Acessibilidade / Reportar erro

Sociologia do direito contra dogmática: revisitando o debate Ehrlich-Kelsen

Resumo

Este trabalho revisita a centenária controvérsia entre Eugen Ehrlich e Hans Kelsen acerca do estudo científico do direito, com base na análise dos textos originais publicados no Arquivo para a ciência social e política social (1915-1917). A análise da reação crítica de Kelsen ao projeto de Ehrlich demonstra que a trajetória da sociologia do direito na história do pensamento jurídico tem sido marcada desde o início pelo embate com a dogmática jurídica.

Palavras-chave:
Sociologia do direito; Eugen Ehrlich; Hans Kelsen

Abstract

This work revisits the centenary controversy between Eugen Ehrlich and Hans Kelsen on the scientific study of law, based on the analysis of the original texts published in the Archive for social science and social welfare (1915-1917). The analysis of Kelsen’s critical reaction to Ehrlich’s project shows that the trajectory of sociology of law in the history of legal thought has been marked from the beginning by the clash with legal dogmatics.

Keywords:
Sociology of law; Eugen Ehrlich; Hans Kelsen

1 Introdução 1 1 Agradecimentos: Este artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa A sociologia do direito em busca de uma identidade: debates clássicos e contemporâneos , desenvolvido com a colaboração do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiado financeiramente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Chamada Universal – MTCI/CNPq n. 14/2014, Processo 444686/2014-2. Os autores estendem os agradecimentos ao Instituto Internacional de Sociologia do Direito e ao Instituto Hans Kelsen..

Este trabalho revisita a centenária controvérsia acerca do estudo científico do direito que foi protagonizada por Eugen Ehrlich (1862-1922) e Hans Kelsen (1881-1973), no contexto do Império Austro-húngaro de princípios do século XX. O livro Fundamentos da sociologia do direito, 2 2 No título original, Grundlegung der Soziologie des Rechts ( EHRLICH, 1913 ). publicado por Ehrlich em 1913, simboliza um dos marcos inaugurais de um projeto científico voltado ao estudo sociológico do direito. Tal projeto científico, todavia, acabou por sucumbir logo em seu nascedouro, diante da reação crítica de Kelsen e do posterior sucesso da Teoria pura do direito, 3 3 No título original, Reine Rechtslehre ( KELSEN, 1934 ). obra lançada em 1934, que acabaria por convertê-lo em um dos maiores nomes da escola do positivismo jurídico.

A controvérsia teve lugar no Arquivo para a ciência social e política social, 4 4 Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, periódico existente na Alemanha até 1933. uma das primeiras publicações a divulgar estudos sociológicos no meio acadêmico-cultural germânico. O periódico, à época sob a direção de Edgar Jaffé, Werner Sombart e Max Weber, foi responsável pela veiculação de estudos que são hoje considerados clássicos das ciências sociais. 5 5 Notoriamente, A ética protestante e o espírito do capitalismo , do próprio Weber (1999) , orginalmente publicado entre 1904 e 1905, em dois números do periódico Em 1915, Kelsen publica Uma fundamentação da sociologia do direito , 6 6 No título original, Eine Grundlegung der Rechtssoziologie ( KELSEN, 1915 ). em que apresenta uma extensa reflexão sobre o livro de Ehrlich. Ante tal revisão crítica, Ehrlich contrapõe sua Resposta, 7 7 No título original, Entgegnung ( EHRLICH, 1916 ). suscitando uma Réplica de Kelsen, 8 8 No título original, Replik ( KELSEN, 1916 ). textos que aparecem em um mesmo número do periódico, em 1916. Ehrlich escreve ainda uma brevíssima Tréplica, 9 9 No título original, Replik ( EHRLICH, 1917 ). cabendo a Kelsen encerrar o debate com um ainda mais sucinto Epílogo , 10 10 No título original, Schlusswort ( KELSEN, 1917 ). ambos de 1917.

Por meio da análise do debate Ehrlich-Kelsen, busca-se compreender as relações que a sociologia do direito estabeleceu com a dogmática jurídica no início de sua trajetória na história do pensamento jurídico. Seria a linha demarcatória entre sociologia do direito e dogmática jurídica uma questão de divisão do trabalho científico? Poderia essa relação ser vista de outra forma, como uma disputa entre escolas de pensamento que abordam o mesmo objeto de pontos de vista incompatíveis e competem para estabelecer o que é estudar o direito cientificamente? Trata-se, assim, de resgatar uma discussão de ordem epistemológica que permanece de interesse para problematizar a identidade da sociologia do direito enquanto ciência social na atualidade.

A fim de analisar a reação crítica de Kelsen ao projeto científico de Ehrlich, os textos originais do debate nas páginas do Arquivo para a ciência social e política social entre 1915 e 1917 foram utilizados como fontes primárias de informação. Tais textos, disponíveis em compilações em alemão ( LÜDERSSEN, 2003 LÜDERSSEN, Klaus (Org.). Hans Kelsen / Eugen Ehrlich: Rechtssoziologie und Rechtswissenschaft: eine Kontroverse (1915/17). Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2003. ) e italiano ( CARRINO, 1992 CARRINO, Agostino (Org.). Hans Kelsen / Eugen Ehrlich: scienza giuridica e sociologia del diritto. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1992. ), foram traduzidos para a língua portuguesa previamente à elaboração deste artigo. Esta inédita tradução da controvérsia Ehrlich-Kelsen encontra-se publicada neste número de Direito e Práxis .

A falta de engajamento efetivo com essas fontes primárias consiste em uma das mais notáveis deficiências de parte considerável da literatura disponível no Brasil que aborda o debate Ehrlich-Kelsen – por exemplo, Maliska (2001) MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich. Curitiba: Juruá, 2001. , Sparemberger (2003) SPAREMBERGER, Raquel. A natureza da ciência jurídica: a polêmica entre o normativismo de Hans Kelsen e o sociologismo (hermenêutica do direito vivo de Eugen Ehrlich). Direito em Debate, v. 12, n. 20, p. 115-135, 2003. , Ataíde Junior (2010) ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Eugen Ehrlich e Hans Kelsen: uma reconciliação possível? Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais , v. 12, n. 1, p. 174-181, 2010. , Carlotti (2015) CARLOTTI, Danilo Panzeri. O debate entre Ehrlich e Kelsen: a convergência filosófica entre positivismo jurídico e sociologia do direito no começo do século XX. Quaestio Iuris, v. 8, n. 4, p. 2287-2303, 2015. ; uma exceção é Amato (2015) AMATO, Lucas Fucci. As formas da sociologia do direito: uma redescrição luhmanniana do debate centenário entre Kelsen e Ehrlich. Revista do Programa de Pós-Graduação da UFC, v. 35, n. 2, p. 227-254, 2015. , embora se preocupe em construir uma leitura luhmanniana desse debate, bastante distinta daquela que se pretende desenvolver aqui. Isso tem resultado em certa incompreensão das posições em disputa e até mesmo do cerne da polêmica. No entanto, há alguns estudos publicados ao longo da última década – destacam-se Van Klink (2009) VAN KLINK, Bart. Facts and norms: the unfinished debate between Eugen Ehrlich and Hans Kelsen. In: HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. p. 127-155. 11 11 O trabalho de Van Klink integra a coletânea Living law: reconsidering Eugen Ehrlich ( HERTOGH, 2009 ), obra que contribuiu significativamente para lançar novas luzes sobre o pensamento de Ehrlich. e Maliska (2015) MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich: aportes para uma reflexão atual sobre pluralismo e constituição. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015. 12 12 O livro de Maliska (2001) é referência no estudo da obra de Ehrlich no Brasil. Na segunda edição, revista e ampliada, foi incluído um capítulo que trata da polêmica Ehrlich-Kelsen ( MALISKA, 2015 , p. 35-52). – que revisitaram o debate recorrendo aos textos do Arquivo para a ciência social e política social. Esses estudos serviram como fontes secundárias de informação neste trabalho.

O artigo divide-se em quatro seções. Inicialmente, procura-se situar a controvérsia historicamente, de modo a evidenciar que a proposta de fundação da sociologia do direito surge em um contexto espaço-temporal em que a dogmática jurídica já vigorava como paradigma na ciência do direito. Na sequência, busca-se apresentar o projeto de Ehrlich de fundamentar uma ciência sociológica do fenômeno jurídico, em contraposição à dogmática jurídica. Após, analisa-se a reação crítica de Kelsen a esse projeto científico, com o objetivo de destacar as divergências entre as duas perspectivas quanto ao modo pelo qual vislumbram as relações entre dogmática jurídica e sociologia do direito. Por fim, discute-se a resposta de Ehrlich à crítica de Kelsen, a fim de mostrar que se trata de um momento inaugural de uma disputa inacabada entre dois paradigmas.

2 A dogmática jurídica como paradigma em crise no contexto do Império Austro-húngaro

O aparecimento de Fundamentos da sociologia do direito ocorreu em um momento histórico em que já havia um paradigma estabelecido na ciência do direito da Europa continental. No contexto do Império Austro-húngaro, porém, o paradigma da dogmática jurídica passava por uma de suas primeiras crises. Nesta seção, busca-se esclarecer o emprego do conceito de paradigma como categoria teórica e, a partir disso, identificar os principais elementos constitutivos da dogmática jurídica como paradigma para, a seguir, explicar as condições que perturbavam a sua reprodução normal no âmbito das faculdades de direito do Império Austro-húngaro de princípios do século XX.

De acordo com a teoria dos paradigmas científicos ( KUHN, 1970 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1970. ), as ciências são construtos sociais, porque o que é considerado como conhecimento científico depende da existência de paradigmas. Paradigma científico é definido como “[...] a constelação inteira de crenças, valores, técnicas etc., compartilhada pelos membros de uma dada comunidade” ( KUHN, 1970 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1970. , p. 175, tradução nossa). Para compreender os elementos que conformam um paradigma, faz-se necessário escrutinar a constelação de compromissos de uma comunidade científica em específico, definida como um grupo de cientistas, praticantes da mesma especialidade, que passaram por um processo de profissionalização similar e compartilham um acordo intersubjetivo acerca do modelo normal de produção do conhecimento científico em seu respectivo campo ( KUHN, 1970 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1970. , p. 177-178).

