Acessibilidade / Reportar erro

Cultura jurídica e diáspora negra: diálogos entre Direito e Relações Raciais e a Teoria Crítica da Raça

Legal culture and black diaspora: dialogues between Law and Race Relations and Critical Race Theory

Resumo

O artigo objetiva dimensionar o diálogo entre os movimentos acadêmico-políticos no âmbito jurídico que posicionaram o racismo como problema fundamental, como a Critical Race Theory e o Direito e Relações Raciais. Por meio de uma sistematização dos estudos críticos raciais no Brasil, revisito produções jurídicas fruto de formações intercambiantes que fundaram e desenvolveram essas agendas de pesquisa. Concluo que a diáspora negra é uma contracultura jurídica transnacional voltada à justiça racial.

Palavras-chave:
Cultura Jurídica; Diáspora Negra; Teorias Críticas do Direito

Abstract

The article aims to dimension the dialogue between academic-political movements in the legal field that have positioned racism as a fundamental problem, such as Critical Race Theory and Law and Race Relations. Through a systematization of Critical Race Studies in Brazil, I do a review on legal productions resulting from interchangeable formations that founded and developed these research agendas. I conclude that the Black Diaspora is a transnational legal counterculture focused on racial justice.

Keywords:
Legal Culture; Black Diaspora; Critical Theories of Law

Introdução11O artigo é dedicado às contribuições das juristas Eunice Prudente, Dora Bertúlio, Ana Flauzina, Tula Pires e Ísis Conceição para o campo do Direito e Relações Raciais. Agradeço a leitura crítica e as sugestões da pesquisadora Inara Flora Cipriano Firmino e do professor Philippe Oliveira de Almeida.

No texto “Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward”, além de discutir os aspectos específicos que permitiram o surgimento da Critical Race Theory (CRT) nos EUA, Kimberlé Crenshaw (1995; 2002CRENSHAW, Kimberlé. The first decade: critical reflections, or “a foot in the closing door”. UCLA Law Review, v. 1343, pp. 1–36, 2002.; 2011CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011.) aponta que é importante explorar a trajetória desse movimento acadêmico-político para extrair as repercussões contemporâneas sobre o problema do racismo na sociedade e, com isso, fortalecer os estudos jurídicos sobre o tema.

Por meio dessa estratégia, mas considerando o distanciamento de ordem temporal, espacial, política e subjetiva sob o qual me encontro em relação à abordagem do tema, objetivo com este artigo apresentar algumas contribuições desenvolvidas no Brasil, a partir dos anos de 1980, para compreender os impactos do racismo na formação do pensamento e da ordem jurídica. Para identificar os desdobramentos dessas produções na atualidade, concentro esforços em observar a interação de juristas negras brasileiras para a fundação e o desenvolvimento do campo Direito e Relações Raciais2 2 A primeira vez que identifico este par conceitual é na pesquisa de Mestrado no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Cantaria da jurista Dora Bertúlio (1989). Posteriormente, passou-se a acionar conjuntamente estas categorias para nomear o campo de estudo crítico racial no direito brasileiro. no Brasil. Nestes termos, o trabalho também indica possibilidades de diálogo com o movimento acadêmico-político estadunidense: Critical Race Theory.

Como justificativa para uma abordagem dialógica entre os dois campos, argumento que esses movimentos críticos nos Estados Unidos da América e no Brasil são oriundos de intensos fluxos interculturais e multidisciplinares resultantes de eventos como as lutas pelos direitos civis, os processos de descolonização nos países africanos e as lutas contra os regimes ditatoriais na América Latina. O intercâmbio entre esses movimentos críticos é, por vezes, ocultado nas estratégias de transposição ou sobreposição de postulados teóricos e metodológicos dos estudos da CRT sobre a produção brasileira3 3 Signo recorrente sobre a agência negra no Brasil, interpretado em muitos momentos como cópia das lutas de 1950 e 1960 nos EUA (PEREIRA, 2010: 107). .

Por isso, considero importante um esforço de sistematização das formulações contidas em obras produzidas no nosso contexto e das relações desenvolvidas a partir dele, inspirado na prática científica da CRT (DELGADO, 1993). Ciente disso, a abordagem interativa é levada a efeito por meio de uma revisão de estudos críticos sobre a relação entre racismo e direito no Brasil, tendo como ponto de partida a interlocução protagonizada por pensadoras brasileiras que experimentaram de diversos modos o trânsito amefricano4 4 A améfrica é uma orientação política e cultural de Lélia Gonzalez (2018: 329) que nos mobiliza a uma compreensão transnacional do racismo, bem como permite uma leitura ampliada dos processos históricos de resistência à violência racial, tendo como referencial a agência negra. Metodologicamente, neste trabalho a categoria corresponde à perspectiva transcultural do fenômeno jurídico. na trajetória acadêmico-política (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.).

Assim, na primeira seção do artigo, apresento aproximações sobre os textos considerados fundantes do campo Direito e Relações Raciais, contextualizando e repercutindo a matriz de pensamento de duas juristas negras brasileiras que organizam as bases deste movimento acadêmico-político: Eunice Aparecida de Jesus Prudente5 5 A jurista paulistana nascida no bairro da Mooca, defendeu a dissertação de mestrado no dia 09 de outubro de 1980, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), pesquisa publicada como livro em 1989. e Dora Lúcia de Lima Bertúlio6 6 A catarinense natural de Itajaí, defendeu a sua pesquisa de mestrado no dia 27 de setembro de 1989, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC), a dissertação foi publicada em 2019. . Noutra seção, recupero as formulações extraídas da geração destas intelectuais e me proponho a identificar as agendas de pesquisas formuladas por uma segunda geração de pensadoras negras deste campo, como: Ana Luiz Pinheiro Flauzina (2006)FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006., Ísis Aparecida Conceição (2009) e Thula Rafaela de Oliveira Pires (2012).

Por último, em uma terceira parte, por meio do conceito de diáspora negra, associo as formulações já consolidadas no interior da Critical Race Theory7 7 Nesse sentido, destacamos os trabalhos de: Richard Delgado e Jean Stefancic (2012); Kimberlé Crenshaw (1995; 2002; 2011); Edward Taylor (1998); Daniel Solórzano e Tara Yosso (2002). às contribuições criadas no pensamento jurídico crítico brasileiro8 8 Essas aproximações vêm sendo desenvolvidas em trabalhos como: Carolyne Silva e Thula Pires (2015); Ísis Conceição (2016); Natália Neris (2018); Gianmarco Ferreira e Marcos Queiroz (2018). para conformar uma ideia de justiça racial como um movimento de cultura jurídica transnacional (HALL, 2013HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG, 2013.; CONCEIÇÃO, 2017CONCEIÇÃO, Ísis Aparecida. Justiça Racial e Teoria Crítica Racial no Brasil: uma proposta de teoria geral. In: AUAD, Denise; OLIVEIRA, Bruno. Direito humanos, democracia e justiça social: uma homenagem à professora Eunice Prudente – da militância a academia. São Paulo: Letras Jurídicas, pp. 167-204, 2017.). É por meio destas escalas de revisão bibliográfica e da sistematização de postulados teórico-metodológicos (DELGADO, 1993), que concluo o trabalho defendendo que no trânsito de ideias-práticas entre a Critical Race Theory e o Direito e Relações Raciais existem premissas para formulação de um ideal de justiça na diáspora negra (HALL, 2013HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG, 2013.; CONCEIÇÃO, 2017CONCEIÇÃO, Ísis Aparecida. Justiça Racial e Teoria Crítica Racial no Brasil: uma proposta de teoria geral. In: AUAD, Denise; OLIVEIRA, Bruno. Direito humanos, democracia e justiça social: uma homenagem à professora Eunice Prudente – da militância a academia. São Paulo: Letras Jurídicas, pp. 167-204, 2017.).

1. Revisitando estudos jurídicos críticos fundamentais sobre raça e racismo no Brasil

Para aproximar as contribuições teórico-metodológicas dos movimentos Critical Race Theory e Direito e Relações Raciais, entendo primeiro ser necessário sistematizar algumas das formulações (teóricas, metodológicas e epistêmicas) já desenvolvidas por intelectuais brasileiras ao longo de 40 anos de enfretamento ao racismo no campo jurídico (DELGADO, 1993). Compreendo a importância de estudos sistemáticos para o desenvolvimento de um determinado campo científico, por ser possível identificar postulados que uma dada cultura jurídica elaborou. Para o presente texto, através do intercâmbio de pesquisas sobre racismo e direito9 9 Uma abordagem importante sobre o debate das relações raciais no campo jurídico brasileiro está na esquematização formulada, no início dos anos 2000, por Evandro C. Piza Duarte (2004). Recentemente, o mesmo autor se desafia à construção de uma Teoria Crítica da Raça no Brasil (DUARTE, 2019), o prefácio da publicação em formato de livro da obra de Dora Bertúlio (2019). , apresento a revisão de uma parcela dos estudos jurídicos críticos raciais no Brasil.

Nesta primeira etapa, o enredo se centra na produção de duas juristas negras brasileiras: Eunice Prudentes e Dora Bertúlio. Delimito nestas obras a primeira revisão, pois identifico nelas uma matriz acadêmico-política compartilhada que se traduz em formulações fundantes do Direito e Relações Raciais e que ainda têm sido primordiais para o desenvolvimento de novas agendas de pesquisa no Brasil. O tópico compreende: i) a caracterização do silenciamento dos juristas sobre raça e racismo como problema fundante destas pesquisas; ii) os postulados metodológicos, epistêmicos e teóricos identificados nas obras como orientadores para o desenvolvimento de novas agendas de pesquisa sobre racismo e direito.

Os primeiros estudos sobre o fenômeno do racismo no campo jurídico, realizados a partir do final dos anos de 1970 até o final dos anos de 1980, estão inseridos em um contexto de grave crise econômica e instabilidade política do país. Além do aumento da inflação, das taxas de desemprego e das políticas de recessão, o período também é marcado pelo processo de redemocratização. A rearticulação política na sociedade civil restabeleceu os direitos civis e políticos que culminaram, ao final desse período, nas eleições diretas de parlamentares (1986) e na convocação da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988).

No caso da população negra, foi substancial a atuação de frentes do movimento negro entre as décadas de 70 e 80, do século XX, para a inscrição de instrumentos antirracistas10 10 Destaco dispositivos constitucionais como: o art. 3º, IV; art. 4º, VIII; art. 5º caput; art. 215, §1º; art. 216, II; art. 68 do ADCT; mecanismos legais que, no bojo da constitucionalização de direitos fundamentais à população negra, alocaram o racismo como problemas centrais, por exemplo, a Lei nº 7.668/1988, que autorizou o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares – FCP e a Lei nº 7.716/1989, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. no novo pacto constitucional, inaugurado em 1988. A sua agência, tanto no campo acadêmico como no político, produziu esforços voltados à ruptura dos mitos racistas que conformavam os arranjos sociais e institucionais no Brasil, desde o pós-abolição. Essa conjunção político-científica acompanha a consolidação do próprio Estado-nação brasileiro, a exemplo das ideologias eugenistas que orientaram as políticas estatais até os anos de 1920, período em que se passa a assumir a miscigenação como signo de nação moderna no Brasil (BERTÚLIO, 1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.).

As ideologias racistas são o problema fundante do movimento jurídico crítico sobre o racismo no Brasil, sendo central nas pesquisas desenvolvidas por Eunice Prudente11 11 A professora Eunice Prudente com formação uspiana tem acesso às formulações críticas que se desdobravam do processo de orientação com o professor Dalmo de Abreu Dallari. Em entrevista, as pesquisadoras Viviane Silva e Marília de Carvalho (2014: 36) ressaltam esta influência: “ele formou uma escola de direito dentro da Faculdade de Direito. De desmistificar o Direito, de valorizar a democracia, se opor às formas de discriminação”. (1975-1980) e Dora Bertúlio12 12 Inserida noutro contexto Dora Bertúlio, apresenta diversas apropriações do pensamento crítico, seja a crítica frankfurtiana, o marxismo jurídico, o Critical Legal Studies e mais especificamente a crítica jurídica brasileira, destacadamente Roberto Aguiar e Roberto Lyra Filho. No prefácio da publicação da pesquisa em livro, o professor Evandro Piza (2019: 16) chama atenção para a inserção de Dora Lúcia neste campo por influência do movimento acadêmico que se estruturava no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Catarina. (1985-1989). As obras dessas autoras denunciaram o aparato legal e o pensamento jurídico conformados pelo racismo científico e pela política nacionalista. Desse modo, uma preocupação dessas pesquisas foi desconstruir os aspectos de neutralidade e imparcialidade conferidos ao direito. Por isso, identifico como o primeiro desafio do debate racial no campo jurídico enfrentar o apagamento da ideia de raça e racismo. A partir desse marco, a produção crítica no direito brasileiro passou a ser responsabilizada, nos anos de 1980, por sua omissão quanto à problemática do racismo na estruturação da cultura jurídica.

