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“Para eles, nós não somos humanos!”: habitação, território e a monitorização de violências racializadas em Portugal.

'For them, we are not humans!’: housing, space and monitoring of racialized violences in Portugal

Resumo

O presente artigo pretende analisar criticamente um conjunto de relatórios elaborados por diversas agências nacionais e internacionais que, no decorrer das últimas décadas, têm vindo a monitorizar as desigualdades racializadas no acesso à habitação. Informado por uma viagem etnográfica a um conjunto de acampamentos, bairros autoproduzidos e bairros de realojamento habitados maioritariamente por pessoas ciganas, o artigo procurará pensar a relação entre processos de segregação territorial, racialização e desumanização no Portugal contemporâneo.

Palavras-chave:
Habitação; Monitorização; Racismo; Segregação

Abstract

This article presents a critical analysis on a set of reports produced by national and international agencies that, in the course of the last two decades, have been monitoring racialized inequalities in access to housing. The analysis is informed by an ethnographic journey throughout a set of self-produced spaces and rehousing projects inhabited mainly by Roma populations, aiming to explore the relationship between segregation, racialization and dehumanization processes in contemporary Portugal.

Keywords:
Housing; Monitoring; Racism; Segregation

1. Introdução 1 1 Este comentário surgiu no âmbito da viagem etnográfica que realizei, em fevereiro de 2017, a um conjunto de acampamentos, bairros autoproduzidos e de realojamento em Portugal, quando, num acampamento habitado exclusivamente por pessoas ciganas, se debatia a forma como muitas instituições e pessoas não-ciganas olham e tratam as pessoas ciganas em Portugal. , 2 2 Este artigo parte do Working Paper “Realojar, despejar, guetizar. Arqueologias de uma violência obliterada: habitação e racismo nos relatórios nacionais/internacionais” (2018), desenvolvido no âmbito do projeto COMBAT. Este trabalho tem o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT/MEC) através de fundos nacionais e é cofinanciado pelo FEDER através do Programa Operacional Competitividade e Inovação COMPETE 2020 no âmbito do projeto PTDC/IVC-SOC/1209/2014 - POCI-01-0145-FEDER-016806 e do Fundo Social Europeu, através do Programa de Potencial Humano e pelos Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito da bolsa de doutoramento PD/BD/114056/2015.

A existência de tendas de pano e lona onde a chuva insiste em passar, de casas abarracadas de madeira e cartão que o vento teima em levantar, ou de pequenas casas de alvenaria onde a humidade persiste, integra, periclitante, a paisagem de cidades e vilas em Portugal. Estes aglomerados constituem testemunhos dispersos, embora concisos, de uma precariedade habitacional que persiste no país, mas também da resiliência quotidiana de muitas famílias, que encontraram na ocupação e na autoprodução das suas casas o seu único refúgio (Cf. Agier, 2015AGIER, Michel. “Do refúgio nasce o gueto: antropologia urbana e política dos espaços precários”, In: BIRMAN, Patrícia et al. (org.), Dispositivos urbanos e trama dos viventes: ordens e resistências. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015, pp. 33-53.). Foi assim que, aos poucos, tomaram forma lugares onde à precariedade habitacional se soma, tantas vezes, a falta de acesso a bens essenciais como água, eletricidade e saneamento básico, tal como acontece em parte do Bairro das Pedreiras (Beja), no Bairro da Torre (Loures, AML)3 3 Área Metropolitana de Lisboa. ou no Cerro do Bruxo (Faro).

Fotografia 1
Cerro do Bruxo, Faro, 20174 4 Todas as fotografias deste artigo são da autoria de Ana Rita Alves.

Habitados maioritariamente por pessoas negras e ciganas,5 5 Embora no contexto europeu se utilize comummente o conceito “Roma” reportar-nos-emos à discussão do movimento associativo português que utiliza habitualmente os conceitos “comunidades ciganas”, “comunidades portuguesas ciganas” ou “populações ciganas”, embora vigore atualmente um debate também sobre a utilização do termo “Roma”. estes e outros bairros evocam um fantasma que volta permanentemente para nos assombrar (Cf. Gordon, 2008GORDON, Avery F. Ghostly Matters: Haunting and the Sociological Imagination. Minneapolis e Londres: University of Minnesota Press, 2008.). De facto, o esquecimento social da escravização racial (e do colonialismo) (Cf. Nimako; Willemsen, 2011NIMAKO, Kwame; WILLEMSEN, Glen. The Dutch Atlantic: Slavery, Abolition and Emancipation. Londres: Pluto Press, 2011.), quando algo seu continua vivo (Cf. Gordon, 2008GORDON, Avery F. Ghostly Matters: Haunting and the Sociological Imagination. Minneapolis e Londres: University of Minnesota Press, 2008.) – o racismo – contribui para a constante reinvenção de sujeitos racializados, reproduzindo-se a sua desumanização por via da manutenção de noções de europeidade e não-europeidade (Cf. Hesse, 2007HESSE, Barnor. “Racialized modernity: An analytics of white mythologies”, Ethnic and Racial Studies, v. 30, n. 4, 2007, pp. 643-663.). Depositadas nos seus corpos através da recriação de territórios e fronteiras reais e imaginadas (Fanon, 2008; Hesse, 2007HESSE, Barnor. “Racialized modernity: An analytics of white mythologies”, Ethnic and Racial Studies, v. 30, n. 4, 2007, pp. 643-663.), estas noções estão vinculadas, como descreve Sherene Razack (2002)RAZACK, Sherene (ed.). Race, Space and the Law: Unmapping a White Settler Society. Toronto: Between the lines, 2002., a processos de racialização experienciados diretamente como espaciais:

Quando a polícia larga populações aborígenes nos limites da cidade deixando-as morrer de frio, ou param jovens negros nas ruas ou nos centros comerciais; quando os olhos dos vendedores seguem corpos negros, presumindo que são ilícitos; quando os locais de trabalho permanecem constantemente brancos nos postos mais bem pagos e totalmente negros nos seus níveis inferiores; quando áreas nobres da cidade são totalmente brancas e as zonas pobres são maioritariamente negras, experienciamos a espacialidade da ordem racial na qual todos vivemos (Id., p. 6, tradução da autora).

A espacialização da “raça” e a racialização do espaço têm-se relacionado, aqui, em particular, com a criação, manutenção e reinvenção de condições para a persistência de situações de precariedade habitacional e de segregação residencial. As práticas governamentais racializadas, exercidas por agenciamentos6 6 No original “assemblages” (Hesse, 2007). (brancos) europeizados sobre agenciamentos (não-brancos) não-europeizados, refletem lógicas administrativas e regulatórias que “avaliam, determinam e controlam os critérios de admissão à conceção europeia de humanidade, enquanto reificam deficiências colonialmente percebidas nos outros ‘não-europeus’ relacionadas com uma suposta, mas imposta, diferença racial” (Hesse, 2007HESSE, Barnor. “Racialized modernity: An analytics of white mythologies”, Ethnic and Racial Studies, v. 30, n. 4, 2007, pp. 643-663., p. 655-656, tradução da autora). É neste sentido que uma análise sobre habitação, território e racismo nos podem ajudar a perceber como o retraçar constante da linha de cor (Du Bois, 1889) tem concorrido para a perpetuação de zonas de não-ser (Fanon, 2008), que se estendem do corpo à casa e ao bairro, fazendo com que persistam, nas democracias europeias, vidas não-choráveis sujeitas ao subemprego, à repressão legal, e expostas, de forma distinta, à violência e, até mesmo, à morte (Butler, 2009). Assim, a manutenção de uma alteridade racial, para além de extrair destes sujeitos qualquer estatuto político, torna-os, aos olhos do Estado, ingovernáveis, recorrendo-se politicamente da ‘raça’ como meio de produção de inimigos racializados, da sociedade civil e da soberania estatal (Amparo Alves, 2018AMPARO ALVES, Jaime. The Anti-Black City: Police Terror and Black Urban Life in Brazil. Minneapolis & Londres: University of Minnesota Press, 2018.). É neste sentido que a ‘raça’ tem vindo a ordenar e a estruturar o social, o Estado e os seus sujeitos, constituindo, por isso mesmo, um modo e dispositivo de dominação (Cf. Goldberg, 2015GOLDBERG, David T. Are we all postracial yet?. Cambridge e Malden: Polity Press, 2015.), que interessa aqui problematizar, em particular, no campo da habitação.

Este artigo procurará mapear e analisar um conjunto de relatórios elaborados por institutos públicos nacionais, tais como como o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) ou o Instituto Nacional de Estatística (INE), e de agências internacionais, assim como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), o extinto Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUMC) e a atual Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA). Prestar-se-á particular atenção aos que examinam, em detalhe, a interseção entre discriminação racial e acesso à habitação em Portugal. De forma complementar, esta análise crítica dos discursos institucionais (van Dijk, 1996VAN DIJK, Teun. Discourse, Power and Access. In: CALDAS-COULTHARD, Carmen Rosa; COULTHARD, Malcolm (eds.). Texts and Practices. Readings in Critical Discourse Analysis. Londres: Routledge, 1996. p. 84-104.), reveladores de como pensam e agem os estados face à discriminação racial, dialogará com a experiência de uma viagem etnográfica realizada, em fevereiro de 2017, a um conjunto de acampamentos, bairros autoproduzidos e de realojamento, de norte a sul do país. Argumenta-se que esta análise situada permitirá perceber a forma como Portugal tem vindo a ser retratado, em particular, pelas principais agências internacionais de monitorização, procurando desvelar racionalidades e governamentalidades racializadas e historicamente obliteradas, no campo da habitação.