Um paradigma, assim, consiste em uma estrutura relativamente estável que condiciona a prática de um grupo de cientistas em um determinado momento histórico. Isso significa que podem ocorrer crises e mudanças de paradigma ao longo do tempo. Conforme a teoria dos paradigmas ( KUHN, 1970 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1970. ), tipicamente isso acontece quando alguns membros de uma comunidade científica percebem que o paradigma dominante deixou de funcionar adequadamente. Insatisfeitos com as respostas disponíveis para problemas de conhecimento de crucial importância prática, esses cientistas passam a procurar por soluções além dos limites da ciência normal, o que leva ao desenvolvimento de novas escolas de pensamento que competem pela adesão dos integrantes da comunidade científica. Um período turbulento de transição paradigmática tende a preceder uma mudança de paradigma, que se consuma quando uma constelação de compromissos de grupo é substituída parcial ou integralmente por outra.

O referencial teórico de que se parte sustenta que podem existir paradigmas em funcionamento nos mais diversos campos científicos, moldando a maneira pelo qual se produz e se consome o conhecimento considerado científico. Nesse sentido, há toda uma literatura sociojurídica que com base nessa teoria afirma que a dogmática jurídica consiste no paradigma predominante na ciência do direito ao longo do século XX ( ZULETA PUCEIRO, 1981 ZULETA PUCEIRO, Enrique. Paradigma dogmático y ciencia del derecho. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1981. ; FARIA, 1988 FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica: o direito como instrumento de transformação social. São Paulo: EDUSP, 1988. ; HAGEN, 1995 HAGEN, Johann. Rivalità dei paradigmi nelle scienze giuridiche: la dogmatica giuridica e la sociologia del diritto come paradigmi in competizione. Sociologia del diritto , v. 22, n. 2, 1995, p. 5-18. ; ANDRADE, 2003 ANDRADE, Vera. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. ). Conforme sugerem essas análises, estruturou-se historicamente uma comunidade científica voltada ao estudo do direito que compartilha uma constelação de compromissos, a qual estabelece quem pertence à comunidade dos cientistas do direito e o que é fazer, normalmente, ciência do direito.

O monismo jurídico é um dos elementos constitutivos dessa constelação de compromissos. Reduz-se o direito enquanto objeto de estudo às normas jurídicas que provêm das decisões legislativas, judiciais e administrativas do Estado. Outra crença é a de que a tarefa científica dos juristas consiste em descrever normas válidas em um dado espaço e tempo. Cabe à ciência do direito edificar um sistema lógico-formal de normas jurídicas dotado de unidade e coerência interna, o que demanda a elaboração de um conjunto de conceitos doutrinários para sistematizar os materiais normativos. O produto por excelência da pesquisa realizada em conformidade com o paradigma dogmático é a doutrina, que oferece uma descrição do que dispõe o sistema sobre determinada matéria. A ciência do direito funciona servindo ao propósito prático de estabelecer os termos para a tomada de decisões futuras em casos concretos de aplicação do direito, prometendo segurança jurídica, na forma de certeza e previsibilidade na resolução de disputas ( ANDRADE, 2003 ANDRADE, Vera. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. ).

A gênese do paradigma dogmático remonta à escola histórica do direito ( SANDSTRÖM, 2005 SANDSTRÖM, Marie. The concept of legal dogmatics revisited. In: BANKOWSKI, Zenon (Org.). Epistemology and ontology: IVR-Symposium Lund 2003. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2005. p. 133-140. , p. 139), que se desenvolveu na Europa continental durante o século XIX, concomitantemente ao processo de consolidação do modelo de Estado liberal. Nessa época, discussões sobre as condições e possibilidades de uma ciência do direito pautada pela distinção entre direito positivo e direito natural ganharam força. O juspositivismo historicista alemão, que teve em Friedrich von Savigny (1779-1861) seu mais conhecido expoente, foi pioneiro ao se preocupar em conferir status científico ao pensamento jurídico, estabelecendo como tarefa da ciência do direito descrever o conteúdo do sistema de direito positivo vigente ( SANDSTRÖM, 2005 SANDSTRÖM, Marie. The concept of legal dogmatics revisited. In: BANKOWSKI, Zenon (Org.). Epistemology and ontology: IVR-Symposium Lund 2003. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2005. p. 133-140. , p. 137). A escola histórica está estreitamente associada à ascensão dos doutrinadores, o corpo de professores das faculdades de direito que, atuando com certa independência em relação aos poderes políticos, passou a exercer o protagonismo na produção e disseminação da ciência do direito, contribuindo para a racionalização do trabalho prático-profissional dos juristas ( FERRAZ JR., 1980 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. , p. 54-55).

A obra Fundamentos da sociologia do direito consiste em uma das primeiras reações significativas à dogmática jurídica como paradigma. Trata-se de um trabalho que desenvolve não só uma critica contundente à ciência do direito existente em princípios do século XX, mas também propõe uma nova constelação de compromissos: a sociologia do direito, uma ciência do direito que seria parte integrante da sociologia. No conhecido prefácio em que sintetiza o sentido da sociologia do direito, Ehrlich deixa claro seu projeto de deslocar ao centro das preocupações dos juristas de seu tempo o que havia se tornado periférico: “também em nossa época, como em todos os tempos, o fundamental no desenvolvimento do direito não está no ato de legislar nem na jurisprudência ou na aplicação do direito, mas na própria sociedade” ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 8; 2002 EHRLICH, Eugen. Foreword. In: EHRLICH, Eugen. Fundamental principles of the sociology of law. Tradução de Walter Moll. New Brunswick: Transactions Publishers, 2002. p. lvix. , p. lvix). O projeto científico que Ehrlich inaugura envolve a compreensão sociológica do direito na realidade social.

Já a Teoria pura do direito, em que pese seu inequívoco ineditismo, é uma obra que se insere na tradição do paradigma da dogmática jurídica. Na avaliação do próprio autor, “a teoria [...] não é de forma alguma algo assim de tão completamente novo e em contradição com tudo o que até aqui surgiu. Ela pode ser entendida como um desenvolvimento ou desimplicação de pontos de vista que já se anunciavam na ciência jurídica positivista do século XIX” ( KELSEN, 1976 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. ed. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1976. , p. 8; 1992 KELSEN, Hans. Introduction to the problems of legal theory. Tradução de Bonnie Paulson and Stanley Paulson. Oxford: Clarendon Press, 1992. , p. 2). É um projeto científico que almeja purificar completamente o conhecimento jurídico, ou seja, “pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos” ( KELSEN, 1976 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. ed. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1976. , p. 17; 1992 KELSEN, Hans. Introduction to the problems of legal theory. Tradução de Bonnie Paulson and Stanley Paulson. Oxford: Clarendon Press, 1992. , p. 7). O projeto que Kelsen procura robustecer diz respeito aos fundamentos de uma ciência cujo papel reside em descrever e sistematizar as normas do ordenamento jurídico. Se com a escola histórica restam definidos os traços típicos do paradigma dogmático, este se reconfigura no século XX graças aos aportes da escola do positivismo jurídico ( ANDRADE, 2003 ANDRADE, Vera. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. , p. 28), que com base na contribuição original de Kelsen vai formular uma teoria do ordenamento jurídico ( BOBBIO, 1995 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesei, Edson Bini e Carlos Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. , p. 197-198).

Essa disputa epistemológica retrata, portanto, um momento de esgotamento do paradigma dogmático, em que se deu o surgimento de novas escolas de pensamento propondo reconstruir a constelação de compromissos erigida pela escola histórica. Tais escolas de pensamento, entretanto, não podiam descuidar de se posicionar em relação à sociologia, uma ciência que já há algum tempo buscava assegurar sua legitimidade como forma de saber, assumindo a roupagem característica da ciência moderna. Por isso, longe de ser um episódio isolado, a crítica articulada por Kelsen à sociologia do direito de Ehrlich integra uma ampla discussão acerca dos fundamentos científicos das ciências sociais e de suas relações com a dogmática jurídica ( MALISKA, 2015 MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich: aportes para uma reflexão atual sobre pluralismo e constituição. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015. , p. 35). O próprio Weber, por exemplo, interessou-se pela problemática entre os anos de 1911 e 1913, sustentando a possibilidade de coexistência da sociologia do direito e da dogmática jurídica como duas ciências distintas (SILVEIRA, 2006, p. 73 e 80). Não por acaso, os textos de Kelsen sobre a sociologia do direito encontraram guarida no Arquivo para a ciência social e política social.13 13 Alguns anos antes do debate com Ehrlich, Kelsen já havia escrito um artigo para o periódico se posicionando criticamente frente às vertentes da nascente sociologia do direito ( KELSEN, 1912 ).

Ambos os antagonistas, por meio de suas diferentes perspectivas epistemológicas, revelam a projeção de uma tendência que marcou época na história do pensamento jurídico, qual seja, a busca por novos caminhos para elevar a compreensão do direito ao status de ciência. É certo que tanto Ehrlich quanto Kelsen compartilhavam do ideal próprio ao cientificismo moderno, que consagra o saber decorrente do método científico como a forma superior de conhecimento. Mas o que significa fazer ciência e como compreender o direito cientificamente? Se as perguntas que tanto inquietavam Ehrlich e Kelsen eram as mesmas, a controvérsia resulta das respostas irremediavelmente antagônicas que foram por eles formuladas em um momento de crise, em que a ciência do direito aparentava não mais conseguir dar conta de problemas de conhecimento que suscitavam a atenção da comunidade jurídica, como a questão da governança imperialista de uma sociedade plural.

Os textos do debate entre Ehrlich e Kelsen apareceram no Arquivo para a ciência social e política social em meio à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que é o marco final de um período histórico que já foi designado de “A era dos impérios” ( HOBSBAWM, 2015 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1914. 19. ed. Tradução de Sieni Maria Campos e Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. ). Trata-se de uma época caracterizada por profundas transformações sociais próprias à ascensão do capitalismo industrial, mas também por uma relativa estabilidade política, assegurada pela coexistência de potências imperialistas na Europa continental, como o Império Austro-húngaro (1867-1918), que seria dissolvido ao término do conflito bélico.

