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Gênero e autonomia: o caso da ação direta de inconstitucionalidade n. 4.424

Gender and autonomy: the case of the direct unconstitutionality action n. 4.424

Resumo

O artigo analisa os discursos judiciais da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.424, que tratou de dispositivos da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), para verificar como a decisão repercute sobre a proteção do direito das mulheres. A análise do acórdão teve como referência conceitos e problemas presentes no debate teórico feminista sobre autonomia. A percepção da decisão do STF como um avanço na proteção dos direitos das mulheres convive de forma desarmônica com as abordagens tradicionais sobre a família e os estereótipos de gênero.

Palavras-chave:
Violência doméstica; Autonomia; Preferências

Abstract

This article analyzes the judicial reasoning in the Direct Unconstitutionality Action n. 4.424, about the Lei Maria da Penha (Law n. 11.340/2006), aiming to debate how this decision impacts the protection of women’s rights. The theoretical analysis departed from concepts and issues that are present in the feminist theoretical debate about autonomy. Perceiving the Supreme Court decision as an advance in women's rights protection coexists in a disharmonious way with traditional approaches about the family and gender stereotypes.

Keywords:
Domestic violence; Autonomy; Preferences

Introdução 11 O presente artigo constitui uma versão adaptada da monografia de conclusão de curso da autora Laura Carneiro de Mello Senra, advogada e bacharela em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. A pesquisa foi concluída em dezembro de 2013 sob orientação da Profa. Dra. Flávia Biroli, professora associada do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL-UnB).

A violência contra a mulher no âmbito doméstico ainda é um fenômeno presente na vida das mulheres de diferentes países e culturas. No contexto brasileiro, há inúmeras pesquisas que revelam que as famílias são esferas nas quais as mulheres não estão seguras ( DataSenado, 2013 DataSenado. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher . Secretaria de Transparência, Março de 2013. Disponível em: http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf Consulta em 26/11/2013.
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;Avon/Ipsos, 2013 Instituto Avon; Data Popular. Percepções dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher. Novembro, 2013. Disponível em: http://www.institutoavon.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Pesquisa-Avon-Instituto-Ipsos-2013.pdf Consulta em 26/11/2013.
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; WALSELFISZ, 2012 WALSELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Caderno Complementar 1: Homicídio de mulheres no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari, 2012. Disponível em: http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_mulher.pdf Consulta em 26/11/2013.
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; entre outras). Estima-se que, a cada vinte e quatro segundos, uma mulher sofre violência, sendo que, na maioria dos casos, os agressores são os próprios parceiros íntimos. A violência contra a mulher, enquanto padrão estrutural, está diretamente associada à distribuição desigual de poder entre os gêneros, que é estruturante das percepções tradicionais sobre o masculino e o feminino.

A Lei 11.340/2006 _____. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [...] e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 8 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Consulta em 20/11/2013.
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(Lei Maria da Penha) foi criada após ampla mobilização dos movimentos feministas brasileiros, que, pelo menos desde a década de 1980, têm como pauta o direito das mulheres a uma vida livre de violência. Essa norma, reconhecendo que a igualdade jurídica formal não é suficiente para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais, institui proteção específica para mulheres em situação de violência doméstica.

Não obstante a edição da Lei Maria da Penha tenha sido marcadamente influenciada por uma perspectiva crítica de gênero, sua aplicação sofre inflexões e rupturas pela jurisprudência e doutrina pátrias. Um dos eixos desse debate foi encerrado na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.424, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR) para conferir interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 12, I, 16 e 41 da Lei, no sentido de que a ação penal para processar lesões corporais leves, praticadas contra mulheres no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada à representação.

Buscando aprofundar a reflexão sobre os discursos judiciais acerca da efetividade dos direitos das mulheres, especialmente no contexto doméstico e familiar – em que as mulheres não raro estão em posição de vulnerabilidade –, esse trabalho analisou a íntegra da Sessão de Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.424, a partir das contribuições da teoria política feminista sobre autonomia. A opção metodológica pela transcrição da Sessão de Julgamento ocorreu pelo fato de o inteiro teor do acórdão não ter sido publicado pelo Supremo Tribunal Federal até a realização da presente análise.

A primeira parte da discussão concentra uma revisão bibliográfica sobre as abordagens teóricas presentes na teoria política feminista contemporânea sobre a autonomia. O objetivo é traçar pontos de convergência e divergência entre perspectivas procedimentais e substantivas, percebendo conteúdos, valores e limites do ideal da autonomia decisória, especialmente diante de escolhas e preferências que reforçam padrões de opressão e dominação.

A segunda parte contextualiza brevemente alguns marcos legais e institucionais relacionados ao enfrentamento da violência doméstica no Brasil. Esse capítulo oferece as bases para situar o impacto da ADI 4.424 sobre os direitos das mulheres. O recorte temporal foi traçado a partir da criação dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/1995 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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).

Após, recorremos a esses pressupostos teóricos e históricos para analisar as narrativas judiciais que são conjugadas na Sessão de Julgamento do STF. Essa análise possui quatro desdobramentos principais: a percepção da decisão da ADI 4.424 como um avanço na proteção aos direitos das mulheres, as tensões entre privacidade e autonomia decisória, a inserção das mulheres na família e os estereótipos que perpassam os discursos judiciais.

Desenvolvimento

1 Teoria política feminista, autonomia e construção de preferências

Na teoria política feminista, há distintas perspectivas sobre a relação entre o exercício da autonomia, os efeitos da opressão e da subordinação, e a formação de preferências e de identidades. A produção de escolhas, opiniões e ambições dos indivíduos está situada numa trama de relações e é fortemente influenciada por um contexto, no qual interagem padrões culturais de socialização, componentes normativos e institucionais. As opções individuais estão inseridas numa conjuntura e atreladas “às posições em uma coletividade, em redes desiguais que se estabelecem em contextos sociais concretos” (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 81).

Essas abordagens teóricas visam a enfrentar problemas concretos envolvendo a tensão entre a expressão da autonomia dos indivíduos e as relações de poder produzidas pelas estruturas sociais – representadas por valores, coação, tradição ou o discurso das instituições. A crítica feminista se preocupa não apenas com a manifestação das preferências, mas, fundamentalmente, com o que a antecede. Nesse sentido, o processo de socialização e os efeitos da opressão e dos constrangimentos sistemáticos são centrais à análise da formação das preferências e da agência individual, uma vez que podem refletir nas suas escolhas. Esses elementos possuem especial relevância em abordagens que, tomando o gênero como categoria de análise 2 2 Joan Scott (1986) designa o gênero como uma categoria analítica que, primeiro, representa um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças observadas entre os sexos e, segundo, constitui um modo primário de atribuir significado a relações de poder. , visam a questionar escolhas que reforçam padrões de opressão das mulheres.

Colocar em oposição a escolha dos indivíduos e os constrangimentos sociais implica considerar que, por mais que as preferências pessoais estejam situadas e sejam construídas socialmente, não estão absolutamente determinadas por fatores sociais e culturais. Diversamente, “significa que são feitas em meio a pressões, interpelações e constrangimentos que não são necessariamente percebidos como tal” (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 82).

Por isso, questões acerca da agência individual e da sua constituição social não se resumem a um dualismo entre polos antagônicos – ilustrados ora por indivíduos oprimidos sem agência, ora livres segundo um critério legal e abstrato. Diversamente, os fatores que atravessam o processo de construção das escolhas são responsáveis pela criação de posições inegavelmente heterogêneas. Partindo do pressuposto de que os indivíduos, enquanto agentes morais, podem fazer escolhas sobre si próprios e suas vidas, é preciso analisar como e em que grau a opressão e a dominação podem mitigar sua autodeterminação.

O objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424 possui aproximações com desse debate. O Supremo Tribunal Federal, julgando a ADI 4.424, conferiu interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 12, I, 16 e 41 da Lei 11.340/2006 _____. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [...] e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 8 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Consulta em 20/11/2013.
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(Lei Maria da Penha), para determinar que a ação penal, no caso de lesão corporal leve contra a mulher em ambiente doméstico e familiar, é incondicionada à representação. Em linhas bastante gerais, isso significa que, independentemente da manifestação da mulher em situação de violência, ou mesmo contra sua vontade, a ação penal poderá ser iniciada contra o agressor. 3 3 Conforme Mirabete e Fabbrini (2010 , p. 358-359), “pode a ação pública depender da representação que se constitui numa espécie de pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação seja instaurada. [...] É tida, pelos doutrinadores, como condição de procedibilidade. A imposição dessa condição deriva do fato de que, por vezes, o interesse do ofendido se sobrepõe ao público na repressão do ato criminoso quando o processo, a critério do interessado, pode acarretar-lhe males maiores do que aqueles resultantes do crime.”

