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O maio de 68 francês: sentidos e recuperações

The French May 68: meanings and captures

Resumo

O presente artigo busca investigar a batalha discursiva em torno dos eventos do Maio de 1968 no contexto francês. 50 anos depois, o sentido do acontecimento continua em aberto e em disputa, entre a recuperação neoliberal dos eventos e a necessidade de repolitizá-los a partir de uma análise que faça justiça à história.

Palavras-chave:
Greve; Maio de 68; Capitalismo

Abstract

This article aims to inquiry the discursive battle about the May 1968 events in the French context. 50 years later, the meaning of the events remain open and in debate, between their neoliberal capture and the necessity of repoliticize them through an analysis capable of making justice before History.

Keywords:
Strike; May 68; Capitalism

Uma vez enganchada à linha de montagem, a carroceria começa seu semicírculo, passando sucessivamente diante de cada posto de soldagem ou de outras operações complementares: limagem, polimento, martelagem. [...] É um movimento contínuo, que parece lento: à primeira vista, a linha de montagem dá quase uma ilusão de imobilidade, sendo necessário fixar o olhar em um carro determinado para vê-lo deslocar-se, deslizar progressivamente de um posto a outro. O carro não para; são os operários que devem se deslocar para acompanhá-lo durante a execução do trabalho. Assim, cada um tem uma área bem definida para executar os gestos que lhe são impostos, embora as fronteiras sejam invisíveis: logo que um carro nela entra, o operário desengata seu maçarico, empunha seu ferro de soldar, agarra seu martelo ou sua lima e começa a trabalhar. Algumas marteladas, alguns clarões, os pontos de solda estão feitos e já o carro está saindo dos três ou quatro metros do posto. E o seguinte vai entrando na área de operação. E o operário recomeça. Às vezes, se ele trabalha depressa, sobram-lhe alguns segundos de descanso antes que chegue um novo carro: ele pode aproveitá-los para respirar um pouco ou, ao contrário, intensificando seu esforço, ele “avança na linha”, de modo a acumular uma pequena vantagem, isto é, põe-se a trabalhar fora da área normal, ao mesmo tempo em que o operário do posto que o precede. Uma ou duas horas depois, quando tiver economizado o fabuloso capital de dois ou três minutos de avanço, terá o tempo de fumar um cigarro – voluptuoso rentista de mãos nos bolsos, que olha passar sua carroçaria já soldada enquanto os outros trabalham. Felicidade efêmera: o carro seguinte já vem chegando; é preciso trabalhar de novo no seu posto normal; e a correria recomeça para ganhar um metro, dois metros e “avançar” na esperança de fumar tranquilamente um cigarro ( LINHART 1978 LINHART, Robert. Greve na fábrica. L’établi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. , p. 13) 1 1 Miguel Arraes, que traduziu o livro quando estava exilado na Argélia, em 1978, propõe traduzir o termo établi por “integrado” (na fábrica) e por “banca” ao se referir à mesa de trabalho. Seguimos essa tradução, fazendo algumas mínimas alterações no texto ao acharmos conveniente.

Marcado pelas convulsões do pós-maio de 68 ainda “inscrito em seus traços”, e como muitos de sua geração, Robert Linhart abandona provisoriamente os corredores da École Normale Supérieure da rue d’Ulm, assim como a ocupação de professor, inventa uma nova identidade e se “integra na fábrica”, isto é, vai trabalhar na usina Citroën. Fala-se então de établi , do movimento do établissement, termo de difícil tradução que invoca tanto o “estabelecido” ou eventualmente o “integrado”, quanto a mesa, a bancada de trabalho do artesão ou do operário. Vários foram aqueles, estudantes e intelectuais, que tomaram a decisão de ir para a usina com a esperança de, por um lado, se desfazer um pouco de seus ideais abstratos e, por outro, de alargar o horizonte dos operários. Esperança de um entrecruzamento de classes e de lutas, de uma nova solidariedade na militância política. Para os jornais e parte do meio intelectual, o movimento ganha repercussão, parece de uma novidade extraordinária; para boa parte dos operários, ele é apenas um devaneio juvenil, observado com certa desconfiança: “por que esses estudantes, tendo o privilégio de fazer outra coisa, escolheriam a vida penosa da usina?”.

Em L’Établi, Linhart ______________. L’établi. Paris: Les Éditions de Minuit, 2017 (1978). descreve a vida de operário durante um ano na Citroën da porta de Choisy, no 13ème arrondissement de Paris, produzindo assim uma descrição minuciosa do fordismo e do cotidiano na linha de montagem. Sua inabilidade manual faz com que passe nos dois primeiros dias por diferentes funções: soldagem com estanho de diferentes pedaços de aço que formarão a primeira “carcaça” do veículo; em seguida instalação de borracha nos vidros; enfim confecção de assentos. Mais tarde, após alguns dias de licença, será transferido ainda para outro posto: verificação de peças (defeituosas ou não, bem pintadas ou não), seleção e triagem (capôs em um carrinho, paralama direito em outro, esquerdo em outro ainda...). Ao longo do ano passado na usina, passará ainda por diversos outros postos. Cada segmento possui sua organização e seus números próprios: pelo menos 148 carcaças a serem fabricadas por dia, um mínimo de 320 vidros por dias – 32 vidros por hora, pouco menos de 2 minutos por vidro –, um mínimo de 75 assentos por dia – em uma pequena equipe de quatro pessoas, há o suficiente para fabricar 300 assentos por dia para equipar 150 veículos; para fazer um assento é preciso fazer 50 pontos no tecido, 3750 agulhadas por dia para conseguir realizar a produção mínima. Obviamente, todas essas funções conhecem um estímulo “à diferença” com bonificações microscópicas que buscam a ultrapassagem desses esses números “mínimos” de produção diária.

Graças à coordenação desses diferentes postos, a cada quatro minutos, um carro novo inteiro é fabricado. E como no esporte, há um “antes” e um “depois” dos recordes que faz com os números mínimos se modifiquem e aumentem constantemente. “Antes”, 5 pessoas produziam 60 assentos por dia; “depois”, a destreza e o esforço permitem produzir 75 assentos a 4. Em seguida, com um novo campeão despontando a 90 assentos por dia, em vez de ele poder aproveitar o “avanço” para fumar seu cigarro, os números “mínimos” serão aumentados uma vez mais.

Para que essa máquina de fabricação baseada em uma grande divisão do trabalho funcione perfeitamente, é preciso em primeiro lugar uma coordenação total de suas partes e uma execução a mais perfeita, a mais precisa possível, dos gestos de cada um. E esses gestos são contabilizados, classificados, normalizados, repartidos. Além disso, na busca incessante pela otimização do trabalho e do seu tempo, a “Organização do Trabalho” se vale de pequenos ardis corriqueiros como, por exemplo, avançar os relógios em dois minutos de modo a produzir um carro a mais a cada dois dias em um tempo “extra”, em princípio não contabilizado; ou, ainda, redistribuir e especializar ainda mais as funções dos operários. Tudo seguindo uma “racionalização do trabalho”, uma eficácia contabilizável. Os médicos da usina também têm aí o seu papel e respondem igualmente a um cálculo de desempenho: eles recebem bonificações mais altas na medida em que dão menos licenças de trabalho, sua “performance” sendo avaliada pelo reenvio sistemático de doentes de volta à linha de montagem.