A Áustria-Hungria foi constituída como um Estado dual a partir de um compromisso firmado pelo Imperador Francisco José I (1830-1916) com elites nacionais húngaras interessadas em expandir sua autonomia. O acordo marca a passagem de um Estado Absolutista para um Estado Liberal, na forma de uma monarquia constitucional parlamentar, em que leis fundamentais e dois órgãos legislativos principais limitavam o poder do imperador, ainda que restasse preservada a sua prorrogativa de designar ministros para o governo ( MORENO MÍNGUEZ, 2015 MORENO MÍNGUEZ, Carmen. Breve historia del Imperio Austrohúngaro. Madrid: Ediciones Nowtilus S.L., 2015. , p. 16). Em virtude desses acontecimentos, restou fortalecido o papel do direito estatal imperial e, por conseguinte, ganhou impulso o paradigma da dogmática jurídica. Sediada na principal capital do Império, a tradicional faculdade de direito da Universidade de Viena, onde se formaram tanto Ehrlich quanto Kelsen, desempenhava papel central na produção e reprodução da ciência do direito e no treinamento da elite dos funcionários do aparato burocrático-administrativo estatal.

O Império Austro-húngaro controlava um vasto território e um enorme contingente populacional. Em seu momento de maior expansão, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, estendia-se da região do Tirol, na fronteira oeste, até a Bukowina, na fronteira leste; e da Boêmia, na fronteira norte, à Bósnia e Herzegovina, na fronteira sul. No entanto, ao contrário de outros Estados europeus, mais homogêneos do ponto de vista étnico, linguístico e religioso, a Áustria-Hungria abrigava em suas fronteiras uma grande diversidade de grupos sociais. No último recenseamento antes da guerra, estimou-se a população em mais de cinquenta milhões de habitantes, os quais pertenciam a onze diferentes nacionalidades, sem contar as etnias não reconhecidas como grupos nacionais ( MORENO MÍNGUEZ, 2015 MORENO MÍNGUEZ, Carmen. Breve historia del Imperio Austrohúngaro. Madrid: Ediciones Nowtilus S.L., 2015. , p. 15). Nesse cenário de pluralidade, a tensão entre as elites locais e as autoridades imperiais era constante, sobretudo diante do recrudescimento dos movimentos nacionalistas. Às vésperas da eclosão do conflito armado, os singulares arranjos políticos e jurídicos que por décadas haviam sustentado o Estado já se encontravam fragilizados. Um dos estopins das hostilidades foi justamente o assassinato do herdeiro do trono imperial por um ativista sérvio, em Sarajevo, na região da Bósnia e Herzegovina.

Na perspectiva da administração central, a preservação da integridade do Império Austro-húngaro não dependia apenas de fazer valer suas leis e seu aparato militar, mas também sua força cultural. Sob a égide imperial, grandes cidades como Viena, Praga e Budapeste despontaram na condição de centros urbanos cosmopolitas, atraindo a burguesia europeia da Belle Époque . Ao mesmo tempo, as políticas liberais, tolerantes e modernizantes de Francisco José I encorajaram a expansão do sistema universitário, visto como instrumento de preservação da unidade e aculturação comum, seja por intermédio do ensino em língua alemã, seja pelo fomento da educação científica ( EPPINGER, 2009 EPPINGER, Monica. Governing in vernacular: Eugen Ehrlich and late Habsburg ethnography. In: HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. p. 21-47. , p. 25-30). Assim, foram fundadas universidades em vários centros urbanos de tamanho médio, como na cidade natal de Ehrlich, Czernowitz (atualmente, a cidade está situada na Ucrânia). A instituição atraiu professores e estudantes de classes médias de origem judaica e logo se converteu em um efervescente centro intelectual, a despeito de se situar na Bukowina, uma região predominantemente rural e atrasada economicamente nos confins do Império ( HOBSBAWM, 2015 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1914. 19. ed. Tradução de Sieni Maria Campos e Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. , p. 35-36).

Na Universidade de Czernowitz, relativamente distante dos círculos políticos de Viena, Ehrlich desenvolveu a maior parte de sua trajetória acadêmica, atuando como professor de direito romano entre 1896 e 1914 e chegando ao cargo de reitor. Mesmo trabalhando na Bukowina, ele já era um acadêmico experiente e respeitado ao publicar Fundamentos da sociologia do direito ( EHRLICH, 1913 EHRLICH, Eugen. Grundlegung der Soziologie des Rechts. München; Leipzig: Dunker & Humblot, 1913. ), obra que alcançou ampla repercussão devido aos laços acadêmicos que mantinha com colegas da Europa e dos Estados Unidos da América. Ao término da Primeira Guerra Mundial, com o desmembramento do Império Austro-Húngaro e a anexação da Bukowina pela Romênia, sua carreira universitária foi bruscamente interrompida. 14 14 Para informações sobre a biografia de Ehrlich, ver Rehbinder (1962) e Maliska (2015 , p. 17-33). Embora não esteja entre os propósitos deste artigo analisar a dialética entre centro e periferia que marca a trajetória pessoal e intelectual de Ehrlich ( COTTERRELL, 2009 COTTERRELL, Roger. Ehrlich at the edge of empire: centres and peripheries in legal studies. In: HERTOGH, Marc (Org.) Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford e Portland: Hart Publishing, 2009. p. 75-93. ), é evidente seu entusiasmo pelo modelo de Estado plurinacional e multicultural que durante muito tempo caracterizou a Áustria-Hungria ( MALISKA, 2015 MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich: aportes para uma reflexão atual sobre pluralismo e constituição. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015. , p. 28; EPPINGER, 2009 EPPINGER, Monica. Governing in vernacular: Eugen Ehrlich and late Habsburg ethnography. In: HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. p. 21-47. , p. 25-37).

Kelsen, quase vinte anos mais jovem que Ehrlich, iniciava sua carreira como docente da faculdade de direito da Universidade de Viena quando publicou o texto inicial do debate no Arquivo para a ciência social e política social ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. ). Vivendo em Viena desde criança e mantendo proximidade com os círculos políticos locais, ele alcançaria notoriedade como jurista com o estabelecimento da Primeira República Austríaca, em 1919. Kelsen, no pós-guerra, foi nomeado para a cátedra de Direito Público e Administrativo da Universidade de Viena e incumbido de redigir o esboço da nova constituição da Áustria, que introduziu o mecanismo do controle concentrado de constitucionalidade. Entre 1921 e 1930, integrou o tribunal constitucional austríaco. No entanto, em decorrência da ascensão ao poder do austrofascismo na década de 1930, viu-se obrigado a deixar seu país. 15 15 Sobre dados biográficos de Kelsen, ver Ladavac (1998). Escrita no exílio, a Teoria pura do direito ( KELSEN, 1934 KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre: Einleitung in die Rechtswissenschaftliche Problematik. Leipzig; Wien: Franz Deuticke, 1934. ), sua obra mais influente, desenvolve ideias que já aparecem, em considerável medida, no debate que trava com Ehrlich. Para que se possa melhor compreender as críticas de Kelsen a Fundamentos da sociologia do direito, entretanto, faz-se necessário discutir o projeto científico de Ehrlich.

3 O projeto científico de Ehrlich: a sociologia do direito contra a dogmática jurídica

O capítulo inicial de Fundamentos da sociologia do direito ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 9-26) pode ser lido como um eloquente ataque ao que se conhece convencionalmente por dogmática jurídica. Ehrlich refere-se justamente à ciência dos professores das faculdades de direito, reinante nas universidades da Europa continental de princípios do século XX. Os juristas tinham como tarefa supostamente científica interpretar e descrever de maneira sistemática o direito positivo vigente, isto é, o direito legislado de seu próprio Estado. Ele chega a afirmar que os estudos doutrinários resultantes dessa ciência seriam apenas uma forma mais elaborada e enfática de publicação da legislação ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 21).

Na percepção de Ehrlich, a ciência cultivada pelos juristas consistia em um saber eminentemente prático. Os juristas adquiriam as habilidades necessárias para o exercício de sua profissão, sem que pudessem compreender as bases científicas do estudo do direito. Ao invés de considerar as necessidades das diferentes profissões jurídicas, o ensino nas faculdades de direito estava quase que exclusivamente voltado ao treinamento dos estudantes para o desempenho futuro das atividades de magistrado ou oficial da administração pública ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 12-13). Com efeito, as discussões sobre as relações jurídicas giravam em torno de questões relativas ao modo pelo qual os litígios deveriam ser resolvidos pelos membros dos tribunais e das demais agências da burocracia estatal. O treinamento do profissional do direito consistia em conhecer os preceitos jurídicos de modo abstrato e aprender a aplicá-los à resolução de casos concretos.

Essa ciência dos juristas, desenhada para o uso prático pelos magistrados e demais burocratas estatais, não pretendia outra coisa senão constituir um sistema de normas de origem estatal segundo as quais deveriam ser tomadas decisões. De tal sistema jurídico seria possível extrair respostas para quaisquer questões práticas que fossem suscitadas. Desse sistema jurídico seriam derivadas normas de decisão, isto é, instruções formuladas nos termos mais gerais possíveis sobre como decidir casos concretos. Do ponto de vista de quem ocupava posições de autoridade, tais normas de decisão consistiam em enunciados a serem seguidos da resolução de litígios nas vias judicial e administrativa ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 21-22).

No momento em que passaram a compartilhar essas premissas, nota Ehrlich, os juristas de seu tempo abdicaram de estudar o direito advindo de outras fontes que não o Estado. Em que pese a sua heterogeneidade, o direito não estatal foi reduzido a costume. Para a ciência dos juristas, não havia outro direito a ser considerado objeto legítimo de pesquisa que não o direito positivo estatal, que deveria ser utilizado na administração da justiça pelos tribunais judiciais e órgãos administrativos, respaldados pela possibilidade do recurso aos meios de coerção para fazer cumprir suas decisões. Afinal, já há algum tempo o Estado assumira não só a pretensão ao monopólio da administração da justiça e do uso da violência física legítima, mas também da criação do direito ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 17). O derradeiro passo ocorreu quando não mais se exigiu dos magistrados que conhecessem tanto o direito estatal quanto o não estatal e se passou a encarregar as partes em litígio de provar a existência do costume como matéria fática ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 18).