2. Arqueologias nacionais sobre habitação (e racismo)

Numa tentativa de contrariar a grave carência habitacional que, na década de 1980 – segundo o XII Recenseamento da População e II Recenseamento Geral da Habitação (1981) –, se materializava num total de 46.391 alojamentos familiares não clássicos7 7 Segundo o INE, um Alojamento familiar não clássico é definido como um “alojamento que não satisfaz inteiramente as condições do alojamento familiar clássico pelo tipo e precariedade da construção, porque é móvel, improvisado e não foi construído para habitação, mas funciona como residência habitual de pelo menos uma família no momento de referência. Incluem-se a barraca, o alojamento móvel, a casa rudimentar de madeira e o alojamento improvisado, entre outros não destinados à habitação” (INE, 2009). Considerando que no levantamento realizado pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana a denominação é a mesma, assumiu-se que os parâmetros de avaliação também o são. Disponível em: https://www.pordata.pt/Municipios/Alojamentos+familiares+não+clássicos+segundo+os+Censos+total+e+por+tipo-86. Consultado a 12.01.2019. (INE, 1984; PORDATA, 2015PORDATA. “Alojamentos familiares não clássicos segundo os Censos: total e por tipo”. Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015. Consultado a 25.05.2013. Disponível em: http://www.pordata.pt/Municipios/Alojamentos+familiares+n% C3%A3o+cl%C3%A1ssicos+segundo+os+Censos+total+e+por+tipo-86.
http://www.pordata.pt/Municipios/Alojame...
), um conjunto de políticas públicas foi sendo desenhado e implementado, ao longo das últimas décadas, pelo Estado português (Cf. Baptista, 1999BAPTISTA, Luís V. Cidade e Habitação Social, Oeiras: Celta, 1999.; Serra, 2002SERRA, Nuno. Estado, Território e Estratégias de Habitação. Coimbra: Quarteto, 2002.; Ávila, 2013). Deste, destacam-se a bonificação de juros ao crédito à habitação, os programas de incentivo ao arrendamento e também alguns programas de realojamento (IHRU, 2015), tais como o Programa Especial de Realojamento (PER) – considerado a iniciativa mais ambiciosa de promoção de habitação pública no Portugal democrático, já que responsável pela edificação de 48.558 unidades habitacionais nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (Allegra et al., 2017ALLEGRA, Marco et al. Um Novo Per? Realojamento e Políticas da Habitação em Portugal, Observa, Observatório de Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, 2017.)8 8 Chamado à Assembleia da República, em fevereiro de 2017, Víctor Reis, ex-presidente do IHRU, afirmou que segundo os recenseamentos efetuados pelas autarquias no âmbito do PER existiam, em meados de 1990, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, 48.416 agregados familiares a habitar em construções precárias. Destas famílias, 34.494 foram realojadas, enquanto 3310 famílias, distribuídas por cinco concelhos da AML e quatro da AMP aguardavam realojamento e 10.621 famílias tinham desistido do programa. Estes dados provêm da última atualização relativa à execução do PER (maio, 2013). Para mais informações consultar: “Audição conjunta sobre o bairro 6 de Maio”. Disponível em: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1626&title=audicao-conjunta-sobre-o-bairro-6-de-maio. Consultado a 12.01.2019. . Não obstante estas e outras iniciativas de âmbito governamental e autárquico tenham contribuído, tímida mas significativamente, para a melhoria das condições habitacionais de milhares de agregados familiares (Alves, 2016_____________ “(Pré)Textos e Contextos: Media, Periferia e Racialização”, Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho, n. 44, 2016, pp. 91-107.), de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) existiria ainda, em 2011, um total de 6.612 alojamentos familiares não clássicos em Portugal (Direcção-Geral do Território, 2016DIRECÇÃO-GERAL DO TERRITÓRIO. Habitat III – Relatório Nacional Portugal, 2016.). Hoje, sabe-se serem muitos mais. Segundo o recente Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional foram identificados, pelas autarquias, 25.762 agregados familiares “em situação habitacional claramente insatisfatória” (IHRU, 2018INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA (IHRU). Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, fevereiro, 2018.). O relatório estima que cerca de metade das famílias sinalizadas – o que corresponde a um total de 11.999 agregados (46,58%) – habitam no que designam de barracas e construções precárias (Ibid.),9 9 Se atentarmos ao tipo de construções e não às tipologias urbanas, o número de construções não convencionais de pedra, alvenaria ou tijolo corresponde a 12.642 e de barracas a 3.138, perfazendo um total de 15.780 (IHRU, 2018). denunciando uma precariedade habitacional obtusa em diversas latitudes do território. Ademais, se analisarmos outro estudo do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), específico sobre as Condições de Habitação das Comunidades Ciganas Residentes em Portugal, constata-se que cerca de um terço da população cigana10 10 Embora no contexto europeu se utilize comummente o conceito ROMA, reportar-nos-emos à discussão do movimento associativo português cigano que utiliza habitualmente os conceitos “comunidades ciganas”, “comunidades portuguesas ciganas” ou “populações ciganas”, embora vigore atualmente um debate também sobre a utilização do termo ROMA. habita hoje em alojamentos não clássicos (32%), enquanto aproximadamente metade reside em habitação social (46%) (IHRU, 2015b).11 11 Este levantamento estima que das aproximadamente 9.418 famílias ciganas que vivem em Portugal, cerca de 3.012 famílias habitam em alojamentos não clássicos (IHRU, 2015b). Tal, permite concluir que a maioria da população cigana residente em Portugal não pode escolher livremente a sua morada (77%), deixando adivinhar a persistência de processos de marginalização históricos – institucionais e quotidianos – daquela que é hoje a maior e mais pobre minoria étnica europeia. Enquadrado no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (2013-2020), este levantamento é único na sua natureza pois a recolha e disponibilização de dados de base étnico-racial não é ainda realizada em Portugal.12 12 Entre 5 de fevereiro de 2018 e 3 de Abril de 2019 decorreu um conjunto de reuniões do Grupo de Trabalho Censos 2021 - Questões “Étnico-Raciais” – criado pelo Despacho n.º 7363/2018 – com o objectivo de produzir recomendações sobre a possível inclusão de uma questão sobre a “origem e/ou pertença étnico-racial” nos Censos 2021. Embora o parecer do Grupo tenha sido positivo, o Instituto Nacional de Estatística decidiu, a posteriori, não incluir a pergunta. Como tal, embora um olhar atento àquela que é cada vez mais uma extensa produção mediática, académica, associativa e comunitária sobre espaços de precariedade habitacional13 13 São disso mesmo exemplo produções como “Altas Cidades de Ossadas” (João Salaviza e Karlon Krioulo, 2017) ou o “Relatório Anual 2017/18 da Amnistia Internacional” lançado a 23 fevereiro de 2018. denuncie também uma acentuada presença de população afrodescendente a habitar as franjas mais precarizadas de cidades como Lisboa e Amadora, não é possível aferir o número de pessoas negras a viver em situações análogas àquelas que sabemos serem hoje as das comunidades ciganas. Neste sentido, embora se possa inferir que, ao que tudo indica, a persistência de processos históricos de racialização das populações e de racismo institucional sejam fatores fundamentais na determinação do acesso a uma habitação condigna em Portugal, não há dados quantitativos disponíveis que o confirmem. À ausência de dados estatísticos, acresce a quase inexistência de relatórios oficiais ou de estudos académicos sobre racismo institucional, segregação e habitação em Portugal (Cf. Alves, 2013____________ Para uma compreensão da segregação residencial: o Plano Especial de Realojamento e o (Anti-)Racismo. Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade Nova da Lisboa (FCSH-UNL), 2013.). Este tem sido, de resto, parte do argumentário das agências de monitorização internacionais que de forma sistemática têm sublinhado a escassez de dados disponibilizados sobre discriminação no acesso à habitação em Portugal, recomendando a sua recolha como forma preferencial de monitorização do racismo em sectores como a habitação, mas também como a educação, o emprego, entre outros (Cf. EUMC, 2003/2004_____________ Racism and Xenophobia in the EU Member States - trends, developments and good practice. Annual Report 2003/2004 - Part 2, 2003/2004. ; ECRI, 2006_____________ Terceiro Relatório sobre Portugal, fevereiro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2006.).