Sem adentrar, por ora, em detalhes sobre o julgamento da ADI 4.424, pode-se afirmar que há duas concepções que sobressaem no debate sobre autonomia e escolhas dos indivíduos sujeitos a condições que limitam potencialmente suas experiências. Para uma das correntes, não obstante a percepção dos indivíduos tenha sido largamente estruturada a partir de práticas opressoras, há valores – ainda que naturalizadores da subordinação – que estão na base das suas identidades e fundamentam suas preferências. Outra corrente perfilha o entendimento de que a opressão pode anular a autonomia dos indivíduos e, por isso, suas escolhas poderiam ser afastadas e sua experiência, desvalorizada (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 83).

1.1 Abordagens procedimentais e substantivas sobre a autonomia

Na teoria feminista contemporânea, é possível identificar duas abordagens principais sobre as exigências para a construção da agência autônoma. Em primeiro lugar, há a perspectiva procedimental, segundo a qual não é necessário perscrutar o conteúdo das preferências dos indivíduos. Desde que o procedimento que leva à decisão tenha sido guiado pela presença de algum grau de autonomia e, paralelamente, pela ausência de condições impeditivas do seu exercício, pode-se adotar uma postura neutra em relação ao teor da preferência adotada. A autonomia consiste nas condições que as escolhas e ações do indivíduo devem encontrar para serem autônomas ( FRIEDMAN, 2003 FRIEDMAN, Marilyn. Autonomy, Gender, Politics. New York: Oxford University Press, 2003. , p. 4-5).

Nessa definição, as escolhas e ações autônomas seriam autorreflexivas em dois sentidos. Primeiro, seriam causadas parcialmente pelas reflexões do indivíduo acerca dos desejos e valores que reafirma e parcialmente efetivas ao determinar seu comportamento ( FRIEDMAN, 2003 FRIEDMAN, Marilyn. Autonomy, Gender, Politics. New York: Oxford University Press, 2003. , p. 5), o que requer a ausência de coerção e manipulação, interferências que poderiam distorcer debilitar a avaliação individual. Segundo, as escolhas seriam autorreflexivas ao traduzir os desejos, vontades, valores e compromissos profundos que o indivíduo reafirma de forma relativamente estável ( FRIEDMAN, 2003 FRIEDMAN, Marilyn. Autonomy, Gender, Politics. New York: Oxford University Press, 2003. , p. 5). A abordagem procedimental concebe a autonomia como uma questão de grau. Quanto mais uma pessoa reflete sobre suas vontades e compromissos, maior a autonomia em relação a esses valores.

Tendo em vista que aspectos relacionados ao conteúdo da escolha não são importantes nessa tendência, há uma clara adoção da perspectiva neutra sobre autonomia. Nela, há uma diferença qualitativa na agência, pois o indivíduo é considerado autônomo desde que suas escolhas sejam coerentes com sua perspectiva de vida. Ao levar em consideração a determinação do indivíduo e a coerência das escolhas e ações com valores, desejos e convicções, o critério passa a ser o comprometimento com os próprios objetivos – não necessariamente o comprometimento com a autonomia enquanto valor.

Embora haja menos requisitos para que os indivíduos sejam considerados autônomos, a perspectiva procedimental não é capaz de enfrentar “o funcionamento dos mecanismos de dominação e de opressão nas sociedades contemporâneas” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 19). Biroli (2012a) BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. enuncia três limites dessa concepção: é insuficiente, obscura e distorcida em seu foco. Em relação ao primeiro, tem-se que a construção da autonomia requer a ausência de coerção, porém, não são questionados os processos que conduzem à internalização de valores que naturalizam práticas opressoras. Segundo, a pressuposição de alternativas disponíveis socialmente para o exercício da autonomia não se harmoniza com os mecanismos estruturais que interpelam a disponibilidade efetiva dessas alternativas. Terceiro, a autorreflexão está focada exclusivamente em processos individuais de superação dos entraves à autodeterminação, ao invés de observar seu caráter intersubjetivo. Em razão disso, a concepção procedimental sobre autonomia não dá conta do contexto social e institucional, tampouco dos padrões de socialização em que as preferências são construídas ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 19).

As abordagens substantivas, por sua vez, problematizam os mecanismos sistemáticos de opressão “que não apenas limitam as opções no momento em que as escolhas são feitas, mas deturpam as condições em que a socialização se dá” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 20). A dominação pode afetar a avaliação dos indivíduos sobre o que é valioso, deformar as próprias preocupações e mitigar a capacidade de autorrepresentação. O cerne da análise passa a ser a internalização de normas e valores opressores, que podem fundamentar erroneamente as preferências e as decisões dos indivíduos. Nessa visão, a autonomia depende do conteúdo das escolhas, de modo que as preferências sejam consentâneas com o ideal de autonomia. Ainda que a submissão e a dependência tenham sido internalizadas e passado a integrar a identidade do indivíduo, devem ser criticadas, por serem ideológicas, mistificadoras e opressivas.

Em que pese a tentativa de levar em conta o problema da internalização da opressão e da dominação, a abordagem substantiva traz, também, alguns limites. Um deles é o “risco de que o peso da socialização e da opressão cresça nas análises de modo a comprometer a consideração da autonomia como horizonte normativo” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 21). Isto é, a possibilidade de as práticas e convenções serem tomadas como uma fronteira para a autodeterminação. Ora, ainda que os indivíduos estejam inseridos em contextos permeados por significados e discursos mistificadores, não estão necessariamente atrelados a eles; podem se desvincular e, inclusive, utilizá-los como a “base necessária” para modificar suas relações.

Retomando a ideia de que a existência e o exercício da autonomia sempre se dão num contexto social atravessado por constrangimentos, seria mais apropriado analisar os graus de autonomia, ao invés de aferir sua presença ou ausência. Isso envolve assumir aspectos procedimentais, sem, contudo, desconsiderar os valores que permitam a avaliação crítica de preferências, práticas e formas de vida mais e menos autônomas ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 21-22). Portanto, deve haver uma certa convergência entre o procedimentalismo normativo e uma teoria substantiva que seja sensível às crenças e aos valores das pessoas. O procedimentalismo, sozinho, nem sempre capta as demandas das mulheres, como a justiça no âmbito da família. Assim, uma abordagem intermediária, que tente conciliar aspectos substantivos e procedimentais, pode ser um guia relevante para a análise.

1.2 Preferências autônomas: para além da neutralidade e da dominação

Os padrões opressivos de socialização e as relações hierárquicas de poder constituem entraves ao exercício da autodeterminação dos indivíduos, pois “naturalizam posições desvantajosas e as práticas e identidades que as mantêm” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 13). Também o horizonte de experiências possíveis está diretamente associado à posição social dos indivíduos (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. ). Essas compreensões trazem desafios latentes para concepções que valorizam a autonomia, ao suscitarem críticas às preferências que conformam as relações de poder e as hierarquias sociais – inclusive entre os gêneros.

A questão específica da violência doméstica e dos desafios que surgem para o sistema jurídico parecem imprimir matizes substantivas na perspectiva procedimental. Afinal, segundo critérios estritamente procedimentais, a escolha da mulher em situação de violência por não denunciar o agressor dificilmente poderia ser sustentada. Levando em conta que a violência ou a ameaça de violência que afetam o juízo racional muito provavelmente estariam presentes, a compatibilidade dessa escolha com critérios procedimentais restaria prejudicada. Um problema de outra ordem é que essa escolha reflete a continuidade de uma forma de vida opressora e subserviente. Essa preferência conduz a “restrições nas possibilidades futuras de autodeterminação”, o que reifica “ciclos de vulnerabilidade socialmente causada e distintamente assimétrica” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 24), enfraquecendo ou até mesmo impedindo a emergência de características e projetos de vida alternativos (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 93).

O problema da violência doméstica ganha novos contornos quando consideramos que a formação das preferências dos indivíduos pode estar marcada pela carência e pela precariedade, que revelam a vulnerabilidade e a ausência de outras alternativas, ou provocar subserviência e outras restrições à autonomia. Podem, ainda, estar conectadas a hierarquias e a formas de opressão ligadas a um determinado grupo (religioso, por exemplo), não tendo sido autonomamente produzidas (BIROLI, 2012b _____. Consentimento e tolerância à subordinação potenciais da crítica feminista para a análise dos limites da democracia. Demodê, Textos para discussão. Novembro, 2012b. Disponível em: http://www.demode.unb.br/images/pdf/Textos2.pdf Consulta em 15/10/2013.
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, p. 5). Apesar da ampliação crescente dos direitos nas democracias constitucionais, há constrangimentos estruturais e sistemáticos que assumem inúmeras expressões e restringem as opções efetivamente disponíveis para os indivíduos, de acordo com sua posição social. Outras nuances surgem diante das “situações nas quais o consentimento existe mas é fruto do medo, da ausência de alternativas ou de preferências adaptativas que são desenvolvidas, por exemplo, em situações nas quais os custos sociais da recusa a padrões convencionais é muito alto” (BIROLI, 2012b _____. Consentimento e tolerância à subordinação potenciais da crítica feminista para a análise dos limites da democracia. Demodê, Textos para discussão. Novembro, 2012b. Disponível em: http://www.demode.unb.br/images/pdf/Textos2.pdf Consulta em 15/10/2013.
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, p. 12-13).