Esse estado de coisas é retratado por Ehrlich como atrasado e insatisfatório. A ciência dos juristas apresentava-se frágil em seus fundamentos, especialmente se comparada ao desenvolvimento alcançado em outras áreas do conhecimento humano, nas quais a distinção entre saber prático e conhecimento científico já havia se consolidado ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 9-11). A pesquisa desenvolvida, a literatura produzida e o ensino ministrado com base na ciência dos juristas desviavam dos padrões seguidos pelas demais ciências. Eram também inexistentes métodos científicos, uma vez que a ciência dos juristas apenas conhecia o método abstrato e dedutivo, desenvolvido para a aplicação do direito pelas autoridades estatais ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 14). Em síntese, para Ehrlich, a dogmática jurídica consistia em um tipo de saber prático-profissional, ao qual não se poderia atribuir em hipótese alguma o status de ciência.

Essa primeira narrativa sobre as insuficiências da dogmática jurídica é esmiuçada ao longo de Fundamentos da sociologia do direito e entrecruza-se, nos capítulos seguintes da obra, com uma segunda narrativa que sustenta a necessidade de uma sociologia do direito. Ehrlich acreditava firmemente que o adequado desenvolvimento de uma ciência sociológica do direito era uma alternativa para superar o estado de coisas que caracterizava a ciência do direito de seu tempo. Ele defendia uma ciência voltada ao propósito de compreender o funcionamento do direito na vida social, que desdenhasse de juízos sobre a utilidade prática imediata do conhecimento científico produzido ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 9), a exemplo de seu eventual uso instrumental na resolução de conflitos por autoridades estatais.

O objeto da sociologia do direito seria o que Ehrlich denominou de “direito vivo” ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 384). Nessa concepção, o direito equivaleria às normas jurídicas de conduta, isto é, as regras que as pessoas efetivamente observam no cotidiano da convivência social. Para Ehrlich, muitas das relações humanas são determinadas por regras aceitas como vinculantes pelos integrantes das associações sociais e convertidas em ações efetivas no dia a dia. Para estudar o direito vivo, seria indispensável investigar a ordem interna dessas associações sociais. Caberia ao sociólogo do direito a tarefa de descobrir como funcionam as regras reconhecidas e seguidas como obrigatórias pelos membros de um determinado grupo social.

De acordo com Ehrlich, não constituía um elemento essencial do conceito de direito que fosse emanado de uma formação estatal. O Estado nada mais seria que uma associação social ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 39). Tal como as demais associações sociais, o Estado exerce coação, ainda que historicamente tenha também vindo a reivindicar o monopólio do uso de determinados mecanismos de coerção social, entre os quais a pena privativa de liberdade e a execução judicial. O direito estatal, neste sentido, estaria sendo valorizado pelos juristas em demasia frente ao direito das demais associações sociais. Ehrlich se insurge contra o monismo jurídico, a visão compartilhada pelos juristas de seu tempo de que o direito que interessava conhecer cientificamente era apenas o proveniente do Estado.

Se os traços das comunidades humanas organizadas fossem seguidos, pensava Ehrlich, o direito seria encontrado em toda parte, constituindo e ordenando as associações sociais que formam o esqueleto da sociedade: uma família, uma vizinhança urbana, uma comunidade religiosa, uma cooperativa de agricultores e assim por diante. O direito consistiria, antes de tudo, em uma ordem, uma forma de organização social, que assinala a todo e qualquer membro de uma associação social sua posição na comunidade e seus deveres. O direito, assim, existe antes de sua positivação. É a partir das práticas presentes no âmago do cotidiano social, desses “fatos do direito” ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 68), que são dadas as bases sobre as quais serão elaboradas e ulteriormente escritas as regras de direito legislado, isto é, os preceitos jurídicos ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 151).

Nesse sentido, Ehrlich supunha serem os mais variados possíveis os motivos pelos quais as pessoas seguem certas normas. Raramente as decisões dos tribunais ou o temor em relação às sanções estatais seriam os elementos que efetivamente explicariam o comportamento das pessoas. Ao seguir normas, as pessoas levam em consideração o seu pertencimento às associações sociais: talvez queiram simplesmente evitar desentendimentos com familiares, a perda do emprego na fábrica ou eventuais prejuízos a sua reputação na vizinhança, por exemplo. Se e em que medida decisões judiciais ou a ameaça de coerção pelo uso de violência física influenciam as condutas humanas é algo sujeito à investigação, que não se poderia dar por garantido ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 53-68).

As normas jurídicas de conduta, assim, seriam distintas e, em certa medida, independentes dos preceitos jurídicos. Para Ehrlich, este último conceito faz referência a uma invenção muito mais recente na história do direito, a ideia de determinações emanadas de um único centro, o Estado, por meio de mecanismos formais de criação legislativa. Lançando mão de toda sua erudição de historiador do direito, ele demonstra, por exemplo, que instituições sociais como o contrato e o casamento pautavam as relações em sociedade desde muito antes do surgimento dos códigos modernos com disposições de direito estatal positivo acerca da celebração de pactos e matrimônios. Os preceitos jurídicos, desse modo, consistem em instruções estruturadas em palavras escritas sobre como decidir casos concretos que são dirigidas aos tribunais ou às agências governamentais.

Há muitos preceitos jurídicos que não são convertidos em ações humanas, ou seja, que não são conhecidos ou que não são efetivamente observados na vida social como normas jurídicas de conduta. Observando empiricamente a realidade seria possível constatar em maior ou menor medida um distanciamento entre os preceitos jurídicos que podem ser abstratamente deduzidos do direito elaborado pelo legislador formal e o que é visto como costumeiro ou correto na concretude das relações sociais. Esses preceitos jurídicos, todavia, podem vir a ser seletivamente invocados pelos tribunais e agências governamentais quando o Estado é chamado a resolver um determinado litígio. As normas de acordo com a quais as controvérsias jurídicas são decididas, as normas de decisão, constituiriam apenas uma espécie entre as normas, desempenhando funções e propósitos bastante limitados.

Como o direito é um fenômeno social, a ciência do direito no sentido apropriado da expressão seria parte das ciências sociais, isto é, da sociologia, que naquele momento surgia com toda a força buscando a compreensão de fenômenos sociais como a economia, a religião, a cultura e a política. Conforme sugerem os dois capítulos finais de Fundamentos da sociologia do direito ( EHRLICH, 1986 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986. , p. 361-388), tal ciência poderia fazer uso de uma infinita variedade de métodos de pesquisa empírica para estudar o direito vivo. A sociologia do direito consistiria, portanto, na verdadeira ciência do direito. Para Ehrlich, a sociologia do direito encerraria toda a possibilidade de um conhecimento realmente científico acerca do fenômeno jurídico. Tal conclusão, como se verá, jamais seria aceita por Kelsen.

4 A reação crítica de Kelsen: em defesa da divisão do trabalho científico

Nas palavras iniciais de Uma fundamentação da sociologia do direito já se percebe que, ao centro das preocupações de Kelsen, está o embate que se anunciava entre as abordagens dogmática e sociológica do direito. É evidente que ele compartilhava certa dose de desconfiança para com os rumos da ciência do direito dominante em sua época. Reconhecia a notável liderança intelectual de Ehrlich, que despontava como um jurista capaz de angariar apoio para uma proposta de reforma da ciência do direito de seu tempo:

Quando um dos líderes e fundadores da assim chamada ciência ‘sociológica’ do direito, novíssima e cada vez mais forte, apresenta à opinião pública uma grande obra, cujo título anuncia a fundamentação desta nova ciência, há razões para se dirigir a tal iniciativa uma curiosa expectativa e uma grande esperança. Até então falharam todas as numerosas tentativas de reformar de cima a baixo a ciência do direito, muitas da quais fazendo frequentemente ataques apaixonados contra uma jurisprudência retrógrada e não científica sob o estandarte da ‘sociologia’. [...] E se alguém entre todos estaria apto e capaz a apresentar estes fundamentos, este seria seguramente Eugen Ehrlich. Seus sedutores e cativantes escritos, em sua espirituosa e vivaz retórica, têm atraído um fiel séquito de seguidores, há mais de duas décadas, indicando o caminho a ser seguido nesta luta pela ciência do direito ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 839, tradução nossa).

Todavia, não cogitava fazer parte do séquito de seguidores de Ehrlich. Ao contrário, via no trabalho do colega uma ameaça concreta ao seu próprio projeto científico, voltado ao robustecimento teórico do paradigma da dogmática jurídica. Daí a premência de tomá-lo por antagonista, reagindo à obra Fundamentos da sociologia do direito.

O parágrafo seguinte da revisão crítica enfatiza a importância, para tal projeto, de descartar desde logo a tese que sugeria estar em curso um embate entre dogmática jurídica e sociologia do direito. Apontando as duas tendências supostamente concorrentes que se propunham a analisar o direito cientificamente, Kelsen afirma que há uma clara linha demarcatória no que se refere ao objeto e ao método:

A oposição fundamental, que ameaça dividir a ciência do direito, no que tange ao objeto e ao método, em duas tendências diferentes, desde a sua fundação, resulta da dupla perspectiva a qual se acredita poder submeter o fenômeno jurídico. Pode-se considerar o direito como norma , isto é, como uma forma determinada do dever-ser, como regra de dever-ser específica e, em consequência, constituir a ciência do direito como uma ciência normativa e dedutiva do valor, como a ética ou a lógica. Mas se tenta também compreender o direito como uma parte da realidade social, como fato ou processo cuja regularidade é compreendida indutivamente e explicada causalmente. O direito é aqui uma regra do ser de determinada conduta humana; a ciência do direito, uma ciência da realidade que trabalha segundo o modelo das ciências da natureza. [...] uma ciência que se empenha em procurar tais regras ‘sociais’, as regras da vida jurídica ou as regras do direito, é designada como ciência social, ou caso se queira, sociologia. [...] É preciso ter clareza quanto ao fato de que uma sociologia do direito é essencialmente diversa, em objeto e método, de uma ciência do direito. [...] Não se pode, naturalmente, falar de uma luta entre as duas disciplinas, no sentido de que, de um ponto de vista geral do conhecimento científico, somente uma ou outra seja legítima e possível. ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 839-840, tradução nossa).

Assim, seria legítimo que uma ciência social, a sociologia, assumisse a tarefa específica de explicar o direito como parte da realidade social. Afinal, os padrões de comportamento dos indivíduos, aquilo que as pessoas fazem regularmente, deveriam ser estudados por uma ciência que tratasse da realidade concreta – por exemplo, que verificasse se há ou não obediência a uma dada regra de comportamento por parte de um determinado grupo de pessoas. A uma ciência que pretendesse abordar o direito em uma perspectiva sociológica interessaria compreender processos sociais que poderiam ser explicados por intermédio da identificação de “leis sociais” de causa e efeito, a partir do procedimento indutivo – isto é, da verificação de fatos da realidade concreta.