Segundo o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas, o acesso a uma habitação condigna não implica apenas garantir uma infraestrutura de qualidade, senão garantir, também, o acesso a bens essenciais e a uma casa de tamanho adequado ao agregado familiar. A adequabilidade de uma habitação implica ainda que esta esteja localizada num espaço ambientalmente saudável e digno e que possua, na sua proximidade, serviços e equipamentos essenciais. É ainda fundamental que se assegure legalmente a proteção contra o despejo (Comissão Europeia, 2013COMISSÃO EUROPEIA. Discrimination in Housing: European Network of Legal Experts in the non-discrimination field. Luxemburgo: European Commission, Directorate-General for Justice, 2013.). Como tal, sublinha-se que, se a persistência de bairros de autoconstrução e de acampamentos espelha de forma axiomática o papel demissionário do Estado português face à promoção pública de habitação (Númena, 2008NÚMENA. O Racismo e a Xenofobia em Portugal (2001-2007), outubro. Oeiras, 2008.), as soluções estatais encontradas nem sempre significam a conquista desse mesmo direito. São disso exemplo, os cortes no acesso à água, por parte de autoridades locais, que parecem servir como dissuasores à permanência das pessoas nas suas casas (Númena, 2008NÚMENA. O Racismo e a Xenofobia em Portugal (2001-2007), outubro. Oeiras, 2008.; EUMC, 2009) e o recurso a expulsões e despejos forçados (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a; EUMC, 2009; FRA, 2013) – como aconteceu na Vidigueira (Beja, Alentejo) (2011 e 2018) e tem vindo a acontecer no distrito da Amadora (AML), em Bairros como Santa Filomena ou 6 de Maio.

Fotografia 2
Bairro 6 de Maio, Amadora, 2017

Para além do mais, deve salientar-se que os processos de realojamento, conduzidos pelo Estado, podem também não significar o acesso a uma habitação condigna, já que as soluções encontradas pelas autoridades se têm pautado, maioritariamente, pela realocação das pessoas em blocos de apartamentos segregados do resto do tecido social (EUMC, 2006EUROPEAN MONITORING CENTRE ON RACISM AND XENOPHOBIA (EUMC). The Annual Report on the Situation regarding Racism and Xenophobia in the Member States of the EU. Budapeste: European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, 2006.; UN, 2017), tal como espelham os Edifícios Girassol (Moura, Alentejo) ou a Quinta da Princesa (Seixal, AML). Distantes dos percursos centrais e quotidianos dos moradores, os bairros de realojamento têm contribuído para a segregação das populações, já que comummente isolados por largas vias de asfalto ou situados em terrenos baldios, nas imediações de fábricas, centrais elétricas ou grandes centros comerciais. Nestes novos bairros de realojamento, as pessoas parecem então ser consideradas pela ação institucional – e relembrando o que nos dizia Isabel Guerra (1994)GUERRA, Isabel. “As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas”, Sociedade e Território, nº 20, 1994, pp. 11-26. – como coisas que afinal se pode pôr em gavetas, e onde para além da segregação materializada na distância e em amplos processos de marginalização, o tempo faz, tantas vezes, aparecer nas paredes fendas e bolor, denunciando a parca qualidade dos materiais utilizados na sua construção. É também nestes bairros que, quando crescem os agregados e as casas não se desdobram para albergar quem aqui nasce, se passa, muitas vezes, a coabitar em sobrelotação, tal como acontece no Casal da Mira ou no Casal da Boba (Amadora, AML). Menos comuns, mas existentes, são soluções temporárias em que famílias são realojadas em contentores ou pequenas e precárias habitações de alvenaria – como acontece em Montemor-o-Novo (Évora) – ou mesmo em prisões desativadas – como em Torre de Moncorvo (Bragança) – e onde, demasiadas vezes, as famílias habitam de forma quase definitiva. Contudo, na tentativa de contrariar esta tendência de deslocalização e guetização, encetaram-se processos de realojamento in situ, como o Bairro Cruz da Parteira (Portimão), ou em habitações dispersas na malha urbana, como acontece, atualmente, no caso de Vale de Chícharos, vulgo Bairro da Jamaica (Seixal, AML).

Fotografia 3
Contentores, Montemor-o-Novo, 2017

Dispersas, muitas destas informações estão, ainda que de forma resumida, compiladas, ao longo das últimas décadas, nos relatórios que as diferentes agências de monitorização internacionais têm produzido sobre habitação e racismo em Portugal, permitindo a elaboração de uma breve arqueologia do papel do racismo no acesso a uma habitação condigna. Todavia, deve notar-se que o peso da discussão sobre habitação e discriminação racial nos relatórios analisados é, ainda assim, relativo.

3. Arqueologias internacionais sobre habitação e racismo

[…] gostaria só de fazer aqui algum historial sobre esta situação do Bairro 6 de Maio, que tem sido a grande questão que... que nos preocupa. Esta questão surgiu […] de nós termos tido cá uma senhora que estaria a fazer um relatório especial sobre a habitação condigna para a ONU... e essa senhora ter feito... no seu relatório… ter ficado muito admirada... pelos despejos, concretamente na Amadora. E julgo que no seu relatório – que teve repercussões internacionais – disse o que a mim me parece que não corresponde totalmente à verdade, excetuando alguns casos, mas não me vou pronunciar sobre isso. A senhora disse, terá dito que, em Portugal, são feitos despejos à margem de... totalmente à margem da lei, ultrapassando tudo o que é direitos humanos, sem quaisquer notificações, sem qualquer aviso prévio às pessoas. Quase que sugeriu que, quer dizer, as pessoas tocavam à porta e as pessoas ainda estavam a dormir e de pijama e as casas eram demolidas... o que a meu ver dá uma ideia do nosso país que não corresponde totalmente à realidade, excetuando algum caso concreto ou outro que possa ter acontecido mas não é, no meu conhecimento, o grosso e a maioria da situação. Portanto este relatório, e estas declarações tiveram alguma repercussão internacional, e deixaram o nosso país, a meu ver, mal e nós também com alguma culpa sobre isso (...) (Sandra Pereira, Deputada da Assembleia da República, Audição Conjunta sobre o Bairro 6 de Maio, Assembleia da República: 1 de fevereiro de 2017).14 14 Audição pública disponível em: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1626&title=audicao-conjunta-sobre-o-bairro-6-de-maio. Consultado a 23.12.2018.

A Relatora Especial das Nações Unidas para a Habitação Adequada, Leilani Farha, esteve em Portugal em dezembro de 2016, no âmbito de uma visita oficial que procurou monitorizar as condições de acesso à habitação no país, depois de uma queixa apresentada pelo Coletivo Habita, em 2012, a propósito dos despejos forçados que aconteciam, à altura, no Bairro do Santa Filomena (Amadora, AML).15 15 O texto pode ser consultado na integra em: http://www.habita.info/2012/07/abuso-de-direitos-humanos.html. Dos percursos traçados nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e das conversas que encetou com moradores, sociedade civil, governo e academia resultou um documento intitulado Report of the Special Rapporteur on Adequate Housing as a Component of the Right to an Adequate Standard of Living, and on the Right to Non-Discrimination in this Context, que examinou a efetivação do direito à habitação, por meio da análise do desenho e implementação de legislação e políticas públicas (ONU, 2017ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Report of the Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, and on the right to non-discrimination in this context, Mission to Portugal. Human Rights Council – Thirty four session, 28 de fevereiro, 2017.). Elegendo o final do colonialismo e da ditadura como marcos sócio-históricos para pensar o Portugal democrático, o relatório elenca aqueles que considera serem os principais problemas no acesso à habitação adequada no país (i.e., custo elevado do aluguer e compra, sobrelotação) (Ibid.). Ademais, são apontados o baixo número de fogos de habitação social existentes no país (2%), bem como a persistência de bairros autoproduzidos e de despejos forçados, considerados, pelo relatório, uma “violação grosseira” dos direitos humanos (ONU, 2017ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Report of the Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, and on the right to non-discrimination in this context, Mission to Portugal. Human Rights Council – Thirty four session, 28 de fevereiro, 2017.). Para além do mais, a existência de lugares como o Bairro da Torre (Loures, AML) – onde habitam em “condições vergonhosas”, maioritariamente, pessoas ciganas e afrodescendentes – espelharia a escassez de habitação social e a ausência de outras medidas alternativas e adequadas à promoção do direito à habitação (Ibid.). É neste contexto que merecem atenção diversas políticas públicas de habitação e, em particular o PER – promulgado no ano de 1993, com o objetivo de erradicar os núcleos de habitação precária, mas no âmbito do qual muitas têm sido as famílias que têm visto ruir o seu único teto, sem que qualquer alternativa habitacional digna lhes tenha sido apresentada (Alves, 2013____________ Para uma compreensão da segregação residencial: o Plano Especial de Realojamento e o (Anti-)Racismo. Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade Nova da Lisboa (FCSH-UNL), 2013.; 2016; 2017; Gorjão Henriques, 2016GORJÃO HENRIQUES, Joana. “Este é o apocalipse dos ‘sem direito’ a casa”, Jornal Público, 11 de Novembro, 2016.; Provedor de Justiça, 2016PROVEDOR DE JUSTIÇA. “Recomendação n.º 3/B/2016 (Alínea b), n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro”. Lisboa, 17 de Agosto, 2016.). Este processo, mais sistemático que excecional, tornou o PER, paradoxalmente, um programa de desalojamento, num contexto em que a crise financeira e as políticas de austeridade impostas em Portugal (2007-2014) têm sido a pedra de toque para justificar publicamente os constrangimentos à sua implementação/atualização, bem como o congelamento de outros programas de fomento à habitação pública, tais como o Prohabita.16 16 Cf. “Audição conjunta sobre o bairro 6 de Maio”, GT-Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades da Comissão De Ambiente, Ordenamento Do Território, Descentralização, Poder Local E Habitação. Entidades: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (Presidente do Conselho Diretivo, Arquiteto Victor Reis) e Instituto da Segurança Social (Presidente e Vogal do Conselho Diretivo, Rui Fiolhais e Sofia Borges Pereira), 01 fevereiro 2017. Disponível em: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1626&title=audicao-conjunta-sobre-o-bairro-6-de-maio. Consultado a: 12.01.2018.