A professora Dora Bertúlio abre o texto “Direito e Relações Raciais: uma introdução crítica ao racismo” (1989) exatamente com essa observação: “a questão racial no Brasil tem sido tratada, ainda, com a displicência típica à atenção dada aos demais problemas de todo o povo brasileiro, quer na esfera política, acadêmica ou jurídica” (BERTÚLIO, 1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.: 12). Essa problematização do racismo como pressuposto para construção do pensamento jurídico nacional, também esteve presente na pesquisa desenvolvida por Eunice Prudente, intitulada “Preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil” (1980) 13 13 No mesmo ano nos EUA é iniciada uma mobilização de diversos atores da Faculdade de Direito da Universidade Havard, após a saída do professor Derick Bell. Esse evento é considerado fato catalizador para a organização coletiva que consagrou o movimento estadunidense Critical Race Theory (CRENSHAW, 2011). . A dissertação foi um marco para o campo Direito e Relações Raciais, sendo, até aqui, o primeiro estudo jurídico a posicionar o racismo como um problema central. Nos objetivos do trabalho, aponta que a sua pesquisa tem como problemática o negro brasileiro e inicia sua argumentação observando “que a escala socioeconômica, no Brasil, corresponde também a uma escala racial” (1980: 2).

Fica latente, com isso, que o problema está atrelado ao negacionismo presente nos pressupostos epistêmicos, teóricos e metodológicos da tradição jurídica liberal, que, no Brasil, instrumentalizou os signos racistas em favor da manutenção das desigualdades raciais. A crítica ao liberalismo jurídico pode ser identificada em diversas passagens das obras, quando, por exemplo, Dora Bertúlio afirma que o direito atua na codificação de signos e imagens racistas da sociedade brasileira. Isso ocorreria em um processo no qual o direito informa suas categorias por conteúdos racializados, sem traduzir expressamente o tratamento jurídico desigual.

A tese jurídica pode ser condensada na expressão “silêncio dos juristas”14 14 Essa expressão tem sido empregada na atualidade por pesquisadores influenciados pela matriz teórico-metodológica constante na obra de Dora Bertúlio (1989), especialmente Duarte (2011), Nascimento (2015), Queiroz (2017), Gomes (2018) e Lopes (2020). . Dessa categoria, é possível inferir que o apagamento da raça no aparato legislativo e discursivo elaborado ao longo do século XX não constituía a isenção do caráter racializado do direito brasileiro, mas sim o oposto. No período em que desenvolviam suas pesquisas, a ideologia da democracia racial constituía o principal instrumento de bloqueio da crítica racial, conduzindo o aparato discursivo e normativo15 15 Um instrumento legal que auxilia nessa compreensão do abafamento de discussões sobre o racismo no Brasil é o Decreto-Lei nº 510/1969, que alterava a Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 314/1967) ao incluir o crime de incitação “ao ódio ou à discriminação racial”. do Estado brasileiro para uma realidade de suposta harmonia e igualdade racial. Não à toa, nos anos de 1970 e 1980, a hegemonia da democracia racial foi apontada pelo movimento negro como meio de desmobilização do seu “protesto” na esfera pública (RIOS, 2012RIOS, Flavia. O Protesto Negro no Brasil Contemporâneo (1978 – 2010). Lua Nova, n. 85, pp. 41-79, 2012.: 43).

Quando argumenta que o silêncio dos juristas “é a voz mais alta”, Dora Bertúlio (1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.: 60) recorda a conjunção de valores - como a miscigenação, a política imigratória, a divisão sexual e racial do trabalho, a gestão racial dos territórios e a política criminal - voltada a encobrir ou negar eventuais tensões raciais. Através desse mecanismo, enquadra-se o racismo do passado em um cativeiro do tempo que processa a vinculação da experiência do negro à escravidão. A problemática apresentada por ambas as juristas se direcionava à cultura jurídica nacional como um todo, incluindo a crítica que já se consolidava no país nos anos de 1970, orientando formulações teóricas anti-imperialistas e as políticas de resistência ao regime militar (HESPANHA, 2012HESPANHA, António Manuel. As culturas jurídicas dos mundos emergentes: o caso brasileiro. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, v. 56, pp. 13-21, 2012.), mas que permanecia omissa perante o racismo.

Apesar de romperem com o silêncio sobre o racismo na ordem jurídica, há diferenças nas abordagens apresentadas pelas autoras que podem ser analisadas a partir do contexto teórico-político. Inserida nas formulações do movimento negro uspiano, Eunice Prudente se apropria das interpretações da escola paulista, dominante naquele período na sociologia brasileira, como fator definidor da igualdade jurídica na ordem nacional. Além disso, a inserção nos movimentos críticos é importante para contextualizar o trabalho de Eunice Prudente, não à toa que a autora narra em entrevistas a influência da atuação política na sua formação, principalmente dos estudantes negros da USP, como o “Grupo dos 21”16 16 Organização política que realizou atividades na Faculdade de Direito que tematizavam as tensões raciais no Brasil. Eunice afirma: “[...] discutíamos os ideários de Martin Luther King as questões brasileiras por que veja a USP é pioneira também no estudo da discriminação racial com o Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, João Batista Borges Pereira, o historiador Clovis Moura, então, há a chamada sociologia paulista”. Trajetória - Profa. Eunice Prudente. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Mi5RJe-epPE&ab_channel=TVUSP. Acesso em: 13 dez. 2020. .

O fato de a pesquisa inaugural ser elaborada no interior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo não é apenas uma ruptura simbólica com o bacharelismo brasileiro, como também expressa as disputas epistêmicas e teóricas que circunscreviam a “adequada” interpretação do Brasil. Apesar da heterogeneidade nas matrizes teóricas e políticas apontadas por Eunice Prudente como referência, identifico no seu trabalho um maior alinhamento com a sociologia paulista, explicação não apenas geográfica, mas temporal, pois se constituía o paradigma de interpretação das relações raciais no momento de sua pesquisa.

A crítica à cultura jurídica de fundo liberal tem recorrência nos fundamentos sobre as relações raciais elaborados por Florestan Fernandes, especialmente a tese do legado da escravidão como justificativa do status jurídico da população negra no século XX. Noto essa interpretação quando a autora aciona os valores morais, políticos e culturais da escravidão, ou seja, como estereótipos racistas indicam a afirmação ou na negação de direitos da população negra. Compreende que são conteúdos substanciais para avaliar a (in)eficácia dos meios institucionais, por exemplo, a Lei nº 1.390/1951.

Neste ponto, tanto pelo distanciamento espacial, como também teórico, encontro uma distinção no arcabouço argumentativo apresentada por Dora Bertúlio, pois a autora diverge diretamente das formulações oriundas da escola paulista. Embora reconheça o papel importante de autores como Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso para desmitificação do mito da democracia racial, Dora aponta inconsistências em suas teses que eram fruto de debate de autores como Carlos Hasenbalg (1979). A autora também faz uma crítica quanto à relação pesquisador e objeto, bem como quanto à gestão do campo crítico sobre relações raciais hegemonizado por autores brancos do centro-sul (BERTÚLIO, 1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.: 114-115).

Quando Dora Bertúlio mobiliza essa crítica, ela indica um caminho importante de reflexão sobre como as relações raciais no Brasil foram validadas no campo jurídico. O paradigma positivista ainda atuava como orientação dominante encobrindo como discurso científico os estereótipos racistas que inferiorizavam a população negra. Por isso, questiona a instrumentalização da ciência na reprodução do racismo, pois junto aos mecanismos materiais operavam instrumentos simbólicos mantenedores do racismo. Uma importante experiência da autora para este argumento está na relação com grupos e articulações negras no âmbito acadêmico, ressalto a importância do Núcleo de Estudos Negros (NEN) de Florianópolis17 17 Fundado no início dos anos de 1980, o grupo era formado por intelectuais negros com atuação social e política em diversas áreas do conhecimento, além disso tinha como objetivo frentes múltiplas de intervenção como assessoria política, formação social, cultura e educação (DUARTE, 2019). .

A centralidade desta intelectualidade negra na construção teórica-política de Eunice Prudente e Dora Bertúlio remonta à rearticulação já mencionada do movimento negro no Brasil. Entendendo que este processo é constituído pelo ideal de justiça racial, destaco dois momentos que expressam a conjugação de esforços político-acadêmicos: i) a “Quinzena do Negro”, realizada na Universidade de São Paulo, entre os dias 22 de maio e 08 de junho de 1977 (NASCIMENTO, 2019NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo – documentos de uma militância pan-africanista. 3 ed. rev. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro, 2019.); ii) e o ato de lançamento do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR), ocorrida nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, no dia 07 de julho de 197818 18 Aliás, a fundação do MNU, no ano de 1978, é um marco com desdobramento nas produções acadêmicas de intelectuais negras. O modus operandi do racismo passa a constituir uma agenda cotidiana que ocupa as ruas, não apenas como um gesto simbólico para afirmação da negritude, mas denota a contribuição da população negra nos pactos políticos-jurídicos, o enfrentamento das desigualdades raciais. (RIOS, 2012RIOS, Flavia. O Protesto Negro no Brasil Contemporâneo (1978 – 2010). Lua Nova, n. 85, pp. 41-79, 2012.).

Entendo as contribuições desses eventos como orientações de ordem metodológica, epistêmica e teórica que podem ser verificadas nas pesquisas até aqui analisadas. Se a problematização fundante do Direito e Relações Raciais indica que a interpretação do fenômeno jurídico no Brasil está atrelada à compreensão do racismo, qual estratégia metodológica é assumida pelas autoras? Nas duas pesquisas observo como recurso comum o manuseio de uma produção transdisciplinar, tendo em vista que se caracterizam como estudos que mobilizam constantemente experiências associadas à atuação individual e coletiva das autoras (SOLÓRZANO; YOSSO, 2012).

Nesse sentido, Eunice Prudente (1980) defende que os estudos jurídicos no Brasil exigem uma postura vigilante com teorias racistas que influenciam a práxis jurídica nacional. A construção de uma crítica transdisciplinar sobre o direito tem como suporte nas pesquisas: i) a historicização dos estudos raciais no Brasil, com destaque às obras do campo sociológico, antropológico e historiográfico; ii) o manejo de discursos oficiais que fundamentaram a construção da nacionalidade, associados à produção literária e jornalística; iii) a análise racializada dos aparatos normativos no período escravista e no pós-abolição – constituições e legislações civis, penais e administrativas; iv) e a mobilização de fontes que dimensionem a memória jurídica da população negra, dentre as quais, as histórias de vida, a oralidade e os registros pessoais.

Lançar mão de recursos metodológicos que não estivessem aprisionados aos mitos racistas é uma condição importante para o desenvolvimento dos estudos críticos raciais. Nesse sentido, essas pesquisas inaugurais decorrem de um processo de autoinscrição da presença negra na formação social do Brasil, protagonizado por intelectuais e lideranças que se organizaram para construir práticas e discursos antirracistas. A virada paradigmática dos estudos raciais proposta por intelectuais negros no Brasil é estimulada por lutas antirracistas que se desdobravam no mundo, especialmente na segunda metade do século XX. Assim, é importante considerar que o fluxo de lideranças negras pelo atlântico19 19 Apenas para fins de exemplificação, uma referência influente neste movimento e que esteve em constante intercâmbio, foi Abdias Nascimento. Atuante nas lutas pela independência de países africanos, foi exilado político no regime ditatorial brasileiro e contribuiu ativamente na inserção do Brasil nas redes transnacionais, especialmente da articulação panafricanista com militantes e pensadores da África, Caribe, América do Norte e América do Sul (MUNANGA, 2018: 15-22). alinha formulações políticas e teóricas presentes no movimento acadêmico brasileiro, no qual também estão inseridas as obras fundacionais do campo Direito e Relações Raciais (GILROY, 2012GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.; NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: possibilidades nos dias de destruição. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.).

Eunice Prudente e Dora Bertúlio indicam uma postura epistêmica atenta aos usos do direito empregados pelos movimentos negros para denunciar o racismo. O resultado é uma compreensão de que o direito é um mecanismo de poder que está em disputa, mas que em razão do racismo são apagadas as mediações da população negra no âmbito jurídico, ou seja, a população negra não esteve alheia a essas disputas. Por exemplo, Eunice Prudente (1980) recorda as resistências do período colonial-imperial20 20 Com destaque para: i) as negociações que o Quilombo dos Palmares efetivou para sua manutenção e ressaltou os ideais liberais contidos nos registros sobre sua organização política; ii) os litígios contra a escravização ilegal, por meio das ações de liberdade; e iii) o associativismo negro urbano do século XX, que viabilizou a organização política apta a reduzir os impactos das violações de direitos da população negra. e Dora Bertúlio (1989)BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989., por sua vez, repercute a atuação do movimento negro já da segunda metade do século XX21 21 São recorrentes nos textos: i) o Teatro Experimental do Negro (TEN); ii) a impressa negra como o Jornal O Quilombo; iii) os blocos afro como Ilê Ayê, e, principalmente; iv) a formação do Movimento Negro Unificado (MNU). . Nesse sentido, foram substanciais as articulações para a Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988), indicando o estabelecimento desta agenda antirracista também na disputa institucional. As negociações22 22 Por exemplo: i) mobilização do movimento negro com eventos locais, regionais e nacionais tematizando o processo constituinte, principalmente o MNU – destaco também importância dos movimentos negros do campo que atuaram a partir de organizações sindicais para garantir a discussão territorial; ii) as campanhas locais e nacionais pela representatividade da população negra na assembleia constituinte, com destaque para as eleições diretas para parlamentares em 1986; iii) a litigância do movimento negro no interior do processo constituinte para autoinscrição de uma agenda político-normativa antirracista. que desaguariam no processo constituinte, apesar de fortemente gestadas no sistema de hierarquia racial, foram atravessadas por essa litigância político-acadêmica de lideranças negras.