Igualmente legítima seria uma ciência normativa do direito, a dogmática jurídica. Quando se refere a tal ciência, Kelsen tem em mente o conceito de norma enquanto categoria universal e abstrata, que seria uma forma determinada de um juízo de valor a respeito de deveres. A norma não corresponderia a uma realidade empírica, mas a um dever-ser. Nada teria a dizer sobre como é de fato a realidade da vida social, apenas prescreveria comportamentos que deveriam ser seguidos pelos indivíduos em dadas situações por força do direito vigente. O conceito de norma seria o ponto de partida de uma ciência do direito que fosse realmente digna deste nome, uma ciência que empregaria o procedimento dedutivo. A este respeito, Kelsen observa que,

Uma ciência “sociológica” do direito nunca pode dizer a que e sob quais condições uma pessoa ou uma categoria de pessoas está obrigada ou autorizada juridicamente, mas apenas o que determinados seres humanos [...] sob certas precondições costumam fazer ou não fazer. Todas as noções de uma ciência sociológica do direito podem apenas conter noções de realidade, juízos de fato, isto é, juízos sobre o nexo causal de determinados fenômenos regulares, e podem conter tão poucos juízos de valor – do tipo ‘isto é lícito, aquilo, ilícito’, ‘alguém é obrigado a isso, autorizado a isso’ – quanto a biologia, a química ou a psicologia, para as quais não existe o bom ou o mau, o certo ou o errado, a obrigação e a autorização, mas somente fatos indiferentes aos valores e ao seu nexo causal ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 841-842, tradução nossa).

A sociologia estudaria os fatos da vida social, enquanto a ciência do direito se ocuparia do estudo das normas, cumprindo cada qual uma tarefa científica distinta, ambas legítimas. A posição defendida por Kelsen, portanto, implica traçar uma nítida linha demarcatória entre sociologia do direito e dogmática jurídica. Essa é a tônica de sua crítica ao projeto de Ehrlich, a qual se concentra em cinco pontos: confusão entre ser e dever-ser, terminologia conceitual, delimitação das fronteiras da disciplina, concepção pluralista do direito e confusão entre direito e sociedade.

4.1 Crítica à confusão entre ser e dever-ser

Tendo esclarecido como acredita se configurar a divisão do trabalho entre a ciência do direito tradicional e a emergente sociologia, Kelsen sintetiza sua crítica de ordem epistemológica: “Inadmissível é a confusão da problemática de ambas as tendências, um sincretismo dos métodos da jurisprudência normativa e da sociologia explicativa do direito” ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 840-841, tradução nossa). Em sua visão, “Deve ser visto como uma falha grave da obra de Ehrlich o fato de que sua fundamentação da sociologia do direito, já no início, deixe de apresentar uma clara separação entre considerações de valor e considerações de realidade” ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 842, tradução nossa). Caberia respeitar a diferença que há entre o ser e o dever-ser no que se refere à separação entre sociologia e ciência do direito.

A sociologia do direito careceria das ferramentas necessárias para definir sob quais condições ontológicas um grupo de pessoas desfruta ou não de um ordenamento jurídico, afirma Kelsen. Isso porque, nessa perspectiva, o conceito de direito restaria reduzido à existência de um conjunto de normas que são efetivamente seguidas em um dado grupo social. Uma ciência sociológica do direito poderia apenas analisar o efetivo comportamento das pessoas regidas sob tais normas; isto é, o que o grupo de pessoas faz ou deixa de fazer, mas escaparia ao seu alcance analisar tais normas em si mesmas. Ehrlich estaria cometendo um equívoco elementar ao problematizar as regra do agir humano:

Aquilo que os seres humanos em uma dada relação social regularmente fazem e aquilo que por força do direito devem fazer necessariamente precisam ser consideradas coisas formalmente diferentes, mesmo quando o conteúdo das normas que determinam o que deve acontecer coincida com o das regras que descrevem o que efetivamente acontece ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 841, tradução nossa).

Por força de uma barreira lógica, era evidente para Kelsen que estavam fadadas ao insucesso quaisquer tentativas de extrair enunciados normativos de enunciados descritivos e vice-versa. Ao desafiar uma divisão constitutiva da ciência moderna, Ehrlich incorreria em uma espécie de sincretismo metodológico inadmissível aos olhos de Kelsen. Não só fazia ciência jurídica de má qualidade ao contaminar com juízos de fato uma ciência normativa, como também deixava a desejar enquanto sociólogo ao contaminar com juízos de valor uma ciência explicativa. Descrever regularidades fáticas e postular a existência de normas configurariam tarefas de realização incompatível no âmbito de uma mesma ciência. Resultaria daí uma censurável confusão entre fatos e normas, entre o ser e o dever-ser.

Conforme ressalta Klink (2009, p. 129), o argumento da confusão entre fatos e normas mostrou-se não só devastador para o futuro da sociologia do direito, mas também de enorme apelo junto à comunidade jurídica, o que levou Kelsen, nas décadas seguintes, a converter a distinção entre ser e dever-ser na pedra de toque de sua Teoria pura do direito.

4.2 Crítica à terminologia conceitual

Na sequência, Kelsen reclama explicitamente da ausência de um sistema conceitual rigoroso em Fundamentos da sociologia do direito. Na sua visão, a obra pressupunha novidades conceituais relevantes, mas os termos empregados ao longo da obra eram demasiadamente arbitrários e distantes da terminologia usual na teoria geral do direito. Na ânsia de substituir o senso comum teórico dos juristas, Ehrlich teria feito uso de conceitos obscuros e oscilantes em significado. A partir daí, para fundamentar a sua crítica, passa a se debruçar mais demoradamente sobre o conteúdo de categorias como preceito jurídico, norma jurídica de conduta, norma de decisão e fatos do direito.

A distinção proposta por Ehrlich entre preceito jurídico e norma jurídica de conduta não fazia sentido para Kelsen, já que, na sua visão, ambas são prescrições normativas universalmente vinculantes, isto é, regras válidas para todos os membros de um dado grupo que condicionam externamente o livre arbítrio individual. Apontando o que considera uma falha de lógica no pensamento de Ehrlich, ele refuta a existência de uma diferença essencial entre norma jurídica de conduta e preceito jurídico baseada no fato de este constar de codificação ou texto de direito legislado. O argumento histórico, fundado no fato de o surgimento de normas fixadas por escrito ter ocorrido apenas em um estágio avançado do desenvolvimento das sociedades, em nada modificaria a questão, pois o preceito jurídico continuaria a ser logicamente equivalente à norma enquanto imperativo de conduta.

O conceito sociológico de norma subjacente ao pensamento de Ehrlich é também alvo da crítica ácida de Kelsen. Na sua concepção, era simplesmente insustentável a ideia de que as normas poderiam simplesmente perder tal status ao deixarem de ser seguidas pelos membros do grupo, isto é, devido a não serem convertidas em ações. Tal concepção, ao enfatizar regularidades observáveis que dizem respeito ao comportamento das pessoas em detrimento da valoração e atribuição de significado jurídico, refletiria a confusão em que Ehrlich frequentemente incorria entre ser e dever-ser. Nesse sentido, afirma Kelsen,

[...] a norma jurídica é direito também em si e ainda que sem relação com um fato concreto. Porém, o fato nunca é direito ou relação jurídica, pois enquanto ser é em si indiferente aos valores, é sem significado caso não colocado em relação com uma norma [...]. Para uma consideração interessada na facticidade, por conseguinte, existem apenas fatos, realidades efetivas, e nenhum valor. ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 855, tradução nossa).

Ao conceito de norma de decisão é dedicado tratamento similar ao conferido às demais categorias. Relegando o assunto a uma nota de rodapé, Kelsen de pronto descarta a utilidade teórica desse conceito, uma vez que igualmente confundiria a maneira pela qual os tribunais e órgãos administrativos atuam na realidade com o modo pelo qual devem agir.

Por fim, Kelsen acusa Ehrlich de falta de clareza a respeito dos fatos do direito, sugerindo que, neste problemático conceito, estariam abarcadas as práticas sociais costumeiras, fatos que se repetem regularmente. Kelsen está de acordo com o entendimento de que práticas sociais regulares podem eventualmente se transformar em representações de dever-ser para um grupo que as toma por hábito, mas discorda veementemente da distinção que faz Ehrlich entre as práticas sociais e o direito consuetudinário. Os hábitos não seriam condutas que seguem normas, seriam antes as próprias condutas regulares. Assim, Kelsen tenta invalidar o argumento de Ehrlich, alegando que tais condutas são parte do ser e não do dever-ser.

Para Kelsen, portanto, a terminologia conceitual de Ehrlich revelava-se um desdobramento dos problemas epistemológicos que caracterizavam sua sociologia do direito, que desdenhava da distinção lógica entre fatos e normas, ser e dever-ser.

4.3 Crítica à delimitação das fronteiras da disciplina

Acrescenta Kelsen que as dificuldades de ordem epistemológica e terminológica de Ehrlich estão diretamente relacionadas à definição dos confins da sociologia do direito no que se refere ao seu objeto e escopo. Aqui reside o mais importante aspecto da terceira parte da sua crítica, a problematização da delimitação das fronteiras da sociologia do direito em relação a outras ciências que também se ocupam de fenômenos sociais em alguma medida similares ao direito, como a moral, a arte ou a religião.

Citando diversas passagens do livro de seu antagonista, Kelsen comenta com certa perplexidade que, embora Ehrlich reconheça as dificuldades para se traçar cientificamente as fronteiras que separam a sociologia do direito de outras ciências sociais, oferece respostas claramente insatisfatórias ao problema:

Dificilmente se pode levar Ehrlich a sério quando ele afirma que: “A norma jurídica regula, ao menos segundo a percepção do grupo, da qual advém, um assunto de grande importância, uma coisa de significado fundamental... Somente questões de menor importância são deixadas às demais normas sociais”. [...] As normas morais e religiosas realmente tratam de questões de menor importância que normas sobre empréstimos ou arrendamentos? ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 862, tradução nossa).