Fotografia 4
Visita das Nações Unidas ao Bairro da Torre, Loures, 2017.

O relatório das Nações Unidas destaca igualmente que o PER parece ter contribuído para a guetização e exclusão social das populações realojadas em bairros estatais, por norma afastados do centro da cidade e hoje bastante degradados, ao abandono (Ibid.). É mencionada também a discriminação que enfrentam pessoas afrodescendentes, ciganas e com deficiência. E, numa secção dedicada exclusivamente à discriminação e à exclusão social são referidas as condições desadequadas em que vivem as comunidades ciganas, sublinhando que, mesmo as famílias realojadas, habitam hoje bairros marginalizados – destacando a este propósito a importância da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas em Portugal (2013-2020). Todavia, o relatório observa que nenhuma estratégia desta natureza foi, até então, adotada relativamente às comunidades afrodescendentes – tal como descrito previamente também no Relatório do Comité para a Eliminação da Discriminação Racial das Nações Unidas (CERD, 2015COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF RACIAL DISCRIMINATION (CERD). Considerations of reports submitted by States parties under article 9 of the Convention, Fifteen to seventeen periodic reports of States parties due in 2015, Portugal. International Convention on the Elimination of All Forms of Racial Discrimination – Committee on the Elimination of Racial Discrimination, 16 de novembro, 2015.) – recomendando ao Estado português a adoção de medidas adequadas por forma a dirimir os problemas habitacionais enfrentados, em particular, pelas populações racializadas (ONU, 2017ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Report of the Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, and on the right to non-discrimination in this context, Mission to Portugal. Human Rights Council – Thirty four session, 28 de fevereiro, 2017.).

Embora o relatório não tenha tido qualquer impacto mediático, a visita da Relatora a Portugal, pelo contrário, marcou a agenda política sobre direito à habitação, espelhando, nomeadamente, as desigualdades raciais no acesso à habitação e aos direitos humanos - num país que oblitera a ‘raça’ “enquanto categoria política que transcreve uma narrativa/noção específica de história, da civilização e da humanidade através de políticas coloniais e da produção de conhecimento associada” (Araújo e Maeso, 2016ARAÚJO, Marta; MAESO, Silvia R. Os Contornos do Eurocentrismo: Raça, história e textos políticos. Coimbra: Almedina, 2016., p. 91). É na senda destes acontecimentos que, posteriormente, no âmbito da 11ª Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação da Assembleia da República, acontecem, em fevereiro e maio de 2017, audições com os moradores do Bairro 6 de Maio e com a Assembleia dos Moradores.17 17 Fundada no início de 2017, a Assembleia de Moradores é uma iniciativa conjunta dos Bairros 6 de Maio (Amadora), Torre (Loures), Jamaika (Seixal) e Quinta da Fonte (Loures) para reivindicar o acesso a bens essenciais e a uma habitação condigna. Cf. “Carta Aberta em Defesa da Dignidade e pelo Direito à Habitação”. Disponível em: http://www.habita.info/2017/04/carta-aberta-em-defesa-da-dignidade.html. Consultado a: 01.12.2018. Estes encontros conduzem à publicação de dois Projetos de Resolução que recomendam ao governo a elaboração de um novo programa de realojamento, assegurando, enquanto isso, o acesso a bens essenciais nos bairros autoproduzidos.18 18 O Projeto de Resolução 48/2017 “recomenda ao Governo que proceda ao levantamento das necessidades de realojamento e proteção social em matéria de habitação, avalie a execução do Programa Especial de Realojamento e crie um novo programa que garanta o efetivo acesso ao direito à habitação”. O Projeto de Resolução 151/2017 “recomenda ao Governo que adote medidas para assegurar o acesso dos habitantes de bairros ou núcleos de habitações precárias a serviços e bens essenciais”. Em julho, é criada a Secretaria de Estado da Habitação e posteriormente, em outubro, o Primeiro Ministro apresenta a Nova Geração de Políticas de Habitação19 19 Para mais informações, cf. https://www.portaldahabitacao.pt/pt/portal/habitacao/npgh.html. Consultado a: 01.12.2018. que se encontra já em processo de implementação. Por essa altura é também retomada a discussão sobre uma Lei de Bases da Habitação, que acabaria por ser aprovada a 5 de Julho de 2019. Não descurando a importância do Relatório das Nações Unidas – que veio associar-se às denúncias das populações (racializadas) e de várias associações da sociedade civil, bem como à Recomendação do Provedor de Justiça que, em agosto de 2016, havia já sugerido a revisão do PER e a suspensão das demolições20 20 Cf. Recomendação n.º 3/B/2016, de 18 de fevereiro. Disponível em: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rec_3B2016.pdf – as conclusões do mesmo não surpreenderão, com certeza, o Estado português, considerando que muitas das questões sublinhadas no documento têm vindo a ser denunciadas por um conjunto de agências europeias de monitorização do racismo e dos direitos fundamentais, no decorrer das últimas décadas. Embora, até recentemente, com menor repercussão mediática e política, os relatórios realizados no âmbito da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI)21 21 European Commission against Racism and Intolerance (ECRI). e do famigerado Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUMC)22 22 European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia (EUMC). – hoje, Agência Europeia dos Direitos Fundamentais (FRA)23 23 European Union Agency for Fundamental Rights (FRA). – têm estado empenhados em perceber as interseções entre racismo e acesso a direitos fundamentais, como a justiça ou a habitação. São estes relatórios que se procurará analisar nas páginas que se seguem, por forma a perceber enquadramentos, realidades e silenciamentos do papel do racismo no acesso a uma habitação condigna em Portugal.

Fotografias 5 e 6
Cartazes da Caravana pelo Direito à Habitação, Bairro da Jamaica, Seixal (AML), 2017.

3.1. A negação do racismo institucional

A Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) foi criada pelo Conselho da Europa, em 1993, ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, visando o combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia, ao antissemitismo e à intolerância (Conselho da Europa, 2002CONSELHO DA EUROPA. Resolution Res(2002)8 on the statute of the European Commission against Racism and Intolerance, 2002. Consultado a 20.05.2017, em https://www.coe.int/t/dghl/monitoring/ecri/About/CM-Res(2013)12_en.pdf
https://www.coe.int/t/dghl/monitoring/ec...
). Composta por um conjunto de peritos independentes, a ECRI tem procurado monitorizar o desenho e a implementação de legislação e políticas adotadas pelos Estados-Membro da União Europeia, por meio da elaboração de relatórios e da emissão de pareceres e recomendações (Ibid.). Por sua vez, o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUMC) foi estabelecido pela União Europeia no âmbito do Ano Europeu contra a Xenofobia e o Racismo (1997), com o objetivo de “estudar a extensão do racismo e da xenofobia, analisar as causas de tais comportamentos e disseminar exemplos de boas práticas para o combater” (Eurofound, 2008).24 24 Este organismo veio substituir a Comissão sobre o Racismo e a Xenofobia, criada em 1994. É no âmbito deste Observatório que é posteriormente fundada a Rede de Informação Europeia sobre Racismo e Xenofobia (RAXEN) e os respetivos Pontos Focais Nacionais (NFP), através dos quais passou, a partir do ano 2000, a ser produzida pesquisa sobre políticas, legislação e práticas relacionadas com a igualdade racial em cada país da União Europeia (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a). Todavia, com o intuito de alargar o escopo de intervenção do EUMC a um leque mais amplo de direitos fundamentais e, em consonância com a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, foi fundada, em 2008, a Agência Europeia dos Direitos Fundamentais (FRA). Este alargamento parece ter correspondido a uma periferização da monitorização do racismo.