Para dizer que as escolhas que reiteram condições subordinadoras têm menor valor relativo, a autonomia é tomada como algo que tem valor objetivo e o guia da análise passa a ser a “superação de relações que posicionam os indivíduos de modo desvantajoso e que naturalizam padrões hierárquicos opressivos” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 24). Isto significa que a avaliação do contexto social em que as preferências se manifestam deixa de ser neutra diante das escolhas e até mesmo da satisfação dos sujeitos sociais. Biroli (2012a) BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. indica dois critérios que embasam essa análise. O primeiro estaria voltado para os efeitos das escolhas que conduzem à dependência para a autonomia dos indivíduos. 4 4 “decisões que parecem individuais e isoladas ‘podem ajudar a estabelecer e reproduzir normas de desigualdade que são prejudiciais a outras mulheres’ (Sunstein, 1999, p. 88) ou a outros indivíduos, já que o problema colocado não se restringe às desigualdades de gênero.” ( BIROLI, 2012a , p. 24) O segundo, por sua vez, demandaria uma avaliação do grau de justiça – que emerge num contexto social, institucional e moral – informador das escolhas. Este segundo critério é especialmente relevante, pois

A acomodação a relações assimétricas, baseadas na dependência ou fundadas no medo de represálias – da violência ou do isolamento – não é uma alternativa entre outras, mas uma alternativa que implica a adaptação a injustiças e que, como tal, contribui para bloquear possibilidades individuais e coletivas de reorganização das relações em direção a arranjos que não sejam moldados pela dominação e pela opressão (Nussbaum, 2008 [2000 NUSSBAUM, Martha. Women and Human Development. The Capabilities Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. ]; Okin, 1999) ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 25).

A dinâmica da socialização, que promove a internalização de significados, valores e práticas fundantes dos papeis sociais para cada gênero, torna tênue e instável a distinção entre as preferências autônomas e adaptativas. Ademais, sabe-se que as condições opressoras não minam a possibilidade de autodeterminação, ainda que o seu exercício traduza preferências adaptativas. Esses desafios podem ser superados através do reconhecimento de que a agência autônoma sempre se perfaz num contexto, atravessado por constrangimentos e pressões. A partir disso, é possível superar o dualismo simplista no qual as mulheres são reduzidas a vítimas sem agência – em face das condições que limitam sua autodeterminação –, ou a discussão é tornada “sem sentido”, pelo fato de os direitos à liberdade e à igualdade estarem assegurados para todas/os nas democracias constitucionais. Entende-se, assim, que a “agência é sempre imperfeita em relação ao ideal normativo da auto-direção e autodeterminação pelos indivíduos de suas preferências” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 27).

A imperfeição é compreendida como uma forma de expressar a agência individual, em face dos padrões de socialização, dos valores – cujo caráter é social e intersubjetivo – e das interações marcadas por relações de poder, que compõem o contexto social. Graças à acepção da agência imperfeita como “expressão regular”, as preferências das mulheres podem ser desatreladas dos estereótipos de gênero. Isso, porém, não retira a validade da crítica sobre a análise da opressão de gênero. Isso porque, de acordo com Biroli (2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 28), a agência é “diferenciadamente imperfeita” em pelo menos dois sentidos:

  1. 1

    os indivíduos não são efetivamente iguais. A universalização dos direitos convive com formas de dominação, exploração e opressão que têm impacto na definição do horizonte de possibilidades e das ambições, assim como das escolhas efetivamente disponíveis para os indivíduos. O âmbito da individualidade e as possibilidades de autodeterminação são diferentemente delimitados em função da posição social desses indivíduos (se são homens ou mulheres, ricos ou pobres, proprietários ou não proprietários, negros ou brancos etc.).

  2. 2

    Os indivíduos não são definidos como agentes igualmente competentes. Há filtros ancorados em preconceitos, estereótipos, tradições culturais e religiosas, e eles colaboram para o desenvolvimento diferenciado das competências necessárias para o agir autônomo. A capacidade para o exercício da autonomia é socialmente significada e representada. As fronteiras entre ser vista como incompetente para autodirigir-se, segundo os padrões sociais e estereótipos vigentes, e ver a si mesma dessa forma não são claras. Essa continuidade pode estar na base da falta de habilidade das mulheres para reconhecer a si mesmas como pessoas livres ou, por outro lado, do entendimento de que são livres mesmo quando tomam parte em relações injustas e opressivas.

A partir do primeiro sentido, tem-se que a produção das preferências é um processo intersubjetivo que ocorre num contexto social. No nível individual, a autodeterminação está, em algum grau, circunscrita à posição social dos sujeitos, uma vez que a dominação e a opressão limitam as formas de expressão da autonomia. Já no segundo sentido, há questões de socialização, internalização da dominação e dos mecanismos de reprodução da subordinação, aplicáveis ao caso das mulheres que não denunciam os agressores ou retiram suas denúncias.

A incorporação das perspectivas dominantes pelas mulheres tem como consequência “a reprodução ativa da posição que lhes é reservada numa sociedade machista, isto é, a transposição das categorias organizadoras das hierarquias de gênero para a gramática 'própria' dos seus desejos e expectativas” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 29). A constatação da reprodução da dominação pelas mulheres, não encerra o problema, pois a ressignificação das experiências e identidades das mulheres permanece sendo uma possibilidade ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 30).

A tomada de consciência, a autorreflexão e a avaliação crítica das preferências e escolhas dos indivíduos são mecanismos aptos a promover a redefinição da perspectiva das mulheres e a diferenciar, a partir de critérios normativos, as preferências que “reproduzem hierarquias opressivas, muitas vezes reafirmando as condições de opressão nas quais foram engendradas” daquelas que “fundamentam decisões que contribuem para a autodefinição e o autodesenvolvimento dos indivíduos” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 31). Também o controle por parte do Estado das “formas práticas e simbólicas de violência e de reprodução do status quo da dominação” (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 98) seriam relevantes para o escopo da ressignificação.

Essas considerações devem ser guiadas pela compreensão de que a agência não apenas é imperfeita, como também é “desigualmente imperfeita” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. ), na medida em que a dominação e a opressão incidem de maneira diversa sobre as condições responsáveis pela contextualização das preferências. O pertencimento a grupos sociais remetem a fatores estruturais que organizam a identidade e a disponibilidade das capacidades e possibilidades de vivência autônoma dos indivíduos. Não obstante haja uma continuidade entre componentes estruturais, vivência subjetiva e mecanismos de opressão que traduzem limites à autonomia, às diversas formas de vida e ambições, não é possível considerar que a organização e reprodução desses padrões determinam os indivíduos. Isso seria “perder de vista, analítica e politicamente, não apenas questões relativas à subjetividade ou à vivência individual das estruturas sociais, mas também fissuras e ruídos na dinâmica de reprodução da opressão e das desigualdades” (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 90), além de deixar de resgatar e valorizar a pluralidade de perspectivas que emergem das experiências localizadas e particulares. O conhecimento que advém desse processo ilustra não apenas os constrangimentos estruturais que repercutem sobre a agência individual, mas também os potenciais de redefinição desses padrões.

2 A violência doméstica, os feminismos e as políticas públicas

O direito das mulheres a uma vida livre de violência é uma pauta que tem tido precedência na agenda do movimento feminista brasileiro pelo menos desde a década de 1980, momento em que o movimento tornou-se uma força política e social consolidada, que progressivamente estreitava o diálogo com o Estado. O discurso feminista também ganhava cada vez mais espaço no cenário social, levando a crítica à distribuição desigual de poder entre os gêneros às associações profissionais, aos sindicatos, aos partidos e à sociedade como um todo ( SARTI, 2004 SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos 1970. Revista Estudos Feministas. Vol. 12, n. 2, agosto de 2004, pp. 35-50. , p. 42). Tornar a violência contra a mulher (em sentido amplo) uma questão pública e política foi um passo fundamental para contestar a legitimidade social dessa prática. Para compreender o impacto da decisão proferida na ADI 4.424 sobre os direitos das mulheres, como sujeitos sociais particulares, é preciso situá-la historicamente, a partir dos eventos que marcaram a denúncia da violência contra a mulher no Brasil.

2.1 A criação dos Juizados Especiais Criminais

A Lei 9.099/1995 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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introduziu os Juizados Especiais Criminais (JECrims) para processar crimes de menor potencial ofensivo. Com isso, denúncias envolvendo lesões corporais leves ou ameaças passaram a ser absorvidas pelos JECrims, pelo fato de a pena máxima cominada ser inferior a dois anos. Ocorre que as lesões corporais leves e as ameaças, quantitativamente, são os crimes que mais atingem as mulheres ( MACHADO, 2010 MACHADO, Lia Zanotta. Feminismo em Movimento. São Paulo: Francis, 2010. , p. 28). Ainda, utilizar um critério meramente quantitativo para determinar a competência, “implica a negação da tutela jurídica aos direitos fundamentais das mulheres” (CAMPOS; CARVALHO, 2006, p. 414).

