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A politização do consumo como recurso de qualificação actancial em um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória (ES)

The Politicization of Consumption as an Actancy Qualifying Resource in a Group of Sustainable Entrepreneurs in Vitória Metropolitan Region (ES, Brazil)

RESUMO

Entendendo o consumo como um instrumento de construção de sentido, este trabalho busca analisar expressões de consumo que reclamam para si o status de manifestação política a partir do processo de crítica e justificação presente nessas relações. A partir de uma incursão de inspiração etnográfica, debruça-se sobre os discursos de atores conectados a um núcleo de empreendedorismo sustentável localizado em Vitória, no Espírito Santo. Emergem dessa análise estratégias críticas, voltadas ao reposicionamento dos atores no interior de seus campos de atuação, que indicam um questionamento de natureza corretiva do modelo de desenvolvimento capitalista.

Palavras-chave:
consumo político; consumo crítico; sociologia da crítica; capitalismo; empreendedores sustentáveis

ABSTRACT

Understanding consumption as an instrument of meaning construction, this work seeks to deepen the analysis of expressions of consumption that claim for themselves the status of political manifestation, considering the process of criticism and justification present in these relations. Through an observation with ethnographic inspiration, The Politicization of Consumption as an Actancy Qualifying Resource in a Group of Sustainable Entrepreneurs in Vitória Metropolitan Region (ES, Brazil) focuses on the speeches of actors connected to a center of sustainable entrepreneurship located in Vitória/ES. The critical strategies emerged from this analysis are aimed at repositioning the actors within their fields of action, indicating a questioning of the model of capitalist development with a corrective nature.

Keywords:
political consumerism; critical consumerism; sociology of critique; capitalism; sustainable entrepreneurship

Introdução

Entendemos o consumo como um instrumento de construção de sentido, em que os indivíduos têm uma necessidade e agem em função dela, interpretando sensações, experiências e situações e conferindo significado a objetos, ações e recursos (PINTO e BATINGA, 2016PINTO, Marcelo; BATINGA, Georgiana. “O consumo consciente no contexto do consumismo moderno: Algumas reflexões”. Revista Gestão Organizacional, vol. 14, pp. 30-43, 2016.). Essa abordagem situa o consumo como uma forma de produzir cultura e relações sociais que pode ser entendida como um campo moral (SASSATELLI, 2015SASSATELLI, Roberta. “Contestação e consumo alternativo: A moralidade política da comida”. Tessituras, vol. 3, n. 2, pp. 10-34, 2015.), relacionado ao querer e ao poder que buscam se tornar legítimos perante os olhos de quem consome e daqueles que o cercam. É impossível viver sem consumir (BARBOSA e CAMPBELL, 2006BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.), e o caráter de produção de sentido assumido pelo consumo faz com que as pessoas tenham que lidar, diariamente, com diferentes universos de justificação em todas as etapas do processo.

A partir dessa dimensão moral, observa-se a associação de valores como solidariedade, responsabilidade, participação social e cidadania aos processos de consumo e a consequente emergência de uma relação entre consumo e política. Essa relação nos permite refletir sobre o consumo como espaço para o exercício de um novo tipo de política, dirigida para a vida cotidiana (PORTILHO, 2010PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2010.), manifestada na negociação do privado com o público (GOIDANICH, 2008GOIDANICH, Maria Elisabeth. “Se eu quero, eu posso. O quê? Reflexões sobre consumo, política e poder na contemporaneidade”. In: IV Encontro Nacional de Estudos do Consumo (Anais eletrônicos), Rio de Janeiro, 24 a 26 set. 2008. Disponível em: estudosdoconsumo.com/wp-content/uploads/2018/03/enec2008-maria_elisabeth_goidanich.pdf
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), fora das instituições tradicionais, estendida para além da relação com o conceito jurídico-político de Estado. No contexto da modernidade, essa visão é explorada por diferentes autores a partir da ótica pós-tradicional, que desenvolvem conceitos como política-vida (GIDDENS, 2002GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002., 2003), consumo cidadão (CANCLINI, 1999CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: Conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1999.), subpolíticas (BECK, 1997BECK, Ulrich. “Subpolitics: Ecology and the Disintegration of Institutional Power”. Organization & Environment, vol. 10, n. 1, pp. 52-65, 1997.) e cidadania sustentável (MICHELETTI e STOLE, 2012MICHELETTI, Michele; STOLLE, Dietlind. “Sustainable Citizenship and the New Politics of Consumption”. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 644, n. 1, pp. 88-120, 2012.).

Englobando um amplo repertório de qualificações, como consumo consciente, sustentável, responsável, ético, entre outros, as práticas de consumo político surgem, nesse sentido, permeadas por críticas que questionam modelos sociais, políticos e/ou econômicos. Diferentes práticas são citadas por autores que buscam a definição do consumo tido como político. São exemplos o boicote a empresas, o buycott (compra intencional), o uso racional de recursos naturais, a racionalização da geração de resíduos (PORTILHO, 2010PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2010.; ECHEGARAY, 2012ECHEGARAY, Fabian. “As bases sociais e atitudinais da politização do consumo: o caso do Brasil”. In: VI Encontro Nacional de Estudos do Consumo (Anais eletrônicos), Rio de Janeiro, 12 a 14 set. 2012. Disponível em: http://estudosdoconsumo.com/wp-content/uploads/2018/05/ENEC2012-GT01-Echegaray-As_bases_sociais_e_atitudinais.pdf
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) e as práticas discursivas (STOLE, HOOGHE e MICHELETTI, 2005), expressas não apenas no ato de compra, mas no estilo de vida dos atores sociais (MICHELETTI e STOLE, 2012).

Giddens (2003GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) propõe que esses tipos de prática compõem a agenda moral do que chama de “política-vida”, expressa no universo de ações cotidianas privadas e imbuída de uma ética relativa à maneira pela qual a própria existência deve ser percebida e vivida. A partir dessa concepção, atos cotidianos, como as práticas de consumo, manifestam a tensão entre a possibilidade de adotar estilos de vida livremente escolhidos e os dilemas morais que envolvem a criação de formas moralmente justificáveis de vida, em uma remoralização da vida social.

Os mecanismos da crítica que emerge desse processo colocam no centro da questão - como dispositivo de ação e possível alvo - o próprio modelo de desenvolvimento capitalista. Partindo do pressuposto de que esse modelo não beneficia igualmente todos os atores, Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) veem o capitalismo como um modo de produção que precisa de justificações morais para envolver os indivíduos em seu funcionamento e, ao mesmo tempo, é incapaz de encontrar essas justificações em si mesmo. O consumo, desse modo, vê-se envolvido continuamente em uma espiral de justificação e crítica. É necessário reconstruir os motivos definidores do que deve ser consumido, de quem deve consumir, quando, em que quantidade, em que circunstâncias e com que objetivo, a partir da sugestão de que “nem todo lucro é legítimo, nem todo enriquecimento é justo, nem toda acumulação importante é rápida e lícita” (Ibid. p. 31).

Este trabalho busca aprofundar a análise de expressões de consumo que reclamam para si o status de manifestação política, em oposição àquelas que poderiam ser supostas como práticas de consumo não politizadas e, por isso, moralmente inferiores. Discutimos, a partir da crítica e da justificação presentes nessas relações, o processo de empreendedorismo moral (BECKER, 2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.) ou mesmo de limpeza moral (MACHADO DA SILVA, 2008MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Vida sob cerco: Violência e rotina em favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.) por meio do consumo ou da promoção de determinadas práticas de consumo. Debruçamo-nos, particularmente, sobre os discursos de sujeitos engajados em ações empreendedoras ditas por eles sustentáveis em maior ou menor grau. Também nos propomos a refletir sobre a crítica presente em seus relatos, acionada para justificar os modelos de gestão de negócios em que estão envolvidos e as práticas de consumo com as quais esses modelos se articulam.