O trabalho desenvolvido pela ECRI, o EUMC e a FRA constitui um espólio valioso de mapeamento e análise da proliferação de discriminação racial no contexto português. Em diálogo com o Estado, a ECRI produziu, até ao momento, seis relatórios sobre a implementação de medidas políticas e jurídicas de combate ao racismo em diferentes contextos da vida dos cidadãos residentes em Portugal (ECRI, 1998_____________ Perspectiva país por país: Relatório sobre Portugal, junho. Estrasburgo: Concelho da Europa, 1998., 2002, 2006_____________ Terceiro Relatório sobre Portugal, fevereiro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2006., 2013_____________ Annual Report – Fundamental rights: challenges and achievements in 2013, 2013., 2016, 2018EUROPEAN COMMISSION AGAINST RACISM AND INTOLERANCE (ECRI). ECRI Report on Portugal (quinto ciclo de monitorização). Outubro, Estrasburgo: Concelho da Europa, 2018.). Dos diversos relatórios realizados, analisar-se-ão, com particular interesse, as secções dedicadas ao acesso à habitação por parte dos sujeitos racializados, em Portugal. Por sua vez, o EUMC e a FRA produziram mais de uma vintena de relatórios, assim como uma panóplia de estudos temáticos sobre matérias relacionadas com direitos fundamentais, no decorrer das duas últimas décadas. Destes trabalhos serão analisados, com particular atenção, aqueles realizados a partir do ano de 2003 – data em que o EUMC começa a recolher informação específica sobre habitação e racismo (EUMC, 2003/2004). Acrescente-se que o lançamento posterior de dois relatórios específicos sobre a situação habitacional dos imigrantes e das minorias étnicas na Europa, e em Portugal (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b), coincide precisamente com a efervescência de um debate público sobre racismo, segregação territorial e atuação policial. A saber, este período é marcado por três incêndios que deflagraram em Paris, nos meses de abril e agosto de 2005, e que conduziram à morte de 48 cidadãos afrodescendentes, visibilizando a precariedade habitacional obtusa e as suas consequências (mortais) na vida das pessoas racializadas em França.25 25 Para mais informações Cf. http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/4199320.stm. Consultado a: 12.02.2019. Para além do mais, em finais de outubro, dois jovens, Zyed Benna e Bouna Traoré, morreram eletrocutados, e Muhittin Altun ficou gravemente ferido no decorrer de um perseguição policial no bairro de Clichy-sous-Bois (Paris),26 26 Para mais informações Cf. https://www.aljazeera.com/indepth/features/2017/05/siyakha-traore-bouna-2005-death-sparked-riots-170520055259444.html. Consultado a: 12.02.2019. originando mobilizações e protestos demorados que denunciavam o estado de exceção que habitava quotidianamente os espaços periféricos racializados (Cf. Fassin, 2013FASSIN. Didier. Enforcing Order: An Ethnography of Urban Policing. Cambridge e Malden: Polity Press, 2013.). Ambos os relatórios serão, pela sua relevância, analisados. Acrescente-se ainda que interessadas em monitorizar, mas também em melhorar o quadro legislativo e a implementação de medidas antidiscriminação dos sucessivos governos, as agências europeias têm vindo a emitir, no âmbito dos seus relatórios, um conjunto de recomendações aos governos europeus, monitorizadas aquando das visitas dos relatores aos respetivos países.

A princípio preocupados em contextualizar e mapear, ainda que de forma breve e geral, o contexto histórico-político de uma das mais recentes democracias europeias, relatórios houve que sublinharam o processo de democratização do país e o modo como, assim, Portugal passa a integrar a Europa dos Direitos do Homem (ECRI, 1998_____________ Perspectiva país por país: Relatório sobre Portugal, junho. Estrasburgo: Concelho da Europa, 1998.). Entendido numa excecionalidade democrática, lusotropicalista e, desta feita, tolerante, Portugal e os portugueses são descritos como “muito sensíveis às questões do racismo e da intolerância, conscientes que são, por experiência própria, do que pode significar ser um ‘estrangeiro’” (ECRI, 1998_____________ Perspectiva país por país: Relatório sobre Portugal, junho. Estrasburgo: Concelho da Europa, 1998.: 5), numa alusão à experiência migratória de outrora, em que muitos portugueses rumaram a França, Luxemburgo, Alemanha ou Suíça. De acordo com o relatório, esta sensibilidade refletir-se-ia num bom quadro legislativo de combate ao racismo e à discriminação (Ibid.). No entanto, fica ausente o passado colonial e esclavagista do país, bem como as suas repercussões na contemporaneidade, corroborando a persistência de determinados silêncios históricos “que não se limitam a reproduzir as posições políticas dos produtores da história”, mas que permitem perceber o poder do arquivo – ou seja, o poder de definir aquilo que deve ser objeto de pesquisa e conhecimento ou, pelo contrário, ignorado (Cf. Trouillot, 1995TROUILLOT, Michel-Rolph. Silencing the Past: Power and the Production of History. Boston: Beacon Press, 1995., p. 99). À obliteração de uma certa memória, soma-se a indefinição do entendimento de racismo no decorrer dos relatórios analisados, percecionado nas entre linhas enquanto prática discriminatória, essencialmente moral e individual, face a populações racializadas e migrantes, e externa e extremada face àqueles que são considerados os princípios políticos liberais das sociedades democráticas contemporâneas, como analisado anteriormente por Araújo e Maeso (2016)ARAÚJO, Marta; MAESO, Silvia R. Os Contornos do Eurocentrismo: Raça, história e textos políticos. Coimbra: Almedina, 2016.. Ademais, enquadrada numa dimensão, essencialmente, comportamental, enfatiza-se que a discriminação racial, especificamente no sector da habitação, pode assumir três formas distintas: i) discriminação direta perpetrada por imobiliárias e construtoras; ii) ações de populações locais em manifesto descontentamento face a processos de realojamento e/ou que tentam forçar famílias a abandonar os lugares onde moram; iii) ações de políticos que se aproveitam dos “sentimentos negativos das populações locais” (EUMC, 2003/2004_____________ Racism and Xenophobia in the EU Member States - trends, developments and good practice. Annual Report 2003/2004 - Part 2, 2003/2004., p. 107). Deste modo, a ênfase no carácter individual e excecional do racismo e o silenciamento do seu cariz, estrutural, institucional e sistémico na sociedade contribuem para invisibilizar o Estado Racial moderno como racialmente configurado e perpetrador de exclusões racistas (Cf. Goldberg, 2002_____________ The Racial State. Massachusetts e Oxford: Blackwell Publishers, 2002.). Paradoxalmente, os relatórios compilam e denunciam um conjunto de (in)ações do Estado português, entre as quais: i) insuficiência de dados e estudos que permitam mapear a extensão da discriminação racial na sociedade portuguesa; ii) críticas à implementação de políticas públicas de habitação e as suas consequências na vida das populações racializadas (i.e. despejos, segregação residencial); iii) precariedade habitacional enfrentada pelas populações imigrantes, afrodescendentes e ciganas, em particular. Assim, embora o papel do Estado central e autárquico seja também desvelado, a institucionalização do racismo permanece, de certa forma, intangível, no âmbito dos relatórios analisados, na medida em que a ‘raça’ não é entendida enquanto categoria determinante na definição de significados e estruturas da sociedade e do Estado-nação moderno, capaz, por isso mesmo, de restringir a mobilidade e as escolhas dos sujeitos racializados (Cf. Goldberg, 2015GOLDBERG, David T. Are we all postracial yet?. Cambridge e Malden: Polity Press, 2015.).

3.2. Conhecer (parcialmente) a realidade: números, estudos, segregação e racismo

De acordo com os relatórios, da ausência de uma recolha desenhada e sistematizada de dados que permitam mapear as desigualdades enfrentadas pelos sujeitos racializados na Europa, designadamente em Portugal, resulta que a maioria dos dados disponíveis provem de corpos institucionais especiais – tais como a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR)27 27 A Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, criado pela Lei 134/99, é um órgão tutelado pelo Alto Comissário para as Migrações (ACM). , a Provedoria da Justiça ou de organizações não-governamentais e da comunicação social (EUMC, 2003/2004_____________ Racism and Xenophobia in the EU Member States - trends, developments and good practice. Annual Report 2003/2004 - Part 2, 2003/2004. ) – incapazes, por isso mesmo, de produzir um retrato fidedigno sobre a realidade da discriminação racial no Portugal contemporâneo. Assim, embora no período de 2001-2004, a CICDR tivesse registado um total de cinco queixas por racismo no acesso à habitação – que denunciavam racismo no mercado de arrendamento privado ou práticas persecutórias de autoridades locais que limitavam a liberdade de circulação no território (ECRI, 2002_____________ Segundo Relatório sobre Portugal, novembro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2002.) – as denúncias efetuadas pela sociedade civil – preocupadas com os despejos sem alternativa, em muito elevavam a realidade relatada pela CICDR (EUMC, 2004_____________ National Annual Report NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2004.). A discrepância dos dados fornecidos pelas instituições portuguesas estender-se-ia à realidade contada pelo INE, face aos dados facultados pelas autarquias locais (EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b). Para além do mais, esta dificuldade em retratar o racismo em Portugal é agravada pela desatualização dos dados estatísticos, em particular no que toca às populações imigrantes a viver no país. A inexistência da categoria imigrante nas estatísticas nacionais faz com que a nacionalidade seja a única categoria possível para pensar a realidade do país, resultando que “nacionais com um legado migrante recente podem ainda enfrentar discriminação devido à sua cultura ou aspeto, mas estão ausentes das estatísticas oficiais” (EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b, p. 44).

Registou-se uma grande diferença entre os países que se baseiam nos dados de nacionalidade/local de nascimento (i.e. França, Portugal, Irlanda, Alemanha, Finlândia e Áustria) – já que tal obscurece as situações em que vivem os cidadãos naturalizados e os filhos de imigrantes que nasceram no país – e os países que se baseavam em categorias de identidade étnica (i.e. Reino Unido e Holanda) (EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b, p. 46, tradução da autora).

Deste modo, a ausência da categoria oficial de ‘minoria étnica’ e a não-recolha de dados com base na pertença étnico-racial (EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b; FRA, 2018EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS (FRA), Second European Union Minorities and Discrimination Survey: Being Black in the EU. EU-MIDIS II. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2018.), parece, segundo os relatórios, turvar ainda mais o retrato do país, dificultando a comparação entre os diferentes Estados-membro da União Europeia. A ausência de dados quantitativos que possibilitem tatear as consequências do racismo tem contribuído para legitimar uma narrativa universalista, que impossibilita um debate sobre a adoção de políticas de ação afirmativa que permitam dirimir as desigualdades históricas no acesso à habitação por parte das populações racializadas, reificando e invisibilizando a persistência do privilégio branco no acesso à habitação.