Nas pesquisas de Eunice Prudente e Dora Bertúlio temos como principal resultado teórico a denúncia do racismo institucional, enquanto sistema de valores e práticas que impede a realização dos direitos fundamentais da população negra no pós-abolição. Com isso, a problematização inaugural do “silêncio dos juristas” sobre o racismo alcança como tese a compreensão de que a população negra não é reconhecida como sujeita de direitos no Brasil. Tanto que esta formulação tem repercussão no reconhecimento do negro como sujeito constitucional e a mobilização por instrumentos de enfrentamento ao racismo.

Já em termos teóricos estes textos inaugurais dão abertura a agendas de pesquisa que constituirão o trajeto do movimento Direito e Relações Raciais por outras gerações formadas nas contribuições que Eunice Prudente e Dora Bertúlio elaboraram em suas pesquisas. Esse impacto pode ser sistematizado nos seguintes postulados: i) a cultura jurídica nacional está impregnada de práticas e ideias racistas que podem ser sintetizadas no mito da igualdade jurídica da democracia racial; ii) a sistematização do conteúdo constitucional denota a importância de ressignificação dos direitos fundamentais, a partir da agência negra; iii) a formação social do Brasil, especialmente as relações raciais são atravessadas por um arcabouço normativo de fundo segregacionista.

Com esses entendimentos, desenvolvo na próxima etapa os desdobramentos destes postulados teóricos, epistêmicos e metodológicos nas futuras agendas de pesquisa do Direito e Relações Raciais, observando nas produções de uma segunda geração de juristas que, entre os anos 2000 e 2010, aproximaram-se da experiência político-acadêmica localizada nos EUA com a Critical Race Theory.

2. A consolidação de agendas de pesquisa no campo Direito e Relações Raciais

Depois da narrativa que destaca a fundação do movimento Direito e Relações Raciais, sistematizo agendas de pesquisas extraídas das obras de uma segunda geração de juristas: Thula Pires, Ana Flauzina e Ísis Conceição23 23 As razões metodológicas de escolha não constituem premissa de que os estudos críticos raciais tenham se desenvolvido no campo jurídico, exclusivamente, pelas pesquisas das autoras aqui referidas. Nesse sentido, recordo que é um processo de recuperação histórica em aberto e que exige esforços repetitivos para superar os apagamentos promovidos pelo racismo no Brasil. Destaco outros juristas negros fundamentais nesse percurso, como Hédio Silva Júnior, orgânico nas agencias político-acadêmicas do movimento negro, desde os anos de 1980 até os dias atuais, com vasta produção técnica e acadêmica; Joaquim Benedito Barbosa Gomes, nos anos 2000, teve sua produção acadêmica voltada à defesa da constitucionalidade das ações afirmativas no projeto pós-1988 - acúmulo acionado durante sua atuação como Ministro do Supremo Tribunal Federal entre os anos de 2003-2014. (DELGADO, 1993). As três são pesquisadoras fundamentais para integração de uma rede de produções implicada com o problema do racismo no pensamento e na ordem jurídica. Desse modo, a presente seção será constituída com: i) os desenvolvimentos críticos raciais do campo jurídico, com centralidade nas obras de Thula Pires, Ana Flauzina e Ísis Conceição, aproximando-as dos aportes identificados nas obras fundantes do Direito e Relações Raciais; e ii) com a sistematização das agendas de pesquisa em curso no movimento político-acadêmico brasileiro.

Para efetivar esse percurso, destaco nos textos dessas autoras agendas importantes dentro do movimento Direito e Relações Raciais e a ampliação de estratégias interventivas no campo jurídico. O entendimento de que essas produções constituem um movimento acadêmico-político, decorre da interpretação de que estas juristas desdobraram os pressupostos metodológicos, teóricos e itinerários investigativos formulados nas obras fundacionais (PRUDENTE, 1980; BERTÚLIO, 1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.).

No pós-1988, tornou-se mais corrente a disputa das agendas institucionais, de modo que o racismo vem sendo tematizado nas decisões político-jurídicas fundamentais. Isso vem viabilizando a elaboração de categorias jurídicas que se opõem ao encobrimento do racismo, auxiliando o seu enfrentamento no âmbito judicial, legislativo e das políticas públicas. Produzir uma crítica jurídica racial, apropriando-se das contradições inerentes ao direito de sociedades racialmente desiguais, foi um desafio assumido por esta segunda geração de juristas negras, a partir dos anos 2000.

Apesar das diversas matizes teóricas e orientações epistêmico-metodológicas que identifico nas produções de Ana Flauzina, Ísis Conceição e Thula Pires, o enfrentamento aos mitos raciais presentes nos discursos e práticas jurídicas foi ponto de partida dos trabalhos que desenvolveram. Compreendo que essas reflexões ao relacionarem o arcabouço normativo à cultura jurídica nacional estão retomando alguns dos postulados identificados nas obras fundantes do movimento Direito e Relações Raciais (PRUDENTE, 1980; BERTÚLIO, 1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.), mas que foram acionados a partir de novos recursos interpretativos partilhados pelo trânsito diaspórico.

A retomada de Eunice Prudente e Dora Bertúlio não está atrelada diretamente à presença de suas obras como teoria de base, mas sim à proposta de construção de um olhar crítico do direito para as relações raciais no Brasil. Ou seja, uma leitura comprometida em desmobilizar práticas, discursos e uma estrutura racialmente desigual, tendo como principal exemplo a política criminal brasileira. Esta é a intervenção estatal que mais afeta a vida da população negra no pós-abolição24 24 Uma pesquisa importante nos estudos críticos raciais no Brasil, pós-textos fundacionais, que também atravessa essas problematizações sobre o pensamento criminológico, ideologias racistas e sistema penal foi defendia, em 1998, pelo professor Evandro C. Piza Duarte - publicada em formato de livro no ano de 2002. , por se tratar de um mecanismo de controle social do corpo-política negro.

Em uma primeira aproximação, identifico na historicização normativa o objetivo da denúncia do racismo na ordem jurídica nacional que permite análises sobre as contradições no presente – como conciliar a forma constitucional democrática com o cotidiano de violência racial. Thula Pires (2013PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.: 73-79) em sua pesquisa de doutorado, “Criminalização do Racismo: entre política de reconhecimento e meio de legitimação do controle social sobre os negros”25 25 A jurista carioca tem formação e atuação profissional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Com fundamental contribuição nas litigâncias do movimento negro do Rio de Janeiro é membra da Assembleia Geral da Anistia Internacional no Brasil e associada organização social CRIOLA. A sua pesquisa de doutorado foi publicada em 2016. , sistematiza normas editadas entre o império e a república, para, com isso, denunciar a falsa neutralidade das normas jurídicas.

O racismo institucional é exposto com a repercussão social dos signos racistas contidos em normas editadas, principalmente, no pós-abolição. Nesse sentido, quando Thula Pires (2013)PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. estuda a criminalização do racismo, ela retoma os signos de inferiorização do negro que foram consolidados pela ordem jurídica nacional. Desse modo, para a luta antirracista presume-se uma reestruturação da ordem jurídica, levando-se em consideração as tensões raciais, já que a neutralidade reveste o direito de uma sofisticada capacidade de reproduzir discursos e práticas racistas de uma forma quase inconteste.

Analisando o arcabouço penal, Ísis Conceição (2009: 75) identifica na relação entre o racismo, controle social e política criminal os fundamentos constitutivos do Estado Nacional brasileiro. Em sua dissertação “Os limites dos direitos humanos acríticos em face do racismo estrutural brasileiro: o programa de penas e medidas alternativas do estado de São Paulo”26 26 Nascida no interior paulista, Ísis Conceição trilhou uma formação transnacional, com destaque por passagens na USP, University of California, Los Angeles (UCLA) e Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). É relevante a sua atuação na EDUCAFRO (Educação e Cidadania para Afrodescendentes e Carentes) e no IDDAB (Instituto de Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil). A pesquisa de mestrado foi publicada em 2010. (2009), a autora assume que a recuperação de normas jurídicas do passado auxilia a análise das relações raciais do Brasil no presente, já que a sustentação do racismo encontra fundamentação nos mecanismos jurídicos fundadores da nação brasileira, precisamente na transição entre o regime escravista e o trabalho livre.

Assim, ela destaca os códigos penais de 1841, de 1891 e o de 1940, bem como as legislações migratórias, como receptores de teorias racistas que orientaram as técnicas de controle social no pós-abolição (CONCEIÇÃO, 2009: 76). Conclui a autora que, apesar da reconstrução criminológica acolher criticamente a dimensão racial, as mudanças alçadas na política criminal, como as medidas e penas alternativas, não abrangem a população negra, que ainda é apanhada pelos mecanismos penais de violência e controle extremos. A ausência de políticas afirmativas no sistema penal brasileiro corrobora com a posição da normatividade penal como mecanismo de manutenção dessas relações racialmente desiguais.

A política penal é igualmente objeto de estudo na obra de Ana Flauzina “Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do estado brasileiro” (2006). Nesta, a incursão sobre as ideologias racistas na ordem jurídica em diferentes períodos é movimentada para opor uma divergência com a abordagem que a criminologia crítica brasileira tem feito sobre o dispositivo de racialidade. Aqui é explorado o caráter fundante do racismo no sistema penal, pois sustenta o empreendimento genocida contra a população negra. Desse modo, a autora levanta uma suspeição das contribuições criminológicas críticas, pois assume a raça apenas como variável (FLAUZINA, 2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.: 3-4).

Essa oposição ao pensamento crítico é comum nas três obras estudadas e entendo que se vincula ao problema do silêncio, que foi uma questão trazida à tona nas primeiras obras jurídicas da crítica racial no Brasil. O silêncio foi apresentado com novos contornos, não bastando a alocação do racismo como mais uma dentre as variáveis do ordenamento jurídico nacional – é preciso considerar o seu caráter estrutural. Por isso, o dispositivo da racialidade aparece nestas obras como gênese do sistema penal.

Neste ponto, merece destaque a formulação de Ana Flauzina27 27 A jurista e historiadora tem passagens pela UnB, UFSC, American University, University of Texas at Austin, UNILAB, atualmente, vinculada à Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Integrou o Coletivo EnegereSer, fundamental na defesa das cotas raciais como medida afirmativa para ingresso no ensino superior, também teve importante contribuição no Ìrohìn (Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro-brasileira). A sua pesquisa de mestrado foi publicada no ano de 2008. quando procura produzir como resposta um desencobrimento do projeto genocida, categoria que ocupa centralidade no seu estudo. O genocídio é executado em diversas esferas, na qual o “corpo negro caído no chão” não é mera alegoria, mas sim uma cena corriqueira no nosso território. A autora destaca mecanismos que confluem para a morte negra, desde as condições materiais de acesso aos direitos sociais básicos – educação, trabalho, lazer e saúde – até a manipulação dessa realidade para resultados simbólicos que justifiquem uma política criminal violenta.

A contradição explorada por Ana Flauzina (2006)FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006. está na caracterização do genocídio antinegro como conteúdo do pacto democrático brasileiro. Os dados de homicídios no país repercutidos pela jurista, atestam o protagonismo do Estado nas cenas de extermínio. Por isso, ela defende o manejo do genocídio, extraído das normativas internacionais, para qualificar a experiência da população negra brasileira em seu próprio território, o genocídio como projeto de Estado que se volta contra seu povo. Ao alcançar esse entendimento, Ana Flauzina ainda repercute outro aspecto que, do ponto de vista teórico, alinha-se às críticas que Eunice Prudente e Dora Bertúlio opuseram ao pensamento jurídico crítico brasileiro, nos anos de 1980. A sustentação ideológica da democracia racial (2006: 124) denota o descompromisso das escolas jurídicas críticas com as formulações que posicionam o racismo enquanto sistema fundante da ordem social e jurídica no Brasil.

A segunda aproximação crítica que destaco nos estudos raciais do direito brasileiro é que autoras identificam a produção de diversas investigações e elaborações que rejeitaram ou secundarizaram o racismo. Esse diagnóstico ressalta a insuficiência das análises do direito que se recusam a compreensão histórica das relações raciais no Brasil. Desta forma, não basta a assunção dos aportes teóricos críticos ao positivismo, tornando-se fundamental decodificar o racismo como produto jurídico. É precisamente o que a dissertação da jurista Ísis Conceição (2009) observa, quando ainda tematiza a natureza do racismo vivenciado no Brasil.

Essa retomada é imprescindível, pois a exploração de categorias como raça, racismo, preconceito, discriminação e branquidade, permite o desenvolvimento de postulados jurídicos cientes das implicações raciais que foram partilhadas no contexto da diáspora africana, além das suas especificidades no Brasil (GILROY, 2012GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.; HALL, 2013HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG, 2013.). Interessante notar o recurso que Ísis Conceição (2009) aplica à noção de racismo, a partir do seu caráter estrutural, retomando em sua pesquisa a estratégia de caracterizar as relações raciais brasileiras pelo aspecto anteriormente destacado, a historicização normativa.

Essa compreensão estrutural engloba o fazer-pensar científico como produto do sistema de racialização. Por isso, as pesquisas apontam a insuficiência dos recursos da cultura jurídica nacional para analisar as relações sociais no Brasil. As perspectivas positivistas ou críticas produziram conhecimento jurídico sem explorar adequadamente as contradições do direito na sua dimensão racial. Assim, seria fundamental apresentar novos recursos que compreendessem o caráter político da raça, como as propostas que se ocupem do aspecto estrutural, pois o “racismo é um pressuposto para inteligibilidade” do direito (FLAUZINA, 2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.: 134).

