda tradução e gênero, bem como para quem circula pela multiplicidade de disciplinas que perpassam essas áreas e com elas estabelecem diálogos para compreender e modificar os (pre)conceitos que por muito colocaram – e ainda colocam – tradução e mulher em lugar de subserviência e/ou marginal.

É um livro de e com mulheres de diferentes culturas, embora os textos sejam provenientes de apenas três línguas (alemão, francês e inglês), evidenciando aspectos relacionados à autoria, escrita, tradução, gênero, combinando abordagens tradicionais com outras contemporâneas. Portanto, com essa publicação mais uma semente do feminismo e da tradução feminista foi lançada e está florescendo. Pode – e deve – inspirar mais mulheres, das mais diferentes línguas e culturas, a usarem sua voz e suas experiências para darem visibilidade e estabelecerem aproximações, diálogos e compartilhar conhecimentos com outras mulheres, escritoras, teóricas e tradutoras, pois uma não existe sem a outra. De fato, embora seja um livro voltado para o público italiano, ou para quem lê em italiano, a sua proposta metodológica pode servir de base e inspirar projetos semelhantes em outros contextos linguísticos/culturais.

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    “da’ Studi delle Scienze non ne debbano essere escluse, come quelle, que hanno spiriti più sollevati e che in tutte le virtù più grandi non sono all’Uomo inferior”. Tradução nossa.
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    “catechismo, cucitura, e diversi piccoli lavori, cantare, ballare, acconciarsi alla moda, far bene la riverenza, e parlar civilmente”. Tradução nossa.
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    “molti potessero partecipare alla verità, e in particolare le donne”. Tradução nossa.
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    “come ostetrica, la traduttrice accompagna il testo nel complesso passaggio interlinguistico e contribuisce a far nascere la nuova versione, data alla luce dalla traduttrice come madre.” Tradução nossa. A tradução do texto de Susan Bassnett do inglês para o italiano foi feita por Elena Di Giovanni e Serenella Zanotti.
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    “si manifesta con segni tangibili, per esempio attraverso sempre più materiale paratestuale che ne parli, o la volontà di sempre più donne di discutere della propria attività traduttiva.” Tradução nossa.
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    “Nel suo straordinario libro su traduzione e memoria culturale, insiste sulla necessità di considerare le traduzioni come parte integrante della produzione letteraria, poiché le traduzioni riflettono i mutamenti storico-sociali di qualsiasi società e ne sono parte integrante. La traduzione, sempre secondo Brodsky, rappresenta oggi una politica ma anche una poetica, un’etica ma anche un’estetica. Infine, la stessa afferma che poiché oggigiorno le questioni di genere sono considerate fondamentali per comprendere la struttura del mondo, lo stesso dovrebbe avvenire per la traduzione.” Tradução nossa.
  • 7
    “richiamare l’attenzione non solo sul contributo attivo dato dalle donne alla conoscenza, nel ruolo storicamente loro attribuito di traduttrici, ma anche sulla voce tradotta delle donne nella storia, esaminando l’insieme delle manipolazioni attivate nel trasferimento di testi cardine del pensiero femminista da un contesto culturale all’altro, nonché la dimensione critica e trasformativa della pratica femminista della traduzione.” Tradução nossa.
  • 8
    “attraverso il quale la traduzione soddisfa i costrutti del genere.” Tradução nossa.
  • 9
    “si configura come una pratica testuale volta a sovvertire il monologismo patriarcale attraverso procedimenti trasformativi che si configurano come pratiche di resistenza.” Tradução nossa.
  • 10
    “uno strumento di trasformazione critica del discorso dominante”. Tradução nossa.
  • 11
    “femminizzazione del testo di arrivo”. Tradução nossa.
  • 12
    “analizza, critica e sovverte la nozione di subalternità che caratterizza i rapporti di natura coloniale, patriarcale, autoriale e che si applica anche alla traduzione e alla femminilità, queste ultime sempre in posizione subalterna.” Tradução nossa.
  • 13
    “strategie traduttive e le pratiche discorsive legate alla traduzione del pensiero femminista nella lingua Malayalam.” Tradução nossa.
  • 14
    “strumento politicamente e teoricamente indispensabile per forgiare e rafforzare l’epistemologia feminista.” Tradução nossa.

Referências

  • Barbapiccola, Giuseppa Eleonora. I principi della filosofia di Renato DesCartes Tradotto dal Francese col confronto del Latino in cui l’Autore li scrisse da Giuseppa-Eleonora Barbapiccola, tra gli Arcadi Mirista. Torino, 1722.
  • Di Giovanni, Elena; Zanotti, Serenella. (Orgs.) Donne in traduzione Firenze: Giunti; Milano: Bompiani, 2018, p. 570.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2020
  • Aceito
    02 Nov 2020
  • Publicado
    Jan 2021
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