À escassez de dados institucionais disponíveis é acrescentada a quase ausência de estudos sobre estas matérias (EUMC, 2004_____________ National Annual Report NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2004.; EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b). Contudo, alguns relatórios dão conta de trabalhos académicos preocupados em analisar a segregação sócio-espacial e que demonstraram uma tendência para a concentração de populações etnicamente minoritárias em latitudes particulares da cidade de Lisboa, nas décadas de 1981-2001 (Cf. EUMC, 2004_____________ National Annual Report NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2004.). Enquadrada no contexto da migração (pós)colonial, esta tendência concentracionária é, no entanto, entendida mais como circunstancial do que compulsória e, se imposta, sê-lo-ia, essencialmente, devido a processos económicos:

A concentração de minorias étnicas em áreas específicas da cidade de Lisboa e arredores aconteceu antes mesmo da descolonização dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Este processo foi mais evidente com a população Cabo-verdiana que se agrupou numa área de velhos edifícios no centro da cidade (S. Bento). [...] Com escassos recursos, acabaram por “estabelecer-se nos subúrbios mais próximos do centro da cidade, predominantemente em bairros de habitação clandestina nas franjas de Lisboa” (Malheiros, 1998). [...] A chegada destas pessoas e a sua fixação em áreas suburbanas menos prestigiadas, onde a habitação se encontra muito mais disponível e barata, estabeleceu o fenómeno da segregação étnica (EUMC, 2004_____________ National Annual Report NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2004., p. 35, tradução da autora).

Embora a ‘raça’, enquanto categoria política e analítica, pareça, assim, diluir-se na análise dos processos de segregação – tanto em contextos de autoconstrução como de realojamento –, uma análise atenta dos dados referentes à caracterização das populações imigrantes a viver em Portugal concluiu que a população africana era comummente associada aos “grandes bairros de autoconstrução nas franjas de Lisboa”, resultando claro que muitos cidadãos dos PALOP habitavam bairros nas franjas da cidade de Lisboa, onde, em muitos, constituíam inequívoca maioria:

De acordo com dados recolhidos em 1997 […] (Conselho Metropolitano da AML, 1997), embora na sua grande maioria os residentes nos bairros de lata fossem portugueses (79%), os cidadãos dos PALOP perfazem ainda um número significativo (20,1%). Porém importa sublinhar que muitos dos imigrantes provenientes dos PALOP adquiriram cidadania portuguesa e que tal pode dificultar a perceção de qual a verdadeira origem étnica destas populações. Além do mais, quando comparados estes dados com aqueles da população estrangeira a viver em Portugal, no mesmo ano, somos levados a concluir que há uma enorme discrepância entre o número de cidadãos dos PALOP que vivem em bairros de lata, quando comparados com cidadãos de outras origens, nomeadamente brasileiros ou europeus. Do total de cidadãos cabo-verdianos a viver em Portugal em 1997, 34% viviam em bairros de lata. [...]. Se considerarmos o número total de cidadãos dos PALOP a viver na região de Lisboa, 30% viviam em bairros de lata (EUMC, 2004_____________ National Annual Report NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2004., p. 36, tradução e ênfase da autora).

Se inicialmente a segregação espacial se materializava na existência de bairros autoconstruídos nos limites das cidades, de acordo com os relatórios, os programas de realojamento, tais como o PER, não reverteram a “concentração espacial das classes menos privilegiadas, tanto portuguesas como estrangeiras [...], pelo contrário, [tendo] contribuído frequentemente para uma mera transferência de pessoas para outras áreas da cidade” (Ibid.). Esta análise, embora reveladora das racionalidades e das práticas envolvidas no realojamento que, em muitos casos, se limitaram a transferir os habitantes de um espaço (já não tão periférico) para outro (periférico), acaba, uma vez mais, por reduzir a dimensão racial à dimensão de classe. Talvez por isso mesmo, perante a realidade que se agiganta, a ECRI recomende a realização de “estudos para determinar se existe discriminação direta ou indireta contra grupos minoritários com base na origem étnica e, se for o caso, que seja encontrada a melhor forma de combater essa discriminação” (ECRI, 2006_____________ Terceiro Relatório sobre Portugal, fevereiro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2006.). Não obstante, o PER jamais é entendido como um projeto de desenho de cidade que procurou retraçar a linha de cor (Du Bois, 1889) em cidades como Lisboa, Amadora ou Loures, por meio da edificação de uma segunda periferia que permitiu realocar – guetizando e desterritorializando – corpos urbanos racializados, entendidos como poluídos. E que tal correspondeu a uma reterritorialização contemporânea das relações coloniais (Cf. Alves, 2013____________ Para uma compreensão da segregação residencial: o Plano Especial de Realojamento e o (Anti-)Racismo. Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade Nova da Lisboa (FCSH-UNL), 2013.). Conclui-se, deste modo, que tanto a academia como as agências de monitorização parecem não levar “a ‘raça’ a sério”, fazendo com que a violência seja entendida como um fenómeno de classe, silenciando e negando o racismo e perpetuando a supremacia branca. Como reflete Jaime Amparo Alves para o contexto brasileiro, é exatamente pela “simultânea hiperconsciência e negação da dialética racial que a construção social da raça se tem manifestado” (2018, p. 22), um processo patente também no contexto português.

Do leque de relatórios publicados, num contexto em que a precariedade habitacional (racializada) persistia, é importante destacar o relatório Situação dos Imigrantes e Minorias Étnicas em Portugal (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a)28 28 Elaborado pelo Centro de Estudos e Investigação em Ciências Sociais (Númena), por essa altura o Ponto Nacional Focal em Portugal da RAXEN. que denuncia, primeiramente, a impossibilidade burocrática de muitos imigrantes acederem ao crédito bancário, recomendado ao Estado Português que intervenha no sentido de facilitar esse processo (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a, Dias et al., 2009DIAS, Bruno et al. Acesso dos Imigrantes aos Serviços Bancários em Portugal. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, 2009.). É fundamental notar, aqui, que a aquisição de casas em Portugal ocorreu, em grande medida, devido à facilitação e promoção (estatal) do acesso ao crédito bancário (Malheiros e Fonseca, 2011MALHEIROS, Jorge; FONSECA, Lucinda. Acesso à Habitação e Problemas Residenciais dos Imigrantes em Portugal. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, 2011.). Em segundo lugar, dá-se conta de queixas da sociedade civil apresentadas devido à atuação de algumas autarquias, acusadas de despotismo e não-negociação (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a, p. 43). De facto, o atraso na execução do PER, que conduziu à sua desatualização, é tomado como responsável pelo desalojamento sem alternativa, à altura, de cerca de uma centena de famílias no Bairro da Azinhaga dos Besouros (Amadora, AML). No entanto, e apesar das recomendações, os desalojamentos forçados estender-se-iam até aos dias de hoje (Cf. Alves, 2017; ECRI, 2018EUROPEAN COMMISSION AGAINST RACISM AND INTOLERANCE (ECRI). ECRI Report on Portugal (quinto ciclo de monitorização). Outubro, Estrasburgo: Concelho da Europa, 2018.). É ressaltada, neste contexto, uma vez mais, a urgência de não guetizar as populações por meio do realojamento, embora se ateste que, de acordo com o trabalho de J. Malheiros (2005), não haveria na Área Metropolitana de Lisboa o que se poderia denominar de “guetos étnicos”. Existiriam, sim, “guetos marginalizados/excluídos” (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a). O relatório atesta que, de acordo com as organizações da sociedade civil, seriam as populações ciganas e os migrantes do denominado leste europeu os mais vulneráveis à discriminação no campo da habitação (EUMC, 2005_____________ Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union, European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, dezembro, 2005a.a). Finalmente, é neste mesmo ano que se publica o relatório Migrants, Minorities and Housing: Exclusion, Discrimination and Anti-Discrimination in 15 Member States of the European Union (EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b), dedicado exclusivamente ao tema da habitação. O relatório confirma “a importância da discriminação, da desigualdade e da segregação enfrentada por migrantes e grupos minoritários no acesso à habitação na Europa”, enfatizando que estes “processos e padrões da discriminação não são aleatórios mas sistemáticos e persistentes, [já que] práticas racistas semelhantes ocorrem no sector da habitação em países que são, entre si, muito diferentes” (Ibid., p.13, tradução da autora), considerando que as condições de habitação precárias são simultaneamente uma das manifestações mais agudas de exclusão social e a sua consequência (Ibid.). Conclui-se, afirmando que, embora os programas de realojamento em muito tenham dirimido as desigualdades no acesso a uma habitação adequada por parte das pessoas racializadas, a realidade é que muitas das desigualdades sublinhadas, há mais de uma década, persistem, tal como a precariedade habitacional, os despejos sem pré-aviso e a segregação residencial (ECRI, 2006_____________ Terceiro Relatório sobre Portugal, fevereiro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2006., ECRI, 2018EUROPEAN COMMISSION AGAINST RACISM AND INTOLERANCE (ECRI). ECRI Report on Portugal (quinto ciclo de monitorização). Outubro, Estrasburgo: Concelho da Europa, 2018.).