Uma exemplificação que atesta os resultados insatisfatórios dos mecanismos jurídicos foi apresentada na análise dos instrumentos legais produzidos no Brasil como política institucional de combate ao racismo. Nas pesquisas de Eunice Prudente (1980) e Dora Bertúlio (1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.; 2019), a Lei nº 1.390/1951, “Lei Afonso Arinos”, é posta em questão. Reconhecida como a primeira norma brasileira a incluir as práticas racistas como atos reprováveis, institui uma série de contravenções penais em razão de ações resultantes do preconceito de cor ou raça.

A pretendida proteção legal, pela via da criminalização, foi apreciada como um mecanismo incapaz de suportar a amplitude das práticas e discursos racistas, não apenas por fragilidade da técnica jurídica que restringe a tipicidade a determinados locais e ações, mas, principalmente, pelo caráter estrutural do racismo, que não é apto a desmobilizar o acervo simbólico da democracia racial – miscigenação, harmonia e igualdade. O conteúdo da norma jurídica não se restringe ao expresso no texto, sendo resultado da matriz pela qual se orienta. Deste modo, o artifício da legalidade é manuseado para blindar o Estado brasileiro de uma contradição estrutural – o racismo. Tendo em vista que o reconhecimento formal do combate à discriminação racial é alçado como política institucional, as pesquisas de Eunice Prudente e Dora Bertúlio indicam os limites impostos a essa norma.

Esse é o desafio da segunda geração - Thula Pires (2013PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.: 238), tematizando as contradições da criminalização do racismo, nos apresenta a seguinte questão: “sendo o sistema penal tão perverso em relação aos negros, como apostar nele para combater o racismo?”. As bases diretivas de sua investigação lançaram premissas importantes para explorar o caráter ineficaz dos mecanismos jurídicos de matriz antinegra. A autora defende que a criminalização do racismo no pacto constitucional de 1988 deve ser observada também como uma possibilidade de “tornar o racismo um problema de ordem pública”.

Nesse ponto, a autora não dimensiona apenas os resultados imediatos da criminalização como forma de eliminação do racismo, tendo em vista a demonstração da ineficiência do sistema, cujo propósito é o de controle, violência e de morte dos corpos negros. Ela dimensiona que a medida também significou, mesmo que precariamente, uma rasura sob a naturalização dos signos raciais, como: i) o constrangimento das instituições quanto aos estereótipos partilhados sobre os negros; ii) a autopercepção dos negros como sujeitos de direito e; iii) em alguma medida, o questionamento dos mecanismos de proteção dos brancos. Estes estremecimentos não foram resultado da criminalização do racismo, os limites da pretensão punitiva indicam que foi a intervenção da população negra, apropriando-se em maior grau dos efeitos simbólicos desta e de outras normas jurídicas, que permitiu a autoinscrição da identidade negra no projeto constitucional (PIRES, 2013PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.: 239).

Em termos de construção das identidades nas disputas e tensões produzidas pelos meios jurídicos, Ísis Conceição (2009) assume uma postura pouco explorada nas formulações jurídicas críticas, mas que auxiliou no diagnóstico de insuficiência dos recursos jurídicos de matriz liberal, o lugar da branquidade28 28 Essa provocação de que as relações raciais não se restrinjam a um “problema do negro” já aparecia no Brasil em Guerreiro Ramos (1957), quando o sociólogo criticava a dominância ideológica do branco. . A categoria proposta consiste na problematização sobre a posição dos brancos na ordem sociojurídica, ou seja, como um sistema de privilégios dos brancos opera no sistema jurídico. A releitura apresentada pela autora interrelaciona dignidade humana e racismo estrutural, de modo que, as relações raciais das sociedades contemporâneas conformam na estética branca o ideal de humanidade (CONCEIÇÃO, 2009: 56).

Embora apresente uma teoria de base distinta, o recurso analítico desenvolvido por Ísis Conceição (2009) para contestar a aceitação “acrítica” da base conceitual dos direitos humanos, se aproxima daquele realizado por sua orientadora, Eunice Prudente (1980). Na reflexão sobre a igualdade na cultura jurídica nacional, também desloca a discussão de um paradigma liberal e idílico do preceito fundamental para as implicações raciais contidas na formação jurídica. A proteção de bens e patrimônios dos brancos foi estruturada nos prestígios da branquidade e na negação da negritude como sujeito constitucional.

Por essa perspectiva, a falsa neutralidade jurídica não aparece apenas como aspecto que deve ser exposto, mas que deve ser explorado, e, por isso, há um direcionamento nestas pesquisas que procuram disputar o conteúdo do direito, enfrentando a parcialidade jurídica diante dos impactos do racismo. Levantar os aspectos de abstração, generalização e universalização da norma jurídica foi importante para denotar que, se de um lado o direito é um instrumento segregacionista, há, por outro lado, recursos que adensem a memória jurídica da população negra, especialmente suas lutas pela universalização dos direitos.

Nesse sentido, identifico um terceiro ponto de análise, qual seja, se o racismo institucional significa a negação ou violação de direitos em razão da raça. Há, concomitantemente, como resultado político destas práticas a interdição da identidade negra. A naturalização dos conteúdos que informam o direito corresponde aos valores sociais que sustentam o privilégio branco (CONCEIÇÃO, 2009: 25). Quando Ana Flauzina (2006)FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006. evidencia a morte negra como resultado do sistema penal brasileiro, fica mais explícita essa dimensão de inviabilização da negritude como repercussão simbólica do direito informado pelo racismo (FLAUZINA, 2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.: 135).

Essa face perversa do direito de acionar imagens de inferiorização para controle do corpo político negro deve ser observada para além da via penal. Recuperando os dois aspectos que destaquei até aqui nos estudos desta segunda geração – a historicização do aparato normativo racista e a insuficiência dos mecanismos jurídicos de matriz liberal para enfrentamento do racismo – é importante observar como ambos afetam o autorreconhecimento de uma pessoa negra como agente política com potente intervenção no campo do direito.

A relevância da identidade no enfrentamento ao racismo está relacionada ao fato de que no campo jurídico os significados históricos e sociais que foram (auto)atribuídos aos sujeitos são determinantes para o processo de normatização. Dessa maneira, se os referencias de memória, corporeidade, estética, linguagem, cultura, religiosidade, territorialidade e outros que constituem a identidade negra são constantemente fragmentados pela violência racial, pode-se pressupor, como consequência, que os vínculos sociais e históricos são diretamente afetados (FANON, 2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.). Por isso, há uma preocupação de desconstruir as representações sobre a identidade negra, destacando que a manutenção da vida negra é um resultado coletivo e articulado de disputa dos pactos sociais.

Essa disputa acessa a ordem político-jurídica interna com o desenvolvimento de estratégias que destaque a mediação política sobre o direito na luta pela sobrevivência. A emergência dessas formulações indica a construção de investigações que condicionam o objeto jurídico em um lugar de disputa, permitindo o alargamento de suas formas de manifestação. Isto se alinha a “repactuação política-epistêmica do direito” proposta por Thula Pires (2019PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, pp. 69-74, 2019.: 69), uma reconstrução é atravessada por recursos científicos, políticos e culturais que a população negra elabora, reforçando o caráter de autonomia política destes sujeitos (FANON, 2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.). São comuns mobilizações do pensamento e da prática diaspórica como orientação para confrontar as amarras raciais do enredo jurídico da democracia racial. Desta prática, há um enfoque sobre o direito como conhecimento produzido a partir das experiências cotidianas de antirracismo por homens e mulheres negras (SOLÓRZANO; YOSSO, 2012).

Com o intuito de evidenciar as estratégias investigativas centradas na formulação sobre o direito, a partir desta vivência diaspórica, enumero agendas de pesquisa em curso com a identificação de algumas pesquisadoras29 29 A sistematização destas agendas está atrelada principalmente às problematizações que as pesquisas de Eunice Prudente, Dora Bertúlio, Ana Flauzina, Ísis Conceição e Thula Pires apresentaram. Identifico a partir destas autoras, ou em diálogo com as suas pesquisas, os estudos realizados nos últimos 20 anos por juristas negras que em alguma medida assumem as contribuições teóricas, metodológicas e epistêmicas da cultura jurídica da diáspora negra, no movimento Direito e Relações Raciais. Nesse sentido, o levantamento é um ponto de partida para provocar interações que ampliem as contribuições do pensamento crítico racial sobre o fenômeno jurídico. que compartilham a práxis do Direito e Relações Raciais, observando que a sistematização destas agendas foi um passo importante no desenvolvimento da Critical Race Theory (DELGADO, 1993):

  1. i

    a interdição racial na teoria do direito - Eunice Prudente, Dora Lúcia Bertúlio, Ísis Aparecida Conceição, Thula Pires, Silvio de Almeida, Adilson Moreira, Maria Sueli Rodrigues de Sousa, Allyne Andrade Silva e Fernanda Estanislau;

  2. ii

    a diáspora africana como reorientação epistêmica da ideia de justiça - Sérgio São Bernardo, Samuel Vida, Luciana Ramos e Winnie Bueno;

  3. iii

    as experiências constitucionais de matriz negra como semântica dos direitos fundamentais - Hédio Silva Junior, Maurício Azevedo, Gilsely Barreto, Gabriela Barretto, Allyne Andrade Silva, Natália Neris, Tiago Vinícius dos Santos, Lívia Santana Vaz, Marcos Queiroz, Raissa Roussenq, Ana Carolina Mattoso, Rodrigo Gomes, Fernanda Lima, Gabriela Ramos, Felipe Estrela, Paulo Pereira e Juliana Araújo;

  4. iv

    o genocídio antinegro, criminalização e o controle social no estado penal - Ana Flauzina, Felipe Freitas, Tiago Vinícius dos Santos, Cleifson Dias, Luciano Goés, Cleber Julião, Nonnato Masson, Laís Avelar, Ana Carinhanha, Bruna Portella, Tatiana Dias Gomes, Inara Flora, Naila Franklin, Bruna Soares, Maíra Brito, Deise Benedito, Vinícius Romão, Lucas Araújo e Camila Garcez;

  5. v

    as formulações sobre o Estado, a justiça e os conflitos sociais desde as agências negras: Tatiana Dias Gomes, Marina Marçal, Lívia Casseres, Johnatan Razen, Raiza Gomes, Inara Flora, Heiza Aguiar, Vercilene Dias, Emilia Viana de Oliveira, Izadora Muniz e Oriel Rodrigues;

3. Aproximações entre Direito e Relações Raciais e Critical Race Therory: desafios para uma cultura jurídica da diáspora negra

Até aqui, tenho defendido que o processo de fundação e consolidação do movimento Direito e Relações Raciais decorre da circulação de referências que configuraram as lutas antirracistas desenvolvidas a partir dos anos de 1970. No entanto, esse mesmo argumento precisa abarcar um intercâmbio que extravase os limites das disputas a nível local, contemplando um fluxo de âmbito transnacional (BERNADINO-COSTA, 2018). Nesse sentido, é preciso ponderar que a consolidação de pensamentos e práticas voltadas à justiça racial foi constituída por trocas e influências mútuas na Améfrica (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.).

Nessa linha de raciocínio é que posiciono a noção de diáspora negra para compreensão de mundo a partir do trânsito de ideias e pessoas (BERNADINO-COSTA, 2018). Essa leitura diaspórica encontra referências noutros estudos que procuraram interpretar as articulações político-acadêmicas que também integram a agência negra no Brasil. Destaco a orientação do “Atlântico Negro” (GILROY, 2012GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.) enquanto uma tradição que toma as correntes do atlântico como canal de informações interculturais e transnacionais (PEREIRA, 2013PEREIRA, Amílcar Araújo. O mundo negro. Relações Raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro, Pallas/Faperj, 2013.; QUEIROZ, 2017QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: a experiência constituinte de 1823 diante da Revolução Haitiana. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.; BERNADINO-COSTA, 2018).

Assim, juntamente com as trocas mercantis no violento processo de desterritorialização e escravização da vida negra, ocorreu pelo atlântico a circulação de informações fundamentais às lutas antirracistas. Nesse sentido, a diáspora negra tem como outra face a experiência transcultural de enfrentamento à violência racial, uma luta que não é restrita aos desígnios históricos, identitários e territoriais do “Estados-nacionais” (GILROY, 2012GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.; HALL, 2013HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG, 2013.). Prologando esse fluxo na contemporaneidade, é possível notar que as conexões do Brasil com África e EUA, tão importantes para a rearticulação do movimento negro brasileiro nos anos de 1970, também viabilizaram, posteriormente a projeção de ideias entre a Critical Race Therory e o Direito e Relações Raciais.

Essa forma de análise transnacional dos modelos jurídicos afro-latino-americanos encontra referência em Dora Bertúlio (2001)BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Racismo, Violência e Direitos Humanos considerações sobre a Discriminação de Raça e Gênero na sociedade brasileira. Curitiba (no prelo), 2001., notadamente após sua passagem pela escola crítica racial nos EUA, ainda na primeira metade dos anos de 199030 30 Dora Bertúlio foi Visiting Scholar na Harvard Univeristy, Law School, entre os anos de 1994-1995. . A autora defende que a sistematização dos debates críticos raciais do campo jurídico em experiências locais diversas devem ser apreendida como reflexões do racismo “em termos de Américas” (BERTÚLIO, 2012BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. O “Novo” Direito Velho: Racismo e Direito. In: WOLKMER, Antonio C.; LEITE, José Rubens M. (org.). Os 'novos' direitos no Brasil: natureza e perspectivas - uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, pp. 125-162, 2012.: 144), pois esses são territórios que experienciam regimes de hierarquização racial.