Os dados aqui apresentados1 1 Os dados aqui analisados foram coletados na pesquisa para a dissertação O consumo político e a crítica no discurso de um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória (ES), desenvolvida por Liliane Moreira Ramos (2018) sob a orientação de Manuela Vieira Blanc, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Vila Velha (UVV). A pesquisa integrou o projeto Cep 29: Núcleo capixaba de estudos da experiência humana em meio urbano, financiado pelo edital CNPq/Fapes nº 22/2018 - Programa Primeiros Projetos (PPP) nº 058/2019. Este texto deriva ainda de um processo de construção conjunta que envolveu a apresentação do trabalho ”Consumo, logo participo? O consumo político e a crítica em um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória (ES)” (MOREIRA e BLANC, 2018) no 42° Encontro Anual da Anpocs. Agradecemos pelas interlocuções estabelecidas ao longo do processo de aprimoramento deste trabalho, especialmente aquelas com os membros da banca de defesa da dissertação, os coordenadores do Simpósio de Pesquisa Pós-Graduada (SPG) Sociologia e Antropologia da Moral, da Anpocs, e os pareceristas deste artigo. foram obtidos a partir de uma incursão de inspiração etnográfica, com o acesso a atores conectados ao Núcleo de Empreendedorismo Sustentável (NES)2 2 Todos os nomes citados neste trabalho são fictícios, incluindo o do NES, os das empresas e iniciativas de propriedade dos interlocutores e os dos projetos por eles mencionados, evidenciando sua importância não por sua identidade, mas por se apresentarem como sujeitos exemplares entre os possíveis. No espaço físico do NES, são oferecidos cursos voltados para empreendedores e para a comunidade em geral, como cursos de gestão, oficinas de técnicas produção artesanais e naturais e palestras com temas relacionados à inovação e ao que chamam de negócios sustentáveis. Para manter a anonimização dos interlocutores, o trecho que se refere ao objetivo do espaço, extraído de seu site, sofreu mínimas edições textuais. Por esta mesma razão, a referência ao site de origem está omitida neste artigo. , uma empresa localizada em Vitória, no Espírito Santo, que tem como objetivos, conforme declarado em seu site, inspirar pessoas a desenvolver sua consciência ambiental e contribuir para o desenvolvimento sustentável. Esse núcleo constituiu, para os fins deste trabalho, um espaço de observação, físico e virtual, em que transitam atores com repertório crítico com relação ao consumo. Foram utilizadas três estratégias de coleta de dados: visitas ao espaço de observação, análise das interações realizadas no grupo do aplicativo de mensagens WhatsApp, gerenciado pelo núcleo, e a realização de entrevistas em profundidade com interlocutores voluntários membros desse grupo, em suas casas ou em espaços indicados por eles3 3 As incursões ao local foram realizadas entre junho e dezembro de 2017; a observação etnográfica no grupo de WhatsApp ocorreu entre 22 de junho de 2017 e 5 de novembro 2017; por fim, foram realizadas oito entrevistas em profundidade, entre 1º de novembro de 2017 e 9 de janeiro de 2018. . A conexão dos sujeitos com o NES, seja por meio da participação em eventos e cursos no seu espaço físico seja mediada pela tecnologia digital, no WhatsApp, entretanto, não foi tomada como definição a priori de que esses atores estivessem todos envolvidos com práticas de consumo politicamente engajadas, ou que buscassem se efetivar como consumidores politizados.

A análise dos dados coletados foi centrada na lógica argumentativa dos sujeitos pesquisados, expressa em seus relatos: os próprios discursos são tomados como práticas, reflexivamente ligados àqueles que os descrevem (SASSATELLI, 2015SASSATELLI, Roberta. “Contestação e consumo alternativo: A moralidade política da comida”. Tessituras, vol. 3, n. 2, pp. 10-34, 2015.). Privilegia-se, assim, o que Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) definem como a dimensão ideológica da crítica, ou seja, o modo segundo o qual se realiza a formulação da indignação e da denúncia de uma transgressão ao bem comum4 4 Essa orientação, de caráter pragmatista, se atenta para o momento reflexivo de retorno sobre o que se passou ou de interpretação do que está em curso, buscando dirigir o questionamento às intenções, às crenças e à análise da busca a que procedem as pessoas elas mesmas, notadamente aquelas que se entregam a um processo de intenção (BOLTANSKI e THÉVENOT, 1991). .

A coleta de dados no grupo de WhatsApp, que reúne participantes das diferentes atividades realizadas no espaço, deu-se em princípio como uma estratégia metodológica de aproximação com interlocutores em potencial e se baseou nos princípios da etnografia digital5 5 Mantivemos procedimentos básicos da tradição etnográfica, como a postura inicial de estranhamento do pesquisador em relação ao objeto, a consideração da subjetividade como elemento fundante e dados resultantes da observação de relações — nesse caso, mediadas por tecnologia e, ainda assim, permeadas por emoções, responsabilidade individual e julgamentos (LÉVY, 1999). . Em nossa observação, tomamos o ciberespaço não como instância dissociada das relações estabelecidas face a face (OLIVEIRA e BARBALHO, 2017OLIVEIRA, Amanda; BARBALHO, Alexandre. “Entre o WhatsApp e a praça da ‘família’: Relato de uma experiência teórico-metodológica”. Comunicação & Educação, vol. 22, n. 2, pp. 85-94, 2017.), mas, em uma estratégia solidária, como uma outra dimensão do campo, que guarda características próprias, dispondo dados materialmente distintos daqueles coletados em encontros presenciais, como textos escritos, emoticons, imagens e links publicados pelos usuários, por exemplo.

Contrariando nossos objetivos iniciais de entrevistar consumidores politicamente engajados com diferentes perfis, encontramos no conjunto dos nossos interlocutores voluntários para as entrevistas exclusivamente aqueles membros do grupo que também atuam como empreendedores sustentáveis. Por fim, para além da aproximação com interlocutores, o próprio contexto do grupo de WhatsApp se mostrou profícuo para análise.

A dinâmica da crítica e o dilema moral em torno do consumo entre empreendedores sustentáveis

Como explica Corrêa (2014CORRÊA, Diogo Silva. “Do problema social ao social como problema: Elementos para uma leitura da sociologia pragmática francesa”. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, vol. 1, n. 40, pp. 35-62, 2014., p. 57), “o social se complexificou” e as condições com as quais temos de lidar todos os dias são cada vez mais incertas e dadas em sua aparição problemática. Esse quadro estimula o surgimento das questões críticas que devem ser administradas pelas pessoas todos os dias em um contexto de instabilidade de referências. Nesse sentido, a abordagem pragmática nos permite entender o social como o que se depreende de um “emaranhado de relações e associações dinâmicas, dúcteis e fluidas que podem ser captadas através de situações problemáticas” (Ibid., p. 39). Lançamos mão, então, dessa visão para percorrer as práticas de consumo analisadas, entendendo-as como um processo dinâmico de negociação moral: se não um ato político, um exercício da crítica.

Destacamos, portanto, que os atores sociais se cobram mutuamente racionalidade e são, para tanto, agentes dotados de competências, capazes de observar as ações uns dos outros e as avaliar, criando “uma vida social constantemente em questão” (WERNECK, 2012WERNECK, Alexandre. A desculpa: A circunstância e a moral das relações sociais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012., p. 79). Desse modo, em vez de tomar essas práticas discursivas em torno do consumo como a expressão de um consumo político, nos interessa analisar os mecanismos por meio dos quais esses atores exercitam a sua crítica. Pretendemos demonstrar como, ao longo desse processo, os interlocutores reclamam para si uma posição diferenciada como consumidores, em processos de politização como os discursos de justificação e a efetivação das suas práticas.

Barbosa e Campbell (2006BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.) chamam atenção para o fato de que, mesmo na sociedade contemporânea, moderna e individualista, em que noções de liberdade e escolha são valores fundamentais, há a necessidade de justificar o consumo, principalmente das coisas tidas como supérfluas, associadas ao excesso e ao desejo. Para os autores, esse tipo de consumo pode ser considerado ilegítimo - se não imoral - e, por isso, “requer retóricas e justificativas que as enobreçam e diminuam nossa culpa” (Ibid., p. 37). No bojo de uma “nova consciência” (GIDDENS, 2003GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.), o processo de politização do consumo pode ser visto como uma organização reflexiva do indivíduo em que os valores se alicerçam no distanciamento em relação à acumulação econômica e na possível substituição dos processos econômicos de crescimento ilimitado pelo crescimento pessoal, com o cultivo das potencialidades de autoexpressão e criatividade. A ênfase na relação das decisões políticas por meio do consumo, com a construção da identidade e a autorrealização do indivíduo na modernidade, aponta para um movimento que se dá a partir de uma moral individualista: a transformação desejada não acontece com a substituição de uma ótica individual e privada por uma ótica coletiva e pública, mas sim pela reelaboração da ótica individual, que passa a abarcar em sua constituição novos valores relacionados não só à independência, mas também à interdependência.

Para os interlocutores acessados por esta pesquisa, paradoxalmente, as instituições públicas tradicionais são vistas como um território movido por interesses privados, e o universo privado, por sua vez, tanto no sentido das ações da vida cotidiana como no da atividade empresarial, é um espaço de canalização e solução das demandas públicas, a partir da vontade de “fazer acontecer”: “Faço política o tempo todo, em casa. É o que tem a ver com o meu propósito. Ou soma ou some”, declarou Ângelo6 6 Ângelo tem 35 anos e é fundador do NES. É engenheiro ambiental e deixou uma carreira no setor público para se dedicar exclusivamente ao núcleo, de onde provém toda sua renda. .