A dificuldade teórica, na interpretação de Kelsen, residiria na evidente fragilidade dos critérios de distinção entre diferentes tipos de normas cogitados por Ehrlich, que parece insinuar que tais critérios estariam relacionados à intensidade dos sentimentos despertados pela transgressão a essas normas. Para Kelsen, tratava-se de uma curiosa e infrutífera tentativa de especificar a singularidade do direito recorrendo à psicologia social.

4.4 Crítica à concepção pluralista do direito

Em outro momento da resenha crítica, discute-se a relação entre direito e Estado. Ehrlich se esforça ao longo de seu livro para separar o direito enquanto fenômeno social do Estado enquanto tipo de associação social, visão que incomoda profundamente Kelsen. Não apenas a terminologia utilizada por Ehrlich para falar do direito estatal lhe parece arbitrária e enganosa, mas também a ideia de que o Estado efetivamente produz direito.

O Estado, para Kelsen, expressa uma forma de unidade social, consiste na comunidade jurídica suprema que organiza o direito, constituindo um ordenamento unitário que paira acima dos demais:

Se a comunidade superior, que encerra todos os subgrupos, deve realmente ser uma unidade social, isto é, deve poder ser pensada como unidade, então é preciso pensar os subgrupos como subordinados, de qualquer modo, ao grupo social superior, é preciso representar os ordenamentos jurídicos – que se diferenciam entre si em sua singularidade – destes grupos sociais parciais como válidos e diferenciáveis somente no âmbito dos limites que lhes são postos pela organização da comunidade superior que os encerra em uma unidade. Uma construção diferente desta construção normativa das unidades sociais, porém, não é possível. Nessa construção conceitual – na qual somente se dá a unidade ideal dos grupos sociais – os subgrupos se tornam órgãos da comunidade superior e os ordenamentos jurídicos de cada subgrupo – ordenamentos que no âmbito de seus limites locais e materiais são sempre diferentes um do outro – constituem, juntamente com a organização da comunidade superior, um sistema unitário de normas, um ordenamento jurídico unitário. Esta última comunidade, que se constrói acima dos grupos singulares, é enquanto comunidade jurídica o Estado ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 866-867, tradução nossa).

Se o Estado é pensado como cindido em uma série de comunidades jurídicas menores, com seus próprios ordenamentos jurídicos diferentes uns dos outros, e órgãos jurídicos (tribunais) próprios independentes uns dos outros, em que consiste então o vínculo que une todos estes grupos, que faz de todos estes grupos singulares um único Estado? É preciso que exista algum ordenamento comum, um ordenamento que seja uma barreira para os ordenamentos jurídicos dos grupos singulares! Se este ordenamento não fosse jurídico, onde estariam, então, as fronteiras do Estado? ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 869, tradução nossa).

As normas jurídicas, para Kelsen, estão relacionadas ao Estado como ordenamento comum. A cada Estado unitário corresponderia um ordenamento jurídico distinto. O monismo jurídico kelseniano implica que toda e qualquer relação jurídica deve estar vinculada à autoridade estatal, ainda que de maneira meramente potencial, isto é, a violação de uma obrigação jurídica deve acarretar como possível consequência uma reação do Estado, que serve de barreira contra os ordenamentos de grupos singulares. Como se percebe, a crítica de Kelsen, nesta quarta parte do texto, termina com o questionamento do que, décadas depois, viria a ser designado por pluralismo jurídico.

4.5 Crítica à confusão entre direito e sociedade

Finalmente, a quinta parte de Uma fundamentação da sociologia do direito critica os aspectos metodológicos da obra de Ehrlich. A sociologia do direito, para Ehrlich, deveria se encarregar da tarefa de, por meio de observações, registrar os fatos empíricos concernentes ao fenômeno jurídico e explicá-los teoricamente, a fim de compreender como o direito funciona na sociedade, problemática negligenciada pelo paradigma dogmático.

Para Kelsen, a confusão entre direito e sociedade é inaceitável. Por isso, sugere que uma ciência do direito com tais pretensões perderia sua especificidade e acabaria por invadir a seara de outras ciências sociais:

Ehrlich simplesmente identifica direito e sociedade, isto é, ele define como direito não somente a forma, mas também o conteúdo dos fenômenos sociais, no momento em que requer que a ciência do direito forneça informações sobre as relações políticas e econômicas regulares que conferem conteúdo às formas jurídicas. [...] É absolutamente sem precedentes uma tão completa confusão das fronteiras entre direito e economia, entre direito e sociedade, assim como entre a ciência do direito e todas as outras ciências sociais! ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 872-873, tradução nossa).

O escopo possível de uma sociologia do direito que se diferencie de outras ciências sociais como a economia, a história e a psicologia, seria lidar com problemas envolvendo a gênese – a origem social – e os efeitos – a eficácia social – das normas jurídicas. Tal sociologia, para Kelsen, não seria uma ciência totalmente autônoma, mas um fragmento da ciência sociológica que explica a vida social. A sociologia do direito, em especial, dependeria da teorização sociológica de outras normas sociais que não somente as jurídicas. Afinal, “o comportamento efetivo dos seres humanos [...] não se revela de fato motivado apenas por normas jurídicas, mas também por normas de outro tipo” ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 875, tradução nossa). Uma vez que o conceito de direito não comporta uma definição sociológica, para delimitar com clareza o objeto de tal sociologia do direito seria indispensável adotar um conceito normativo proveniente da ciência do direito, cujo ponto de vista é distinto daquele inerente ao conhecimento explicativo almejado pela sociologia.

Conclui Kelsen sua apreciação crítica, afirmando que “A tentativa de Ehrlich de oferecer uma fundamentação para a sociologia do direito deve ser considerada completamente fracassada: antes de tudo, pela total falta de uma clara definição do problema e de um método preciso” ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. , p. 876, tradução nossa). Para Kelsen, a coexistência entre a ciência do direito e a sociologia era possível, desde que sob as bases de um compromisso fundado na divisão do trabalho científico. Nesse esquema rígido de separação entre uma ciência do dever-ser e uma ciência do ser, restaria à sociologia do direito uma posição externa e subalterna à ciência do direito, na medida em que deveria adotar na delimitação do seu objeto o conceito de direito fornecido pela dogmática jurídica.

5 A resposta de Ehrlich às críticas de Kelsen: uma disputa inacabada

Em sua resposta, Ehrlich se absteve de enfrentar todas as críticas dirigidas por Kelsen a Fundamentos da sociologia do direito. Alegando desconforto com a ideia de refutar uma revisão crítica de sua obra elaborada por outro intelectual, Ehrlich limitou-se a discorrer acerca de críticas pontuais que, na sua visão, representavam uma exposição incorreta e deformada do conteúdo de seu livro e que, por conta disso, exigiam retificações factuais.

O texto de resposta inicia com a abordagem da crítica referente à suposta confusão entre ser e dever-ser apontada por Kelsen:

Esperar de alguém que confunda uma regra de dever-ser com uma lei da natureza, isto é, que não tome por fundamentalmente distintas a lei da gravidade e o regulamento a que se sujeita o signatário de uma letra de crédito, significa tomá-lo quase que por um idiota. É neste patamar que está Kelsen quando busca fazer crer que eu teria sustentado que toda regra do ser – portanto toda lei da natureza – é ao mesmo tempo uma regra do dever-ser e que, por consequência, a lei da gravidade seria uma norma social. E não tão diversamente foram postas as coisas com respeito à teoria segundo a qual o direito é em parte regra do ser (lei da natureza), em parte regra de dever-ser. ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 844, tradução nossa).

Ehrlich considera incorreta a interpretação de Kelsen. Em tom de indignação, afirma que em todo o seu livro tratara “[...] o direito sempre como regra de dever-ser e nunca como lei da natureza, como ‘regra do ser’, e que nele não se encontra uma só palavra que justifique a afirmação de Kelsen” ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 845, tradução nossa).

Ainda que Ehrlich anuncie uma vez mais não ser de seu interesse polemizar com Kelsen, aponta que grande parte da incompreensão de sua obra por parte de seu crítico decorre da questão terminológica, conforme denotam diversas passagens:

Posto que em meu livro, frequentemente, desbravei um novo território,, tive que criar, em parte, uma terminologia científica específica. Está aí abrangida a distinção entre norma jurídica e preceito jurídico ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 845, tradução nossa).

Kelsen certamente é livre para contestar tais teses, para combatê-las se for o caso, para refutá-las. Uma coisa, entretanto, ele não é livre para fazer: impor sua própria terminologia e qualificar de insensatas as coisas que eu digo somente porque não se encaixam nas singulares orientações terminológicas kelsenianas ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 847, tradução nossa).

Já se viu alguma vez uma crítica de semelhante índole? Kelsen submete minhas teses a sua própria terminologia científica arbitrária, de resto carente de todo valor científico [...] e sustenta adiante que são simplesmente sem sentido porque não são enquadráveis em sua terminologia. Uma polêmica desta natureza [...] acaba, finalmente, em uma pura e simples desfiguração de meu pensamento que me vejo obrigado a rechaçar com firmeza ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 847-848, tradução nossa).

Ehrlich argumenta que precisava criar uma terminologia inovadora para poder se fazer cientificamente compreensível, afinal, estava problematizando conceitos clássicos da teoria geral do direito sob uma perspectiva quase que inteiramente nova. Por exemplo, as categorias-chave apresentadas ao longo de seu trabalho, que foram duramente criticadas por Kelsen devido à ausência de sistematicidade em sua utilização, estão relacionadas à busca por um conceito sociológico de norma, adequado a uma ciência sociológica do direito. Neste sentido, Ehrlich reforça sua convicção a respeito de as normas serem representações sociais observáveis empiricamente:

Kelsen sustenta [...] que uma “coisa ideal”, uma representação, não é um fato porque não é perceptível sensivelmente, porque não é observável; o que pressuporia não somente uma nova terminologia, senão inclusive uma nova teoria. Até agora, as representações têm sido consideradas entre os fatos da vida psíquica e têm sido consideradas, se não sensivelmente perceptíveis, observáveis. Da observação das representações têm se ocupado, entre outras, a ciência da psicologia [...], a sociologia, a economia política, a ciência da religião, e, a meu ver, também a ciência do direito ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 848, tradução nossa).

Muitos dos problemas apontados por Kelsen em relação ao sincretismo de métodos advêm da circunstância de que Ehrlich precisava inventar um novo arsenal conceitual, que lhe permitisse categorizar o seu objeto de estudo, de forma a aproximar o estudo do direito da realidade, contextualizando-o socialmente.