Além disso, essa estratégia encontra respaldo nos fluxos formativos da segunda geração de juristas, que, de modos e em tempos diversos, vivenciaram o processo transnacional que contribuiu para o trânsito de ideias entre esses movimentos (BERNADINO-COSTA, 2018). Ísis Conceição e Thula Pires frequentaram a Universidade da Califórnia, na cidade de Los Angeles, para uma formação em “Critical Race Theory and the Struggle for Equality”, no ano de 2009, com a professora Kimberlé Crenshaw. Ísis Conceição finalizou, no ano de 2012, o mestrado na Universidade da Califórnia, tematizando as ações afirmativas no Brasil, com orientação dos professores Kimberlé Crenshaw31 31 Tendo se formado em 1984 na Faculdade de Direito da Universidade de Havard. e Devon Cabardo32 32 Formado em Direito na Universidade Havard em 1994. . Em 2008, Ana Flauzina já realizava o doutorado na American University, localizada em Wahington, para o estudo comparativo entre Brasil e EUA abordando a negação do genocídio, sob a supervisão da professora Angela J. Davis.

Nesse sentido, os textos também explicitam interações transatlânticas. Ísis Conceição (2014)CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Movimentos sociais e judiciário: uma análise comparativa entre Brasil e Estados Unidos da América do Norte. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. desenvolve sua tese sobre as experiencias dos movimentos sociais negros em litigância no poder judiciário numa perspectiva comparativa entre EUA e Brasil. Mobiliza estratégias analíticas da Critical Race Theory, como o princípio da convergência estratégica de Derick Bell (1995)BELL, Derrick. Brown v. Board of Education and the interest convergence dilemma. In: CRENSHAW, Kimberlé et al. Critical race theory: the key writings that formed the movement. New York: New Press, pp. 518-533, 1995. sobre os casos concretos de demandas raciais. Thula Pires (2013)PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013., por sua vez, traz em sua pesquisa de doutorado a presença da Critical Race Theory, desenvolvendo a investigação a partir do pressuposto teórico de que o direito é um mecanismo de produção e reprodução do racismo. Metodologicamente, a autora aborda uma percepção interseccional da raça na análise do direito e indica a importância da postura do intelectual negro diante da pesquisa como instrumento para viabilizar novas disputas (PIRES, 2013PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.: 18).

Tanto a experiência estadunidense quanto a brasileira surgem em um contexto que Kimberlé Crenshaw (2011)CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011. qualifica como quadro de desalinhamento das propostas teóricas que compõem um conjunto de lutas comuns. Nos EUA as divergências desse quadro teórico-político alimentaram o aparecimento da Critical Race Therory, pois criaram “the conditions for the emergence of a particular articulation of racial power, one that eschewed the reigning frames that worked to reduce racism to matters of individual prejudice or a by-product of class”(CRENSHAW, 2011CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011.: 1260). Nesse sentido, funda-se um movimento centrado na raça, especificamente voltado a formular doutrina jurídica a partir de uma consciência racial (CRENSHAW, 2011CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011.).

Kimberlé Crenshaw (2011)CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011. narra que levantar essas tensões no plano filosófico-político foi substancial para se apropriarem de um espaço discursivo e institucional que já tinha desafiado os pressupostos liberais do direito dominante na cultura dos EUA. A partir dessas fissuras foi sendo consolidada uma coalizão crítica de intelectuais negras engajadas na produção de análises da relação entre direito e racismo, principalmente voltada a desnaturação da neutralidade jurídica. Essa relação de tensão e apropriação com o pensamento jurídico crítico é de algum modo convergente com a vivência brasileira.

Na primeira geração é perceptível uma estratégia de aproximação com os estudos críticos, enquanto proposta analítica que propiciava a denúncia do silêncio sobre o racismo. O alinhamento político-filosófico em um primeiro momento pode ser entendido como condição de possibilidade da crítica racial no campo jurídico. Pois acionar a crítica estabelecida no Brasil seria uma estratégia para instaurar problemas centrados no racismo. Isso não significou de modo algum a pactuação com a narrativa da democracia racial, pelo contrário, em Eunice Prudente e Dora Bertúlio há indicativos de que suas produções se voltavam para denúncia do enraizamento desta ideologia pensamento jurídico crítico do Brasil33 33 Podemos indicar que integram esse quadro as correntes: sistêmica, dialética, semiológica e psicanalítica. Nota-se uma forte influência do pensamento crítico eurocêntrico como produções marxistas, frankfurtianas e focaultianas, além disso, as estratégias latino-americanas que vão orientar práticas e ideias alternativas a matriz europeia, na qual identificamos como pluralismo jurídico (WOLKMER, 2012). .

Desse modo, a absorção de formulações teóricas para descortinar noções correntes – como neutralidade, abstração, generalidade e universalidade – tinha um direcionamento epistêmico e ontológico, a construção de respostas à função ideológica do direito, que no Brasil está comprometida com o racismo. O momento vivenciado com as mobilizações políticas para novos pactos sociais e institucionais também constrangia o direito à sua reconstrução. Essa tensão com o pensamento crítico continua produtiva na segunda geração, o diagnóstico de que a racialidade é um dispositivo estruturante das relações jurídicas, implicou as novas pesquisas na estratégia de racialização da ordem jurídica, principalmente aprofundar as políticas antirracistas inauguradas com o projeto constitucional de 1988.

Por isso, a dimensão estrutural do racismo passou a ocupar cada vez mais os esforços dessa geração de juristas negras (CONCEIÇÃO, 2013). Compreendo, assim, a abordagem que se volta para os arranjos e interações interinstitucionais. As práticas pós-1988 denotaram que o reconhecimento do racismo e a consequente regulação institucional não foi suficiente para inibir o extermínio do povo negro. Nesse sentido, alcançar reflexões epistêmicas do racismo no direito tem como intuito “uma abordagem que seja ao mesmo tempo afrocentrada e baseada na experiência brasileira, de forma a renovar a aposta na potência de sua dimensão intercultural e na permanente disputa política por seu significado” (PIRES, 2016PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Por uma concepção Amefricana de direitos humanos. In: Clarissa Brandão e Enzo Bello. (org.). Direitos Humanos e Cidadania no Constitucionalismo Latino-Americano. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. 235-255, 2016.: 235).

Os reflexos dessa abordagem no Brasil precisam levar em conta as características do sistema jurídico adotado aqui, qual seja, a tradição do civil law. Dessa maneira, os esforços são concentrados sobre o processo legislativo, admitido como meio legitimo e válido para elaboração das regras. Neste sistema, as leis são a principal fonte do direito, indicativo de que as litigâncias se voltaram à legislação, especialmente na sua forma de política pública. Desse modo, a mediação política tem importante significado quando articulada ao conteúdo legal, expressa na racialização legislativa. Já que a lei que ocupa a função diretiva da interpretação judicial, atuação administrativa e dos comportamentos na comunidade política.

Aqui alcanço outro ponto desta interação, a compreensão que esses movimentos estabelecem sobre a relação entre direito e política. Na problematização do “silêncio dos juristas”, a interação entre ideologias racistas e o caráter positivo-liberal das normas jurídicas - abstração, generalidade e universalidade - recalcavam os atributos raciais. Ou seja, não estando aparente o dispositivo racial, permitia-se o manejo dos discursos de igualdade, harmonia e democracia racial em descompasso com uma realidade profundamente desigual.

No movimento Critical Race Theory a descaracterização desta blindagem racial da norma jurídica, consagrada na expressão “cegueira de cor”, é muito acionada para denunciar o próprio impacto do racismo na ordem jurídica. O conteúdo do texto não tem como parâmetro exclusivo o aparato interno da lei, isto é, não há neutralidade racial nos discursos jurídicos numa sociedade estruturada no regime de hierarquia racial:

[...] conforme apresentado por Crenshaw, é possível igualmente colocá-lo – o Direito — como um instrumento institucional para estabelecer mudanças de valores e ideias no interior dessa mesma ordem social. Vale dizer, abre-se a perspectiva de sua utilização como arma contundente do Estado e da Sociedade Civil para estabelecer mudanças estruturais nos valores racistas da sociedade brasileira (BERTÚLIO, 2012BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. O “Novo” Direito Velho: Racismo e Direito. In: WOLKMER, Antonio C.; LEITE, José Rubens M. (org.). Os 'novos' direitos no Brasil: natureza e perspectivas - uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, pp. 125-162, 2012.: 145).

Nos estudos críticos raciais brasileiros, torna-se perceptível que usos variados desse instrumental teórico significaram um aprofundamento do campo, mesmo diante de limitações atinentes ao próprio sistema jurídico brasileiro de matriz legalista. Diante disso, apresento aspectos de interseção que noto entre essas experiências acadêmico-políticas. O primeiro é uma constante problematização sobre quem são os sujeitos de direitos diante da promessa “moderna” de universalização dos direitos. Existe como preocupação o confronto à interdição ontológica do racismo, na medida que conforma representações e imaginários sobre “quem são” os sujeitos de direito, há a determinação do conteúdo dos direitos – a descrição dos sujeitos é substancial para definir o que é protegido ou repreendido pelo direito.

Para superar este diagnóstico da constante desracialização do direito, foram mobilizadas estratégias que extraiam os signos raciais dos conteúdos jurídicos vigentes. Há uma compreensão transdisciplinar sobre o fenômeno jurídico, que utiliza contribuições de intelectuais negros de diversos campos, ocupados com os desdobramentos do racismo na sociologia, história, educação, antropologia, economia, administração e literatura. A necessidade de uma construção crítica que atravessa diversas fronteiras científicas tem um propósito de fortalecimento de uma ciência comprometida com as lutas da diáspora negra (HALL, 2013HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG, 2013.). E, além disso, desnaturalizar o pensamento racista responsável pela consolidação de representações controladoras da subjetividade negra.

O exemplo brasileiro denota como o racismo científico intermedia as relações sociais, o saber criminológico, antropológico, histórico e sociológico, degradando o sujeito negro. Postulados e diagnósticos constituídos nesses ramos científicos condicionaram imagens deturpadoras sobre os seus modos de ser, pensar e viver. Esses atributos foram sendo normatizados (FANON, 2008FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.): i) definindo o negro como negação do sujeito de direito; ii) formatando institutos jurídicos de controle social da vida negra; iii) elaborando instrumentos de violência e desagregação política da população negra. Essa percepção sobre o direito a partir do desenvolvimento de outros saberes situa a importância da experiência, pois amplia a compreensão do racismo, agregando-se às análises críticas aos efeitos corpóreos, estéticos, culturais e subjetivos da racialidade (SOLÓRZANO; YOSSO, 2012).

A dinâmica individual e institucional do racismo impõe limites de ordens diversas sobre a vida da população negra, por isso, recordando a importância da percepção estrutural, deve-se enfrentar o racismo com saberes que extrapolem as orientações “tecnicistas”. Como já discutido, no campo do direito os conteúdos essencialmente técnicos foram apropriados por uma tradição jurídica de cunho liberal, que se valeu da neutralidade para manutenção e reprodução das desigualdades raciais. Nesse sentido, é importante dimensionar que esses movimentos acadêmico-políticos foram constituídos com os conhecimentos resultantes dos valores compartilhados pelos seus corpos (social, cultural e político).

Isso evidencia outra dinâmica comum entre esses movimentos, a importância de confrontar os postulados - neutralidade, generalidade e formalismo - que possibilitaram a codificação dos mitos raciais na teoria e na prática jurídica. Foram aprimorados, por exemplo, um conjunto teórico-discursivo que se opusesse ao enquadramento do racismo como dimensão individual de preconceito e argumentasse a sua característica fundante nas sociedades de gênese colonial. Na oposição teórico-política da matriz liberal-positiva, foram acionadas as articulações dos sujeitos negros na luta por direitos, pois estes movimentos passam a ser compreendidos como fontes semânticas das categorias e estratégias jurídicas. Por essa razão, são recorrentes a recuperação de eventos, movimentos e organizações para analisar os impactos da agência negra, reforçando a centralidade dos saberes partilhados nas lutas da diáspora negra para denúncia, análise e desestruturação do racismo.

Desse modo, o entrecruzamento cultural, político e jurídico da diáspora negra descreve uma práxis jurídica antirracista sistematicamente qualificada como: (i) denuncia da interdição ontológica do racismo, diante da promessa “moderna” de universalização da igualdade e da liberdade; (ii) construção crítica transdisciplinar do pensamento negro sobre os efeitos do racismo e do sexismo no fenômeno jurídico; (iii) confrontação dos postulados de tradição liberal que no direito codificaram os mitos raciais, sob o verniz da neutralidade, generalidade e formalidade; e, (iv) articulação das agências negras na luta por direitos enquanto gramática do direito.

No tocante aos aspectos acima sistematizados, penso que é fundamental apontar contribuições do movimento negro brasileiro para a cultura jurídica da diáspora negra, uma influência que, inclusive, ressoa sobre a Critical Race Theory. Nos dois primeiros, observo na interseccionalidade uma estratégia interventiva fundamental para desnaturação dos postulados jurídicos “modernos-coloniais”. Esse termo tem como ponto de sua origem o momento em que a academia primeiro notícia e nomeia este campo de estudos, na década de 1990, com Kimberlé Crenshawn (1991) no artigo da Stanford Law Review “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color”.