Essa racionalização do trabalho se prolonga na organização do tempo, do espaço e na repartição das funções. Há uma segmentação total da usina. Os relógios marcam, contam, ditam. De 7h da manhã até 17h45 – 6h55, cada um se posiciona em seu respectivo posto na linha de montagem; 7h, início estrondoso do desenrolar das diversas linhas; 8h15, breve pausa; 12h, pausa do almoço; 12h45, retomada do trabalho. Do mesmo modo, há repartição das pequenas zonas de trabalho: alguns poucos metros definem uma zona x ou y na linha de montagem, ou um assento face à bancada de trabalho, correspondendo a um posto de trabalho específico, uma função precisa (solda, costura, triagem de peças). E há também as diferentes funções e hierarquias: “operário especializado” (O.S.) ou “trabalhador manual” (M.) classificados em três níveis diferentes e cuja distribuição é feita não segundo as capacidades de cada operário, mas em função de sua “raça”: negros são M.1., Árabes M.2 ou M.3; espanhóis, portugueses e outros imigrantes europeus O.S.1, franceses O.S.2, eventualmente O.S.3, “segundo a cara do cliente”. E em função de cada estrato da hierarquia, alguns centavos a mais são ganhos por hora de trabalho.

As nacionalidades costumam ainda ser reagrupadas pela Citroën em blocos por empresa: em Choisy, por exemplo, Iugoslavos; em Javel, turcos; e assim por diante. Maneira mais simples de classificá-los, controlá-los, espioná-los; de distribuir os intérpretes. Combina-se o controle na usina e no lar, repartem-se novas funções para além da especialização, facilita-se a entrada de polícias políticas: policiais espanhóis e marroquinos, agentes portugueses da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Em Javel, descreve Linhart, chegam vilarejos inteiros de turcos, mantendo intactas suas hierarquizações feudais. Por fim, os “intérpretes” têm um papel importante na organização e no controle da usina. A maior parte deles é constituída por universitários burgueses estrangeiros que trabalham para a usina e fazem a ponte entre os operários estrangeiros, que não compreendem bem o francês, e a administração – e ameaçam deixar de fazer essa ponte em caso de greves ou atitudes que atrapalhem o funcionamento da usina. A intimidação começa sempre com os imigrantes, que constituem a maior parte da mão de obra: ameaças de demissão, de perda de alojamento concedido pela usina, de deportação ao país de origem...

Se os eventos de maio de 68 instauraram uma ruptura significativa do tempo contável e funcionalista, o retorno à ordem foi, por sua vez, violento. Na fábrica da Citroën, por exemplo, os patrões impõem a chamada “recuperação”. Os operários são obrigados a trabalhar 45 minutos suplementares, dos quais metade não seria contabilizada no momento do pagamento dos salários. A grande greve de 68 havia assim como que deixado os operários em dívida com os patrões e era preciso agora pagar. Essa “recuperação” terá como consequência uma nova greve em 1969, coração do livro de Linhart, e que, apesar da breve duração, conseguirá reverter essa nova imposição.

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Como acontece com quase todo grande acontecimento histórico, há em torno do maio de 68 francês uma guerra discursiva, isto é uma luta pela sua narrativa. Se seguirmos a bela e conhecida leitura de Gilles Deleuze e Félix Guattari sobre o maio de 68, que apresenta uma definição da noção mesma de acontecimento , o que parece em primeiro lugar essencial é a existência de uma bifurcação no campo dos possíveis, de um desvio em relação à cadeia causal habitual, enfim de uma abertura inédita. Com isso, os autores insistem na impossibilidade de se poder dar uma definição total e de se construir uma narrativa definitiva do acontecimento. Segundo os autores, apesar de tudo o que pode haver de agitação, gesticulação, fala ou mesmo besteira, “o que conta é que foi um fenômeno de vidência, como se uma sociedade visse, de repente, o que ela tinha de intolerável, e visse também a possibilidade de outra coisa. É um fenômeno coletivo na forma de: ‘Um pouco de possível, senão eu sufoco...’” (DELEUZE & GUATTARI 1984 ____________________________. Maio de 68 não ocorreu. Revista Trágica, v. 8, n. 1, pp. 118-121, 2015. , p. 119).

Os eventos de maio não poderiam, segundo os autores, ser explicados inteiramente por uma dada linha causal, seja ela econômica, cultural, política ou social. Contudo, eles mantém uma relação com um certo estado de coisas intolerável; eles constituem uma reação a um quadro geral determinado. Esse intolerável, confluência de uma série de elementos e fatores, possui no entanto um nome: é o capitalismo do pós-guerra e do retorno forçado à ordem.

A história do maio de 68 francês não pode ser compreendida sem lembrarmos em que consiste esse retorno à ordem. E em verdade, há uma série de retornos à ordem que remonta às décadas anteriores aos eventos de maio. No auge da ascensão fascista europeia dos anos 1930, assistimos no contexto francês a um momento de exceção, entre 1936 e 1938. É a época da Frente Popular, grande coligação de esquerda, com apoio do Partido Comunista Francês (PCF) e constituída pela Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO) e pelo Partido Radical Socialista. Essa época é marcada pelos grandes comícios populares, onde se tornam centrais interrogações sobre questões de cultura popular e proletária, de direitos aos trabalhadores (férias e folgas pagas, férias escolares, etc.) e de direito ao lazer. É á época ainda do nascimento de uma cultura da greve e durante a primavera de 1936, entre maio e junho, há a eclosão de uma greve gigantesca com mais de dois milhões de grevistas, onde as questões da cultura e das férias são postas pela primeira vez lado a lado. Reivindica-se o exercício do lazer ativo, fazem-se greves festivas. E tudo isso acompanha uma nova e maior organização sindical, uma sindicalização generalizada. Com o papel de um pivô importante, o PCF transmite temas oriundos diretamente dos ideais soviéticos, e a mobilização nasce de um entrecruzamento entre intelectuais, artistas e operários de esquerda, sob os lemas de uma “nova política cultural” ligada a uma “frente unida antifascista”. O movimento guarda a sua parte de ambiguidade e circulam muitas palavras de ordem em tom nacionalista – assimilação da cultura à nação, discurso de uma cultura unitária e patrimonial cuja representação mais “autêntica” seria o operariado, etc. Mas, apesar disso, a Frente Popular marca o esforço de constituição de uma nova coletividade, de um novo tipo de solidariedade. Não por acaso, a questão da educação é igualmente tão central: escola unificada e universal, surgimento dos programas de educação popular para filhos de agricultores e para a classe operária, crítica do ensino excessivamente “intelectualista” e “classista”, abertura às técnicas pedagógicas modernas, importância do esporte e da educação física, etc. 2 2 Poderíamos citar, por exemplo, o “Plano Zay”, programa de reforma escolar e de estatização de diversos setores educacionais que permaneciam nas mãos de setores privados de caridade ou da Igreja – entre 110 e 130 instituições privadas de caridade são fechadas dando lugar à criação de entre 8 e 10 grandes complexos institucionais públicos –; ou ainda o Congresso Internacional de Educação Primária e de Educação Popular que aconteceu em 1937 reunindo nomes como Henri Wallon, Célestin Freinet e Jean Piaget com o objetivo de discutir novos métodos escolares e toda uma nova política do ensino.