Em vez daquilo que eu havia dito vem posta uma kelsenaria e depois se argumenta em cima disso com certa lógica, conhecida dos precedentes trabalhos de Kelsen, de acordo com a qual as proposições principais não significam nada e aquelas subordinadas muito menos. Talvez o mais importante seja compreender as proposições principais da crítica kelseniana que, do modo como as vejo, poderiam ser as proposições principais da inteira concepção jurídica do mundo própria a Kelsen. Contra minhas observações, segundo as quais as abstrações jurídicas são tanto mais abstratas quanto mais perdem contato com a realidade, Kelsen escreve: [...] a ciência do direito, precisamente por ser uma ciência, não precisa de contato algum com a realidade, posto que, por princípio, não pretende ser uma explicação da realidade. É surpreendente constatar que um professor de direito na Universidade de Viena, ao início do século XX, advogue tais teses; isso me deixa realmente estupefato. ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 849, tradução nossa).

Ao final de sua resposta, Ehrlich busca chamar a atenção para o que realmente interessa em sua sociologia do direito:

Desejo acrescentar só uma observação, a de que não escrevi um livro de terminologia, como poderia suspeitar o leitor que eventualmente tenha lido a crítica kelseniana. De terminologia, em geral, me ocupo somente na medida em que é necessário para me fazer cientificamente compreensível. O objeto da sociologia do direito não é a terminologia, mas antes a relação do direito com a sociedade ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. , p. 849, tradução nossa).

A réplica de Kelsen insiste no ponto de que Ehrlich incorrera, ao longo de todo o livro, em uma confusão entre o significado de juízos de ser e juízos de dever-ser na sua análise das normas. Essa confusão seria sintomática do sincretismo metodológico que caracterizava seu pensamento, ao misturar considerações causal-explicativas voltadas ao estudo do ser com considerações normativas voltadas ao estudo do dever-ser. Kelsen se revolta contra Ehrlich no que tange a “[...] sua absoluta incapacidade de compreender o problema metodológico enfrentado quando se trata do problema de separar a sociologia do direito da ciência jurídica dogmática” ( KELSEN, 1916 KELSEN, Hans. Replik. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 850-853, 1916. , p. 853, tradução nossa).

Em sua breve tréplica, Ehrlich reitera a acusação feita a Kelsen de que passagens de sua obra foram citadas de modo descontextualizado. Argumentando que havia uma incompreensão de Kelsen quanto ao direito vivo, invoca mais uma vez seu direito de resposta, em nome das regras da correção literária no debate acadêmico:

[...] Kelsen sublinha, primeiramente, a contradição na qual incorre minha afirmação de que o direito é sempre e somente uma regra de dever-ser, com relação à minha tese do “direito vivo”, que é conhecido pela ciência do direito quando esta expõe “o que a lei prescreve, mas também aquilo que verdadeiramente acontece”. Kelsen põe parte da frase entre aspas e pretende com isso que se trata de uma citação de meu livro, que ele reproduz em discurso indireto. Esta citação é falsa ; em meu livro não há frase alguma que tenha o sentido indicado por Kelsen. Talvez as palavras entre aspas destacadas por ele se encontrem em uma frase que literalmente diz que “também aqui a ciência, como teoria do direito, cumpre muito mal sua tarefa quando se limita a mostrar o que a lei prescreve e não também aquilo que efetivamente acontece”. As palavras não se referem em absoluto ao conteúdo da regra de direito, mas à tarefa da ciência do direito ( EHRLICH, 1917 EHRLICH, Eugen. Replik. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 42, p. 609, 1917. , p. 609, tradução nossa).

No epílogo, Kelsen procura indicar a fonte da citação contestada, sugerindo que Ehrlich provavelmente não conseguiu entendê-lo por não ter lido sua crítica até o fim ( KELSEN, 1917 KELSEN, Hans. Schlusswort. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 42, p. 611, 1917. , p. 611), encerrando em uma página uma das mais célebres controvérsias da história do pensamento jurídico do século XX.

Parte substancial dos estudos sobre essa controvérsia retrata o episódio como uma disputa até certo ponto inacabada, mas decididamente vencida por Kelsen na conjuntura histórica em que foi travada – por exemplo, Carrino (2002); Lüderssen (2003) LÜDERSSEN, Klaus (Org.). Hans Kelsen / Eugen Ehrlich: Rechtssoziologie und Rechtswissenschaft: eine Kontroverse (1915/17). Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2003. ; Van Klink (2009) VAN KLINK, Bart. Facts and norms: the unfinished debate between Eugen Ehrlich and Hans Kelsen. In: HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. p. 127-155. ; Machura (2014) MACHURA, Stefan. Eugen Ehrlich’s legacy in contemporary German Sociology of Law. In: PAPENDORF, Knut; MACHURA, Stefan; HELLUM, Anne (Org.). Eugen Ehrlich’s sociology of law. Zurich: LIT Verlag, 2014. p. 39-68. . Não há razão para duvidar dessa leitura. Como Kelsen mostrou, a ciência sociológica do direito que se anunciava era antes uma possibilidade que uma realidade. Escrevendo em princípios do século XX, Ehrlich percebeu que a sociologia do direito precisava ser inventada. O próprio Kelsen não deixou de reconhecer, em certo momento de sua crítica, que a obra de Ehrlich levantava novas questões para o estudo do direito que ultrapassavam o escopo da ciência do direito tradicional. A sociologia do direito até poderia se desenvolver, desde que na condição de ciência auxiliar da dogmática jurídica, em um esquema rígido de divisão do trabalho científico.

Com efeito, sabe-se que, nas décadas seguintes ao debate, o destino da sociologia do direito foi o ocaso, em meio à triunfante hegemonia da escola do positivismo jurídico contemporâneo, capitaneada por Kelsen.

6 Conclusão

O embate entre dogmática jurídica e sociologia do direito já foi interpretado, a partir da teoria dos paradigmas, como um caso notável de competição paradigmática que se mantém por um longo período sem necessariamente resultar em uma mudança de paradigma ( HAGEN, 1995 HAGEN, Johann. Rivalità dei paradigmi nelle scienze giuridiche: la dogmatica giuridica e la sociologia del diritto come paradigmi in competizione. Sociologia del diritto , v. 22, n. 2, 1995, p. 5-18. ). Ao se revisitar a controvérsia Ehrlich-Kelsen, percebe-se que a trajetória da sociologia do direito na história do pensamento jurídico tem sido marcada desde o seu surgimento pelo confronto com a dogmática jurídica. Em Fundamentos da sociologia do direito, Ehrlich formula uma proposta de sociologia do direito contra a dogmática jurídica, em confrontação direta e polêmica com o paradigma dominante entre os cientistas do direito da Europa continental do início do século XX.

Para Ehrlich, a relação entre sociologia do direito e dogmática jurídica pode ser vista como uma disputa entre escolas do pensamento jurídico que abordam o mesmo objeto de pontos de vista incompatíveis e competem para estabelecer como o direito deve ser estudado cientificamente. Na sua visão, a dogmática jurídica é um saber prático-profissional, ao qual não se pode atribuir o status de ciência; ao passo que a sociologia do direito constitui a possibilidade de um conhecimento científico acerca do fenômeno jurídico. Ehrlich não é contrário à existência de um saber dogmático, mas por considerá-lo não científico defende que outra forma de produzir ciência do direito precisa ser inventada.

Para Kelsen, a perspectiva de Ehrlich mostra-se equivocada, consistindo o projeto de construção de uma sociologia do direito em uma ameaça ao status científico então desfrutado pela dogmática jurídica, a qual precisava ser repelida de maneira contundente. Na sua visão, explicitada nos textos do Arquivo para a ciência e política social, não há razão para se falar em um embate. Afinal, a sociologia estuda os fatos da vida social, enquanto a ciência do direito se ocupa do estudo das normas, cumprindo cada qual uma tarefa científica distinta. Trata-se, portanto, de uma questão de divisão do trabalho científico, na medida em que existe uma clara linha demarcatória entre sociologia do direito e dogmática jurídica. O projeto científico de Ehrlich estaria fadado ao fracasso, pois a sociologia do direito dependeria da ciência do direito tradicional para a definição de seu objeto.

Com singular clareza, Kelsen antevê a ameaça para o paradigma dogmático que a proposta de Ehrlich representava, sobretudo no contexto do Império Austro-húngaro de princípios do século XX, diante dos problemas de conhecimento que desafiavam a comunidade jurídica de seu tempo, como a questão da governança imperialista de sociedades plurais. No entanto, à época, Ehrlich não conseguiu ter continuadores nem fazer escola. Em meio ao recrudescimento dos conflitos sociais e à desintegração dos grandes impérios da Europa continental durante a Primeira Guerra Mundial, a constelação de compromissos que pretendia impulsionar não se mostrou suficientemente atraente a ponto de levar ao surgimento de uma comunidade científica capaz de reproduzir de forma duradoura o paradigma da sociologia do direito.

Embora a posição de Kelsen tenha prevalecido na conjuntura histórica em que o debate foi travado, o cenário agora é outro. Após um longo período de ocaso, o projeto científico defendido por Ehrlich foi resgatado e fez-se constar seu nome no panteão dos precursores da sociologia do direito. Esses desenvolvimentos ocorreram, sobretudo, a partir da década de 1960, com o surgimento do movimento direito e sociedade e a institucionalização de uma comunidade científica sociojurídica em nível transnacional, concretizada por meio de iniciativas como a Associação Direito e Sociedade (LSA) 16 16 A Law & Society Association (LSA) foi fundada nos EUA em 1964. Cf. < http://www.lawandsociety.org >. e o Comitê de Pesquisa em Sociologia do Direito (RCSL/ISA). 17 17 O Research Committee on Sociology of Law (RCSL/ISA), vinculado à Associação internacional de Sociologia, foi criado em 1962, reunindo pesquisadores de vários países, sobretudo europeus. Cf. < http://rcsl.iscte.pt >.

