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Fronteiras terapêuticas em expansão: engenharia de tecidos e células-tronco

O QUE HÁ DE NOVO NA ODONTOLOGIA

Fronteiras terapêuticas em expansão: engenharia de tecidos e células-tronco

Roberto Rocha

Mestre e Doutor em Ortodontia pela UFRJ. Professor Adjunto de Ortodontia na UFSC. Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Roberto Rocha Duarte Schutel 306 - 6º andar, Centro CEP: 88.015-640 - Florianópolis / SC E-mail: rochafln@gmail.com

Na última década, a pesquisa em Odontologia tem avançado de forma expressiva no campo da engenharia de tecidos. A busca por formas de permitir a reparação tecidual, e até mesmo a formação de tecidos novos, tem como objetivo ampliar de forma drástica as possibilidades terapêuticas nas diferentes áreas. A engenharia de tecidos é uma possibilidade bastante promissora para fornecer tecido para reparos craniofaciais5. Somando-se a incidência das fissuras pré-forame incisivo, que envolvem o rebordo alveolar, com as fissuras do tipo transforame incisivo, a presença da fenda alveolar, parcial ou completa, atinge cerca de 70% dos pacientes portadores de fissura labiopalatal.

Sob a óptica do tratamento ortodôntico, a presença da fenda alveolar é o ponto de maior complexidade terapêutica, pois impõe limites à movimentação dentária na área adjacente à fenda. É crítica a atenção para a limitação que essa circunstância impõe à reabilitação do paciente1,2,11,12. Com intuito de fazer frente a essa dificuldade, a utilização do enxerto ósseo alveolar secundário tem sido o protocolo de eleição. Não obstante sua eficácia esteja fartamente registrada na literatura e na prática clínica, é um procedimento que envolve aspectos de complexidade como o custo, envolvendo anestesia geral, necessidade de ortopedista quando o sítio doador é a crista ilíaca, e sua morbidade, entre outros. Novas descobertas estão sinalizando na direção do desenvolvimento de estratégias menos invasivas e tão eficazes quanto. A Associação Americana de Cirurgiões Ortopedistas sugere que, em face da elevada demanda de enxertias, seja estimulado o desenvolvimento e oferta de "substitutos aos enxertos ósseos convencionais". Em recente estudo5, células-tronco embrionárias foram diferenciadas em cartilagem e, então, implantadas em defeitos ósseos cranianos produzidos artificialmente. Na comparação com o grupo controle, o grupo que recebeu o tecido implantado teve uma resposta de reparo significativamente mais rápida.

A biologia das células-tronco tem se tornado uma importante área de conhecimento para entender o processo da regeneração tecidual. Para a bioengenharia é essencial uma tríade composta por células-tronco, ou progenitoras, uma matriz que funcione como arcabouço e proteínas sinalizadoras, denominadas fatores de crescimento, como estímulo para diferenciação celular10. Em geral, as células-tronco apresentam duas grandes características: têm a capacidade de autorrenovação e, quando se multiplicam, podem permanecer com as características de células-tronco ou se diferenciar em uma gama de outros tipos celulares6,7. A polpa dentária figura entre os tecidos mais ricos em células-tronco mesenquimais, as quais têm enorme potencial de aplicação na engenharia de tecidos. Isso devido ao fato de que esse tipo de célula-tronco proveniente da polpa dentária é multipotente e tem elevada taxa de proliferação, dando a esse sítio doador destacado valor como importante fonte de células-tronco mesenquimais para utilização em reparação tecidual3.

Em outro estudo, ficou comprovada a viabilidade da polpa dentária de dentes decíduos esfoliados como fonte viável de células-tronco para utilização na engenharia de tecidos pulpares4. A partir de células-tronco mesenquimais retiradas da polpa de dentes permanentes, já foi possível desenvolver tecido pulpar, com características muito próximas da normalidade, sobre um arcabouço previamente preparado8. Há uma tendência atual maior na direção do uso das células-tronco adultas do que as células-tronco embrionárias. Algumas das razões que justificam essa escolha são: as adultas envolvem questões éticas menos complicadas e oferecem maior facilidade de controle no aspecto de diferenciação e da proliferação celular. As de origem embrionária tendem a apresentar um crescimento mais desordenado e descontrolado, podendo até atingir um aspecto tumoral. Esse fato pode estar relacionado ao contexto sinérgico e de memória funcional dessas células. As de origem embrionária estão sintonizadas em uma fase do desenvolvimento em que as taxas de diferenciação e crescimento são muito altas, quando comparadas com as das células-tronco adultas.

No estágio atual, a formação de tecidos isoladamente parece ser uma promessa mais palpável em um cenário não tão longínquo7. Atualmente, dentes que sofrem perda de estrutura radicular associada à movimentação ortodôntica, por exemplo, têm um prognóstico de impossibilidade na recuperação do tecido perdido. Isso tende a alterar positivamente a evolução das pesquisas. A papila apical difere da polpa por apresentar menos componentes celulares e vasculares9. No entanto, ficou evidenciado que as células-tronco da papila apical demonstram potencial elevado de diferenciação e reparação. A constatação disso pode ser vista em algumas situações em dentes permanentes, com rizogênese incompleta e traumatizados, que sofreram a extirpação da polpa e subsequente obturação do canal e, mesmo assim, seguiram no processo da rizogênese. Esses achados abrem a possibilidade de usar células-tronco da papila apical (CTPA) e outros tipos de células-tronco para reparação da polpa e dentina conjugadas com a associação de CTPA e células-tronco do ligamento periodontal. Essa possibilidade tem sido chamada de ENGENHARIA DA BIORAIZ6.

O desenvolvimento tecidual envolve a sinergia de eventos e substâncias em um espectro bastante amplo e complexo. O entendimento conclusivo dos agentes, suas funções e do contexto sinérgico indica que há um longo caminho a ser percorrido. No entanto, são muito promissores os resultados e, com o aprimoramento dos métodos de pesquisa, a evolução se acerca. Uma grande dificuldade que ainda permanece é conseguir o desenvolvimento do conjunto das fibras do ligamento periodontal adequadamente estruturadas e com as interfaces de cemento e osso alveolar. O conhecimento já permite um bom entendimento de como programar e estimular a diferenciação; porém, controlar a localização e a quantidade de crescimento ainda permanece como um árduo desafio a ser vencido.

De 15 anos atrás, quando iniciaram as pesquisas com células-tronco, para a atualidade, o conhecimento nessa área tem se ampliando de forma exponencial. No entanto, para cada nova descoberta descortinam-se questionamentos éticos, indagações e novos desafios. Há a necessidade premente de que os cursos de graduação em Odontologia revisem os conteúdos para o aprendizado da biologia celular, à luz dos conhecimentos atuais, e os ampliem também para a biologia molecular. O ortodontista contemporâneo deve rever e aprofundar seus conhecimentos nessas áreas. Isso desponta como condição precípua para que se possa incorporar as novas tecnologias advindas da bioengenharia e estender aos pacientes os benefícios significativos que se avizinham.

Enviado em: 11 de julho de 2011

Revisado e aceito: 20 de agosto de 2011

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  • Endereço para correspondência
    Roberto Rocha
    Duarte Schutel 306 - 6º andar, Centro
    CEP: 88.015-640 - Florianópolis / SC
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2011
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