Com a instalação dos JECrims, os crimes de lesão corporal leve e ameaça perderam a natureza de crimes de ação penal incondicionada, para se transformarem em crimes de ação penal pública condicionada à representação da vítima. Isso quer dizer que a ação penal só seria iniciada após o comparecimento e manifestação da vítima, perante a autoridade policial ( BASTERD, 2011 BASTERD, Leila Linhares. Lei Maria da Penha: uma experiência bem-sucedida de advocacy feminista. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Pp. 13-38. , p. 27). A Lei 9.099/95 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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também autorizava a conciliação, que poderia pôr termo ao processo judicial. O movimento feminista contestava a aplicação dessa Lei, que ignorava o fato de que a violência é um componente estruturante das relações desiguais entre os gêneros – não um crime de “menor potencial ofensivo” –, e frequentemente justificava a violência, através de decisões judiciais equivocadas ( BANDEIRA, 2009 BANDEIRA, Lourdes. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a violência feminina no Brasil: 1976 a 2006. Sociedade e Estado , Brasília, v. 24, n. 2, p. 401-438, maio/ago. 2009. , p. 402).

Ainda que parte das mulheres não desejasse a punição dos agressores por meio do encarceramento, mas “coibir a continuidade dos atos violentos, através da introdução de uma voz que fale ao agressor em nome do poder público” ( MACHADO, 2010 MACHADO, Lia Zanotta. Feminismo em Movimento. São Paulo: Francis, 2010. , p. 50), os JECrims provocavam uma insatisfação generalizada nas mulheres. Afinal, a conciliação era pensada predominantemente em termos de composição de danos materiais, não em medidas capazes de garantir sua segurança e diminuir a violência. Ademais, a renúncia à representação e o consequente arquivamento dos processos – proveniente ora da ausência de conciliação, ora da ausência de danos patrimoniais, ora da ausência de condições econômicas do agressor de reparar o dano – era um fenômeno recorrente, que demonstrava a ineficácia da prestação jurisdicional em proteger as mulheres (CAMPOS, 2003 _____. Juizados Especiais Criminais e seu déficit teórico. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, Junho 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2003000100009&lng=en&nrm=iso Consulta em 10/10/2013.
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).

As oportunidades demasiado restritas de manifestação das mulheres no curso do processo penal, bem como a desconsideração das suas aspirações, deixam os JECrims a meio caminho de uma perspectiva abstrata sobre a autonomia – que não apenas ignora as implicações da violência de gênero, mas presume erroneamente que os mecanismos existentes são suficientes e adequados para o exercício da autonomia das vítimas – e uma perspectiva que anula a autonomia das vítimas, pelos meios indiretos da composição civil e da transação penal. Ainda que a inserção dos conflitos conjugais no Poder Judiciário tenha um significado simbólico relevante, o desabono da perspectiva de gênero distancia os JECrims tanto da concepção substantiva de autonomia quanto da concepção neutra em relação ao conteúdo.

A categorização dos crimes de lesão corporal leve e de ameaça como de “menor potencial ofensivo”, bem como os mecanismos conciliadores, se contrapõem à visão feminista que almeja o reconhecimento social e institucional da gravidade da violência contra a mulher. O fato de o paradigma adotado pela Lei 9.099/95 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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não ser informado pela compreensão social sobre as relações entre os gêneros trouxe obstáculos intransponíveis na sua operacionalização.

2.2 A inovação legislativa trazida pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006 _____. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [...] e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 8 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Consulta em 20/11/2013.
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)

A persistência dos elevados índices de violência contra a mulher nos quase vinte anos que separam a promulgação da Constituição Federal de 1988 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Consulta em 20/11/2013.
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e a edição da LMP demonstram que a igualdade formal não é suficiente para garantir igualdade material para as mulheres, inclusive no contexto familiar. A advocacy feminista ao longo das três décadas que antecederam a aprovação da LMP, com o “aprofundamento do debate público sobre a violência de gênero e sobre as limitações do exercício da cidadania pelas mulheres” ( BASTERD, 2011 BASTERD, Leila Linhares. Lei Maria da Penha: uma experiência bem-sucedida de advocacy feminista. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Pp. 13-38. , p. 15), bem como a intensa interlocução com os poderes Legislativo e Executivo, foi crucial para a inserção de uma perspectiva feminista na Lei.

Apesar de algumas medidas terem sido instituídas pelo Brasil no combate à violência doméstica contra a mulher até então, essas não foram suficientes para reduzir o padrão de tolerância estatal, ante a falta de efetividade da ação policial e judicial. As práticas existentes no âmbito do Poder Judiciário 5 5 “o sistema jurídico, de modo geral, apresenta dinâmicas e conteúdos sexuados na interpretação e decifração de fatos e situações relativas à violência contra a mulher, reforçando a concepção tradicional de família e, consequentemente, da hegemônica divisão sexual do trabalho, do poder e das categorizações da sexualidade deslocadas do cotidiano para os espaços sociais mais amplos, caracterizados em esferas ou campos. Assim, as mulheres são controladas também socialmente pela sua inserção na cotidianidade da vida, na dedicação à família, à maternidade, aos filhos, nas disputas minúsculas do cotidiano, nos pequenos conflitos, como também nos valores como a fidelidade, honestidade, empatia, subjetividade e cooperação.” ( BANDEIRA, 2009 , p. 410) , reconhecidamente influenciadas pelas ordens simbólica e cultural, reproduzem a hierarquia de gênero, que conforma padrões estereotipados acerca dos lugares sociais e institucionais de homens e mulheres. Nesse contexto, o conceito de violência contra a mulher foi redesenhado a partir da legislação internacional, principalmente, a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), sendo entendido como violação de direitos humanos.

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006 _____. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [...] e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 8 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Consulta em 20/11/2013.
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), a um só tempo, institui uma tutela penal específica para as mulheres e inscreve a categoria “violência de gênero” no ordenamento jurídico. O alcance dessa mudança é tal que “define verdadeira mudança conceitual e operacional no entendimento do tratamento das violências contra mulheres no Brasil” ( CAMPOS; CARVALHO, 2011 CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Tensões atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Pp. 143-169. , p. 144). Campos e Carvalho (2011) CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Tensões atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Pp. 143-169. observam que a Lei intencionalmente utiliza a expressão “mulheres em situação de violência doméstica”, ao invés de “mulheres vítimas de violência”. Esse deslocamento semântico visa a afastar o descrédito subsumido no termo “vítima”, a indicar o caráter de transitoriedade da situação de violência e, sobretudo, a atribuir às mulheres o status de sujeitos. A inflexão provocada pelo reconhecimento da competência autônoma das mulheres parece romper com a tradição de desconsideração da sua autonomia que permeava o Poder Judiciário – sobretudo nos JECrims.

Um dos aspectos mais debatidos pelo movimento feminista quando da formulação da LMP era a não aplicação da Lei 9.099/1995 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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, que transformava a violência contra a mulher em crime de menor potencial ofensivo e banalizava sua persecução criminal, através das penas alternativas ( MATOS; CORTES, 2011 MATOS, Myllena Calazans de; CORTES, Iáris. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Pp. 39-64. , p. 45; SANTOS, 2008 SANTOS, Cecília MacDowell. Da Delegacia da Mulher à Lei Maria da Penha: Lutas Feministas e Políticas Públicas sobre Violência contra Mulheres no Brasil. Oficina do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, n.º 301, Março de 2008. , p. 18). Isso foi incorporado ao PL 4559/2004, assim como a impossibilidade de renúncia à representação da vítima. Ou seja, prevaleceu o entendimento de que a ação penal nos crimes que envolvem violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada à representação da vítima. A jurisprudência dos tribunais brasileiros, todavia, não refletia essa compreensão, sendo extremamente controvertida acerca da natureza da ação penal naqueles crimes. O ajuizamento da ADI 4.424 pela Procuradoria Geral da República (PGR) visava a resolver essa disputa interpretativa.

3 A ação direta de inconstitucionalidade 4.424: abordagens feministas

A Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.424 foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal pelo Procurador-Geral da República (PGR) em maio de 2010, para que fosse conferida interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 12, I, 16 e 41 da LMP,

no sentido de que (i) a Lei 9.099/95 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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não se aplica, em nenhuma hipótese, aos crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha; (ii) o crime de lesões corporais consideradas de natureza leve, praticadas contra a mulher em ambiente doméstico, processa-se mediante ação penal pública incondicionada; (iii) os dispositivos referidos têm aplicação a crimes que se processam mediante representação, por previsão distinta da Lei 9.099/95 [como o crime de ameaça] (BRASIL, 2012 _____. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424, Tribunal Pleno, Relatoria Ministro Marco Aurélio. Julgado em 9 de fevereiro. 2012, DJE n. 35, divulgado em 16/02/2012. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=3897992 Consulta em 7/11/2013.
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).