Entretanto, por detrás da interseccionalidade no campo de estudos, existe uma longa trajetória de formulações teóricas da experiência de mulheres latinas, mexicanas, asiáticas, africanas, afro-americanas, afro-brasileiras acadêmicas e militantes, dentre as quais estão Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Luiza Bairros, Sueli Carneiro, Edna Roland, Vilma Piedade, Jurema Werneck, Helena Teodoro, Conceição Evaristo e outras. Nas experiências destas mulheres racializadas há uma práxis que contesta a hierarquização e as dinâmicas de dominação dos dispositivos sociais da diferença, como raça, gênero, classe, etnia, orientação sexual, idade, nacionalidade, deficiência, dentre outros.

Por isso, no contexto nacional, elas articulam essas matrizes, especialmente entre raça, gênero e classe, para opor uma compreensão sobre a realidade brasileira que oculta a posicionalidade das mulheres negras e indígenas. É precisamente em Lélia González que identificamos uma agenda fundamental para outras pesquisas. Na sua produção, nos fins dos anos de 1970, inclusive em comunicações com teorias estadunidenses, a autora postula desde a imagem das mulheres negras nas narrativas nacionais, como análises que extrapolem as perspectivas socioeconômicas ao observar a inserção dessas mulheres em instituições como a família e o trabalho, (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.: 192). Quando mobiliza espacialidades como o carnaval, o trabalho doméstico, além da própria experiência na academia e na militância, Lélia Gonzalez desenvolve uma série de representações e atribuições sobre os corpos das mulheres negras que são estruturantes do mito da democracia racial.

Assim, não há como ignorar o impacto destas formulações críticas, especialmente sobre a sociologia paulista e na compreensão sobre as relações raciais que seriam desenvolvidas nos demais campos científicos, principalmente as produções fomentadas por agências políticas, culturais e sociais desse período. Embora as obras fundacionais não tenham trabalhado explicitamente a multiplicidade destas ordens de inferiorização, não se pode inferir uma incapacidade das autoras de intervenções no campo34 34 Apenas para fins de exemplificação no plano interno, Dora Bertúlio, no texto “Racismo, Violência e Direitos Humanos: considerações sobre a discriminação de Raça e Gênero na sociedade Brasileira” (2001), faz referência ao Escritório de Estudos e Pesquisas da Mulher e da Mulher Negra, na cidade de Cuiabá, ainda no início dos anos 1990. , principalmente por se tratar de uma formulação diaspórica. Nesse sentido, a categoria amefricanidade, mobilizada por Lélia Gonzalez, implica nas interrelações de gênero, raça e classe, sob o ponto de vista transnacional, mediadas pelas experiências das mulheres negras e indígenas.

Em relação ao terceiro aspecto, noto que os postulados de neutralidade e imparcialidade, amplamente homenageados na matriz positiva-liberal, foram particularmente enfrentados no Brasil, a partir do ideal de democracia racial. Os contornos socioculturais e históricos da experiência colonial-escravista no Brasil encontram na ideologia da mestiçagem uma “sofisticação” racista para o embranquecimento populacional com grande impacto na ideia de nação e, por conseguinte, nos termos em que nos organizaríamos jurídico e politicamente. Por isso, é perceptível um esforço, desde as primeiras pesquisas sobre racismo no campo do direito, de desconstrução do mito da democracia racial, tendo em vista que a sua estratégia de consolidação na realidade brasileira foi operacionalizada na negação do racismo.

Nesta ordem de valor, a hierarquização racial seria incompatível com uma sociedade harmônica e miscigenada, pois esse bloqueio ideológico à racialização social foi operacionalizado contraditoriamente no dogma da igualdade. Os riscos dos postulados jurídicos liberais estavam relacionados à própria noção de brasilidade enraizada na cultura jurídica nacional. Aliás, por muitas vezes foi mobilizado o recurso comparativo com as tensões raciais que vivenciavam os EUA e a África do Sul para confirmar que experienciávamos uma nação verdadeiramente moderna e racialmente harmônica. Assim, na crítica jurídica brasileira a dimensão das identidades raciais – negritude e branquitude – vai ser demandada como uma estratégia de desestabilização dos postulados liberais do direito, engendrados nas representações racistas dos ideais de embranquecimento e mestiçagem.

Por fim, quanto ao quarto aspecto, não posso deixar de apontar que é comum, desde as obras de Eunice Prudente e Dora Bertúlio, o emprego da noção de ciência diaspórica como caracterização do pensamento negro elaborado, especialmente, nas ciências sociais e humanas (QUEIROZ, 2017QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: a experiência constituinte de 1823 diante da Revolução Haitiana. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.; BERNADINO-COSTA, 2018). Nestas pesquisas inaugurais sobre direito e racismo, os relatos ou narrativas de resistência, negociação e disputa por direitos não foram ocultados. Ao contrário disso, existem diversas passagens materializadas em relatos orais sobre as experiências de liberdade, igualdade e disputa por cidadania da população negra do período colonial-escravista que são mobilizadas nos textos como uma estratégia empregada por intelectuais brasileiros para revisitar a narrativa oficiosa do Brasil harmônico e miscigenado. Dora Bertúlio e Eunice Prudente, por exemplo, tomam estes registros como mote teórico-metodológico, pois a agência negra não só desnatura a pretensa neutralidade do direito com a denúncia das interdições do racismo, como também permite a apropriação de novas semânticas sobre os direitos.

Este fator não é particular ou inaugural na crítica racial ao direito brasileiro, mas é fundamental na sua trajetória, inclusive para as agendas sistematizadas anteriormente. Como um movimento acadêmico-político observo, neste ponto, uma contribuição do campo Direito e Relações Raciais para a cultura jurídica da diáspora negra, igualmente para a Critical Race Theory. São constantes nas produções críticas do movimento negro brasileiro as articulações acadêmicas, políticas e culturais que, desde Abdias Nascimento e Guerreiro Ramos, e, posteriormente, com os estudos de Clóvis Moura, Lélia Gonzalez35 35 No texto “A categoria político-cultural da Amefricanidade” Lélia Gonzalez (2018: 330), partilha esse conjunto de referências que conformam o pensamento e a prática amefricana: “Cheickh Anta Diop, Theóphile Obenga, Amílcar Cabral, Kwame Nkrumah, W. E. B. Du Bois, Chancellor Williams, George G. M. James, Yosef A. A. Ben-Jochannan, Ivan Van Sertima, Frantz Fanon, Walter Rodney, Abdias do Nascimento e tantos outros”. , Beatriz Nascimento, Joel Rufino, Eduardo Oliveira, Sueli Carneiro e outros nomes, têm promovido interpretações transdisciplinares capazes de desestabilizar os discursos racistas da academia branca, bem como têm impulsionado uma matriz de saber da negritude – o quilombismo, a amefricanidade, a escrivência, a exuêutica e o aquilombamento são algumas dessas propostas.

Nesse sentido, a centralidade de narrativas e trajetórias negras nas interpretações, recuperando registros subjetivos sobre o racismo no Brasil, caracteriza-se como um outro fator de consolidação da ciência crítica da diáspora negra. Por isso, nas obras de juristas do campo Direito e Relações Raciais os significados políticos-jurídicos das agências de Zumbi, Dandara, Maria Firmina, Esperança Garcia, Dragão do Mar, Luiza Mahin, Luiz Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, Lima Barreto têm mobilizado as investigações ou a apresentação de narrativas que confrontem a pretensão universalizante sobre o conteúdo do direito nos discursos da branquitude.

Para encerrar esta parte, destaco a importância de estudos sobre as articulações que viabilizaram o Direito e Relações Raciais, pois acredito que isso poderá contribuir com futuras aproximações socioculturais entre esses movimentos. Identifico no Brasil práticas distintas da experienciada nos EUA, não apenas por conta dos distintos sistemas de direito, mas também pela mobilização que foi forjado em cada contexto e processo histórico. Na narrativa sociocultural que Crenshaw (2011)CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011. desenvolve sobre a Critical Race Therory fica evidente que o movimento estadunidense não foi um projeto estável, embora em dadas situações, como nos eventos que se sucederam em Havard após a saída do professor Derrick Bell, ocorreram convergências de intelectuais, estudantes e militantes negros.

Isso denota a importância de narrativas sobre as articulações que aqui se constituíram, antes de uma projeção do movimento vivido nos EUA sobre o brasileiro. Se analisarmos que a própria experiência estadunidense apresenta delimitações espaciais e temporais, com apreensão fogem à noção de movimento síncrono e único, passaremos a observar a experiência brasileira sob outra ótica. Assim, compreendo que não há uma história definitiva desses movimentos, especificamente no caso brasileiro é interessante avaliar como as demandas raciais do pós-1988 aglutinaram grupos e indivíduos entorno do movimento Direito e Relações Raciais. As disputas por um programa jurídico antirracista no Brasil foram fundamentais para o desenvolvimento crítico racial, não só no campo jurídico, mas para toda população negra, visto que viabilizou o debate do racismo, envolvendo diretamente a sociedade e o Estado.

As litigâncias em níveis locais e nacionais para regulamentação ou implementação de políticas públicas, decorrentes de orientações antirracistas inscritas pelas articulações negras na Constituição Federal de 1988, evidenciam ações do movimento negro no campo do direito. No entendimento aqui defendido, essas lutas encontram referência nas formulações de intelectuais do Direito e Relações Raciais, precisamente constituído por coletivos negros, entidades da sociedade civil e grupos acadêmicos. Nas obras das autoras aqui tomadas como teoria de base para fundação e desenvolvimento das agendas deste campo, uma série de demandas, eventos e movimentos atravessam os seus textos, compondo não apenas o corpus empírico-analítico, mas integrando a construção de narrativas sobre o estudo das relações raciais no direito brasileiro.

Além das experiências de rearticulação do movimento negro nos anos de 1970 já mencionadas, o enfrentamento à ditadura civil-militar-empresarial, o processo de redemocratização, institucionalização de organizações políticas e a assembleia nacional constituinte, marcam este percurso político-acadêmico: i) a criação de mecanismos administrativos locais e nacionais para enfrentamento a desigualdade racial – secretarias, delegacias especializadas e grupos de trabalho36 36 Destaque ao Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra criado em 1995 como resultado da Marcha Zumbi 300 anos; a criação da Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial em 2003; a implementação de cotas raciais nos vestibulares para ingresso no ensino superior na UNEB, UERJ e UnB como primeiras instituições a adotarem essa política de acesso à educação (PIRES, 2013: 100). ; ii) os eventos, mobilizações e organizações políticas do movimento negro brasileiro do pós-198837 37 A Marcha Zumbi 300 anos de 1995; a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e os encontros políticos da organização; a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas de 2001; a Marcha Noturna pela Democracia Racial; a Marcha das Mulheres Negras; o movimento Reaja ou será Morto, Reaja ou será Morta; (RIOS, 2012). ; iii) as litigâncias judiciais e legislativas para implementação de medidas afirmativas de combate ao racismo38 38 A criação da Fundação Cultural Palmares - Lei nº 7.668/1988; a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” na base de educação nacional - Lei nº 10.639/2003; a regulamentação do art. 68 do ADCT sobre o processo de titulação do território quilombola - Decreto nº 4.887/2003; a Polícia Nacional de Promoção da Igualdade Racial - Lei nº 4.886/2003; a Lei nº 12.990/2014 que institui cotas raciais nos concursos públicos federais; o julgamento da Petição 3.388 sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 sobre a constitucionalidade da política de cotas raciais para ingresso no ensino superior; o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 que trata da constitucionalidade do Decreto nº 4.887; o julgamento da ADPF 738 para aplicação imediata de cotas raciais no fundo eleitoral; o julgamento da ADPF 635 sobre a suspensão de operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia; o julgamento das ADPF’s 709 e 742, respectivamente sobre medidas administrativas de combate a pandemia em territórios indígenas e quilombolas. . O fortalecimento do movimento Direito e Relações Raciais também está atrelado a conformação de grupos de pesquisa e o desenvolvimento de ações conjuntas para ampliação dos debates e pesquisas tematizando os impactos raciais no campo jurídico. Muitas dessas ações estão vinculadas às autoras aqui apresentadas, o que reforça a importância de novas narrativas que deem conta dessas vivências que se agregam em torno do enfrentamento ao racismo no direito.

Nesse sentido, destaco como iniciativas de institucionalização do movimento teórico-político brasileiro no campo jurídico aquelas que articulam a atividades de pesquisa e ensino às demandas do movimento negro contemporâneo. A promoção de eventos, disciplinas e publicações estão diretamente relacionadas aos subsídios técnico-científicos das lutas negras contra o racismo. Assim, as desenvolvidas na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, com o Programa Direito e Relações Raciais (PDRR/UFBA), coordenado pelo professor Samuel Vida; na Faculdade de Direito na Universidade de Brasília, a partir do Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica e Atlântico Negro (Maré/UnB), com a coordenação do professor Evandro Piza; na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (NIREMA/PUC-Rio), sob a coordenação da professora Thula Pires; a editora Brado Negro idealizada por Ana Flauzina com importante produção audiovisual e edição de livros sobre temas raciais.