1939, a Guerra e em seguida a Ocupação, o Governo de Vichy, vêm interromper esse processo, marcando um retorno à ordem. Por um lado, Vichy retoma de forma ambígua várias questões levantadas pela Frente Popular – sobretudo a de uma estatização dos serviços e da necessidade de reformas da educação –, por outro, o faz de forma tecnocrata e segundo uma ideologia inteiramente nacionalista, paternalista, violenta e moralista. Com o fim da Guerra, há uma esperança de retomada de frentes progressistas e efetivamente há um momento de forte indecisão, entre 1945 e 1948, na transição para o novo governo. Grosso modo, há negociação entre os dois lados da resistência: os comunistas e aqueles ligados ao General De Gaulle. Mas 1947-1948 marcará um novo e longo retorno forçado à ordem: o imperativo da normalidade e da reconstrução; o alinhamento da França ao bloco ocidental e capitalista no contexto de um mundo dividido em dois polos e a luta contra o avanço do comunismo liderado por De Gaulle; o projeto pela eminência do poder executivo representado justamente pelo general; a clemência ao general Pétain, um dos chefes de Estado do Governo de Vichy; enfim a restauração de uma política violentamente colonialista.

O milagre econômico dos Trinta Gloriosos com sua explosão demográfica dos baby boomers, com seu pleno emprego e sua forte industrialização, acompanha uma normalização social e um autoritarismo que não devem ser desestimados. E esses dois fenômenos, o milagre econômico e a repressão, são de certo modo correlatos. O início da Guerra da Argélia, em 1954, intensificará o controle e marca o princípio de um novo momento de repressão. Em 1955, é criada a lei do estado de emergência, permitindo a entrada em um estado de exceção e o início de um período ainda mais repressivo, que culmina no território francês com o anúncio de um toque de recolher em Paris exclusivamente para norte-africanos. Em resposta a esse toque de recolher, um ato é convocado no dia 17 de outubro de 1961, no qual, segundo certos autores (por exemplo, ROSS 2005 ROSS, Kristin. Mai 68 et ses vies ultérieures. Marseille: Agone, 2010. ), mais de 200 pessoas teriam sido mortas, além de milhares de desaparecidos contabilizados e mais de 11000 pessoas presas. Outros atos – como o de 1962 no qual nove pessoas serão mortas no metrô de Charonne – serão duramente reprimidos nos anos seguintes, sempre sob a base e justificativa do estado de emergência.

Não se trata aqui de retomar em detalhe essa história com elementos e desdobramentos complexos, mas de indicar como o milagre econômico francês acompanha uma época em que o aparelho repressivo se intensifica, como o retorno à ordem autoritário do pós-guerra é marcado por uma violência estrutural e enfim como se instaura uma atmosfera sufocante – “um pouco de possível, senão eu sufoco” – que em parte explica a eclosão dos eventos de maio de 1968 na França.

Uma das fagulhas para o início das revoltas pode ser justamente identificada na reposta à repressão policial a uma manifestação contra a Guerra do Vietnam na Universidade de Nanterre. Os estudantes se mobilizam ainda mais em seguida apesar da Universidade ser fechada na tentativa de se acalmar os ânimos. Quase ao mesmo tempo, o movimento operário invade usinas e desencadeia a greve geral mais longa da história do país. Os movimentos estudantil e operário constituem os dois grandes eixos do maio de 68 parisiense 3 3 É preciso notar que o maio de 68 francês é um movimento amplo, envolvendo diversas outras cidades além da capital. Tomamos aqui como centro da análise, todavia, os eventos do maio parisiense, que pela própria centralização do país, concentra a maior parte dos discursos históricos e teóricos. e têm como plano de fundo a recusa do governo autoritário de De Gaulle, o questionamento do ensino e da pedagogia vigentes, a problematização dos costumes tão rígidos e fechados, o autoritarismo generalizado. Sabe-se como há um questionamento forte da centralização e da verticalização do poder, a recusa da autoridade, a denúncia da tradição.

O questionamento da verticalização do poder faz com que de certa forma maio de 68 seja criticado por quase todos os lados. Para a direita tradicional, maio de 68 consiste em um ataque a tudo o que mantém a sociedade em ordem: a autoridade, os valores, as instituições republicanas, a destruição da sagrada tríade trabalho-pátria-família, que constituiria a base mesma e sem a qual a se cairia no niilismo total, na ausência de sentido. Esse ataque consistiria portanto em um declínio, na decadência da tradição e por isso os sessentaoitistas são acusados de nietzscheanismo libertário descontrolado ou de anti-humanismo (corrente discursiva representada em grande parte por Raymond Aron e hoje por nomes como Luc Ferry, Alain Renault e Alain Finkielkraut). Para a direita liberal, a longa greve geral é um problema a ser combatido, assim como o questionamento do sistema capitalista e da sociedade de consumo. Para além do indivíduo, parte do discurso sessentaoitista se concentra em recolocar o problema da coletividade e da construção de um novo comum . Enfim, para certos setores da esquerda, em parte ligada ao Partido Comunista Francês, mas também presente no discurso après coup de maoístas e de outros grupos de extrema esquerda, tratar-se-ia de um movimento puramente estudantil, desligado do operariado e do povo, aquém das formas de militância tradicional do marxismo ortodoxo; tratar-se-ia de um movimento delirante, festivo, de um “neo-surrealismo” sonhador (aposta dos Situacionistas), de um movimento “americanista” (Régis Debray), sem organização tática, sem estratégia, nem horizonte, pura reivindicação de um desejo individualista de boêmios burgueses (corrente discursiva representada, por exemplo, por nomes como Guy Hocquenghem, Serge Jully, mas também por Philippe Sollers e as revistas Tel Quel e La Nouvelle Critique).

Tanto a esquerda do PCF quanto a direita tradicionalista se encontram nas críticas ao 68 e ambas retomam os slogans pintados nos muros – como, por exemplo, “Tomem seus desejos por realidades” ou “É proibido proibir” – para acusar o movimento de puro narcisismo, de “hedonismo capitalista” (Pasolini) vazio, animalidade ou liberação que se traduziriam rapidamente em liberalismo e portanto em slogans vazios de uma sociedade de consumo. Os jovens estudantes são assim acusados de americanismo, incorporação dos modismos made in USA, de forma que se trataria de um movimento puramente “liberal-libertário” ou “anarco-liberal”, que estaria na realidade abrindo os caminhos para a realização dos ideais da direita liberal, que constituiria uma “artimanha da razão”, como se os sessentaoitistas fossem os agentes inconscientes do ideal liberal.