O contexto que ensejou a propositura da Ação Direta foi justamente a controvérsia jurisprudencial acerca da natureza da ação penal nos crimes de lesões corporais contra mulheres no ambiente doméstico: ora a ação penal era considerada pública incondicionada à representação, ora pública condicionada. Em fevereiro de 2012, a ADI 4.424 foi julgada procedente pelas/os Ministras/os do STF, nos termos do voto do Relator, Ministro Marco Aurélio.

3.1 A ADI como um avanço na proteção dos direitos das mulheres

O primeiro eixo de análise se dirige à percepção das/os Ministras/os sobre a repercussão da ADI no enfrentamento da violência doméstica e familiar. Os membros da Corte entenderam que o surgimento da LMP está diretamente associado à articulação do movimento feminista, que reclamou a atuação estatal na proteção dos direitos das mulheres.

A correlação entre a LMP e a ADI é estabelecida no sentido de que a decisão do STF deve constituir um avanço na proteção dos direitos das mulheres, tal qual a Lei o foi. Interpretar a Lei Maria da Penha conforme a Constituição, decidindo pela incondicionalidade da ação penal, é visto como um mecanismo de proteção das mulheres em situação de violência, na medida em que rompe com a tradição “despenalizadora” (CAMPOS, 2003 _____. Juizados Especiais Criminais e seu déficit teórico. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, Junho 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2003000100009&lng=en&nrm=iso Consulta em 10/10/2013.
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) dos Juizados Especiais Criminais. Naquela fase, o arquivamento massivo dos processos conduzia à banalização da violência contra a mulher, à mercantilização das punições, à insatisfação das vítimas e à própria negação da hierarquia e dos padrões estruturais de gênero que perpassam a violência doméstica e familiar. Os JECrims não eram instâncias neutras, e sim orientadas “pelo paradigma masculino do direito, que nega o feminino” (CAMPOS, 2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. , p. 247).

Admitir que a persecução penal ocorra sem a necessidade de representação é, segundo as/os Ministras/os, o que traz possibilidades concretas de proteção. A “simplificação” advinda da incondicionalidade da ação é compreendida como um passo rumo à proteção das mulheres. Nesse ponto, a Corte parece assentir que “a violência de gênero é um fenômeno sociológico e epidemiológico” (CAMPOS, 2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. , p. 246). Deixar de exigir a representação da vítima para dar início à ação penal teria dois impactos principais. O primeiro está voltado para a mulher em situação de violência doméstica, que teria perspectivas mais positivas em relação à prestação jurisdicional. Para a Ministra Carmen Lúcia, a mulher que denuncia o agressor o faz “querendo que tenha consequências jurídicas, [...] e quando se pergunta a ela o que ela quer, ela diz que quer justiça, ela quer que o Judiciário funcione, é isso”. Na visão da Ministra, enquanto a denominação da ação não tem qualquer implicação prática, sua repercussão jurídica – de simplificar o procedimento e inviabilizar a retirada da queixa – é o que pode garantir a persecução penal do agressor e a proteção da mulher.

A desnecessidade de representação faz com que a vontade da vítima não tenha influência sobre o curso da ação penal. Ou seja, a ação penal prossegue independentemente da sua anuência ou da contrariedade. Isso conduz ao segundo impacto da decisão, que seria a intimidação “simbólica” do agressor. O Ministro Luiz Fux aponta que a impossibilidade de retratação é algo “mais intimidatório do que a possibilidade de retratação, o homem sabendo que nem que ela queira ela não vai poder dispor ... isso nem precisaria estar dito, porque se a ação é penal pública há o princípio da indisponibilidade da ação penal”.

A noção de “proteção” para as mulheres aparece de forma ambígua na ADI 4.424. De um lado, há o reconhecimento da vulnerabilidade estruturalmente produzida por fatores sociais e culturais. De outro, são mobilizados ideais convencionais de fragilidade da mulher, da impossibilidade de autodireção, independência e racionalidade. Considerar que a opressão e a subordinação são transversais à produção das preferências das mulheres em situação de violência não deve levar à compreensão de que não são agentes competentes do ponto de vista ético, moral e político, tampouco podem guiar autonomamente as próprias vidas. Esse cotejo expõe que a decisão da ADI por vezes renova preconceitos e estereótipos que reforçam assimetrias de poder em desfavor das mulheres, ao invés de questionar o processo de construção autônoma das identidades.

Cabe observar que, apesar de a ADI ser percebida como um avanço, algumas questões relevantes sobre o procedimento judicial propriamente dito deixaram de ser abordadas. Não obstante a LMP tenha vedado a aplicação dos institutos despenalizadores, a “rotinização” (CAMPOS, 2003 _____. Juizados Especiais Criminais e seu déficit teórico. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, Junho 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2003000100009&lng=en&nrm=iso Consulta em 10/10/2013.
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) processual permanece como uma preocupação central, não periférica. Ainda que a desnecessidade da representação não impeça a instauração da ação penal pelo Ministério Público, o número elevado de casos, assim como as disposições subjetivas daquelas/es que integram o sistema de justiça, podem influenciar sobremaneira o curso do processo penal. Daí a relevância de referir-se aos instrumentos que devem ser articulados para que a ampliação do acesso ao Judiciário pelas vítimas de violência doméstica e familiar não conduza à invisibilização provocada pelos Juizados Especiais Criminais.

3.2 A incondicionalidade da ação e a tensão entre privacidade e autonomia decisória

A incondicionalidade da ação penal para os crimes de lesão corporal contra as mulheres no contexto doméstico e familiar suscita a tensão entre a autonomia decisória e a privacidade. A autonomia decisória consistiria, em linhas gerais, na possibilidade de a mulher em situação de violência manifestar suas preferências, através da representação, denunciando ou não o agressor. Tal decisão, sob um enfoque procedimental, seria expressão da competência autônoma para reger suas relações pessoais, que manifesta os comportamentos e valores que a mulher refletidamente reafirma, ainda que sob condições opressoras. Porém, por mais que a privacidade possa resguardar as pessoas de ingerências paternalistas do Estado ou de outrem, comumente oculta as relações de poder e os padrões estruturais que mantém as relações violentas. A “escolha” por não denunciar o agressor, sustentando a dominação e as práticas violentas, a partir de leituras substantivas da autonomia, é questionável, uma vez que reitera condições subordinadoras que interferem na livre manifestação de vontade.

No contexto da ADI 4.424, um dos modos de atribuir sentido a essa tensão é contrapondo os dez votos favoráveis à incondicionalidade da ação ao voto divergente, do Ministro Cezar Peluso. Sua preocupação é que a impossibilidade da renúncia poderia representar um temor para a vítima, que não poderia “voltar atrás”, mudar de ideia e retirar a denúncia. Na interpretação do Ministro, nos artigos 12, I e 16, todos da LMP, o Legislador pretendeu condicionar a ação à representação, ao levar em consideração a inibição das mulheres de levarem as agressões ao conhecimento da autoridade policial. Para o Ministro, não se pode negar “que muitas mulheres não fazem a delação, não levam a notícia crime, por uma decisão que significa o exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana que é responsabilidade do seu destino, isso é uma dimensão que não pode ser descurada, o ser humano se caracteriza exatamente por ser sujeito da sua história ”.

Peluso defende que tanto a LMP quanto a Lei 9.099/95 _____. Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União , 27 set. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Consulta em 20/11/2013.
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, ao preverem a necessidade de representação, haviam levado em consideração a importância de dar espaço para o exercício da vontade da mulher. Essas considerações sugerem uma aproximação com a abordagem procedimental, num sentido neutro forte, em que o contexto opressor e dominador da violência não necessariamente impede a autonomia. A exigência da representação, no entanto, ignora que as escolhas são manifestadas num contexto marcado por constrangimentos, no qual a mera possibilidade de manifestação de vontade não é garantia da demonstração de uma preferência livre em face das alternativas disponíveis. Isto é, a representação não se apresenta como um instrumento de expressão da agência autônoma das mulheres, mas, frequentemente, como um reforço de características, padrões e formas de vida tradicionais.

Na visão do Ministro Peluso, a manifestação das preferências da mulher em situação de violência, individual e localizada, toma precedência sobre sua posição nas relações de gênero, num sentido mais abrangente. Em um caso e no outro, estão em jogo perspectivas distintas do exercício da liberdade – substantivas e procedimentais. A complexidade está no fato de que podem ser consideradas igualmente importantes. Por isso, talvez, a solução tenha de ser de caráter estratégico, pensando em termos das consequências políticas de uma e outra alternativa. É o que os votos favoráveis à tese da PGR parecem fazer, especialmente quando se referem à potencialização da proteção em razão da simplificação do procedimento.