E como último aspecto a viabilização desta experiência político-teórica tem perpassado trajetórias de mulheres negras. Isto é, pensar a cultura jurídica da diáspora negra como um movimento de desarticulação do racismo a partir do direito, pressupõe o entendimento da matriz amefricana (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.). O protagonismo de juristas negras não é uma causalidade, o exercício de historicização das agências negras justifica essa a afirmação anterior. Até porque se a gramática jurídica ainda é informada pela democracia racial, não custa recordar que a sua estrutura produz violências engendradas pelo racismo e sexismo, recaindo especialmente sobre as mulheres negras os impactos materiais e simbólicos da “neurose cultural brasileira” (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.: 200).

Quando Lélia Gonzalez nos apresentou “a categoria político-cultural da amefricanidade” (2018: 321), ficou mais evidente a necessidade de considerar as equivalências tecidas no interior da américa para análises destas sociedades. Nessa mudança de postura, que corresponde a autonomia, ou seja, a capacidade de se reconhecer como sujeito de sua própria história, os fluxos intelectuais entre Critical Race Therory e Direito e Relações Raciais devem ser traduzidos no Brasil como resultados da agência de juristas negras. Por isso, a proposição de uma cultura jurídica da diáspora negra é um processo de reencontro da população negra com as histórias de luta por direitos e que viabilizaram a sua manutenção como comunidade política (GILROY, 2012GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.; NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: possibilidades nos dias de destruição. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.).

Atualmente, as disputas raciais no campo do direito se identificam com essa história, exatamente pelo fundamento da autonomia. Trata-se de uma narrativa acessada pelos instrumentos constituídos nessa diáspora, as vozes, as memórias, as cantigas, os ditados e os escritos que recuperam a identidade política da população negra. No campo do direito foram as mulheres negras as principais comunicadoras dos registros histórico-jurídicos de luta pela universalização da liberdade, igualdade e cidadania. O legado jurídico que reivindicam as quilombolas, e as suas complexas formas de conservação entre guerra e paz (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: possibilidades nos dias de destruição. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.), também atravessa o letramento insubmisso de Esperança Garcia39 39 Ver o Dossiê Esperança Garcia (SOUSA, 2017). e as formulações inovadoras de Eunice Prudente, Dora Bertúlio, Ana Flauzina, Ísis Conceição e Thula Pires.

Nesse sentido, a noção de justiça racial que a cultura jurídica da diáspora negra nos oferece têm como premissas: i) o entendimento de que legalidade e a ilegalidade tem sido no sistema de direito brasileiro um privilégio branco, portanto, é fundamental o desencobrimento do aparato racial desta ordem jurídica; ii) a repactuação da democracia compreende o reconhecimento do genocídio como resultado do atual regime político-jurídico, para que a mediação política da população negra não configure mera retenção à violência racial e sexista legitimada pelo direito; iii) a memória jurídica da diáspora negra é uma agenda composta por registros do passado e experiências do presente, articuladas para reconciliação da negritude à subjetividade, enquanto tradução radical de um projeto, a vida negra (PRUDENTE, 1980; BERTÚLIO, 1989BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.; FLAUZINA, 2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.; CONCEIÇÃO, 2009; 2014CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Movimentos sociais e judiciário: uma análise comparativa entre Brasil e Estados Unidos da América do Norte. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, pp. 69-74, 2019.).

Conclusão

Concluo retomando o percurso traçado ao longo trabalho e apresentando novas possibilidades de interação. O ponto de partida foi a necessidade de pensar que a diáspora negra é um canal de partilha para uma cultura jurídica desenvolvida na mútua influência entre dois movimentos acadêmico-políticos: Critical Race Theory e o Direito e Relações Raciais – com destaque para as contribuições observadas, desde a fundação da crítica jurídica racial brasileira, como (i) os postulados epistêmicos da abordagem interseccional sobre o direito na diáspora, (ii) a desconstrução da ideologia da democracia racial no exame do pacto jurídico-político nacional e (iii) o manejo de trajetórias-experiências negras individuais ou coletivas na luta por direitos. Compreendendo que há mais registros socioculturais da experiência estadunidense, comprometo-me, com uma tentativa ainda limitada pelos instrumentos bibliográficos, a apresentar em duas etapas algumas das formulações que fundaram, mas que ainda sustentam o movimento brasileiro.

Por isso, inicio a primeira etapa com as pesquisas que identifico como fundacionais do movimento Direito e Relações Raciais: as de Eunice Prudente e Dora Bertúlio. Destaco as tensões políticas e teóricas que circunscreveram os trabalhos, especialmente pelo fato de apresentarem ao campo jurídico uma problematização desprezada tanto pela tradição liberal quanto pela crítica, que seria o apagamento do racismo como dinâmica que orienta o pensamento e a prática do direito no Brasil.

Na segunda parte, apoio-me nas sistematizações de aportes teóricos, metodológicos e epistêmicos destas obras que inauguram o pensamento crítico racial no direito para apresentar desdobramentos que observo noutra geração de juristas, com as pesquisas de Ana Flauzina, Ísis Conceição e Thula Pires (DELGADO, 1993). Finalizo essa segunda etapa com as agendas de pesquisas levantadas por estas juristas e desenvolvidas por uma rede de investigações e agências que foram sendo costuradas a partir da interação com estes estudos.

Por fim, a terceira parte deste trajeto retoma a motivação inicial e procura observar, por uma perspectiva diaspórica, um fluxo de ideias e pessoas na améfrica, ocupadas com os impactos do racismo no campo jurídico. Nesse sentido, antes de propor sobreposições entre os movimentos, seria importante perceber como estas experiências compartilham premissas para uma cultura jurídica voltada à justiça racial. Apesar das limitações da pesquisa bibliográfica, há indicativos que provocam novas investigações para distanciar ou aproximar a partir de outras análises e recursos como os biográficos, históricos e sociológicos.

Entendo que o presente trabalho levanta contribuições para o campo de pesquisa de ordem epistêmica e teórica. A primeira, epistêmica, está na postura que posiciona estes movimentos críticos enquanto fluxos diaspóricos, assim, extrapola-se as interpretações parciais que narram apenas a influência da tradição crítica estadunidense sobre o Brasil, como mera importação de ideias. Isso oculta o impacto transcultural que o fluxo de pessoas e ideias produz na formatação de uma contracultura jurídica voltada à justiça racial.

E a segunda, teórica, considera que esse intercâmbio foi fundamental para o uso variado da crítica racial como instrumental analítico do direito no Brasil, mesmo diante de limitações atinentes ao próprio sistema jurídico brasileiro, marcadamente de matriz civil law (CONCEIÇÃO, 2016CONCEIÇÃO, Ísis Aparecida. As lições da Teoria Crítica Racial para o Brasil. In: FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula (org.). Encrespando - Anais do I Seminário Internacional: Refletindo a Década Internacional dos Afrodescentendes (ONU, 2015-2024). Brasília: Brado Negro, pp. 53-62, 2016.). Reconstruir a aproximação desses movimentos jurídicos circunscritos, com destaque para a produção de intelectuais negras, é fundamental para compreensão do racismo na teoria e prática do direito no Brasil.

Ressalto nestas últimas considerações aspectos que podem ser considerados nas próximas investigações, tendo em vista que a compreensão do Direito e Relações Raciais como movimento pressupõe, também, a consolidação de estudos, tanto autocentrados com uma pretensão de diálogo entre as intelectuais que o integram, como comparativos com experiências identificadas noutros marcos históricos, sociais e culturais. Deste modo, indico a importância de historicizar o percurso acadêmico-político da experiência Direito e Relações Raciais, característica fundamental para o desenvolvimento teórico-metodológico da Critical Race Theory – uma autorreflexão que apresenta como resultados a sistematização de pressupostos do movimento dentro para fora.

Além disso, a necessidade de aprofundar o manuseio prático das formulações teóricas do racismo na experiência jurídica brasileira, especialmente as observadas nas litigâncias jurídicas com os poderes do Estado pelas agências de indígenas, mulheres negras e quilombolas. E, por fim, a sistematização das contribuições de intelectuais da diáspora negra na formulação dos problemas jurídicos e de estratégias de análises que considerem o espectro transnacional do racismo na estruturação dos aparatos discursivos e normativos do direito.