O que é certo portanto é que os eventos de maio são atacados por quase todos os lados. Contudo, após o fim da curta duração dos eventos, se inicia a luta para que o sentido do acontecimento seja construído. Assim, se a direita tradicionalista continuará a associar maio de 68 ao discurso do declínio e do fim da tradição, a direita liberal e boa parte da esquerda farão uma leitura globalmente positiva do acontecimento, tentando assim incorporá-lo de um modo ou de outro a sua história. A direita liberal, sobretudo, vê rapidamente em maio de 68 um meio de modernizar a sociedade e a economia, e até mesmo de favorecer o desenvolvimento capitalista. No campo da esquerda, por sua vez, uma luta entre vários setores tentará entender a importância e o sentido dos eventos.

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A respeito do conflito sobre o sentido do maio de 68 no campo da esquerda, a disputa entre Louis Althusser e Michel Verret é interessante. Verret, marxista ligado ao PCF até 1978, escreve um texto chamado Mai Etudiant, ou les Substitutions, publicado em fevereiro de 1969 na revista La Pensée. Verret critica a falta de objetivos claros, de coerência estratégica e tática, de unidade organizacional do movimento estudantil. Além disso, o excesso de audácia dos estudantes parece ser possível apenas porque eles são os herdeiros (e futuros) médicos, advogados, professores. Tratar-se-ia assim de uma “revolta de príncipes”, de uma revolta imaginária, e “a imaginação não pode tomar o poder senão imaginariamente” ( VERRET 1969 VERRET, Michel. Mai etudiant ou les substitutions. La pensée, número 143, 1969. , p. 7). Verret volta aos termos que não cessam de circular: os estudantes representam o individualismo libertário, o nietzscheanismo de esquerda que aposta na violência criadora à la Georges Bataille, essa posição no entanto sendo fundada e possível graças ao aristocratismo de sua posição de herdeiros4 4 A categoria dos “herdeiros” tão mobilizada por Verret reenvia, é claro, à obra de Jean-Claude Passeron e Pierre Bourdieu, publicada em 1964. .

Althusser escreve no mês seguinte, em março de 1969, um texto de resposta a Verret, ponderando suas críticas e que abre o caminho para o célebre texto sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado, que ele viria a escrever no ano seguinte. Porém, mais do que uma resposta ao sociólogo, Althusser visa de maneira mais geral o próprio PCF e sua incapacidade de avaliar, pensar e teorizar os eventos de maio. E essa teorização lhe parecia absolutamente necessária: “É preciso analisar a fundo as razões profundas, internacionais e nacionais, dessa revolta ideológica, que é, em seu nível naturalmente, um acontecimento sem precedente na história e irreversível” ( ALTHUSSER 2017 ALTHUSSER, Louis. A propósito do artigo de Michel Verret sobre o “Maio estudantil”. Crítica marxista, número 44, pp. 123-135, 2017 (1969). , p. 135).

Apesar de reconhecer o mérito de Verret, um comunista, de enfim se dispor a analisar os eventos, de assinalar a necessidade de pensar um combate político comum com os “estudantes ‘esquerdistas’” e de contribuir à teorização da questão da ideologia, Althusser considera seu texto contraprodutivo do ponto de vista da necessidade de se pensar verdadeiramente uma ação unificada entre comunistas e esquerdistas, entre forças proletárias e forças estudantis. Ele é contraprodutivo, em primeiro lugar, por conta de sua linguagem extremamente hermética, elíptica, de uma “sociologia marxista” pouco acessível aos “camaradas operários”, mas que no fundo não passaria de uma linguagem “psicossociológica” (ibid. p. 126) presa puramente na descrição das motivações dos estudantes e não na concretude dos eventos. Em outras palavras, sua análise seria refém da abstração de uma “condição estudantil” (idem), que não levaria em conta a situação econômica, política e ideológica que desencadeara os eventos de maio. Além disso, já no início do texto, Althusser lembra como apesar de eventualmente os operários e os estudantes não estarem “no mesmo comprimento de onda” (ibid . p. 125), isto é, não estarem vibrando necessariamente na mesma frequência, pelas mesmas razões e impulsos, eles estavam juntos, lado a lado, como mostrara bem a “gigantesca e entusiástica manifestação do 13 de maio” (idem ).

Althusser não nega que haja um fascínio pela “permissividade”, pela “audácia”, pela “revolta à ordem estabelecida” no movimento estudantil, mas aponta que é preciso estudar “as razões históricas” que fazem com que essa revolta específica seja o que é – ela é fascista, progressista, estética? Contra a abstração de “uma essência intemporal da liberdade ‘transitiva’” (ibid. p. 127) que parece marcar quase toda revolta de uma juventude estudantil, seria preciso então analisar concretamente a revolta do maio de 68. E ela, aponta Althusser, se insere em uma onda de revoltas mundiais da juventude escolarizada que é efeito “da agonia do capitalismo” e de como a “ideologia burguesa está fortemente abalada” (idem ); que ela mantem uma relação com as “marcas profundas” (idem) deixadas pela guerra da Argélia; que essa revolta é marcada pelos exemplos argelino, cubano, vietnamita e chinês; que essa revolta pela primeira vez incluiu secundaristas e jovens trabalhadores intelectuais. Em suma, essa revolta tornou-se “uma revolta ideológica de massa” que prejudicou os valores estabelecidos, mas também as instituições de Estado (em particular o sistema escolar, majoritariamente marcado por uma ideologia burguesa), uma revolta que “se reveste de um caráter incontestavelmente progressista, a despeito de seus erros, de suas arrogâncias e de suas ilusões inevitáveis ” (ibid. p. 128).

Para Althusser, é absolutamente necessário distinguir qual o fundo ideológico dessa revolta, de onde ela vem, para se saber “em que medida ela pode ou não ajudar a luta de classe operária contra o imperialismo, no plano mundial e no plano nacional” (idem). Essa bússola ideológica seria necessária, segundo o filósofo, para entender après coup o sentido da revolta, pois toda revolta é necessariamente embebida em um dado fundo ideológico. E para compreender verdadeiramente maio de 68 seria necessário, para Althusser, ver os eventos como um encontro absolutamente novo nessas proporções: “um encontro entre, de um lado, uma greve geral, pelo que sei sem precedente na história ocidental pelo número de seus participantes e sua duração e, de outro, ações não somente estudantis, mas também secundaristas e ‘intelectuais’ (médicos, arquitetos, artistas, jornalistas, juristas, engenheiros, empregados...)” (idem ). Como argumenta ainda Althusser, nesse encontro, a greve foi o fenômeno realmente determinante a qual as ações estudantis seriam subordinadas, embora estas, na cronologia dos eventos, tivessem precedido a greve. Apesar da importância total da greve, esta fora, no entanto, objeto de “um silêncio quase total” ( ibid. p. 129), de modo que o movimento estudantil universitário tomara quase toda a cena midiática.