Interessa-nos demonstrar como esse posicionamento se constrói a partir de acusações e justificações em torno da tensão entre os desejos ou hábitos de consumo e o que esses atores (re)definem continuamente em termos de um “bom consumo”. Analisamos essas práticas como reflexivamente engajadas em um ideal de bem comum, ou no que poderia ser traduzido como um consumo político e, por isso, moralmente superior, segundo os atores pesquisados. A partir dessas pistas, podemos inferir sobre os critérios de bem colocados em questão e compreender os processos pelos quais a crítica incide sobre os agenciamentos.

Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) afirmam que crítica e o capitalismo caminham inseparavel e apontam a primeira como a impulsionadora das mudanças no segundo. É por causa principalmente das críticas7 7 Embora ocupe relevância central, ponderam Boltanski e Chiapello (2009), a crítica nem sempre é a mola propulsora do sistema capitalista. Outros fatores, como a pressão constante da concorrência e a observação dos movimentos estratégicos que ocorrem nos mercados, são estímulos para a procura de novos modos de agir por parte dos dirigentes empresariais. que o sistema é levado a ser justificado, tanto individualmente, ofertando motivos para que as pessoas se envolvam pessoalmente no empreendimento capitalista, como coletivamente, identificando como o empenho da empresa capitalista serve ao bem comum. Quando compartilhadas, essas justificações são capazes de tornar o capitalismo uma ordem aceitável, desejável e, mesmo, a melhor ou a única ordem possível. É esse conjunto dinâmico de justificações articuladas que os autores chamam de espírito do capitalismo: um espírito capaz de oferecer perspectivas sedutoras e estimulantes de vida, provendo garantias de segurança e razões morais para o engajamento nas práticas cotidianas.

Embora não se debrucem sobre a dimensão do consumo particularmente, Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) apontam para a relevância das questões concernentes a esse campo, uma vez que consideram que enquanto o capitalismo se constitui como um processo insaciável, as pessoas, ao contrário, são saciáveis, de tal forma que “precisam de justificações para se envolverem em um processo insaciável” (Ibid., p. 483).

Sassatelli (2015SASSATELLI, Roberta. “Contestação e consumo alternativo: A moralidade política da comida”. Tessituras, vol. 3, n. 2, pp. 10-34, 2015.) afirma que é relevante prestar atenção na forma como as retóricas morais acompanham o uso e o desenvolvimento de bens porque elas contribuem para a classificação e a qualificação dos bens a que se referem e ajudam a definir visões de ordem social e pessoal. A autora destaca que esse é um processo cotidiano de categorização que pode ser relativamente explícito e consciente, evidenciando que, assim como somos todos consumidores, todos consumimos de forma diferente.

Por isso, lançamos mão da teoria da crítica para analisar esses posicionamentos que pretendem colocar o consumo à prova. Com essa abordagem passamos, como propõe Werneck (2012WERNECK, Alexandre. A desculpa: A circunstância e a moral das relações sociais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.), a uma sociologia em que a gramaticidade moral é objeto de observação, entendendo-a como “a forma como as morais (individuais e/ou de grupo) dos atores são construídas, mobilizadas e postas em contraste com as morais de outros atores” (Ibid., p. 15).

A crítica surge porque uma violação, explícita ou implicitamente, atenta contra a realização da humanidade dos seres, de acordo com um conjunto de valores. A formulação de uma crítica supõe uma “uma experiência desagradável que suscite a queixa, quer ela seja vivenciada pessoalmente pelo crítico, quer este se comova com a sorte de outrem” (CHIAPELLO, 1998 apudBOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 72). Roux (2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.), após analisar estudos sobre a resistência por meio do consumo conduzidos nos EUA e na Europa, sugere que a análise dos elementos da gramaticidade da crítica componha um quadro multidimensional voltado para três questões principais: em direção a quem as práticas de consumo crítico se voltam; quais são as táticas utilizadas; e quais são as motivações para tanto, ou seja, o que é criticado e por quê.

Podemos tomar o consumo, em termos amplos e gerais e em seus aspectos mais sutis, como o objeto da crítica apresentada por nossos interlocutores. Desse modo, se, por um lado, a necessidade de justificar o consumo torna-se imperativa aos atores modernos, como destacam Barbosa e Campbell (2006BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.), a reflexividade no uso consciente dos recursos é efeito do advento de uma nova modalidade de sujeito (GIDDENS, 2003GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) que supõe ser capaz de exercer a sua cidadania como consumidor (CANCLINI, 1999CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: Conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1999.) e, no limite, opta por práticas ditas sustentáveis (MICHELETTI e STOLE, 2012MICHELETTI, Michele; STOLLE, Dietlind. “Sustainable Citizenship and the New Politics of Consumption”. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 644, n. 1, pp. 88-120, 2012.). Os membros do NES articulam a todo o momento lógicas discursivas que justificam suas práticas de consumo, ao mesmo tempo que denunciam, nesse processo, “más práticas” de aquisição, uso e descarte de objetos de consumo. Tomando para si o papel de agentes, nossos interlocutores nos dão pistas sobre o caráter da crítica da qual partem.

- Minha consciência no consumo vem da minha percepção de que eu faço parte e tenho poder. Eu demando e recebo o ato político no consumo. Eu sei que isso impacta a minha vida e a das outras pessoas. Se eu quero ter a vida boa, eu preciso proporcionar isso às outras pessoas. (Fabiana8 8 Fabiana tem 40 anos, é formada em turismo com especialização em marketing e trabalha no setor público. Pretende se candidatar a um cargo eletivo no NES. Na época da entrevista, pretendia candidatar-se à deputada estadual. )

O ato de consumir é percebido como uma experiência potencialmente desagradável, ou ao menos dotada de fontes de conflitos existenciais que motivam o engajamento em um projeto de combate de determinadas formas do consumo.

Os dados obtidos apontam para três campos de direcionamento da crítica. O primeiro é formado pelas empresas (seus modos de produção, uso de recursos, relações trabalhistas, matérias-primas utilizadas e seu impacto local ou global etc.) e confere destaque para o potencial do consumidor para estimular novas práticas: “Eu acho que basta a gente mudar a forma de consumir pra mudar. Imagina se a gente fala ‘eu não quero esse, quero esse’ [produto], porque ‘esse’ fala de tal coisa. As empresas vão ter que se adequar” (Ângelo). Em outros dois conjuntos, as críticas são dirigidas ao consumidor como ator individual e ao que classificam como práticas consumistas, quando se referem ao consumo do “supérfluo” ou “excedente”:

- Hoje eu consumo mais a necessidade. Quando eu vou comprar, eu compro coisas que duram muito. Eu tenho bermuda que tem dez anos. Quase todo dia eu tô com esse mesmo sapato; essa calça, nem sei há quanto tempo tenho. Só compro quando preciso. Tem muita coisa que eu ganho; os outros acham que eu não tenho muita coisa e vão me dando. Eu fiquei tanto tempo usando bermuda, que eu ganhei um monte de calça! (Ângelo)

Nesse sentido, os relatos valorizam um compromisso com um ideal de bem comum, e, à luz desse ideal, determinadas práticas são colocadas em questão como características de um consumo carente de reflexividade ou engajamento político:

Você já escolheu qual é a sua fantasia? Já está pensando em comprar? (...) Pode parar, ninguém vai comprar nada. A gente vai fazer upcycling [reaproveitamento e transformação de materiais]. (...) Regra número um pro Carnaval: esquece o armarinho e esquece comprar qualquer coisa. (Kelly9 9 Kelly, de idade desconhecida, apresenta-se como “engenheira especialista em sustentabilidade, consumo consciente, green lifestyle, travel”. Em seu canal do YouTube e em sua conta no Instagram, diz: “[aqui] você vai encontrar um conteúdo muito bacana, que é criado através da minha própria experiência com a vida sustentável e meus hábitos de consumo consciente”. Relato obtido no grupo do NES no WhatsApp. )

Pode-se sugerir, desse modo, que tais dilemas têm como referência moral o exercício de certa “responsabilidade social” - com o meio ambiente, a sociedade ou em relação ao próprio sistema capitalista de produção, distribuição e consumo e seus impactos. É o que destaca a fala do Marcelo:

É, galera... Direta ou indiretamente nós somos responsáveis pela poluição nos oceanos... Temos que ter uma consciência mais ativa e produzir menos lixo, reaproveitar materiais, etc. Muitas coisas que não servem pra nós, podemos levar pra pontos de coleta e trocar por alimentos, produtos de limpeza, etc. e eles vão transformar essa matéria em outro tipo de produto. Telhas, parede, artesanatos, uma infinidade de coisas... (Marcelo10 10 De Marcelo, cuja fala foi retirada das conversas no grupo do NES no WhatsApp, sabemos apenas que trabalha com o que chama de “arte-bonsai”. )

Constatamos, ainda, a justaposição de motivações individuais e coletivas, resultando na articulação de críticas de natureza estética e social (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) em um mesmo repertório, acionado por vezes por um único ator em diferentes situações de consumo. No caso de Fabiana, a justificação de motivação individual assume a forma da personalização e a motivação coletiva, a forma de “consumo consciente”, quando ela se refere ao reaproveitamento e à transformação de materiais (upcycle):

- Sobre essa questão de upcycle, faço isso com roupa: descosturo minhas roupas e [as] transformo em outras. Calça, transformo em saia; vestido, transformo em blusa. Adoro fazer! Pelo processo de criação, exclusividade. Eu adoro a exclusividade. Eu não gosto de sertanejo, não como lasanha - essas coisas do consumo de massa, eu não me reconheço nelas. Eu gosto de fazer porque é exclusivo. (Fabiana)

O engajamento em um projeto de racionalização de uso de recursos emerge, nesses discursos, como um compromisso social que, por isso, reclama para si o reconhecimento como ato político. Tal estratégia serve para reposicionar esses atores no interior de seus campos de atuação, o que é ainda mais sensível entre os empreendedores de negócios sustentáveis. Ao mesmo tempo, esse posicionamento coloca as suas próprias práticas em questão, dados os desafios enfrentados por esses atores no exercício de manutenção de um posicionamento ilibado, qualificador das posições que ocupam ou pretendem ocupar nessa ordem de grandeza.

Observamos, desse modo, um movimento de constante negociação com a crítica, indicando situações em que cabe ser crítico por meio do consumo e outras em que não cabe. Dispositivos como autocrítica, arranjos, relativizações (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) e desculpas (WERNECK, 2012WERNECK, Alexandre. A desculpa: A circunstância e a moral das relações sociais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012., 2014) são acionados ora para justificar as práticas críticas, ora para sua suspensão, como pretendemos demonstrar.

Exercitando a crítica

Como identificado por Portilho (2010PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2010.), Ro ux (2007) e Chauvel et al. (2015CHAUVEL, Marie Agnes; SILVA, Renata Céli Moreira da; ARAUJO, Fábio Francisco; HOR-MEYLL, Luis Fernando. “Anti-consumo no Brasil: Reflexões sobre estudos existentes e proposta de uma agenda de pesquisa”. Facef Pesquisa: Desenvolvimento e Gestão, vol. 18, n. 1, p. 5-23, 2015.), as práticas de boicote inserem-se fortemente em um contexto de busca por melhores “condições de produção e consumo, tornando-as menos danosas para a sociedade e o meio ambiente” (Ibid., p. 13). Revelam, assim, uma crítica de natureza mais corretiva. Heloísa11 11 Heloísa tem 52 anos, é administradora e divide seu tempo entre a atuação em uma empresa privada de tratamento de resíduos e as atividades no NES. É sócia de Ângelo. deixou de frequentar uma loja de roupas de que gostava por causa de uma denúncia de exploração de mão de obra escrava veiculada pela mídia. Já Gabriela12 12 Gabriela tem 27 anos e é arquiteta. Na época da pesquisa, havia sido recentemente demitida de um emprego em uma construtora e desenvolvia um projeto próprio de arquitetura popular. , por causa dessas mesmas notícias, tem evitado consumir em lojas de departamento em geral e buscado confecções locais, em que ela tem mais facilidade de “ver como a roupa é feita”.

A crítica social, nesses exemplos, alimenta as possibilidades de recuperação do mercado (ROUX, 2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.) ao estimular o surgimento de novos concorrentes com formas de atuação ajustadas nos pontos críticos, mudanças que podem até mesmo ser usadas como apelos de venda para atrair antigos e novos clientes. Do ponto de vista dos nossos interlocutores, essas práticas reafirmam seu engajamento em um modelo de consumo sustentado por eles como politicamente engajado e moralmente superior.

Além do boicote, práticas voltadas para a redução do impacto ambiental ou para o tratamento dos resíduos também foram relacionadas a argumentos de natureza corretiva direcionados a empresas. É o que faz Heloísa ao buscar comprar os produtos com refil, com menor impacto na produção de embalagem, ou em tamanhos grandes, com menor uso de plástico. Sua prática demonstra a atratividade desse tipo de produto no mercado. Heloísa separa todo o lixo de sua casa e o leva para cooperativas de reciclagem. Quando explica por que faz isso, ressalta que o problema do sistema está em não dar tratamento adequado ao lixo, em não promover a consciência de que o resíduo pós-consumo precisa de destinação e tratamento:

- As pessoas não sabem pra onde conduzir, a não ser pro lixo. Não temos nem uma coleta seletiva de fato, como vamos falar de queima de resíduo para produção de energia? A gente está muito aquém do que seria o ideal. (Heloísa)

Uma vez que as empresas incorporam essa preocupação em seus produtos, o sistema de produção capitalista torna-se mais ambientalmente correto, segundo seu ponto de vista. Heloísa assume, assim, o papel de justificadora do sistema que ela mesma critica, fundamentando ajustamentos reconhecidos como capazes de apresentar melhorias efetivas em termos de justiça e de restabelecimento do bem comum.

- Falar de lixo hoje é um supermercado, porque todo mundo produz lixo. Vejo o lixo como um produto, não uma coisa para ser descartada simplesmente. Tenho insights como “vamos produzir vassoura com garrafa pet?” Mas a força que é feita para transformar o lixo em produto... É super complexo. No Brasil, o lixo é aquilo a que se dá menos importância. (Heloísa)

Assim como sugerem Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), Heloísa incorpora, nessas operações, parte dos valores em nome dos quais o sistema capitalista é criticado, como por exemplo a solução de problemas por meio do mercado, com a criação e comercialização de novos produtos. Os autores destacam que a crítica dirigida apenas a um ponto atomizado do sistema capitalista, como as empresas, torna possível fazer uso de argumentos de ponderação, que colocam em questão as próprias fontes de indignação. No caso dos interlocutores da pesquisa, encontramos esforços no sentido de ponderar a validade da crítica presente nas práticas de boicote, como quando Bruna questiona a efetividade da ação ou suas consequências:

- Não gosto de rejeitar uma marca, não. Eu sou protetora dos animais, sei que empresas fazem teste. Estava super engajada nessa questão. Mas eu passei por uma experiência de estar no hospital e ver que a pessoa depende de uma medicação que precisa ser testada no animal. Mas se não for testado em animal, será como? Hoje não vejo outra maneira segura; temos que pensar em outros seres humanos. Não sou uma pessoa radical, não. E olha que tem muita gente que nem fala comigo por causa do meu ativismo. Eu era super ativa, ia para a televisão, falava mesmo. (Bruna13 13 Bruna tem 45 anos, é casada, artista plástica, presta consultoria e desenvolve objetos de design para empresas. )

Inseridos em um contexto de empreendedorismo econômico, alguns interlocutores colocam na balança, de um lado, os ganhos que a pressão do boicote pode trazer para a cadeia de produção, tornado-a mais justa, e, de outro, os benefícios que as empresas criticadas trazem para o mundo, como a geração de empregos. É o caso da fala de Diego:

- Saiu o negócio da Zara, que ela escraviza boliviano. Nunca falei “não vou consumir na Zara”. Eu não deixaria de consumir, porque tem um monte de gente que trabalha lá, que não tem nada a ver com o que aconteceu. (Diego14 14 Diego tem 25 anos, é advogado e sócio de dois colegas de profissão no escritório de advocacia em que atua. )

Nos termos de Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), esses mecanismos de associação entre duas ordens de grandeza são frágeis e podem ser tomados como uma forma de maquiar a verdade, a fim de torná-la apresentável. Ao acionar argumentos que justificam os impactos positivos de uma empresa na sociedade, para além e apesar dos pontos criticados, nossos interlocutores deixam espaço, assim, para o desarmamento interno da própria crítica.