3.3. A síndrome da “desconfiança mútua” ou a despolitização do racismo anti-cigano

No decorrer dos relatórios analisados, a precariedade habitacional enfrentada pelas comunidades ciganas é aquela que mais parece preocupar as agências de monitorização europeias (FRA, 2007, 2008; ECRI, 1998_____________ Perspectiva país por país: Relatório sobre Portugal, junho. Estrasburgo: Concelho da Europa, 1998., 2013_____________ Annual Report – Fundamental rights: challenges and achievements in 2013, 2013., 2018EUROPEAN COMMISSION AGAINST RACISM AND INTOLERANCE (ECRI). ECRI Report on Portugal (quinto ciclo de monitorização). Outubro, Estrasburgo: Concelho da Europa, 2018.). Não obstante, os relatórios são também, em parte, responsáveis pela sua naturalização, cedo evocando a ideia de diferença como possível justificação do racismo anti-cigano:

Nos incidentes de natureza racista, os ciganos representam um grupo importante de vítimas, seguidos de pessoas de cor negra provenientes de países africanos de língua portuguesa. Assim, a instalação de grupos de ciganos nalguns bairros parece ter causado protestos e mesmo iniciativas visando o seu afastamento. Essas reações traduzem as tensões suscitadas pela coabitação de dois modos de vida distintos. As populações sedentárias vêem muitas vezes como uma ameaça a instalação de grupos nómadas nas suas vizinhanças. Esses receios não são forçosamente ou unicamente ligados a uma pertença étnica diferente, mas provêm também de preconceitos que associam os ciganos a delinquência e tráfegos diversos (ECRI, 1998_____________ Perspectiva país por país: Relatório sobre Portugal, junho. Estrasburgo: Concelho da Europa, 1998., p. 8).

Imagens e perceções sobre as condições habitacionais e os bairros onde habitam grupos minoritários e as suas supostas ligações ao crime, à violência e ao tráfico de droga são também vistos como fatores que criam hostilidade e formas de exclusão adicionais (EUMC, 2005_____________ The Situation of Immigrants and Ethnic minorities in Portugal in 2005 – Annual Report for the EUMC. NFP Portugal, Númena – Centro de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, outubro, 2005b.b, p. 65-66, tradução da autora).

A ideia de que há uma história de “desconfiança mútua” entre comunidades ciganas e não-ciganas, alicerçada no suposto nomadismo das primeiras ou no preconceito das segundas – que associam as populações ciganas à delinquência e ao crime – desistoriciza e despolitiza o racismo como forma de “efetivar e racionalizar arranjos sociais de poder, exploração, violência e expropriação” (Goldberg, 2009_____________ The Racial State. Massachusetts e Oxford: Blackwell Publishers, 2002.) e oblitera processos históricos de violência e perseguição às populações ciganas em Portugal encetados com a promulgação da Primeira Lei Régia, que proibiu a entrada de ciganos em Portugal e a expulsão dos que ali residissem, em 1526.29 29 Para mais informações Cf. Bastos, 2007; Alves; Ferreira, 2017. (BASTOS, 2007) Acrescenta-se que, embora a existência de “hostilidade” por parte das populações locais não-racializadas, que preferem a separação à integração, seja evidente, em vários contextos, no que toca às populações ciganas, o relatório destaca que esta marginalização é promovida de forma individual e política. Segundo Castro e Correia, para lá da perseguição histórica sistemática enfrentada pelas comunidades ciganas em território nacional, acrescem dois fatores que podem explicar a persistência de situações de carência habitacional: i) narrativas técnica e cientificamente pouco fundamentadas para justificar a precariedade habitacional e a inação política; ii) estratégias públicas locais que inibem a sedentarização e perpetuam a mobilidade forçada (Castro; Correia, 2009CASTRO, Alexandra; CORREIA, André. “Ciganos e precariedade habitacional: uma aproximação à realidade em Portugal”, Actas do Seminário Internacional – Ciganos, Territórios e Habitat – ISCTE, 8 e 9 de abril de 2008. Lisboa: Centro de Estudos Territoriais/Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2009., p. 33). Neste sentido, enquanto as primeiras parecem ter contribuído para a naturalização da ideia de que as comunidades ciganas são culturalmente itinerantes, as segundas reverberaram num conjunto de ações de persecução, expulsão e agressão continuadas pelas forças policiais e na ausência de políticas sociais. Neste sentido, conclui-se que o mito do nomadismo tendeu “a condicionar a implementação de práticas que vis[ass]em a melhoria das condições habitacionais da população cigana” (Ibid., p. 43), dando continuidade, uma vez mais, a uma pretensa universalidade da efetivação do direito à habitação em Portugal e invisibilizando processos contínuos de desterritorialização.

À medida que o tempo passa, a habitação vai tomando um espaço cada vez mais diminuto nos relatórios, aparecendo, muitas vezes, subordinada às secções dedicadas às comunidades ciganas (Cf. ECRI, 2002_____________ Segundo Relatório sobre Portugal, novembro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2002., 2006_____________ Terceiro Relatório sobre Portugal, fevereiro. Estrasburgo: Concelho da Europa, 2006.), chegando mesmo a originar relatórios debruçados exclusivamente sobre a situação das populações ciganas (Cf. FRA, 2009). Apoiado num conjunto de trabalhos académicos, como aquele de Castro e Correia (2009)CASTRO, Alexandra; CORREIA, André. “Ciganos e precariedade habitacional: uma aproximação à realidade em Portugal”, Actas do Seminário Internacional – Ciganos, Territórios e Habitat – ISCTE, 8 e 9 de abril de 2008. Lisboa: Centro de Estudos Territoriais/Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 2009., o relatório enumera o que considera serem os principais problemas habitacionais das populações ciganas: i) a ilegalidade das ocupações e das construções; ii) o realojamento temporário em casas de madeira ou contentores; iii) e, o realojamento social em bairros homogéneos e periféricos (FRA, 2009). O mesmo relatório dá ainda conta de perseguições, expulsões e agressões por parte da polícia, sublinhando a inexistência de lugares em Portugal destinados a população “itinerante” (Ibid.). Refere também processos de segregação residencial, em que as populações ciganas são realojadas em espaços remotos e inacessíveis, com uma só entrada e sem acesso a transportes públicos, comércio e outros serviços. Notando que muitos destes bairros são destinados à população em geral, constata-se que é comum serem habitados, muitas vezes, por famílias ciganas, como acontece no Bairro da Cucena (Seixal), Bairro das Pedreiras (Beja), Quinta da Torrinha (Lisboa) ou Margens do Arunca (Pombal) (Ibid.).

A segregação espacial seria sublinhada em relatórios posteriores a propósito de uma queixa coletiva apresentada pela European Roma Rights Centre contra o Estado Português (2010), que conduziria à sua condenação, em julho de 2011, por violação da Carta Social Europeia, no seu Artigo E (direito à não-discriminação), em conjunto com o Artigo 31 (direito a uma habitação adequada), Artigo 16 (direito à família e a uma proteção social, jurídica e económica) e Artigo 30 (direito à proteção contra a pobreza e exclusão social) (Cf. ECRI, 2013_____________ Annual Report – Fundamental rights: challenges and achievements in 2013, 2013.), e na qual se destacava, como exemplo paradigmático, a construção de um muro que cercava parte do Bairro das Pedreiras (ECRI, 2013_____________ Annual Report – Fundamental rights: challenges and achievements in 2013, 2013.), fruto de um processo de realojamento levado a cabo pela Câmara Municipal de Beja. Não obstante, o denominado muro da vergonha só posteriormente viria a ser destruído, desta feita, pelos próprios moradores (Cf. ECRI, 2016_____________ ECRI Conclusions on the Implementation of the Recommendations in Respect of Portugal Subject to Interim Follow-Up, junho, Estrasburgo: Concelho da Europa, 2016.).

Fotografia 7
Bairro das Pedreiras, Beja, 2017

4. Notas Conclusivas

Os relatórios analisados espelham de forma axiomática as (in)ações do Estado português e, em grande medida, a sua incapacidade de garantir o acesso a uma habitação condigna às populações racializadas (nacionais e migrantes). As agências de monitorização destacam, em particular: i) a precariedade habitacional enfrentada pelas populações ciganas; ii) a segregação habitacional enfrentada pelas populações racializadas que decorre, em muitos casos, da execução de programas de realojamento; iii) a ausência de recolha de dados bem como as suas consequências na (não-)monitorização sistematizada das desigualdades racializadas no território. Não obstante estes relatórios configurem testemunhos fundamentais, embora por vezes diminutos, na identificação de uma violência racializada que marginaliza e desumaniza quotidianamente, tendem igualmente a obliterar o carácter histórico e institucional do racismo (Cf. Ture e Hamilton, 1992TURE, Kwame; HAMILTON, Charles. Black Power. The Politics of Liberation in America. Nova Iorque: Vintage Books, 1992. [1967]) enquadrando-o como (a)moral e, por isso, como um mero desvio individual ao iluminismo ocidental (Cf. Hesse, 2004_____________ “Implausible Deniability: Racism's Conceptual Double Bind”, Social Identities, vol. 10, n. 1, 2004.). Embora os relatórios denunciem problemas estruturais e sistémicos no sector habitacional, agudizados pela (in)ação do Estado português, a sua análise foca-se essencialmente em formas de discriminação entendidas e normalizadas como ideias erradas sobre a diferença cultural e fruto de uma desconfiança mútua. Tal, oblitera formas normalizadas de governamentalidades racializadas no país. Deste modo, argumenta-se que o racial se insere “num jogo de in/visibilidades [tomado como] irrelevante para a formação do espaço nacional-metropolitano e, de modo geral, para a formação da noção de ‘Europeidade’” (Araújo e Maeso, 2013_____________ “A presença ausente do racial: discursos políticos e pedagógicos sobre História, ‘Portugal’ e (pós-)colonialismo”, Educar em Revista, v. 47, 2013, pp. 145-171.), quando este serve, pelo contrário, à sua fundação, manutenção e estabilidade.