Na conjuntura histórica atual, em que são cada vez mais evidentes os sinais de esgotamento do paradigma dogmático, verifica-se que está em curso uma reconstrução das práticas científicas relacionadas ao estudo do direito. Constata-se que a pesquisa sociojurídica enfim se tornou realidade. Isso vem acontecendo inclusive em contextos como o brasileiro, a julgar pelo notável êxito de iniciativas recentes como a Rede de Estudos Empíricos em Direito (REED) 18 18 A REED formou-se em 2011. Cf. < http://reedpesquisa.org >. e a Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito (ABraSD). 19 19 A ABraSD surgiu em 2010. Cf. < http://www.abrasd.com.br >. Nesse cenário, resta saber se há ainda lugar para uma acomodação em um esquema rígido de divisão do trabalho científico, tal qual pretendia Kelsen. Um século após a célebre controvérsia, a perspectiva de um embate entre sociologia do direito e dogmática jurídica, defendida por Ehrlich, volta à tona com mais força do que nunca.

  • 1
    Agradecimentos: Este artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa A sociologia do direito em busca de uma identidade: debates clássicos e contemporâneos , desenvolvido com a colaboração do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiado financeiramente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Chamada Universal – MTCI/CNPq n. 14/2014, Processo 444686/2014-2. Os autores estendem os agradecimentos ao Instituto Internacional de Sociologia do Direito e ao Instituto Hans Kelsen..
  • 2
    No título original, Grundlegung der Soziologie des Rechts ( EHRLICH, 1913 EHRLICH, Eugen. Grundlegung der Soziologie des Rechts. München; Leipzig: Dunker & Humblot, 1913. ).
  • 3
    No título original, Reine Rechtslehre ( KELSEN, 1934 KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre: Einleitung in die Rechtswissenschaftliche Problematik. Leipzig; Wien: Franz Deuticke, 1934. ).
  • 4
    Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, periódico existente na Alemanha até 1933.
  • 5
    Notoriamente, A ética protestante e o espírito do capitalismo , do próprio Weber (1999) WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo . Tradução de Irene Szmrecsányi e Tamás Szmrecsány. 13. ed. São Paulo: Pioneira, 1999. , orginalmente publicado entre 1904 e 1905, em dois números do periódico
  • 6
    No título original, Eine Grundlegung der Rechtssoziologie ( KELSEN, 1915 KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915. ).
  • 7
    No título original, Entgegnung ( EHRLICH, 1916 EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916. ).
  • 8
    No título original, Replik ( KELSEN, 1916 KELSEN, Hans. Replik. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 850-853, 1916. ).
  • 9
    No título original, Replik ( EHRLICH, 1917 EHRLICH, Eugen. Replik. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 42, p. 609, 1917. ).
  • 10
    No título original, Schlusswort ( KELSEN, 1917 KELSEN, Hans. Schlusswort. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 42, p. 611, 1917. ).
  • 11
    O trabalho de Van Klink integra a coletânea Living law: reconsidering Eugen Ehrlich ( HERTOGH, 2009 HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. ), obra que contribuiu significativamente para lançar novas luzes sobre o pensamento de Ehrlich.
  • 12
    O livro de Maliska (2001) MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich. Curitiba: Juruá, 2001. é referência no estudo da obra de Ehrlich no Brasil. Na segunda edição, revista e ampliada, foi incluído um capítulo que trata da polêmica Ehrlich-Kelsen ( MALISKA, 2015 MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich: aportes para uma reflexão atual sobre pluralismo e constituição. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015. , p. 35-52).
  • 13
    Alguns anos antes do debate com Ehrlich, Kelsen já havia escrito um artigo para o periódico se posicionando criticamente frente às vertentes da nascente sociologia do direito ( KELSEN, 1912 KELSEN, Hans. Zur Soziologie des Rechtes: Kritische Betrachtung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 34, p. 601-614, 1912. ).
  • 14
    Para informações sobre a biografia de Ehrlich, ver Rehbinder (1962) REHBINDER, Manfred. Eugen Ehrlich, dem Begründer der deutschen Rechtssoziologie, zum 100. Geburtstag. Juristen Zeitung, n. 19, p. 613-614, 1962. e Maliska (2015 MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich: aportes para uma reflexão atual sobre pluralismo e constituição. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015. , p. 17-33).
  • 15
    Sobre dados biográficos de Kelsen, ver Ladavac (1998) LAVADAC, Nicoletta. Hans Kelsen (1881-1973): biographical note and bibliography. European Journal of International Law, v. 9, n. 2, p. 391-399, 1998. .
  • 16
    A Law & Society Association (LSA) foi fundada nos EUA em 1964. Cf. < http://www.lawandsociety.org >.
  • 17
    O Research Committee on Sociology of Law (RCSL/ISA), vinculado à Associação internacional de Sociologia, foi criado em 1962, reunindo pesquisadores de vários países, sobretudo europeus. Cf. < http://rcsl.iscte.pt >.
  • 18
    A REED formou-se em 2011. Cf. < http://reedpesquisa.org >.
  • 19
    A ABraSD surgiu em 2010. Cf. < http://www.abrasd.com.br >.

Referências

  • AMATO, Lucas Fucci. As formas da sociologia do direito: uma redescrição luhmanniana do debate centenário entre Kelsen e Ehrlich. Revista do Programa de Pós-Graduação da UFC, v. 35, n. 2, p. 227-254, 2015.
  • ANDRADE, Vera. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
  • ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Eugen Ehrlich e Hans Kelsen: uma reconciliação possível? Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais , v. 12, n. 1, p. 174-181, 2010.
  • BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesei, Edson Bini e Carlos Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995.
  • CARLOTTI, Danilo Panzeri. O debate entre Ehrlich e Kelsen: a convergência filosófica entre positivismo jurídico e sociologia do direito no começo do século XX. Quaestio Iuris, v. 8, n. 4, p. 2287-2303, 2015.
  • CARRINO, Agostino (Org.). Hans Kelsen / Eugen Ehrlich: scienza giuridica e sociologia del diritto. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1992.
  • COTTERRELL, Roger. Ehrlich at the edge of empire: centres and peripheries in legal studies. In: HERTOGH, Marc (Org.) Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford e Portland: Hart Publishing, 2009. p. 75-93.
  • EHRLICH, Eugen. Grundlegung der Soziologie des Rechts München; Leipzig: Dunker & Humblot, 1913.
  • EHRLICH, Eugen. Entgegnung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 844-849, 1916.
  • EHRLICH, Eugen. Replik. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 42, p. 609, 1917.
  • EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: UNB, 1986.
  • EHRLICH, Eugen. Foreword. In: EHRLICH, Eugen. Fundamental principles of the sociology of law Tradução de Walter Moll. New Brunswick: Transactions Publishers, 2002. p. lvix.
  • EPPINGER, Monica. Governing in vernacular: Eugen Ehrlich and late Habsburg ethnography. In: HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. p. 21-47.
  • FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica: o direito como instrumento de transformação social. São Paulo: EDUSP, 1988.
  • FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
  • HAGEN, Johann. Rivalità dei paradigmi nelle scienze giuridiche: la dogmatica giuridica e la sociologia del diritto come paradigmi in competizione. Sociologia del diritto , v. 22, n. 2, 1995, p. 5-18.
  • HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009.
  • HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1914. 19. ed. Tradução de Sieni Maria Campos e Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
  • KELSEN, Hans. Zur Soziologie des Rechtes: Kritische Betrachtung. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 34, p. 601-614, 1912.
  • KELSEN, Hans. Eine Grundlegung der Rechtssoziologie. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, n. 39, p. 839-876, 1915.
  • KELSEN, Hans. Replik. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 41, p. 850-853, 1916.
  • KELSEN, Hans. Schlusswort. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik , n. 42, p. 611, 1917.
  • KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre: Einleitung in die Rechtswissenschaftliche Problematik. Leipzig; Wien: Franz Deuticke, 1934.
  • KELSEN, Hans. Teoria pura do direito 4. ed. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1976.
  • KELSEN, Hans. Introduction to the problems of legal theory Tradução de Bonnie Paulson and Stanley Paulson. Oxford: Clarendon Press, 1992.
  • KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1970.
  • LAVADAC, Nicoletta. Hans Kelsen (1881-1973): biographical note and bibliography. European Journal of International Law, v. 9, n. 2, p. 391-399, 1998.
  • LÜDERSSEN, Klaus (Org.). Hans Kelsen / Eugen Ehrlich: Rechtssoziologie und Rechtswissenschaft: eine Kontroverse (1915/17). Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2003.
  • MACHURA, Stefan. Eugen Ehrlich’s legacy in contemporary German Sociology of Law. In: PAPENDORF, Knut; MACHURA, Stefan; HELLUM, Anne (Org.). Eugen Ehrlich’s sociology of law. Zurich: LIT Verlag, 2014. p. 39-68.
  • MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich Curitiba: Juruá, 2001.
  • MALISKA, Marcos Augusto. Introdução à sociologia do direito de Eugen Ehrlich: aportes para uma reflexão atual sobre pluralismo e constituição. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015.
  • MORENO MÍNGUEZ, Carmen. Breve historia del Imperio Austrohúngaro. Madrid: Ediciones Nowtilus S.L., 2015.
  • REHBINDER, Manfred. Eugen Ehrlich, dem Begründer der deutschen Rechtssoziologie, zum 100. Geburtstag. Juristen Zeitung, n. 19, p. 613-614, 1962.
  • SANDSTRÖM, Marie. The concept of legal dogmatics revisited. In: BANKOWSKI, Zenon (Org.). Epistemology and ontology: IVR-Symposium Lund 2003. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2005. p. 133-140.
  • SILVEIRA, Daniel. Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e a dogmática jurídicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 41, p. 73-86, 1996.
  • SPAREMBERGER, Raquel. A natureza da ciência jurídica: a polêmica entre o normativismo de Hans Kelsen e o sociologismo (hermenêutica do direito vivo de Eugen Ehrlich). Direito em Debate, v. 12, n. 20, p. 115-135, 2003.
  • VAN KLINK, Bart. Facts and norms: the unfinished debate between Eugen Ehrlich and Hans Kelsen. In: HERTOGH, Marc (Org.). Living law: reconsidering Eugen Ehrlich. Oxford: Hart, 2009. p. 127-155.
  • WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo . Tradução de Irene Szmrecsányi e Tamás Szmrecsány. 13. ed. São Paulo: Pioneira, 1999.
  • ZULETA PUCEIRO, Enrique. Paradigma dogmático y ciencia del derecho. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2018
  • Aceito
    30 Out 2018
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com