Outra dimensão da crítica apresentada por eles desloca o alvo do modo de produção para mecanismos do mercado relacionados ao consumo de bens produzidos em grande escala e se volta contra a impessoalidade e as desigualdades do mercado em si. Uma primeira manifestação desse tipo de crítica tem um teor estético, de libertação, e se constitui, por exemplo, em práticas que buscam a constituição de mercados paralelos, não submetidos às regras do mercado tradicional (ROUX, 2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.). Nesses movimentos, os atores assumem o lugar de vendedores e produtores, subvertendo as lógicas de preço e mesmo de apropriação criativa e re-criativa de bens.

Fabiana, como já demonstrado, recorre à personalização de produtos. Ela explicita claramente sua visão contrária à padronização do consumo de massa, ressaltando que busca o processo de criação que gera exclusividade. Ao argumento estético, soma-se a crítica de natureza mais socioambiental, mas apenas como uma segunda camada, quando ela alega que, ao optar por encomendar a costureiras seus itens de vestuário, por exemplo, ou por customizar peças já usadas, também consome itens em menor quantidade.

Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) veem como positiva essa possibilidade de aliança da crítica estética com a crítica ecológica. Para eles, essa aliança constitui atualmente uma das únicas posições que atribuem valor em si à pluralidade e à singularidade dos seres, quer se trate de seres humanos, quer de seres naturais, ou mesmo artefatos.

Roux (2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.) a toma mais como uma postura lúdica de desvio e reapropriação de sentido e menos como um movimento de contracultura revolucionária e de consciência. A visão do autor nos permite analisar as observações feitas pelos interlocutores no sentido de autocrítica para explicar práticas que não estavam de acordo com as posições críticas expressas no primeiro momento.

Boltanski e Thévenot (1991BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. De la justification: Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991.) apontam que a autocrítica não surge espontaneamente, mas quando há confronto com um elemento externo. É o que faz Fabiana ao argumentar que tem refletido sobre a redução do consumo de forma geral, mas ainda não conseguiu incorporar totalmente esse aspecto em seu estilo de vida. Ela conta que comprou um “sapato nude” porque ainda não tinha um para combinar com um vestido novo, mas hoje se arrepende: “Eu não usei o vestido e não usei o sapato. Me sinto até mal; esse tipo de consumo não faz bem” (Fabiana). A análise do argumento dela, nesse sentido, aponta para uma dificuldade de abandonar a lógica mercantil e o valor social atribuído a ter o vestido e o sapato da moda, em uma autorreflexão que indica a insuficiência do esforço para a adoção de práticas de consumo mais críticas.

Outra manifestação de crítica dirigida à produção e ao consumo de massa coloca em primeiro plano o caráter mais social, questionando a desigualdade da distribuição de riqueza do mercado e buscando, a partir de uma atuação política direta por meio do consumo (BECK, 1997BECK, Ulrich. “Subpolitics: Ecology and the Disintegration of Institutional Power”. Organization & Environment, vol. 10, n. 1, pp. 52-65, 1997.), interferir nessa lógica, tornando-a mais justa. Heloísa nos diz que quando precisa comprar móveis sob medida prefere contratar um marceneiro do bairro a ir a uma conhecida loja de rede. Para ela, essa é uma forma de gerar renda diretamente para o produtor, de “ver para onde vai o dinheiro”. Fabiana utiliza o mesmo argumento ao dizer que compra frutas e verduras na feira de alimentos orgânicos de seu bairro, em vez de ir ao supermercado. Ela “vê o produtor toda semana ali, perto de casa [dela], montando as barracas a partir das 22h” e se “sente melhor” gerando uma renda direta para aquelas pessoas cujo esforço testemunha.

Esse tipo de argumentação recupera a denúncia de Marx (2013MARX, Karl. “A mercadoria [O capital]”. In: BOTELHO, André (org). Essencial sociologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, pp. 118-177.) ao fetichismo da mercadoria. O autor condena a lógica burguesa que toma as mercadorias como fins em si mesmas, sem as ver como expressão de relações sociais e do trabalho humano e, assim, convertendo o produto do trabalho em um hieróglifo social em que essas mesmas relações ficam obscurecidas e nebulosas. A prática de consumo crítico passa a ser então uma forma de deslocar o olhar do processo de produção para as pessoas que estão por trás desse processo.

Igualmente, essa lógica de justificação deixa espaço para a autocrítica. É o que sugere Heloísa, quando, ao me mostrar seu closet, já proclama, em tom de autorreprovação: “Esse é o símbolo do meu consumismo!”. Ela faz a autocrítica ao admitir: “Eu sou consumista ainda; me acho consumista. Gosto de ir à butique comprar roupa; gosto de entrar na loja de maquiagem”. Mas, imediatamente, aciona uma camada de justificação diferente para suas compras frequentes:

- Mas eu não vou em muitas lojas; não gosto muito de shopping, essas coisas. E eu tenho essa coisa de pensar que eu tenho que gerar renda pro meu bairro, pro meu estado; eu quero comprar coisa de um artesão para dar de presente. (Heloísa)

Diferentemente de Fabiana, que admite se sentir mal com o consumo de itens que acabou por não usar, Heloísa mobiliza o dispositivo de compromisso com que justifica o excesso de consumo a partir do fato de que “pelo menos” é um tipo de consumo que traz benefícios para seu bairro, para lidar com sua própria autocrítica.

Os dados apresentados até aqui demonstram que nossos interlocutores não apresentam críticas radicais às práticas de consumo. Embora elementos de crítica à lógica capitalista estejam presentes, outros aspectos fundamentais do sistema são reforçados, como a valorização de bens posicionais. Trata-se de uma justaposição de justificações que busca acionar simultaneamente duas grandezas que podem, por vezes, soar contraditórias. A migração para argumentos pertencentes a uma lógica diferente aparece nas práticas que carregam uma crítica mais marcada ao consumo “supérfluo” ou “excedente”, que denunciam sob a alcunha “consumismo”, com a bandeira do “menos é mais” (CHAUVEL et al., 2015CHAUVEL, Marie Agnes; SILVA, Renata Céli Moreira da; ARAUJO, Fábio Francisco; HOR-MEYLL, Luis Fernando. “Anti-consumo no Brasil: Reflexões sobre estudos existentes e proposta de uma agenda de pesquisa”. Facef Pesquisa: Desenvolvimento e Gestão, vol. 18, n. 1, p. 5-23, 2015.).

O discurso classificado como anticonsumista aparece identificado com duas formas de justificação. A primeira está relacionada a uma recusa a estimular o crescimento da produção de bens materiais, em uma afronta direta à premissa capitalista da produção ilimitada (ROUX, 2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.). A segunda justificação, por sua vez, está relacionada a uma dimensão mais individual, em que a simplicidade voluntária se torna uma postura espiritual e ética oposta ao materialismo, ou seja, à realização pessoal por meio do consumo de bens materiais.

Nas práticas analisadas, mais uma vez, vemos as duas naturezas de justificações, individual e coletiva, articuladas em conjunto, em situações que demonstram pretensões a uma crítica de natureza mais radical, articulada pelos interlocutores, entretanto, com diferentes níveis de engajamento. Os interlocutores Gabriela, Carlos e Ângelo relataram que situações de queda na renda pessoal influenciaram diretamente a “tomada de consciência anticonsumista”, nas palavras de Ângelo. Embora em um primeiro momento acionem justificativas de natureza mais coletiva, como a reflexão de Gabriela sobre o fato de que “a gente não pode ficar consumindo tudo desenfreadamente pra sempre” e sua percepção de que “o mundo tem falado mais dessas coisas”, os três admitem o motivador individual associado à redução do poder de compra para a adoção dessa postura. Carlos, inclusive, afirma que quando sua situação financeira melhorar, ele vai manter certo nível de consciência, mas vai também “relaxar” com relação à postura de consumo: “Tenho certeza de que quando eu estiver mais estável, algumas coisas eu vou passar a nem olhar. Mas eu sei que eu não sou consumista fútil”.

Essa fala nos permite observar como essas práticas de consumo político têm no posicionamento anticonsumista um valor adquirido na restrição do ato de compra. Nesse sentido, o posicionamento político que buscam efetivar por meio de suas novas práticas de consumo é um recurso de ressignificação e reposicionamento, agora articulado a uma ordem de grandeza que se sustenta a partir do questionamento de outra, pautada no potencial de consumo. É um estilo de vida, uma prática simbólica em que a intencionalidade do consumo está relacionada “a um desejo, próprio ao extremado narcisismo contemporâneo, de obter uma imagem positiva de si por si” (GAZUREK, 2011GAZUREK, Marie-Océane. Consumo de luxo em São Paulo: Um estudo sobre o Shopping Cidade Jardim. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 34). Por meio dela, esses atores “transformam o estilo num projeto de vida e manifestam sua individualidade e seu senso de estilo na especificidade do conjunto de bens, roupas, práticas, experiências, aparências e disposições corporais destinados a compor um estilo de vida” (FEATHERSTONE, 1998FEATHERSTONE, Mike. “The Flâneur, the City and Virtual Public Life”. Urban Studies, vol. 35, n. 5-6, pp. 909-925, 1998., p. 123).