O que o padrão procedimental do direito à privacidade, que transparece no voto de Peluso, não dá conta, é do escrutínio crítico das escolhas que reforçam padrões de opressão e subordinação das mulheres. A opção por permanecer numa relação violenta, mais que o “exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana”, evidenciam o hiato entre a garantia dos direitos fundamentais e a expressão de preferências que se coadunem com formas de vida que materializem aqueles direitos, num “contexto assimétrico de exercício de poder e de acesso a informações” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 16). Adaptar-se a uma vida em que a violência doméstica é um fenômeno cotidiano é algo hostil, não apenas porque as condições desabonam o processo de formação da agência autônoma, mas, também, porque tais escolhas perpetuam uma forma de vida opressora, que implica restrições para a autonomia.

A violência doméstica impõe constrangimentos estruturais e sistemáticos que restringem as opções efetivamente disponíveis para as mulheres, de acordo com sua posição social. Num nível mais amplo, são as hierarquias de gênero que organizam de maneira restritiva as oportunidades e expectativas disponíveis. Dessa maneira, em contextos nos quais as relações de gênero são tipicamente violentas, dominadoras e opressivas, as preferências podem se mostrar uma reação ao medo e à ausência de alternativas. Isto é, “o ‘sim’, nesse caso, não corresponderia necessariamente à expressão do consentimento voluntário” (BIROLI, 2012b _____. Consentimento e tolerância à subordinação potenciais da crítica feminista para a análise dos limites da democracia. Demodê, Textos para discussão. Novembro, 2012b. Disponível em: http://www.demode.unb.br/images/pdf/Textos2.pdf Consulta em 15/10/2013.
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, p. 13-14). Isso leva ao entendimento de que a vítima que não denuncia o agressor pode temer a resistência do agressor, resignar-se diante dos custos sociais do término da relação, ou sequer tomá-la como uma possibilidade. Essa narrativa traduz a ausência de uma preferência, não uma opção deliberada por tolerar a subordinação e a violência.

Para dizer que a exigência de representação é algo desvantajoso, pressupõe-se que essa condição de procedibilidade não é eficaz para proteger as mulheres. Daí, as preferências que conformam padrões opressores não são avaliadas segundo um critério neutro, e a questão da satisfação das mulheres, mencionada pelo Ministro Peluso, passa a ser relativizada. Há dois critérios que nos permitem fazer essa afirmação, conforme Biroli (2012a) BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. . Primeiro, os reveses da representação abrangem os efeitos das escolhas que conduzem à dependência. A preferência por permanecer numa relação violenta (decorrente ora da ausência de representação, ora da sua renúncia) contribuem para a manutenção de normas de desigualdade, que são desfavoráveis para as mulheres. Segundo, o grau de justiça que permeia aquelas escolhas implica a acomodação a relações assimétricas e a adaptação a injustiças, quando, na verdade, o objetivo deve ser a superação das relações que situam os indivíduos em posições de desvantagem e que naturalizam padrões hierárquicos de opressão.

As/os outras/os Ministras/os parecem se filiar a uma concepção substantiva sobre autonomia. Nos votos, aparece de maneira matizada o entendimento de que, ainda que a opressão não implique a anulação da autonomia das mulheres vítimas de violência, há um problema em ignorar, institucionalmente, as escolhas que sustentam a reprodução de padrões estruturais de violência e de desigualdade de gênero. Essa ideia está muito presente no voto do Ministro Marco Aurélio, para quem “Reconhecer a condição hipossuficiente da mulher vítima de violência doméstica e/ou familiar não implica invalidar sua capacidade de reger a própria vida e administrar os próprios conflitos. Trata-se de garantir a intervenção estatal positiva, voltada à sua proteção e não à sua tutela ”. A posição majoritária dos membros do STF se ancora numa visão que se aproxima da “agência diferenciadamente imperfeita” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. ), assumindo que os indivíduos não são iguais, dadas as formas de dominação, opressão e marginalização que impactam as preferências, o horizonte de possibilidades e alternativas realmente disponíveis para as mulheres.

Diante disso, a posição ativa tomada pelo STF, ao retirar a exigência da representação, é uma forma prática e simbólica de controlar a reprodução do status quo da dominação, central para a ressignificação da experiência das mulheres. Ao colocar em evidência as relações de poder que comprometem o exercício dos direitos das mulheres e a vocalização das suas demandas, o campo jurídico parece se elastecer, para incluir demandas das mulheres. O reconhecimento do impacto da violência doméstica e familiar parece ser um primeiro passo a oferecer bases mais igualitárias para as relações íntimas, garantindo a cidadania igual para homens e mulheres na esfera pública e na esfera doméstica.

3.3 A inserção da mulher na família e a privacidade da entidade

A ADI 4.424 ilustra o entendimento de que a intervenção estatal é um mecanismo fundamental para enfrentar o padrão estrutural de violência doméstica. Na concepção da maioria das/os Ministras/os, a privacidade da entidade da família não subsiste contra intervenções do Estado que visem a proteger a integridade física e moral das mulheres em situação de violência. O respaldo constitucional para a judicialização das relações familiares é o artigo 226, parágrafo 8o , da Constituição Federal. A família é um espaço no qual podem ser travadas relações de opressão, dominação e sujeição, que interferem no exercício dos direitos individuais. Nessas circunstâncias, o carinho e o cuidado, valores tipicamente associados à família, dão lugar ao perigo e à insegurança para as mulheres.

O Ministro Marco Aurélio sustenta, em seu voto condutor, que a implementação da proteção do Estado às vítimas de violência doméstica não se coaduna com a exigência da representação. Na prática, verifica-se que a representação não é uma realidade, como demonstraram as estatísticas realizadas na vigência da Lei 9.099/95. Manter a representação como condição de procedibilidade é não apenas ignorar esses dados pretéritos, mas priorizar outros objetivos em detrimento da proteção da mulher, que tem a situação de violência perpetuada – “a agressão se dá entre quatro paredes e fica por isso mesmo”. Ora se privilegiaria a manutenção da família, ora os benefícios ao agressor. A LMP se contrapõe a essas tendências, conferindo proteção especial à mulher em situação de violência.

Essa perspectiva é contrastada no voto de Peluso, que afirma que, para além da possibilidade de intimidação da vítima, outra consequência da incondicionalidade da ação seria a desestruturação da família, que, já “pacificada”, seria impactada por uma condenação do agressor. 6 6 O Ministro Gilmar Mendes, embora tenha seguido a orientação do Ministro Relator, também menciona esse aspecto do impacto sobre a família: “às vezes, a própria ação penal pública incondicionada vai ser um elemento de tensão familiar, e eventualmente de desagregação familiar”. Isso seria especialmente grave nos casos em que a violência se apresentasse como uma “ofensa eventual e isolada”. O que interessa à análise do Ministro Peluso é que todos esses riscos são assumidos “com a perda da visão da situação familiar ”. Para o Ministro, ainda que a vítima de violência mereça “toda a proteção do ordenamento jurídico ”, a proteção da mulher haveria de ser compatibilizada com “ a necessidade da manutenção da situação familiar em que está envolvida não apenas a condição da mulher, ou a condição do parceiro, mas também filhos, netos, outros parentes, e que é um elemento fundamental na mecânica da sociedade”. Ignora-se, porém que a garantia à integridade dos indivíduos, assim como as normas que potencialmente levem a relações mais justas na esfera familiar, poderão contribuir mais para as relações afetivas e íntimas que a proteção “da família”.

Confrontar a manutenção da família e a proteção à vítima não apenas tensiona a interpretação constitucional do art. 226 §8o da CF, que está voltada para a pessoa dos membros da família – não para a entidade –, mas desafia o núcleo da Lei Maria da Penha. A abordagem integrada que norteia a LMP, com as medidas de proteção, prevenção e punição da violência no âmbito das relações familiares, revela a intenção do Legislador de “retirar o ‘manto sagrado’ que envolve as relações íntimas e mostrar que a violência doméstica é uma forma de discriminação contra as mulheres” (CAMPOS, 2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. , p. 253).

Dessa maneira, ainda que a ADI 4.424 pretenda induzir avanços sob o enfoque da proteção à mulher, observa-se que há uma continuidade no que se refere aos padrões culturais arraigados de gênero, que situam a mulher como um personagem da família e conferem à entidade uma relevância transcendente. Essas noções contrastam frontalmente com a ideia de proteção e empoderamento da vítima de violência, ante a permanência do quadro de violência doméstica e familiar. Ainda, simbolicamente reinstalam a negação sistemática dos direitos fundamentais, da condição de sujeito de direitos e de cidadãs das mulheres.

Algumas perspectivas sobre a eficácia da LMP podem fornecer respostas para algumas das indagações colocadas pelo Ministro Cezar Peluso. A Lei consubstancia uma “opção político-criminal”, que, através de mecanismos jurídicos, visa a proteger as mulheres da violência praticada por parceiras/os íntimas/os (CAMPOS, 2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. ). O aumento pouco significativo da pena cominada ao crime de lesão corporal leve, instituído pela Lei, convive com diversas medidas preventivas e educativas. O recurso à vinculação a um delito específico e a identificação de um sujeito social específico podem contribuir para a “mudança da cultura jurídica no tratamento da violência de gênero no país” (CAMPOS, 2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. , p. 264). Incutido na Lei Maria da Penha está o reconhecimento de que o enfrentamento da violência doméstica e familiar requer um esforço direcionado para a violência estrutural.