Embora o fundo ideológico do maio de 68 seja progressista, ele não é uno e por conta de uma composição múltipla (trotskismo, guevarismo, maoísmo...), houve uma grande flutuação que, aos olhos de Althusser, poderia ser considerada de fato sua fraqueza – e a prova disto seria a forma como a multiplicidade de grupelhos havia desaparecido no imediato pós-68. Não se trataria portanto de acusar do alto o movimento estudantil, mas de ajudá-lo, de com ele repensar a confusão ideológica reinante, de ajudá-lo na operação de “ fusão com o movimento operário” (ibid. p. 133), pois o que acontecera de fato, segundo Althusser, é que o Partido Comunista perdera contato “ideológico e político” com a juventude escolarizada e intelectual.

Nesse sentido, o texto de Althusser é uma resposta não somente a Verret, mas ao PCF e a sua incapacidade em teorizar o que havia acontecido com os estudantes 5 5 Sobre este ponto, ver também o texto de Stéphane Legrand (2009) . . E essa necessidade se mostrava urgente, pois, passado o tempo, o abismo entre o PCF, os estudantes e a classe operária só faria aumentar. A primeira coisa a fazer, diz o filósofo, é pôr “as coisas sobre seus pés”, isto é, afirmar e reafirmar “o primado histórico absoluto da greve geral sobre as ações estudantis em maio” (ibid. p. 134).

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Maio de 68 é um ponto de inflexão. E a guerra discursiva em torno do acontecimento, que começa logo após os eventos e se prolonga até hoje, tem como objetivo de dar o sentido dessa inflexão em função da luta e do horizonte políticos presentes. O silêncio em torno da maior greve da história da França servirá à captura liberal dos eventos de maio. É assim, por exemplo, que Valéry Giscard d'Estaing, eleito presidente em 1974, tematiza o “liberalismo avançado” (GISCARD D’ESTAING 1976 apud AUDIER 2008 AUDIER, Serge. La pensée anti-68. Essai sur les origines d’une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008. , p. 110). Giscard, como Chirac, seu primeiro ministro, veem com bons olhos a revolta de maio de 68, como um modo de flexibilizar e liberar a sociedade francesa. Se os liberais mais conservadores e autoritários – indo até o discurso de Sarkozy em abril de 2007 que anunciava a necessidade de “liquidar de uma vez por todas” a herança de maio de 68 –, os liberais mais moderados, em todas as suas vertentes, “vão optar por uma espécie de recuperação da dimensão liberal de Maio” ( AUDIER 2008 AUDIER, Serge. La pensée anti-68. Essai sur les origines d’une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008. , p. 113). A recuperação de maio de 68 nesses termos se baseia em um discurso que insiste no individualismo, no livre mercado e na sociedade de consumo.

Como temia Althusser, na história posterior ao maio de 68, há realmente uma separação progressiva entre as forças proletárias e as forças estudantis. O abismo aumenta, o ponto de contato diminui. A recuperação ou a captura de maio de 68 trabalhará a partir e nesse abismo: silenciando a greve e o movimento operário, acentuando unicamente o discurso “culturalista” da liberação dos costumes. Nesse sentido, Serge Audier tem toda razão de afirmar que “a operação de liquidação consiste assim no fundo em despolitizar radicalmente maio de 68 para esmagá-lo segundo uma lógica que não era a sua” ( AUDIER 2008 AUDIER, Serge. La pensée anti-68. Essai sur les origines d’une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008. , p. 358). E não por acaso, como aponta ainda o autor, outros slogans e fórmulas importantes das revoltas foram deixados de lado, ativamente relegados ao esquecimento, tais como “A sociedade de consumo deve perecer com uma morte violenta”, “A democracia direta conquistada pelos motins estudantis morrerá muito rapidamente se permanecer isolada dos trabalhadores” ou “Não se fica apaixonado por uma curva de crescimento [econômico]”.

Essa liquidação de maio de 68 fundada não tanto na negação dos eventos, mas antes em sua captura, tem ganhado muita força nas últimas décadas. O livro de Jean-Pierre Le Goff (1998) é nesse sentido emblemático. O autor critica o certo niilismo presente em maio de 68 e volta à tese dos sessentaoitistas enquanto “modernizadores” do Estado. Ele avança em particular a noção de “esquerdismo cultural”, noção que passará a circular bastante no meio midiático e mesmo intelectual. Com essa noção, Le Goff pretende explicar como, diferente das posições da extrema esquerda, a questão em maio de 68 era bem antes a da transformação das mentalidades e dos costumes através de uma “revolução cultural suave”. Le Goff reafirma assim a tese segundo a qual maio de 68 seria antes um movimento cultural do que propriamente político. Esse discurso, que será tão retomado por um certo republicanismo, consiste na verdadeira liquidação do acontecimento.

Com efeito, parte da dificuldade em se ler maio de 68 hoje se relaciona com a forma como os eventos vêm sendo diluídos ao longo das últimas décadas em um magma ideologicamente confuso. E isso se relaciona diretamente com o fato de que, por um lado, vários dos “atores” e “líderes” dos eventos de maio se converteram ideologicamente e buscaram assim, ao fazer a revisão de suas vidas, revisar também maio de 68. Exemplar é o caso de Daniel Cohn-Bendit (1986 COHN-BENDIT, Daniel. Nous l’avons tant aimée, la révolution. Barrault Bernard, 1992 (1986) ; 2009 __________________. Forget 1968. L’Aube, 2009. ) que pede, por um lado, que esqueçamos maio de 68 e que, por outro lado, reafirmando um discurso de fim da história, relega ao passado vários dos impulsos políticos presentes no maio de 68, inclusive o impulso propriamente revolucionário. “Nós a amamos tanto, a revolução”, diz ele, como esta fosse um furor juvenil, agora ultrapassado em prol de uma “maturidade” política. Maio de 68 aparece uma vez mais como um “acelerador histórico”, um momento modernizador, mas que é preciso agora esquecer para se passar a outra coisa.

Por outro lado, essa dificuldade se relaciona também com a instabilidade do que de maneira geral se identifica com o “pensamento 68”. Tal como acontece com o Estruturalismo, é difícil identificar um movimento de pensamento propriamente sessentaoitista a não ser como fórmula jornalística ou então negativa. É o que tentaram fazer, por exemplo, os pensadores conservadores Luc Ferry e Alain Renault ao identificar de modo absolutamente insuficiente certos pensadores como integrantes de um “pensamento 68” caracterizado pelas suas posições “anti-humanistas” e “críticas do sujeito”.