Essa lógica argumentativa, além de associar uma razão individual e uma razão coletiva à prática de consumo, o faz transformando uma característica que poderia ser vista como negativa no mundo mercantil (restrições financeiras para o consumo) em uma característica positiva. A estratégia utilizada pelos nossos interlocutores, acionar o consumo político como um recurso de justificação, lhes permite, desse modo, uma reversão da sua posição no interior de uma ordem de grandeza mercantil. Nesse caso, uma característica que poderia ser vista como um reforço do estado de pequeno (BOLTANSKI e THÉVENOT, 1991BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. De la justification: Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991.), pouco qualificado em um regime de justificação moral em que o poder de consumo é valorizado, é reenquadradada em um regime moral alternativo, em que o consumo frugal passa a representar o bem comum. Dessa forma, ela passa a reforçar um estado oposto, e o ator que pouco consome passa a ter o status de grande ou muito qualificado.

Essa busca por reverter um estado de pequeno - no mercado de consumo - a grande - porque assentado em práticas de consumo “conscientes” - e, assim, fortalecer novamente a identidade pessoal pode mostrar-se frágil, porque motivada por uma condição que o ator objetiva superar. Carlos, por exemplo, mora em um apartamento mobiliado de forma simples em decorrência do momento de vida por que passa, e não de uma decisão pela “simplicidade voluntária” (ROUX, 2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.).

É interessante observar como os atores exercitam a crítica, associando-a a outras lógicas que permitem escapar da consciência política no consumo. É o caso do acionamento do hedonismo e da autoindulgência (KIVETZ e SIMONSON, 2002KIVETZ, Ran; SIMONSON, Itamar. “Self-Control for the Righteous: Toward a Theory of Precommitment to Indulgence”. Journal of Consumer Research, vol. 29, n. 2, pp. 199-217, 2002.) como justificativa para o consumo. Carlos me contou que ter um carro é um aspecto fundamental em sua vida porque dirigir, para ele, é uma forma de relaxar e um momento para refletir sobre alguma questão específica. Fabiana relatou que conseguiu manter a disciplina na compra on-line que faz no supermercado, respeitando o limite que se autoimpôs: “imune às seduções” dos corredores, permite-se, quando vai até a loja física retirar as compras, “comprar um vinho ou uma massa diferente, para fazer algo especial”. Gabriela também, ao fazer as compras mensais, sob sua responsabilidade na casa que divide com a mãe, “de vez em quando” se dá ao luxo de se desviar da lista de compras do mês para comprar um chocolate de sua marca preferida.

Essas práticas, que colocam em questão o posicionamento assumido discursivamente, são justificadas a partir de uma lógica hedonista. Kivetz e Simonson (2002KIVETZ, Ran; SIMONSON, Itamar. “Self-Control for the Righteous: Toward a Theory of Precommitment to Indulgence”. Journal of Consumer Research, vol. 29, n. 2, pp. 199-217, 2002.) identificam o hedonismo como uma sensação de merecimento puritana, ou seja, uma recompensa pelo esforço, pela necessidade de dizer “não” para si mesmo todos os dias. Por essa lógica, a indulgência é vista como merecimento. O esforço de consumir com consciência e racionalidade, principalmente quando o alvo é a redução do consumo, é compensado pela possibilidade de se dar ao luxo e consumir coisas e experiências reconhecidas como supérfluas, para o bel-prazer.

Outra relação com a crítica ao consumismo encontrada em nosso campo pode ser ilustrada com o caso de Ângelo. Ele diz ter se sensibilizado para a importância de consumir menos após ter deixado o trabalho na esfera pública e ter migrado para o mundo do empreendedorismo como prova da sua adesão às práticas de consumo sustentável que defende. Ele recorre, como justificativa, à postura espiritual e ética identificada por Roux (2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.) e reforçada por Chauvel et al. (2015CHAUVEL, Marie Agnes; SILVA, Renata Céli Moreira da; ARAUJO, Fábio Francisco; HOR-MEYLL, Luis Fernando. “Anti-consumo no Brasil: Reflexões sobre estudos existentes e proposta de uma agenda de pesquisa”. Facef Pesquisa: Desenvolvimento e Gestão, vol. 18, n. 1, p. 5-23, 2015., p. 13): “a existência de um ideal oposto à visão associada à sociedade de consumo, de que ter é um meio para atingir felicidade”. Ângelo reforça esse aspecto quando explica o valor que atribui ao consumo: “A última vez que eu comprei roupa foi há dois anos. Eu percebi o seguinte: quanto menos eu precisar ter, mais opções eu vou ter de ser. Eu tô fugindo de ser recurso humano, quero ser um ser humano”.

Diferentemente de Carlos, Ângelo reforça sua postura diante da simplicidade do consumo, mesmo tendo acesso a bens posicionais, como um relógio de ouro, que não usa mais. Essa visão do consumo como uma prática que distrai da real fonte de felicidade pode ser identificada também na representação presente na fala dos nossos interlocutores sobre os espaços icônicos para o consumo. Os shopping centers, descritos por Featherstone (1987FEATHERSTONE, Mike. “Lifestyle and Consumer Culture”. Theory, Culture and Society, vol. 4, n. 1, pp. 55-70, 1987.) como locais de expressão carnavalesca do consumo, em que se busca a compensação pelo esforço empenhado no trabalho, são rejeitados e tidos como símbolos de um consumo vazio e sem sentido. Essa postura pode ser exemplificada por falas de nossos interlocutores como: “Tenho preguiça de shopping”; “[d]everíamos ir somente quando precisamos de alguma coisa”; “[a]gora não tenho mais vontade de ir ao shopping dar uma voltinha”. Ao articularem esses argumentos, eles colocam-se em disputa de grandeza: defendem seu modo de vida e apontam elementos desqualificadores das práticas que identificam como consumistas. Acionando princípios de grandeza alternativos à lógica mercantil pura e simples, estabelecem uma separação entre “nós, consumidores com consciência” e “eles, os consumistas”. Essa separação, na forma como a apresentam, sugere marcadores claros de valor, define os tipos de práticas adequadas e inadequadas e, com o exemplo dos shoppings, indica até mesmo espaços legítimos de circulação.

Essa cruzada moral (BECKER, 2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.) que prega um novo estilo de vida baseado, entre outras coisas, em práticas críticas de consumo, pode ser identificada na forma como os atores publicizam essas questões. As críticas realizadas com mudanças no consumo não pressupõem apenas a troca de um serviço e produto por outro ou o abandono de determinados tipos de prática, mas a articulação de um discurso a respeito, ainda que na esfera micropública (PORTILHO, 2010PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2010.). Caracteriza-se, assim, no que Hirschman (1970HIRSCHMAN, Alberto. Exit, Voice and Loyalty: Responses to Decline in Firms, Organizations, and States. Cambridge: Harvard University Press, 1970.) chamou de crítica do tipo voz (voice), em que a insatisfação inicial e o motivo de indignação são de alguma forma expressados, promovendo uma oposição de justificações.

Alguns interlocutores de fato restringem a coletivização da crítica ao campo micropúblico da família e do ambiente de trabalho. Eles manifestam como razão para não ampliar o diálogo sobre o tema a preocupação com questões como o ativismo “chato” e a possibilidade de soarem incoerentes em seu discurso. Outros, por sua vez, sentem-se confortáveis em expandir a conversa, fazendo uso das tecnologias de informação e comunicação para expor publicamente seus pontos de vista, efetivando sua atuação como empreendedores relacionados ao tema da sustentabilidade.

Nas interações no grupo de WhatsApp, membros recorrem ao espaço do grupo - que contava, no momento da pesquisa, com 84 pessoas - para compartilhar práticas que julgam interessantes, pedir recomendações de prestadores de serviço e produtos considerados ecologicamente corretos, como paletes para jardim suspenso e horta, solicitar dicas de presentes artesanais locais ou mesmo trocar ou doar itens. São frequentes palavras e emoticons de apoio e incentivo a esses tipos de práticas. A sociabilidade no grupo é utilizada pelos interlocutores para sensibilizar aqueles com comportamento diferente, ampliar o repertório daqueles com comportamento igual e mesmo obter reconhecimento e apoio às decisões tomadas ou aos modelos adotados. É um ponto de referência e de constituição de público; pode ser visto como um meio de sociabilidade que facilita encontros, catalisa as simpatias, garante a solidariedade e ainda é capaz de comandar a eleição de afinidades e a representação de si: um contexto de produção de sentidos, definindo o que é bom e o que é ruim dizer, fazer e acreditar (CEFAÏ, 2009CEFAÏ, Daniel. “Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, vol. 2, n. 4, pp. 11-48, 2009.).