  • 1
    Este comentário surgiu no âmbito da viagem etnográfica que realizei, em fevereiro de 2017, a um conjunto de acampamentos, bairros autoproduzidos e de realojamento em Portugal, quando, num acampamento habitado exclusivamente por pessoas ciganas, se debatia a forma como muitas instituições e pessoas não-ciganas olham e tratam as pessoas ciganas em Portugal.
  • 2
    Este artigo parte do Working Paper “Realojar, despejar, guetizar. Arqueologias de uma violência obliterada: habitação e racismo nos relatórios nacionais/internacionais” (2018), desenvolvido no âmbito do projeto COMBAT. Este trabalho tem o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT/MEC) através de fundos nacionais e é cofinanciado pelo FEDER através do Programa Operacional Competitividade e Inovação COMPETE 2020 no âmbito do projeto PTDC/IVC-SOC/1209/2014 - POCI-01-0145-FEDER-016806 e do Fundo Social Europeu, através do Programa de Potencial Humano e pelos Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito da bolsa de doutoramento PD/BD/114056/2015.
  • 3
    Área Metropolitana de Lisboa.
  • 4
    Todas as fotografias deste artigo são da autoria de Ana Rita Alves.
  • 5
    Embora no contexto europeu se utilize comummente o conceito “Roma” reportar-nos-emos à discussão do movimento associativo português que utiliza habitualmente os conceitos “comunidades ciganas”, “comunidades portuguesas ciganas” ou “populações ciganas”, embora vigore atualmente um debate também sobre a utilização do termo “Roma”.
  • 6
    No original “assemblages” (Hesse, 2007HESSE, Barnor. “Racialized modernity: An analytics of white mythologies”, Ethnic and Racial Studies, v. 30, n. 4, 2007, pp. 643-663.).
  • 7
    Segundo o INE, um Alojamento familiar não clássico é definido como um “alojamento que não satisfaz inteiramente as condições do alojamento familiar clássico pelo tipo e precariedade da construção, porque é móvel, improvisado e não foi construído para habitação, mas funciona como residência habitual de pelo menos uma família no momento de referência. Incluem-se a barraca, o alojamento móvel, a casa rudimentar de madeira e o alojamento improvisado, entre outros não destinados à habitação” (INE, 2009). Considerando que no levantamento realizado pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana a denominação é a mesma, assumiu-se que os parâmetros de avaliação também o são. Disponível em: https://www.pordata.pt/Municipios/Alojamentos+familiares+não+clássicos+segundo+os+Censos+total+e+por+tipo-86. Consultado a 12.01.2019.
  • 8
    Chamado à Assembleia da República, em fevereiro de 2017, Víctor Reis, ex-presidente do IHRU, afirmou que segundo os recenseamentos efetuados pelas autarquias no âmbito do PER existiam, em meados de 1990, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, 48.416 agregados familiares a habitar em construções precárias. Destas famílias, 34.494 foram realojadas, enquanto 3310 famílias, distribuídas por cinco concelhos da AML e quatro da AMP aguardavam realojamento e 10.621 famílias tinham desistido do programa. Estes dados provêm da última atualização relativa à execução do PER (maio, 2013). Para mais informações consultar: “Audição conjunta sobre o bairro 6 de Maio”. Disponível em: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1626&title=audicao-conjunta-sobre-o-bairro-6-de-maio. Consultado a 12.01.2019.
  • 9
    Se atentarmos ao tipo de construções e não às tipologias urbanas, o número de construções não convencionais de pedra, alvenaria ou tijolo corresponde a 12.642 e de barracas a 3.138, perfazendo um total de 15.780 (IHRU, 2018INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA (IHRU). Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, fevereiro, 2018.).
  • 10
    Embora no contexto europeu se utilize comummente o conceito ROMA, reportar-nos-emos à discussão do movimento associativo português cigano que utiliza habitualmente os conceitos “comunidades ciganas”, “comunidades portuguesas ciganas” ou “populações ciganas”, embora vigore atualmente um debate também sobre a utilização do termo ROMA.
  • 11
    Este levantamento estima que das aproximadamente 9.418 famílias ciganas que vivem em Portugal, cerca de 3.012 famílias habitam em alojamentos não clássicos (IHRU, 2015b).
  • 12
    Entre 5 de fevereiro de 2018 e 3 de Abril de 2019 decorreu um conjunto de reuniões do Grupo de Trabalho Censos 2021 - Questões “Étnico-Raciais” – criado pelo Despacho n.º 7363/2018 – com o objectivo de produzir recomendações sobre a possível inclusão de uma questão sobre a “origem e/ou pertença étnico-racial” nos Censos 2021. Embora o parecer do Grupo tenha sido positivo, o Instituto Nacional de Estatística decidiu, a posteriori, não incluir a pergunta.
  • 13
    São disso mesmo exemplo produções como “Altas Cidades de Ossadas” (João Salaviza e Karlon Krioulo, 2017) ou o “Relatório Anual 2017/18 da Amnistia Internacional”AMNISTIA INTERNACIONAL. Relatório Anual 2017/18 da Amnistia Internacional - Portugal, 23 de fevereiro, 2018. lançado a 23 fevereiro de 2018.
  • 14
    Audição pública disponível em: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1626&title=audicao-conjunta-sobre-o-bairro-6-de-maio. Consultado a 23.12.2018.
  • 15
    O texto pode ser consultado na integra em: http://www.habita.info/2012/07/abuso-de-direitos-humanos.html.
  • 16
    Cf. “Audição conjunta sobre o bairro 6 de Maio”, GT-Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades da Comissão De Ambiente, Ordenamento Do Território, Descentralização, Poder Local E Habitação. Entidades: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (Presidente do Conselho Diretivo, Arquiteto Victor Reis) e Instituto da Segurança Social (Presidente e Vogal do Conselho Diretivo, Rui Fiolhais e Sofia Borges Pereira), 01 fevereiro 2017. Disponível em: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=1626&title=audicao-conjunta-sobre-o-bairro-6-de-maio. Consultado a: 12.01.2018.
  • 17
    Fundada no início de 2017, a Assembleia de Moradores é uma iniciativa conjunta dos Bairros 6 de Maio (Amadora), Torre (Loures), Jamaika (Seixal) e Quinta da Fonte (Loures) para reivindicar o acesso a bens essenciais e a uma habitação condigna. Cf. “Carta Aberta em Defesa da Dignidade e pelo Direito à Habitação”. Disponível em: http://www.habita.info/2017/04/carta-aberta-em-defesa-da-dignidade.html. Consultado a: 01.12.2018.
  • 18
    O Projeto de Resolução 48/2017 “recomenda ao Governo que proceda ao levantamento das necessidades de realojamento e proteção social em matéria de habitação, avalie a execução do Programa Especial de Realojamento e crie um novo programa que garanta o efetivo acesso ao direito à habitação”. O Projeto de Resolução 151/2017 “recomenda ao Governo que adote medidas para assegurar o acesso dos habitantes de bairros ou núcleos de habitações precárias a serviços e bens essenciais”.
  • 19
    Para mais informações, cf. https://www.portaldahabitacao.pt/pt/portal/habitacao/npgh.html. Consultado a: 01.12.2018.
  • 20
    Cf. Recomendação n.º 3/B/2016, de 18 de fevereiro. Disponível em: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rec_3B2016.pdf
  • 21
    European Commission against Racism and Intolerance (ECRI).
  • 22
    European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia (EUMC).
  • 23
    European Union Agency for Fundamental Rights (FRA).
  • 24
    Este organismo veio substituir a Comissão sobre o Racismo e a Xenofobia, criada em 1994.
  • 25
    Para mais informações Cf. http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/4199320.stm. Consultado a: 12.02.2019.
  • 26
  • 27
    A Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, criado pela Lei 134/99, é um órgão tutelado pelo Alto Comissário para as Migrações (ACM).
  • 28
    Elaborado pelo Centro de Estudos e Investigação em Ciências Sociais (Númena), por essa altura o Ponto Nacional Focal em Portugal da RAXEN.
  • 29
    Para mais informações Cf. Bastos, 2007; Alves; Ferreira, 2017. (BASTOS, 2007BASTOS, José Gabriel. “Que Futuro tem Portugal para os Portugueses Ciganos”. In: MONTENEGRO, Mirna (ed.) Ciganos e Cidadanias. Lisboa: Cadernos ICE, nº9, 2007.)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2019
  • Aceito
    10 Jul 2019
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