Mas essa etiqueta dificilmente se sustenta e os nomes normalmente vinculados a 68 não podem homogeneamente ser colocados lado a lado. Lévi-Strauss (1988) LÉVI-STRAUSS, Claude (& ERIBON, Didier). De près et de loin. Paris: Odile Jacob, 2001 (1988) faz um balanço negativo dizendo que cortar árvores para construir barricadas é inadmissível; Althusser, doente durante o período, não participa dos eventos; Foucault não se encontra em Paris, mas em Tunis; Bourdieu BOURDIEU, Pierre. Bourdieu de A à Z. Entrevista para a televisão, 2007 (1999). considera maio de 68 uma “falsa revolução” (1999) e sua contrarrevolução conservadora terrível; Deleuze, embora faça um elogio de maio de 68 e venha a escrever vários textos elogiosos, não é um ativista durante os eventos; Derrida, embora tenha participado de alguns atos e assembleias gerais, não se considera exatamente um sessentaoitista, também se mantém bastante reservado, não acredita nessa “palavra enfim liberada” e aponta para a forma como as mídias também tiveram um papel na “produção mesma do ‘acontecimento’ 68” (DERRIDA 1991 ______________. Une “folie” doit veiller sur la pensée. Magazine littéraire, número 286, 1991. ). De certa forma, boa parte do trabalho da Gramatologia, publicada em plena efervescência do pré-68, é baseado em um ceticismo no que concerne o espontaneísmo, a liberação total, a transparência e a imediatez do sentido e da voz. Mais ainda, Derrida DERRIDA, Jacques. De La Grammatologie. Paris: Les éditions de Minuit, 1967. não acredita e suspeita de um discurso de ruptura definitiva com a tradição. E mesmo, para além dessas temáticas mais propriamente conceituais, Derrida pondera sobre a recuperação conservadora do pós-68 não somente na esfera da política estatal, como na esfera intra-institucional, em particular na educação:

Digamos que, antes de 68, o poder de avaliação, de sanção, estava apesar de tudo nas mãos, por exemplo, do concurso da agregação, de pessoas que tinham apesar de tudo uma certa distinção, era um verdadeiro poder, de controle sem dúvida, mas digamos “esclarecido”: pessoas como Hyppolite, Canguilhem, etc. no júri da agregação, não é qualquer um! E em seguida Hipollyte morre, Canguilhem parte, e o poder é tomado, na agregação, por exemplo, por Dagognet, etc. (DERRIDA 1989 ______________. “Libérer la curiosité, susciter du désir...”. Conversation entre Jacques Derrida Bernard DeFrance. Cahiers Pédagogiques, número 272, março de 1989. Disponível em: http://www.bernard-defrance.net/archives/artic/index.php?textesperso=70
http://www.bernard-defrance.net/archive...
)

***

A “ressaca” que sucedeu à embriaguez da tomada de palavra ( CERTEAU 1994 CERTEAU, Michel de. La Prise de parole et autres écrits politiques. Paris: Seuil, 1994. ) foi com efeito violenta; a retomada, o retorno à ordem, a contrarrevolução que ali começou, terrível. Maio de 68 não ocorreu, ou melhor, não tomou lugar (n’a pas eu lieu), não encontrou lugar para persistir. No texto escrito em 1984, Deleuze e Guattari DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mille Plateaux. Paris: Éditions de Minuit, 2006. argumentam que o maio de 68 não seria tanto a reação a uma crise, mas antes como a crise vivida no momento em que o texto era escrito – em plena recuperação neoliberal após as grandes crises do petróleo – era consequência da incapacidade da sociedade francesa em assimilar o acontecimento. Essa sociedade teria assim, a cada passo, fechado os possíveis daquele acontecimento inaugural. E essa impossibilidade agora ali experimentada decorreria, segundo eles, da incapacidade de produzir “uma nova subjetividade” desejando as verdadeiras mutações possíveis abertas pelo acontecimento.

Desde a publicação desse célebre texto por autores que não cansaram de pensar o problema da captura, alguns contrassensos têm surgido, em particular, no que concerne a insistência no tema dessas ditas “novas subjetividades”. Muitas leituras posteriores deixaram de lado a questão inicial do intolerável naquela sociedade, assim como a da vidência que aquela coletividade tinha alcançado ao exprimir a necessidade imperiosa de responder ativamente ao estado de coisas intolerável.

Não se trata de minimizar a importância da liberação sexual, dos movimentos de contracultura ou das reivindicações identitárias, mas de compreender que essas diferentes lutas se construíram dentro de um contexto de reivindicação contra o capitalismo do pós-guerra e que foi a transversalidade dessas lutas que produziu um agenciamento coletivo sem precedentes. No maio de 68 francês, essa coletividade se estrutura, como vimos, através de dois vetores principais: os estudantes e o operariado.

A insistência après coup nas novas subjetividades tende a desfazer a tensão importante que existia entre esses dois vetores, a fragmentar uma força que não era de forma alguma homogênea, mas que lutava em uma mesma frente. Com efeito, o próprio texto de Deleuze e Guattari tem sido objeto de captura segundo a mesma lógica com a qual se liquida maio de 68, a saber, fazendo do sujeito – e não da coletividade – o cerne da questão. As diferentes subjetividades tornam-se subjetivismos, identitarismos que, por um lado, segmentam a força e o campo da esquerda, e, por outro lado, correspondem perfeitamente à lógica mercadológica do capital – que pode melhor oferecer para cada “subjetividade” aquilo que ela “deseja”.

A questão aqui levantada é delicada, complexa, polêmica. Não se trata de minimizar a importância das lutas identitárias – negra, feminista, LGBTQIA+ –, muito pelo contrário, mas de insistir em sua interconexão. Guattari não cansou de pensar esses problemas, sobretudo no pós-maio de 1968, mostrando a tensão entre os processos de homogeneização/ de captura das subjetividades e suas possibilidades de reabertura, de reconexão com outros canais; ou ainda, a tensão entre a transversalidade das lutas e suas singularidades, a tensão entre dispersão e interconexão. A noção de revolução molecular ( GUATTARI 1977 GUATTARI, Félix. La révolution moléculaire. Recherches, 1977. ) viria pôr fim à ideia de uma revolução final e acabada, marcando o fim da história, para substituí-la por uma ideia de micro-revoluções constantes, pensadas em termos de uma interconexão de lutas e práticas locais. Pois, segundo o autor, já não era mais possível pensar a luta pela igualdade social sem pensar ao mesmo tempo a luta feminista, a luta ecológica, a luta contra a descriminação racial ou a luta contra a xenofobia, enfim a luta no interior de nossas próprias psychés – isto é, contra nossas próprias polícias, nossos próprios micro-fascismos, a repressão aos nossos desejos e aos desejos do outro. Guattari estava, além disso, preocupado com a forma como uma revolução social é também capaz de reinstaurar muito rapidamente novas micro-hierarquias, concentrações de poder que não fazem senão reproduzir em escala microscópica o que é combatido em uma escala macro-política.

Em outras palavras, as lutas identitária só ganham sentindo em um horizonte mais amplo, na medida em que se conectam e que são capazes de construir as bases comuns para que uma sociedade mude. Em maio de 68, o que estava em jogo, sobretudo a partir da eclosão da greve, era a crítica radical do sistema de exploração capitalista. “É preciso que a sociedade seja capaz de formar agenciamentos coletivos que correspondam à nova subjetividade, de tal maneira que ela queira a mutação” (DELEUZE & GUATTARI 1984 ____________________________. Maio de 68 não ocorreu. Revista Trágica, v. 8, n. 1, pp. 118-121, 2015. , pp. 119-120). Para que uma sociedade deseje a sua mutação, para que uma tal nova subjetividade possa emergir, é preciso que um novo agenciamento coletivo possa se estruturar, se estabilizar e, sobretudo, persistir. Sem tal horizonte coletivo, os diferentes processos de subjetivação são pulverizados ou, talvez pior ainda, capturados.