Desse modo, as interações no grupo demonstraram, ao longo do processo de observação, o potencial desse contexto para a consolidação do que, nos termos de Becker (2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.), podemos classificar como uma comunidade desviante organizada, com seus referenciais de valor próprio e em constante negociação. O grupo é fonte de argumentos de justificação, bem como propagador de estratégias de manutenção das práticas compartilhadas. É espaço de ajustamento discursivo entre os atores presentes, potencializando sua capacidade crítica ao agir, individual ou coletivamente, e reforçando o referencial de bem compartilhado - nesse caso, o engajamento em práticas de consumo sustentáveis.

Alguns interlocutores vão além do diálogo na esfera micropública e se especializam como porta-vozes do grupo ou do estilo de vida que o demarca. É o caso de Kelly, que tem um canal no YouTube. O mesmo acontece com Otávio15 15 Otávio é membro do grupo do NES no WhatsApp e trabalha em um portal de consumo colaborativo, em que podem ser feitas transações de compra, venda, empréstimo, trocas e doações. Também executa próteses odontológicas, sua principal fonte de renda. , que mantém um blog voltado para a discussão e o fomento do consumo colaborativo.

Nesses casos, a cruzada moral ganha complexidade porque seus atores acumulam pelo menos dois papéis: são consumidores e empreendedores de negócios ditos sustentáveis16 16 O convite para a participação nas entrevistas foi divulgado no grupo de WhatsApp do NES. Apesar de o grupo ser diversificado, os oito voluntários para essa etapa da pesquisa terminaram por ser todos de perfil empreendedor autônomo, envolvidos no desenvolvimento de projetos próprios relacionados, em diferentes medidas, a questões socioambientais. . Esse aspecto dialoga com um dos pontos centrais para Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) ao descrever o novo espírito do capitalismo: o mundo conexionista e as relações em rede. Diferentemente da lógica doméstica micropública, em que as relações pessoais são importantes em função de elos estabelecidos previamente (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), e também de forma distinta das comunidades que compartilham espaços físicos ou virtuais (BAUMAN, 2003BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.), na rede, essas conexões visam parcerias pontuais em função da execução de projetos específicos (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009).

Esses atores são empreendedores de si (MAGNO e BARBOSA, 2011MAGNO, Attila; BARBOSA, Silva. “O empreendedor de si mesmo e a flexibilização no mundo do trabalho”. Revista de Sociologia e Política, vol. 19, n. 38, pp. 121-140, 2011.) em um duplo sentido: ao ressignificarem as posições que ocupam como consumidores de baixo potencial (condição compulsória ou não) e ao traduzirem esse estilo de vida e consumo em uma nova fonte de renda, efetivada, sobretudo, pela própria experiência pessoal.

Considerações finais

Na lógica do empreendimento moral verificado na fala de nossos interlocutores, uma nova equação de valor parece consolidar-se: a busca por experiências que proporcionem oportunidades de conhecer e aprender coisas novas. Essas experiências assumiriam uma posição superior em relação ao consumo de bens materiais, o que sugere uma percepção do consumo de experiências como um não consumo. Experiências de turismo e gastronomia foram os exemplos mais recorrentes em nosso campo, com construções argumentativas como as de Heloísa: “Eu diminuí muito o consumo; hoje prefiro gastar dinheiro com experiências, como quando viajo para lugares menos turísticos” ou “gosto mesmo é de sair para comer, conhecer coisas diferentes”.

Sassatelli (2015SASSATELLI, Roberta. “Contestação e consumo alternativo: A moralidade política da comida”. Tessituras, vol. 3, n. 2, pp. 10-34, 2015.) identifica nessas práticas de contornos anticonsumistas um comportamento que conceitua como consumo frugal, ou seja, “uma forma instrumental de consumo, individualista e não subversiva, preocupada com maneiras de poupar dinheiro com o básico e frívolo, de forma a poder investir em bens mais duráveis e significativos” (Ibid., p. 28). A busca por esse consumo mais durável e significativo está relacionada à valorização do trabalho e do tempo livre, em um processo de desmaterialização do consumo valorizador de experiências que possam contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional (ROUX, 2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.).

Nos momentos de desconexão do trabalho, a busca por territórios de compensação (BARBOSA, 2004BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.) se faz presente no desejo por “experiências” que proporcionem oportunidades de conhecer e aprender coisas novas. Amparo para o argumento que valoriza o “ser” sobre o “ter”, essa dicotomia entre o bem material e a experiência vivida apresenta-se como uma das bases de justificação dessas práticas de consumo, sustentáculo do caráter político que elas buscam efetivar.

No enfrentamento do conflito gerado pelos novos valores associados ao consumo crítico, pode-se identificar o que Cherrier (2009, p. 185) chama de reforço da “identidade do herói”, ou seja, um fortalecimento da crença de que as mudanças individuais podem reduzir a opressão e as desigualdades postas pelo sistema capitalista. Essa ideia é retomada por Chauvel et al. (2015CHAUVEL, Marie Agnes; SILVA, Renata Céli Moreira da; ARAUJO, Fábio Francisco; HOR-MEYLL, Luis Fernando. “Anti-consumo no Brasil: Reflexões sobre estudos existentes e proposta de uma agenda de pesquisa”. Facef Pesquisa: Desenvolvimento e Gestão, vol. 18, n. 1, p. 5-23, 2015.) para salientar as renúncias e dificuldades geralmente associadas a esse heroísmo.

Heloísa enfatiza a luta que diz travar consigo mesma para se concentrar naquilo que “realmente tem valor”. Ela se diz ainda incapaz de superar totalmente a dicotomia entre o que acha bonito e desejável e o que é sustentável. Ângelo, ao contrário, é totalmente identificado com o mundo dito sustentável, inclusive com a realidade material que dá sustentação aos valores a ele associado. Ainda assim, ele relata a dificuldade de se fazer respeitado por seus sogros: eles estranham o fato de ele só andar com uma mesma bermuda e um mesmo chinelo, fazendo com que ele tenha que se provar bem-sucedido profissionalmente “apesar” de seu estilo de vida frugal.

O esforço necessário para operar a cruzada moral é também o pano de fundo para desculpas para comportamentos pouco críticos de nossos interlocutores - em relação a si mesmo e a pessoas sob suas esferas de influência -, sob a alegação de um limite de impotência diante de um sistema maior. Nesses casos, “alguém admite que o ato em questão seja ruim, errado ou inapropriado, mas nega ter plena responsabilidade sobre ele” (WERNECK, 2014WERNECK, Alexandre. “Sociologia da moral, agência social e criatividade”. In: WERNECK, Alexandre; OLIVEIRA, Luis (orgs). Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral. Rio de Janeiro: Faperj, 2014, pp. 21-43., p. 32). Esse é o expediente a que recorre Ângelo para explicar os hábitos de sua noiva, por ele considerados consumistas, apesar de seus alegados esforços para conscientizá-la. Ele considera difícil fazê-la mudar em razão do contexto que a leva para o consumismo, associado por ele “à sociedade, a um fluxo [de pressão consumista] que toda hora te joga lá pro meio dele” e a um ritmo de vida que considera o consumo como uma válvula de escape e compensação. Na opinião de Ângelo, os fatores que contribuem para o comportamento consumista de sua noiva se relacionam ao fato de ela “trabalhar e estudar muito e ainda manter um relacionamento à distância”.

Outra razão para o desvio das práticas críticas de consumo foi atribuída por nossos interlocutores à ineficiência dos serviços públicos. Ao falar sobre hábitos relacionados ao tratamento de resíduos, o próprio Ângelo explicou que não faz nada; não separa o lixo para reciclagem porque sabe que a administração municipal não faz coleta seletiva. Ele diz que sua forma de amenizar o problema é tentar consumir menos. Diego é ainda mais fatalista:

- O consumidor por si só não tem voz; ele tem que ter uma voz pública, institucional. As empresas estão embaixo. O poder público não vê. O poder público tem que regular a empresa, não educar o consumidor igual a uma criança. Tem que punir a empresa, educar a empresa. A gente pode criar um movimento social de consumo, mas fazendo essas ações diretas com pequenas empresas. Quem vai transformar é o pequeno empresário. (Diego)

Por fim, outro grupo de justificativas está relacionado à falta de informação. Vários dos interlocutores reconhecem na internet uma fonte acessível para a busca de informações sobre empresas, sustentabilidade e práticas de consumo em geral, e fazem alusão a blogs, documentários e vídeos curtos que os inspiraram a pensar sobre esses assuntos. Entretanto, a informação é vista ainda como insuficiente, o que justificaria o fato de as pessoas não adotarem práticas de consumo mais politizadas: “Acho que falta muita informação; por isso as pessoas não têm consciência. E o consumo é muito impulsivo, 99% do nosso consumo é na hora” (Ângelo).