3.4 O manejo dos estereótipos de gênero na ADI 4.424

Posicionar a mulher na família é uma tendência que foge à interpretação feminista que norteou a construção da LMP. O problema do encadeamento entre a proteção da mulher em situação de violência e a manutenção da família que aparece nos votos das/os Ministras/os é a continuidade da reprodução de papeis convencionais de gênero. A concepção tradicional sobre as mulheres é exposta pelos traços e características comportamentais (a “afetividade anímica”, por exemplo) que, socialmente, reafirmam “padrões que organizam as experiências de um grupo social, no caso as mulheres, e que vêm sendo consolidados em detrimento de outras possibilidades de organização da vida” (BIROLI, 2013 _____. Autonomia, opressão e identidades: a ressignificação da experiência na teoria política feminista. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013. , p. 93). O Relator, ao afirmar que a mulher é a “célula básica” da entidade familiar, reitera essa concepção que situa a mulher na esfera doméstica e restringe seu lugar social à função “na família” – entidade que corresponde mais a um ideal que a uma realidade de convivência solidária e apoio recíproco.

O único voto que aparentemente rompe com a conexão entre a mulher e a família é o da Ministra Carmen Lucia. Surge, no voto, a ideia de que a intervenção estatal, ao “dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica”, é um instrumento de emancipação da situação de vulnerabilidade, criada pela violência. O que gera vulnerabilidade não são características biológicas, mas a violência, que atinge a subjetividade das mulheres. Daí, a importância da proteção conferida pela LMP não é a manutenção do vínculo familiar, mas a consolidação de uma política pública que traduza uma “dinâmica de igualdade”. A Ministra também acentua sua discordância com os demais membros da Corte, ao afirmar que “Quando há violência, não há nada de relação de afetividade, é relação de poder, é briga por poder, é saber quem manda, e mulher não manda e não pode mandar”.

Tratando do princípio da igualdade, que, numa de suas acepções doutrinárias, implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, o Ministro Luiz Fux assevera que “as mulheres que sofrem violência doméstica não são mulheres iguais aquelas que têm uma vida comum”. A Ministra Carmen Lucia, por sua vez, desloca o enfoque da situação supostamente particular de uma mulher para um problema comum a um gênero: “enquanto houver, uma mulher sofrendo violência, neste momento, em qualquer lugar desse planeta, eu me sinto violentada”. Essa afirmação da Ministra denota que a compreensão do problema da violência doméstica e familiar deve ser norteada por um olhar abrangente e social, levando em consideração os padrões estruturais de dominação envolvidos na violência doméstica.

Outro desdobramento dessa problemática surge quando os Ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski afirmam que a violência doméstica e familiar mancha a imagem do gênero masculino. O Ministro Fux afirma: “voltado para o princípio da igualdade, eu gostaria de me solidarizar e dizer que, nós, homens de bem, também nos sentimos atingidos quando uma mulher sofre violência doméstica ”. Essa perspectiva desconsidera que mulheres e homens, indistintamente, podem contribuir para a produção de identidades e a conformação de papeis sociais e lugares de poder legitimadores da violência doméstica e familiar.

A reinserção da mulher na família e a consequente ativação de papeis sociais que se adaptam a papeis tradicionais de gênero, assim como as dicotomias que se estabelecem entre “homens de bem” e agressores, de um lado, e “mulheres normais” e mulheres que sofrem violência, de outro, reificam concepções monolíticas sobre os gêneros e referem-se à violência como um fenômeno localizado, ao invés de compreendê-la como “ en-gendered”, ou seja, marcada pela assimetria entre os gêneros (DEBERT; GREGORI, 2008 DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e Gênero: Novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 23 nº. 66. Pp. 165-211. , p. 177), como um “ato discriminatório de gênero” (CAMPOS, 2011b _____. Comentários. Disposições preliminares – artigos 1o, 2o, 3o e 4o. In CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011b, pp. 173-183. , p. 176). Ao mesmo tempo que o gênero define as relações de poder que estruturam as posições dos homens e das mulheres num contexto social, abre espaço para provocar transformações dos lugares de poder/desigualdade e das categorias de diferenciação. É nesse panorama que se insere a possibilidade da ressignificação das experiências, ou, nos termos de Debert e Gregori (2008 DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e Gênero: Novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 23 nº. 66. Pp. 165-211. , p. 177), de agir marcando posição diante da coexistência “de vários núcleos de significado que se sobrepõem, se misturam, e estão permanentemente em conflito”.

A dinamização de significados sobre as identidades de gênero se faz presente na esfera jurisdicional, na qual concorrem movimentos contraditórios para referir-se às masculinidades e feminilidades. Observa-se, também na ADI 4.424, a presença da “expressão de uma dupla moral no que diz respeito às exigências comportamentais feitas às mulheres” (PANDJIARJIAN, 2002 _____. Os estereótipos de gênero nos processos judiciais e a violência contra a mulher na Legislação. In MORAES, Maria Lígia Quartim de; NAVES, Rubens (orgs). Advocacia pro bono em defesa da mulher vítima de violência. Campinas/São Paulo, UNICAMP/Imprensa Oficial SP, 2002. Disponível em: http://www.redemulher.org.br/valeria.html Consulta em 23/10/2013.
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), cujo comportamento é avaliado de acordo com papeis e normas construídas socialmente. Essa reprodução dos estereótipos de gênero pelo discurso jurídico devolve a perpetuação de papeis socialmente diferenciados para homens e mulheres e a manutenção do status hierarquizado entre ambos, que interferem na adequada “distribuição da justiça de gênero” ( MORAES; GOMES, 2009 MORAES, Aparecida Fonseca; GOMES, Carla de Castro. O caleidoscópio da violência conjugal: instituições, atores e políticas públicas no Rio de Janeiro. In MORAES, Aparecida Fonseca; SORJ, Bila. Gênero, violência e direitos na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, pp. 75-109. , p. 77).

Outro eixo de análise surge do voto do Ministro Marco Aurélio, para quem a LMP institui uma proteção que não “restringe de maneira desarrazoada o direito das pessoas pertencentes ao gênero masculino”. O que se entende, a partir dessa colocação, é que o direito dos homens estaria sendo mitigado de forma “razoável” para dar lugar à igualdade das mulheres. Essa declaração é equivocada, pois parece partir do pressuposto de que não haveria uma igualdade formal em primeiro lugar. É justamente da garantia constitucional à igualdade que emerge a relevância das políticas públicas que visem a materializar esses direitos.

Na verdade, é a violência doméstica e familiar que restringe de maneira desarrazoada os direitos fundamentais das mulheres. Conforme Campos (2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. , p. 256), “É o mandamento da igualdade substancial que autoriza a discriminação positiva, cujo objetivo é superar os limites da igualdade formal. [...] o sentido da discriminação positiva é o de neutralizar o desequilíbrio fático que torna as pessoas substancialmente diferentes”. O reconhecimento de que as mulheres representam um grupo socialmente discriminado informa, em larga medida, o “novo modelo de intervenção punitiva” (CAMPOS, 2008 _____. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. Revista Brasileira de Ciências Criminais , Ano 16, n. 73, julho-agosto de 2008, pp. 244-267. , p. 254) da LMP, guiado pela tutela penal exclusiva, pelo agravamento da pena cominada aos crimes de lesão corporal leve e, ainda, pelo afastamento das disposições da Lei 9.099/95.

Nos processos judiciais, estão em jogo estereótipos de gênero 7 7 Para Pandjiarjian (2002) “ainda persistem preconceitos de sexo, e de classe e raça/etnia, que influenciam as decisões do Poder Judiciário, muitas vezes em prejuízo às mulheres. são ainda utilizados conceitos morais como ‘mulher honesta’, ‘inocência da vítima’, ‘boa mãe’, para definir questões como separação e guarda de filhos, violência sexual e crimes sexuais. As discriminações que persistem devem-se, sobretudo, aos padrões de cultura presentes na sociedade e refletidos – em maior ou menor grau – nas práticas jurídicas institucionais.” que, ao repercutirem na persecução penal, podem representar uma resposta do Poder Público que prejudica o discurso de proteção às vítimas (CAMPOS, 2006 _____. Violência doméstica e Juizados Especiais Criminais: análise a partir do feminismo e do garantismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2):, maio-agosto/2006. , p. 419). Embora os membros da Corte tenham abordado a questão da proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar sob o enfoque dos requisitos de procedibilidade da ação, deixaram de lado o fato de que os problemas relacionados à violência se estendem para a sua instrumentalização judicial. Conferir eficácia aos dispositivos da LMP demanda não apenas a compreensão da violência doméstica e familiar como um padrão estrutural e habitual, mas também a incorporação da categoria gênero, que, “ao maximizar a compreensão do funcionamento do sistema penal, social e político, desvela a aparência de neutralidade e de imparcialidade (“assepsia jurídica”) e o tecnicismo dogmatizante com o qual se formulam os discursos jurídicos e cujo resultado é ofuscar e legitimar a visão predominantemente masculina” (CAMPOS, 2006 _____. Violência doméstica e Juizados Especiais Criminais: análise a partir do feminismo e do garantismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2):, maio-agosto/2006. , p. 413). 8 8 “A idéia de uma justiça igualitária baseada em princípios ou valores universais oculta, na verdade, as desigualdades que a Justiça produz, aquilo (e aqueles) que ela exclui ou ainda os que nem considera. Seria fantasioso imaginar a existência de uma esfera na sociedade, mesmo com as melhores intenções ou excelência de procedimentos, que possa atuar com pretensões de neutralidade” (DEBERT; GREGORI, 2008, p. 176).