***

Na bela e recente peça O pão e a pedra, da Companhia do Latão, vemos justamente de maneira bastante interessante como as questões de gênero e de classe se entrecruzam no interior de uma greve. O plano de fundo é a greve de metalúrgicos de 1979 no ABC paulista. A personagem principal, Joana, que trabalha em uma linha de montagem de automóveis, pelo simples fato de ser mulher, ganha menos que seus colegas. No meio da greve gigantesca que eclode, ela vai se travestir, transformando-se ao mesmo tempo em homem, João, e em fura-greve. Seu objetivo é assim poder ganhar mais para sustentar a sua casa e seu filho e, aproveitando da situação de greve, galgar posições na usina e almejar uma vida um pouco melhor. Em um terceiro momento, João se torna novamente Joana integrando uma vez mais a solidariedade criada no movimento de greve. De maneira bastante inteligente a peça mostra que embora as segmentações raciais, sexuais, étnicas sejam antigas, o capitalismo, dentro da fábrica, as atualiza e as utiliza em seu favor; e ela mostra também como as diversas transformações subjetivas que se desenrolam ao longo do processo acontecem em conexão com um contexto de luta coletiva da qual não podem ser isoladas. A questão de classes aparece ainda na dialética entre os operários e os estudantes esquerdistas; entre a “simples” luta por um aumento e a questão da revolução; entre a luta prática local e os ideais abstratos.

O pão e a pedra mostra tudo aquilo que a greve cria: uma nova temporalidade fora da usina – graças aos encontros, às festas, às discussões políticas –; uma nova rede de solidariedade onde o operário se faz menos máquina e mais humano; um coletivo capaz de resistir ao patrão e à ordem vigente que ele representa. Como em A classe operária vai ao paraíso (1971), de Elio Petri, que também trata da luta de operários em uma linha de montagem, uma nova linha de força se abre – uma linha que está muito para além da mera reivindicação salarial ou das condições de trabalho. Essa linha tem a ver com uma coletividade constituída e em ato, com suas contradições e segmentos – religião, machismo, fantasia –, mas que devem ser debatidas e solucionadas por esse coletivo aí presente.

E no processo de luta, esse coletivo grevista reencontra algo essencial: o tempo , o verdadeiro, porque fora e para além do tempo cronometrado e maquinal da linha de montagem. E tudo o que está em jogo parece se encontrar aí; afinal, qual é o verdadeiro embate da greve senão a interrupção do tempo para fazer assim os capitalistas sentirem na pele o prejuízo? Cada minuto, cada hora e dia que a linha de montagem permanecer parada será o fluxo de capital sendo interrompido, serão os milhares de novos automóveis que deixarão de ser produzidos. Se cada segundo é contável, o tempo perdido é uma arma poderosa e significativa.

É a reversão do tempo perdido que no bloqueio, na greve geral, pode ser efetuada. O grande embate entre patrão e peão, entre o dominante e dominado, é assim o tempo. O tempo perdido para o patrão que deixa de produzir; o tempo perdido, roubado, da vida do peão que oferece a única coisa que ele tem, a saber, seu corpo, sua carne. A economia temporal e energética imposta pela usina é com efeito a expropriação originária. Como não pensar em Jacques Prévert e seu célebre poema Le temps perdu?

Na porta da usina

o peão se detém

o bom tempo o puxou pela veste

e como se vira

e olha o sol

tão vermelho, tão redondo

sorrindo nesse seu céu de chumbo

ele pisca o olho,

intimamente.

Diga aí camarada sol

Você não acha

meio tolo

dar um dia como esse

para um patrão?

***

A greve implica a suspensão do tempo funcional e produtivo, o tempo da mecanicidade dos gestos eficazes. A temporalidade produtiva é também, como aponta Linhart, o signo da própria “morte: a engrenagem da linha de montagem, o imperturbável deslizar dos carros, a repetição de gestos idênticos, a tarefa jamais terminada” ( LINHART 1978 LINHART, Robert. Greve na fábrica. L’établi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. , p. 12). Há algo, porém, na ordem do organismo que resiste à repetição infinita, à “tentação da morte” (idem , p. 13) em tornar-se máquina na repetição gestual perfeita e totalmente funcional. “A vida se revolta e resiste. O organismo resiste. Os músculos resistem” (idem). É a reação do corpo, que se defendendo do nada e da repetição infinita, acelera seus gestos, pontua a reprodução, com suas irregularidades, seus falsos movimentos; ou, de maneira ainda mais ativa, que reage à lógica mecânica com suas estratégias, como a tática do posto para avançar na linha de montagem. É assim que há um “irrisório reduto de resistência contra o vazio eterno que é o posto de trabalho”; restam ainda “acontecimentos, embora minúsculos”, “resta ainda um tempo, mesmo que monstruosamente prolongado” (idem).

Na atmosfera criada pelo espaço da usina, há como uma “anestesia progressiva” (idem, p. 52) que faz com que os operários entrem em um certo torpor e desenvolvam uma dificuldade em distinguir a passagem do tempo – dias, semanas, meses, anos. É o efeito da segmentação do tempo e das esperas, da repetição dos gestos, dos encontros furtivos com as pessoas que estão sempre nos mesmos postos – ou eventualmente com outras pessoas, mas nos mesmos postos. “Esquecer, até às razões, de sua própria existência aqui. Satisfazer-se com esse milagre: sobreviver. Habituar-se. Habitua-se com tudo, parece. Deixar-se escorrer na massa. Amortecer os choques. Evitar os solavancos, ter cuidado com tudo o que incomoda. Negociar com o cansaço. Buscar refúgio em uma subvida. A tentação...” (idem , p. 52). De onde, a pertinência absoluta no contexto da usina dessa palavra-mestra que tudo gere e rege: a economia – “economia de gestos. Economia de palavras. Economia de desejos. Essa medida íntima da quantidade finita de energia que cada um guarda em si, e que a usina suga, e que é preciso agora calcular se se pode reter uma minúscula fração, não ser inteiramente esvaziado” (p. 52). É que assim tudo passa a ser objeto de um cálculo: ir falar com um colega que está em outro canto da usina, ir reclamar de algo com o patrão, ir buscar algo para beber. O espaço da usina é também de certa forma um “espaço total”, feito para impedir a organização dos operários. Há obviamente, diferente de uma “instituição total” ( GOFFMAN 1961 Goffman, Erving. Asylums: Essays on the Social Situation of Mental Patients and Other Inmates. New York: Doubleday, 1961. ), uma certa margem de “escolha”, mas essa margem é minada pela economia energética imposta pela ordem e pelo tempo do trabalho.