É necessário demarcar que o perfil dos interlocutores da pesquisa confere destaque ao caráter elitista dos consumidores analisados. Mesmo aqueles que optaram por uma mudança radical de vida, como Ângelo, admitem ter uma estrutura familiar extensa e financeiramente estável, capaz de lhes dar suporte ou mesmo garantir um estilo de vida sem grandes privações, caso necessitem.

A crítica presente no discurso deles tem caráter notadamente socioambiental, direcionada ao questionamento de aspectos da cadeia de produção, comercialização e consumo, a características do consumo massificado e ao “consumismo”, sugerindo uma nova moralidade com princípios centrados na valorização do ser, em vez de no ter. Se as críticas questionadoras do modo de produção e das regras de mercado de massa podem ser vistas com um caráter mais corretivo, no sentido de tornar as condições de produção mais justas e com menor impacto negativo, e mesmo lúdico, aquelas que se voltam contra a ideia do consumismo ambicionam o papel de crítica radical ao sistema: aludem a uma nova ética, baseada em novos valores, com ênfase na preservação e restauração dos recursos e na realização pessoal liberta da opressão do consumo. Entre as últimas, encontramos práticas que colocam em questão a própria economia monetária, privilegiando transações de troca ou de reaproveitamento de produtos, sugerindo contornos de um novo mundo, habitado por objetos reutilizados, usados, antigos ou mesmo feitos com as próprias mãos, com técnicas tradicionais e artesanais. Ainda assim, são dotadas de contornos mercadológicos, sugerindo um novo código que aparece na apresentação performática de si (FEATHERSTONE, 1987FEATHERSTONE, Mike. “Lifestyle and Consumer Culture”. Theory, Culture and Society, vol. 4, n. 1, pp. 55-70, 1987.) em que a simplicidade voluntária (ROUX, 2007ROUX, Dominique. “La résistance du consommateur: Proposition d’un cadre d’analyse”. Recherche et Applications en Marketing, vol. 22, n. 4, pp. 59-80, 2007.) ganha valor.

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  • 1
    Os dados aqui analisados foram coletados na pesquisa para a dissertação O consumo político e a crítica no discurso de um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória (ES), desenvolvida por Liliane Moreira Ramos (2018RAMOS, Liliane Moreira. O consumo político e a crítica no discurso de um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória/ES. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Universidade Vila Velha, Vila Velha, 2018.) sob a orientação de Manuela Vieira Blanc, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Vila Velha (UVV). A pesquisa integrou o projeto Cep 29: Núcleo capixaba de estudos da experiência humana em meio urbano, financiado pelo edital CNPq/Fapes nº 22/2018 - Programa Primeiros Projetos (PPP) nº 058/2019. Este texto deriva ainda de um processo de construção conjunta que envolveu a apresentação do trabalho ”Consumo, logo participo? O consumo político e a crítica em um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória (ES)” (MOREIRA e BLANC, 2018MOREIRA, Liliane Moreira; BLANC, Manuela Vieira. “Consumo, logo participo? O consumo político e a crítica em um grupo de empreendedores sustentáveis da Grande Vitória/ES”. In: Anais do 42º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 22 a 26 out. 2018.) no 42° Encontro Anual da Anpocs. Agradecemos pelas interlocuções estabelecidas ao longo do processo de aprimoramento deste trabalho, especialmente aquelas com os membros da banca de defesa da dissertação, os coordenadores do Simpósio de Pesquisa Pós-Graduada (SPG) Sociologia e Antropologia da Moral, da Anpocs, e os pareceristas deste artigo.
  • 2
    Todos os nomes citados neste trabalho são fictícios, incluindo o do NES, os das empresas e iniciativas de propriedade dos interlocutores e os dos projetos por eles mencionados, evidenciando sua importância não por sua identidade, mas por se apresentarem como sujeitos exemplares entre os possíveis. No espaço físico do NES, são oferecidos cursos voltados para empreendedores e para a comunidade em geral, como cursos de gestão, oficinas de técnicas produção artesanais e naturais e palestras com temas relacionados à inovação e ao que chamam de negócios sustentáveis. Para manter a anonimização dos interlocutores, o trecho que se refere ao objetivo do espaço, extraído de seu site, sofreu mínimas edições textuais. Por esta mesma razão, a referência ao site de origem está omitida neste artigo.
  • 3
    As incursões ao local foram realizadas entre junho e dezembro de 2017; a observação etnográfica no grupo de WhatsApp ocorreu entre 22 de junho de 2017 e 5 de novembro 2017; por fim, foram realizadas oito entrevistas em profundidade, entre 1º de novembro de 2017 e 9 de janeiro de 2018.
  • 4
    Essa orientação, de caráter pragmatista, se atenta para o momento reflexivo de retorno sobre o que se passou ou de interpretação do que está em curso, buscando dirigir o questionamento às intenções, às crenças e à análise da busca a que procedem as pessoas elas mesmas, notadamente aquelas que se entregam a um processo de intenção (BOLTANSKI e THÉVENOT, 1991BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. De la justification: Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991.).
  • 5
    Mantivemos procedimentos básicos da tradição etnográfica, como a postura inicial de estranhamento do pesquisador em relação ao objeto, a consideração da subjetividade como elemento fundante e dados resultantes da observação de relações — nesse caso, mediadas por tecnologia e, ainda assim, permeadas por emoções, responsabilidade individual e julgamentos (LÉVY, 1999LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.).
  • 6
    Ângelo tem 35 anos e é fundador do NES. É engenheiro ambiental e deixou uma carreira no setor público para se dedicar exclusivamente ao núcleo, de onde provém toda sua renda.
  • 7
    Embora ocupe relevância central, ponderam Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), a crítica nem sempre é a mola propulsora do sistema capitalista. Outros fatores, como a pressão constante da concorrência e a observação dos movimentos estratégicos que ocorrem nos mercados, são estímulos para a procura de novos modos de agir por parte dos dirigentes empresariais.
  • 8
    Fabiana tem 40 anos, é formada em turismo com especialização em marketing e trabalha no setor público. Pretende se candidatar a um cargo eletivo no NES. Na época da entrevista, pretendia candidatar-se à deputada estadual.
  • 9
    Kelly, de idade desconhecida, apresenta-se como “engenheira especialista em sustentabilidade, consumo consciente, green lifestyle, travel”. Em seu canal do YouTube e em sua conta no Instagram, diz: “[aqui] você vai encontrar um conteúdo muito bacana, que é criado através da minha própria experiência com a vida sustentável e meus hábitos de consumo consciente”. Relato obtido no grupo do NES no WhatsApp.
  • 10
    De Marcelo, cuja fala foi retirada das conversas no grupo do NES no WhatsApp, sabemos apenas que trabalha com o que chama de “arte-bonsai”.
  • 11
    Heloísa tem 52 anos, é administradora e divide seu tempo entre a atuação em uma empresa privada de tratamento de resíduos e as atividades no NES. É sócia de Ângelo.
  • 12
    Gabriela tem 27 anos e é arquiteta. Na época da pesquisa, havia sido recentemente demitida de um emprego em uma construtora e desenvolvia um projeto próprio de arquitetura popular.
  • 13
    Bruna tem 45 anos, é casada, artista plástica, presta consultoria e desenvolve objetos de design para empresas.
  • 14
    Diego tem 25 anos, é advogado e sócio de dois colegas de profissão no escritório de advocacia em que atua.
  • 15
    Otávio é membro do grupo do NES no WhatsApp e trabalha em um portal de consumo colaborativo, em que podem ser feitas transações de compra, venda, empréstimo, trocas e doações. Também executa próteses odontológicas, sua principal fonte de renda.
  • 16
    O convite para a participação nas entrevistas foi divulgado no grupo de WhatsApp do NES. Apesar de o grupo ser diversificado, os oito voluntários para essa etapa da pesquisa terminaram por ser todos de perfil empreendedor autônomo, envolvidos no desenvolvimento de projetos próprios relacionados, em diferentes medidas, a questões socioambientais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    22 Set 2020
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