Reconhecendo que o direito é um campo em disputa, questionar a construção de significados que não se coadunam com os pressupostos feministas da LMP é uma tarefa fundamental para promover aplicações dessa norma que protejam as mulheres e, ademais, promover, discursivamente e na prática, desconstruções acerca das concepções estereotipadas de masculinidades e feminilidades, base da hierarquia entre os gêneros. Conforme aponta (Campos (2011a _____. Razão e Sensibilidade: Teoria Feminista do Direito e Lei Maria da Penha. In CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011a, pp. 1-12. , p. 4), “Se o gênero organiza a vida social, dá significado à dimensão do poder, estrutura a divisão sexual do trabalho, as doutrinas jurídicas são criadas em um contexto social permeado pelo gênero, por relações econômicas e raciais, pela divisão sexual do trabalho e pela subjetividade dos doutrinadores envolvidos no processo.” Esses processos são centrais para a afirmação e realização dos direitos humanos das mulheres e, ainda, para a abertura de novos rumos que possam concretizar o direito a uma vida livre de violência.

Conclusão

Os discursos judiciais presentes no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424 encerram diversas ambiguidades. A percepção da decisão como um avanço na proteção dos direitos das mulheres convive de maneira desarmônica com as abordagens tradicionais sobre a família como “entidade” e os estereótipos de gênero. As avaliações sobre a agência das mulheres em situação de violência doméstica e familiar são igualmente problemáticas, pois a discussão se limita ao contexto em que as preferências são manifestadas, sem tratar das condições de socialização que as antecedem.

Observa-se, da análise da sessão de julgamento, que as vozes que traziam perspectivas críticas de gênero sobre questões sensíveis surgiram de maneira bastante isolada e descontínua. Considerando que a Ação objetivava a interpretação conforme a Constituição Federal dos artigos 12, I, 16 e 41 da Lei 11.340/06 _____. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [...] e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 8 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Consulta em 20/11/2013.
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, no sentido de que a ação é pública incondicionada, pouco se avançou na compreensão de que a mera incondicionalidade não é suficiente para assegurar uma aplicação voltada para a proteção das mulheres.

De modo geral, pode-se afirmar que a decisão proferida na ADI 4.424 constitui um avanço, no sentido de ter superado um debate jurisprudencial e doutrinário que, ao exigir a representação da mulher em situação de violência, desconsiderava a expressão da agência “diferenciadamente imperfeita” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. ) no processo de produção das preferências dos indivíduos, especialmente num contexto fortemente marcado pela vulnerabilidade, pela opressão e pela dominação. Desse ponto de vista, tornar a ação pública incondicionada à representação é algo que abre um horizonte de possibilidades que pode ser favorável para a denúncia e a erradicação da violência doméstica e familiar. Contudo, a decisão, por si só, não é capaz de por fim aos desafios que surgem para o enfrentamento da violência doméstica e familiar, na medida em que as medidas repressivas são apenas parte do problema. Inclusive, foi a partir do reconhecimento da complexidade da violência e dos próprios limites do punitivismo, que a Lei Maria da Penha introduziu as medidas educativas e preventivas.

Os matizes do julgamento da ADI 4.424 expõem as fissuras do direito, campo inserido num contexto social, inegavelmente constitutivo e constituído por construções acerca dos gêneros. A transformação das compreensões das/os juristas sobre a atribuição de significados para as identidades e para o fenômeno da violência doméstica, não é automática, mas requer práticas sensibilizadoras, adequadas para questionar e subverter construções tradicionais sobre o gênero, que atuam em desfavor das mulheres – entre outras medidas. Esse seria um caminho para que o direito incorpore, cada vez mais, releituras feministas da Lei Maria da Penha.

  • 2
    Joan Scott (1986) SCOTT, Joan W. Gender: a useful category of historical analysis. The American Historical Review, Vol. 91, No. 5, 1986, p. 1053-1075. designa o gênero como uma categoria analítica que, primeiro, representa um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças observadas entre os sexos e, segundo, constitui um modo primário de atribuir significado a relações de poder.
  • 3
    Conforme Mirabete e Fabbrini (2010 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Arts. 1o ao 120 do CP. 26a. ed. São Paulo: Atlas, 2010. , p. 358-359), “pode a ação pública depender da representação que se constitui numa espécie de pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação seja instaurada. [...] É tida, pelos doutrinadores, como condição de procedibilidade. A imposição dessa condição deriva do fato de que, por vezes, o interesse do ofendido se sobrepõe ao público na repressão do ato criminoso quando o processo, a critério do interessado, pode acarretar-lhe males maiores do que aqueles resultantes do crime.”
  • 4
    “decisões que parecem individuais e isoladas ‘podem ajudar a estabelecer e reproduzir normas de desigualdade que são prejudiciais a outras mulheres’ (Sunstein, 1999, p. 88) ou a outros indivíduos, já que o problema colocado não se restringe às desigualdades de gênero.” ( BIROLI, 2012a BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, nº9. Brasília, setembro - dezembro de 2012a, pp. 7-38. , p. 24)
  • 5
    “o sistema jurídico, de modo geral, apresenta dinâmicas e conteúdos sexuados na interpretação e decifração de fatos e situações relativas à violência contra a mulher, reforçando a concepção tradicional de família e, consequentemente, da hegemônica divisão sexual do trabalho, do poder e das categorizações da sexualidade deslocadas do cotidiano para os espaços sociais mais amplos, caracterizados em esferas ou campos. Assim, as mulheres são controladas também socialmente pela sua inserção na cotidianidade da vida, na dedicação à família, à maternidade, aos filhos, nas disputas minúsculas do cotidiano, nos pequenos conflitos, como também nos valores como a fidelidade, honestidade, empatia, subjetividade e cooperação.” ( BANDEIRA, 2009 BANDEIRA, Lourdes. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a violência feminina no Brasil: 1976 a 2006. Sociedade e Estado , Brasília, v. 24, n. 2, p. 401-438, maio/ago. 2009. , p. 410)
  • 6
    O Ministro Gilmar Mendes, embora tenha seguido a orientação do Ministro Relator, também menciona esse aspecto do impacto sobre a família: “às vezes, a própria ação penal pública incondicionada vai ser um elemento de tensão familiar, e eventualmente de desagregação familiar”.
  • 7
    Para Pandjiarjian (2002) _____. Os estereótipos de gênero nos processos judiciais e a violência contra a mulher na Legislação. In MORAES, Maria Lígia Quartim de; NAVES, Rubens (orgs). Advocacia pro bono em defesa da mulher vítima de violência. Campinas/São Paulo, UNICAMP/Imprensa Oficial SP, 2002. Disponível em: http://www.redemulher.org.br/valeria.html Consulta em 23/10/2013.
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    “ainda persistem preconceitos de sexo, e de classe e raça/etnia, que influenciam as decisões do Poder Judiciário, muitas vezes em prejuízo às mulheres. são ainda utilizados conceitos morais como ‘mulher honesta’, ‘inocência da vítima’, ‘boa mãe’, para definir questões como separação e guarda de filhos, violência sexual e crimes sexuais. As discriminações que persistem devem-se, sobretudo, aos padrões de cultura presentes na sociedade e refletidos – em maior ou menor grau – nas práticas jurídicas institucionais.”
  • 8
    “A idéia de uma justiça igualitária baseada em princípios ou valores universais oculta, na verdade, as desigualdades que a Justiça produz, aquilo (e aqueles) que ela exclui ou ainda os que nem considera. Seria fantasioso imaginar a existência de uma esfera na sociedade, mesmo com as melhores intenções ou excelência de procedimentos, que possa atuar com pretensões de neutralidade” (DEBERT; GREGORI, 2008 DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e Gênero: Novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 23 nº. 66. Pp. 165-211. , p. 176).

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    O presente artigo constitui uma versão adaptada da monografia de conclusão de curso da autora Laura Carneiro de Mello Senra, advogada e bacharela em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. A pesquisa foi concluída em dezembro de 2013 sob orientação da Profa. Dra. Flávia Biroli, professora associada do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL-UnB).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      Apr-Jun 2018
    • Data do Fascículo
      Jun 2018

    Histórico

    • Recebido
      18 Set 2016
    • Aceito
      24 Abr 2017
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