É preciso insistir nesse ponto: na greve e na revolta sem precedentes que eclodiram em maio de 68, uma brecha no tempo da eficácia se abriu. E esse parece ser um dos grandes legados do maio de 68 francês cinquenta anos mais tarde, visto que a exploração capitalista começa com a expropriação do tempo, dos corpos e da capacidade de se mobilizar. O rápido retorno à normalidade parece indicar que não muita coisa se deslocou na sociedade francesa, ao menos de um ponto de vista mais estrutural. Mas essa brecha aberta fez com que se tornasse necessário voltarmos constantemente aos eventos de maio para lê-los, como se eles tivessem efetivamente aberto um espaço novo, possível e necessário para além da ordem vigente.

Se o maio de 68 não abalou inteiramente a estrutura da sociedade, a brecha aberta permitiu, apesar de tudo, uma série de elementos que não devem ser menosprezados: a politização da psiquiatria – que se separou enfim da neurologia –; a enunciação da questão da interconexão das lutas em uma mesma frente; a necessidade de se repensar a educação e a abertura a inúmeras experimentações artísticas, educacionais, clínicas – como, por exemplo, a criação em 1969 do Centro Experimental de Vincennes mostra bem: uma universidade livre e aberta, frequentada por estudantes, operários, imigrantes, que duraria até 1975 antes de se transferida para Saint-Denis e começar seu longo processo de transformação em uma universidade “como as outras”.

O legado de maio de 68 se encontra portanto sobretudo na brecha por ele aberta. E a tentativa constante em se reescrever a história dos acontecimentos não é outra coisa senão a vontade de se fechar essa brecha 6 6 Há quem queira comparar o maio de 68 francês com as jornadas de junho de 2013. Mas, visto os contextos históricos, culturais e políticos radicalmente distintos, o paralelo estrito entre esses eventos parece improdutivo. Maio de 68 é, como vimos, uma reação a um momento extremamente autoritário e, apesar de tudo, produziu certos efeitos institucionais, como indicamos. Junho de 2013 é uma reação inicialmente ao aumento do preço da passagem de ônibus no interior de uma demanda mais larga por mobilidade urbana, e que foi rapidamente capturado por um discurso completamente difuso, sem grandes conquistas institucionais. Se 2013 parece ter produzido muito pouco efeito para o campo da esquerda, o sentido do maio de 68, 50 anos depois, apesar de também ter sido objeto de capturas e recuperações, continua em discussão. O fantasma das reivindicações políticas de maio de 68 continua a assombrar o capitalismo. – reescrita e esquecimento seletivos que buscam dar um sentido específico e distorcido aos eventos. É preciso hoje mais do que nunca revitalizar o sentido propriamente político dos eventos de maio, desfazer os mal entendidos históricos e ideológicos, revalorizar a força e o surgimento de um coletivo, certamente difuso, mas sem precedentes na história recente do pós-guerra. E essa revalorização, fundada em uma verdadeira responsabilidade com a história, implica em reconhecer a importância total da greve, dos processos no interior da greve e a luta travada naquele momento no coração do capitalismo, ou seja, no interior da usina automobilística.

O maio de 68 francês não é um fenômeno isolado. Ele é parte, como lembrava bem Althusser já em 1969, de uma conjuntura global de lutas. O ex-presidente Lula, há poucos dias e enquanto esse texto era finalizado, logo antes de ser preso, pronunciou um discurso no ABC paulista que já entrou para a história. Ele lembrou ali justamente da greve dos metalúrgicos por ele liderada no fim dos anos 1970. 41 dias de paralisação. E o destino dessa greve, lembra Lula, parece ter sido a princípio uma certa derrota – e tal parece o destino comum da maior parte das grandes greves. Contudo, no que se aparenta a uma derrota, em verdade, muito se ganha. Porque “não é o dinheiro que resolve o problema de uma greve. Não é 5%, não é 10%, é o que está embutido de teoria política, de conhecimento político e de tese política numa greve” (Lula, 7 de abril de 2018).

As grandes greves como o maio de 68 francês, o 1979 paulista, marcam, guardados seus contextos particulares, um posicionamento coletivo face ao grande problema estrutural da exploração capitalista. Esse sentido, mais facilmente esvaziado nas revoltas de maio de 68, precisa hoje ser rememorado, relido e reatualizado.

  • 1
    Miguel Arraes, que traduziu o livro quando estava exilado na Argélia, em 1978, propõe traduzir o termo établi por “integrado” (na fábrica) e por “banca” ao se referir à mesa de trabalho. Seguimos essa tradução, fazendo algumas mínimas alterações no texto ao acharmos conveniente.
  • 2
    Poderíamos citar, por exemplo, o “Plano Zay”, programa de reforma escolar e de estatização de diversos setores educacionais que permaneciam nas mãos de setores privados de caridade ou da Igreja – entre 110 e 130 instituições privadas de caridade são fechadas dando lugar à criação de entre 8 e 10 grandes complexos institucionais públicos –; ou ainda o Congresso Internacional de Educação Primária e de Educação Popular que aconteceu em 1937 reunindo nomes como Henri Wallon, Célestin Freinet e Jean Piaget com o objetivo de discutir novos métodos escolares e toda uma nova política do ensino.
  • 3
    É preciso notar que o maio de 68 francês é um movimento amplo, envolvendo diversas outras cidades além da capital. Tomamos aqui como centro da análise, todavia, os eventos do maio parisiense, que pela própria centralização do país, concentra a maior parte dos discursos históricos e teóricos.
  • 4
    A categoria dos “herdeiros” tão mobilizada por Verret reenvia, é claro, à obra de Jean-Claude Passeron e Pierre Bourdieu BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. Les héritiers. Les étudiants et la culture. Paris: Les éditions de Minuit, 1964. , publicada em 1964.
  • 5
    Sobre este ponto, ver também o texto de Stéphane Legrand (2009) LEGRAND, Stéphane. Louis Althusser: mai 1968 et les fluctuations de l’idéologie. Actuel Marx, número 45, 2009. .
  • 6
    Há quem queira comparar o maio de 68 francês com as jornadas de junho de 2013. Mas, visto os contextos históricos, culturais e políticos radicalmente distintos, o paralelo estrito entre esses eventos parece improdutivo. Maio de 68 é, como vimos, uma reação a um momento extremamente autoritário e, apesar de tudo, produziu certos efeitos institucionais, como indicamos. Junho de 2013 é uma reação inicialmente ao aumento do preço da passagem de ônibus no interior de uma demanda mais larga por mobilidade urbana, e que foi rapidamente capturado por um discurso completamente difuso, sem grandes conquistas institucionais. Se 2013 parece ter produzido muito pouco efeito para o campo da esquerda, o sentido do maio de 68, 50 anos depois, apesar de também ter sido objeto de capturas e recuperações, continua em discussão. O fantasma das reivindicações políticas de maio de 68 continua a assombrar o capitalismo.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2018
  • Aceito
    26 Abr 2018
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