  • 2
    A primeira vez que identifico este par conceitual é na pesquisa de Mestrado no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Cantaria da jurista Dora Bertúlio (1989)BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.. Posteriormente, passou-se a acionar conjuntamente estas categorias para nomear o campo de estudo crítico racial no direito brasileiro.
  • 3
    Signo recorrente sobre a agência negra no Brasil, interpretado em muitos momentos como cópia das lutas de 1950 e 1960 nos EUA (PEREIRA, 2010: 107).
  • 4
    A améfrica é uma orientação política e cultural de Lélia Gonzalez (2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.: 329) que nos mobiliza a uma compreensão transnacional do racismo, bem como permite uma leitura ampliada dos processos históricos de resistência à violência racial, tendo como referencial a agência negra. Metodologicamente, neste trabalho a categoria corresponde à perspectiva transcultural do fenômeno jurídico.
  • 5
    A jurista paulistana nascida no bairro da Mooca, defendeu a dissertação de mestrado no dia 09 de outubro de 1980, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), pesquisa publicada como livro em 1989.
  • 6
    A catarinense natural de Itajaí, defendeu a sua pesquisa de mestrado no dia 27 de setembro de 1989, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC), a dissertação foi publicada em 2019.
  • 7
    Nesse sentido, destacamos os trabalhos de: Richard Delgado e Jean Stefancic (2012); Kimberlé Crenshaw (1995; 2002CRENSHAW, Kimberlé. The first decade: critical reflections, or “a foot in the closing door”. UCLA Law Review, v. 1343, pp. 1–36, 2002.; 2011CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011.); Edward Taylor (1998); Daniel Solórzano e Tara Yosso (2002).
  • 8
    Essas aproximações vêm sendo desenvolvidas em trabalhos como: Carolyne Silva e Thula Pires (2015); Ísis Conceição (2016)CONCEIÇÃO, Ísis Aparecida. As lições da Teoria Crítica Racial para o Brasil. In: FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula (org.). Encrespando - Anais do I Seminário Internacional: Refletindo a Década Internacional dos Afrodescentendes (ONU, 2015-2024). Brasília: Brado Negro, pp. 53-62, 2016.; Natália Neris (2018)NERIS, Natália dos Santos. Um efeito alquímico: sobre o uso do discurso dos direitos pelas/os negras/os. Revista Direito Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, pp. 250-275, 2018.; Gianmarco Ferreira e Marcos Queiroz (2018).
  • 9
    Uma abordagem importante sobre o debate das relações raciais no campo jurídico brasileiro está na esquematização formulada, no início dos anos 2000, por Evandro C. Piza Duarte (2004)DUARTE, Evandro C. Piza. O debate sobre as relações raciais e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro. Universitas Jus, Brasília, v. 1, pp. 110-145, 2004.. Recentemente, o mesmo autor se desafia à construção de uma Teoria Crítica da Raça no Brasil (DUARTE, 2019DUARTE, Evandro C. Piza. Prefácio - Direito e Relações Raciais: A construção da Teoria Crítica da Raça no Brasil. In: BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e Relações Raciais: uma introdução crítica ao racismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. i-xxiii, 2019.), o prefácio da publicação em formato de livro da obra de Dora Bertúlio (2019).
  • 10
    Destaco dispositivos constitucionais como: o art. 3º, IV; art. 4º, VIII; art. 5º caput; art. 215, §1º; art. 216, II; art. 68 do ADCT; mecanismos legais que, no bojo da constitucionalização de direitos fundamentais à população negra, alocaram o racismo como problemas centrais, por exemplo, a Lei nº 7.668/1988, que autorizou o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares – FCP e a Lei nº 7.716/1989, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
  • 11
    A professora Eunice Prudente com formação uspiana tem acesso às formulações críticas que se desdobravam do processo de orientação com o professor Dalmo de Abreu Dallari. Em entrevista, as pesquisadoras Viviane Silva e Marília de Carvalho (2014: 36) ressaltam esta influência: “ele formou uma escola de direito dentro da Faculdade de Direito. De desmistificar o Direito, de valorizar a democracia, se opor às formas de discriminação”.
  • 12
    Inserida noutro contexto Dora Bertúlio, apresenta diversas apropriações do pensamento crítico, seja a crítica frankfurtiana, o marxismo jurídico, o Critical Legal Studies e mais especificamente a crítica jurídica brasileira, destacadamente Roberto Aguiar e Roberto Lyra Filho. No prefácio da publicação da pesquisa em livro, o professor Evandro Piza (2019: 16) chama atenção para a inserção de Dora Lúcia neste campo por influência do movimento acadêmico que se estruturava no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Catarina.
  • 13
    No mesmo ano nos EUA é iniciada uma mobilização de diversos atores da Faculdade de Direito da Universidade Havard, após a saída do professor Derick Bell. Esse evento é considerado fato catalizador para a organização coletiva que consagrou o movimento estadunidense Critical Race Theory (CRENSHAW, 2011CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011.).
  • 14
    Essa expressão tem sido empregada na atualidade por pesquisadores influenciados pela matriz teórico-metodológica constante na obra de Dora Bertúlio (1989)BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989., especialmente Duarte (2011)DUARTE, Evandro C. Piza. Do medo da diferença à liberdade com igualdade: as ações afirmativas para negros no ensino superior e os procedimentos de identificação de seus benefícios. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2011., Nascimento (2015)NASCIMENTO, Guilherme Martins do. Imunidade tributária sobre templos: uma análise crítica do silêncio dos juristas acerca das religiões de matriz africana. 2015. Monografia (Bacharelado em Direito) — Universidade de Brasília, Brasília, 2015., Queiroz (2017)QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: a experiência constituinte de 1823 diante da Revolução Haitiana. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017., Gomes (2018) e Lopes (2020)LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em pretuguês: trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020..
  • 15
    Um instrumento legal que auxilia nessa compreensão do abafamento de discussões sobre o racismo no Brasil é o Decreto-Lei nº 510/1969, que alterava a Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 314/1967) ao incluir o crime de incitação “ao ódio ou à discriminação racial”.
  • 16
    Organização política que realizou atividades na Faculdade de Direito que tematizavam as tensões raciais no Brasil. Eunice afirma: “[...] discutíamos os ideários de Martin Luther King as questões brasileiras por que veja a USP é pioneira também no estudo da discriminação racial com o Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, João Batista Borges Pereira, o historiador Clovis Moura, então, há a chamada sociologia paulista”. Trajetória - Profa. Eunice Prudente. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Mi5RJe-epPE&ab_channel=TVUSP. Acesso em: 13 dez. 2020.
  • 17
    Fundado no início dos anos de 1980, o grupo era formado por intelectuais negros com atuação social e política em diversas áreas do conhecimento, além disso tinha como objetivo frentes múltiplas de intervenção como assessoria política, formação social, cultura e educação (DUARTE, 2019DUARTE, Evandro C. Piza. Prefácio - Direito e Relações Raciais: A construção da Teoria Crítica da Raça no Brasil. In: BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e Relações Raciais: uma introdução crítica ao racismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. i-xxiii, 2019.).
  • 18
    Aliás, a fundação do MNU, no ano de 1978, é um marco com desdobramento nas produções acadêmicas de intelectuais negras. O modus operandi do racismo passa a constituir uma agenda cotidiana que ocupa as ruas, não apenas como um gesto simbólico para afirmação da negritude, mas denota a contribuição da população negra nos pactos políticos-jurídicos, o enfrentamento das desigualdades raciais.
  • 19
    Apenas para fins de exemplificação, uma referência influente neste movimento e que esteve em constante intercâmbio, foi Abdias Nascimento. Atuante nas lutas pela independência de países africanos, foi exilado político no regime ditatorial brasileiro e contribuiu ativamente na inserção do Brasil nas redes transnacionais, especialmente da articulação panafricanista com militantes e pensadores da África, Caribe, América do Norte e América do Sul (MUNANGA, 2018: 15-22).
  • 20
    Com destaque para: i) as negociações que o Quilombo dos Palmares efetivou para sua manutenção e ressaltou os ideais liberais contidos nos registros sobre sua organização política; ii) os litígios contra a escravização ilegal, por meio das ações de liberdade; e iii) o associativismo negro urbano do século XX, que viabilizou a organização política apta a reduzir os impactos das violações de direitos da população negra.
  • 21
    São recorrentes nos textos: i) o Teatro Experimental do Negro (TEN); ii) a impressa negra como o Jornal O Quilombo; iii) os blocos afro como Ilê Ayê, e, principalmente; iv) a formação do Movimento Negro Unificado (MNU).
  • 22
    Por exemplo: i) mobilização do movimento negro com eventos locais, regionais e nacionais tematizando o processo constituinte, principalmente o MNU – destaco também importância dos movimentos negros do campo que atuaram a partir de organizações sindicais para garantir a discussão territorial; ii) as campanhas locais e nacionais pela representatividade da população negra na assembleia constituinte, com destaque para as eleições diretas para parlamentares em 1986; iii) a litigância do movimento negro no interior do processo constituinte para autoinscrição de uma agenda político-normativa antirracista.
  • 23
    As razões metodológicas de escolha não constituem premissa de que os estudos críticos raciais tenham se desenvolvido no campo jurídico, exclusivamente, pelas pesquisas das autoras aqui referidas. Nesse sentido, recordo que é um processo de recuperação histórica em aberto e que exige esforços repetitivos para superar os apagamentos promovidos pelo racismo no Brasil. Destaco outros juristas negros fundamentais nesse percurso, como Hédio Silva Júnior, orgânico nas agencias político-acadêmicas do movimento negro, desde os anos de 1980 até os dias atuais, com vasta produção técnica e acadêmica; Joaquim Benedito Barbosa Gomes, nos anos 2000, teve sua produção acadêmica voltada à defesa da constitucionalidade das ações afirmativas no projeto pós-1988 - acúmulo acionado durante sua atuação como Ministro do Supremo Tribunal Federal entre os anos de 2003-2014.
  • 24
    Uma pesquisa importante nos estudos críticos raciais no Brasil, pós-textos fundacionais, que também atravessa essas problematizações sobre o pensamento criminológico, ideologias racistas e sistema penal foi defendia, em 1998, pelo professor Evandro C. Piza Duarte - publicada em formato de livro no ano de 2002.
  • 25
    A jurista carioca tem formação e atuação profissional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Com fundamental contribuição nas litigâncias do movimento negro do Rio de Janeiro é membra da Assembleia Geral da Anistia Internacional no Brasil e associada organização social CRIOLA. A sua pesquisa de doutorado foi publicada em 2016.
  • 26
    Nascida no interior paulista, Ísis Conceição trilhou uma formação transnacional, com destaque por passagens na USP, University of California, Los Angeles (UCLA) e Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). É relevante a sua atuação na EDUCAFRO (Educação e Cidadania para Afrodescendentes e Carentes) e no IDDAB (Instituto de Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil). A pesquisa de mestrado foi publicada em 2010.
  • 27
    A jurista e historiadora tem passagens pela UnB, UFSC, American University, University of Texas at Austin, UNILAB, atualmente, vinculada à Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Integrou o Coletivo EnegereSer, fundamental na defesa das cotas raciais como medida afirmativa para ingresso no ensino superior, também teve importante contribuição no Ìrohìn (Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro-brasileira). A sua pesquisa de mestrado foi publicada no ano de 2008.
  • 28
    Essa provocação de que as relações raciais não se restrinjam a um “problema do negro” já aparecia no Brasil em Guerreiro Ramos (1957), quando o sociólogo criticava a dominância ideológica do branco.
  • 29
    A sistematização destas agendas está atrelada principalmente às problematizações que as pesquisas de Eunice Prudente, Dora Bertúlio, Ana Flauzina, Ísis Conceição e Thula Pires apresentaram. Identifico a partir destas autoras, ou em diálogo com as suas pesquisas, os estudos realizados nos últimos 20 anos por juristas negras que em alguma medida assumem as contribuições teóricas, metodológicas e epistêmicas da cultura jurídica da diáspora negra, no movimento Direito e Relações Raciais. Nesse sentido, o levantamento é um ponto de partida para provocar interações que ampliem as contribuições do pensamento crítico racial sobre o fenômeno jurídico.
  • 30
    Dora Bertúlio foi Visiting Scholar na Harvard Univeristy, Law School, entre os anos de 1994-1995.
  • 31
    Tendo se formado em 1984 na Faculdade de Direito da Universidade de Havard.
  • 32
    Formado em Direito na Universidade Havard em 1994.
  • 33
    Podemos indicar que integram esse quadro as correntes: sistêmica, dialética, semiológica e psicanalítica. Nota-se uma forte influência do pensamento crítico eurocêntrico como produções marxistas, frankfurtianas e focaultianas, além disso, as estratégias latino-americanas que vão orientar práticas e ideias alternativas a matriz europeia, na qual identificamos como pluralismo jurídico (WOLKMER, 2012WOLKMER, Antonio C. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.).
  • 34
    Apenas para fins de exemplificação no plano interno, Dora Bertúlio, no texto “Racismo, Violência e Direitos Humanos: considerações sobre a discriminação de Raça e Gênero na sociedade Brasileira” (2001), faz referência ao Escritório de Estudos e Pesquisas da Mulher e da Mulher Negra, na cidade de Cuiabá, ainda no início dos anos 1990.
  • 35
    No texto “A categoria político-cultural da Amefricanidade” Lélia Gonzalez (2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.: 330), partilha esse conjunto de referências que conformam o pensamento e a prática amefricana: “Cheickh Anta Diop, Theóphile Obenga, Amílcar Cabral, Kwame Nkrumah, W. E. B. Du Bois, Chancellor Williams, George G. M. James, Yosef A. A. Ben-Jochannan, Ivan Van Sertima, Frantz Fanon, Walter Rodney, Abdias do Nascimento e tantos outros”.
  • 36
    Destaque ao Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra criado em 1995 como resultado da Marcha Zumbi 300 anos; a criação da Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial em 2003; a implementação de cotas raciais nos vestibulares para ingresso no ensino superior na UNEB, UERJ e UnB como primeiras instituições a adotarem essa política de acesso à educação (PIRES, 2013PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.: 100).
  • 37
    A Marcha Zumbi 300 anos de 1995; a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e os encontros políticos da organização; a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas de 2001; a Marcha Noturna pela Democracia Racial; a Marcha das Mulheres Negras; o movimento Reaja ou será Morto, Reaja ou será Morta; (RIOS, 2012RIOS, Flavia. O Protesto Negro no Brasil Contemporâneo (1978 – 2010). Lua Nova, n. 85, pp. 41-79, 2012.).
  • 38
    A criação da Fundação Cultural Palmares - Lei nº 7.668/1988; a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” na base de educação nacional - Lei nº 10.639/2003; a regulamentação do art. 68 do ADCT sobre o processo de titulação do território quilombola - Decreto nº 4.887/2003; a Polícia Nacional de Promoção da Igualdade Racial - Lei nº 4.886/2003; a Lei nº 12.990/2014 que institui cotas raciais nos concursos públicos federais; o julgamento da Petição 3.388 sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 sobre a constitucionalidade da política de cotas raciais para ingresso no ensino superior; o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 que trata da constitucionalidade do Decreto nº 4.887; o julgamento da ADPF 738 para aplicação imediata de cotas raciais no fundo eleitoral; o julgamento da ADPF 635 sobre a suspensão de operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia; o julgamento das ADPF’s 709 e 742, respectivamente sobre medidas administrativas de combate a pandemia em territórios indígenas e quilombolas.
  • 39
    Ver o Dossiê Esperança Garcia (SOUSA, 2017).

Referências Bibliográficas

  • BELL, Derrick. Brown v. Board of Education and the interest convergence dilemma. In: CRENSHAW, Kimberlé et al. Critical race theory: the key writings that formed the movement. New York: New Press, pp. 518-533, 1995.
  • BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade, Atlântico Negro e intelectuais negros brasileiros: em busca de um diálogo horizontal. Revista Sociedade e Estado, v. 33, n. 1, pp. 119-137, 2018.
  • BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.
  • BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Racismo, Violência e Direitos Humanos considerações sobre a Discriminação de Raça e Gênero na sociedade brasileira Curitiba (no prelo), 2001.
  • BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. O “Novo” Direito Velho: Racismo e Direito. In: WOLKMER, Antonio C.; LEITE, José Rubens M. (org.). Os 'novos' direitos no Brasil: natureza e perspectivas - uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, pp. 125-162, 2012.
  • CARVALHO, Marília Pinto de; SILVA, Viviane Angélica. Ser docente negra na USP: gênero e raça na trajetória da professora Eunice Prudente. Poiésis - Revista do PPGE, v. 8, n. 13, pp. 30-56, 2014.
  • CONCEÇÃO, Ísis Aparecida. Os limites dos Direitos Humanos acríticos em face do Racismo Estrutural brasileiro: o Programa de Penas Alternativas do estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
  • CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Movimentos sociais e judiciário: uma análise comparativa entre Brasil e Estados Unidos da América do Norte. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
  • CONCEIÇÃO, Ísis Aparecida. As lições da Teoria Crítica Racial para o Brasil. In: FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula (org.). Encrespando - Anais do I Seminário Internacional: Refletindo a Década Internacional dos Afrodescentendes (ONU, 2015-2024). Brasília: Brado Negro, pp. 53-62, 2016.
  • CONCEIÇÃO, Ísis Aparecida. Justiça Racial e Teoria Crítica Racial no Brasil: uma proposta de teoria geral. In: AUAD, Denise; OLIVEIRA, Bruno. Direito humanos, democracia e justiça social: uma homenagem à professora Eunice Prudente – da militância a academia. São Paulo: Letras Jurídicas, pp. 167-204, 2017.
  • CRENSHAW, Kimberlé. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Review, v. 43, n. 6, pp. 1241-1299, 1991.
  • CRENSHAW, Kimberlé, GOTANDA, Neil; PELLER, Gary; THOMAS, Kendall. Critical race theory: the key writings that formed the movement. New York: The New Press, 1995.
  • CRENSHAW, Kimberlé. The first decade: critical reflections, or “a foot in the closing door”. UCLA Law Review, v. 1343, pp. 1–36, 2002.
  • CRENSHAW, Kimberlé. Twenty Years of Critical Race Theory: Looking Back To Move Forward. Connecticut Law Review, v. 43, n. 5, pp. 1253–1352, 2011.
  • DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. Critical Race Theory: An Annotated Bibliography. Virginia Law Review, v. 79, n. 2, pp. 461–516, 1993.
  • DUARTE, Evandro C. Piza. Racismo e Criminologia: Introdução à criminologia Brasileira. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2002.
  • DUARTE, Evandro C. Piza. O debate sobre as relações raciais e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro. Universitas Jus, Brasília, v. 1, pp. 110-145, 2004.
  • DUARTE, Evandro C. Piza. Do medo da diferença à liberdade com igualdade: as ações afirmativas para negros no ensino superior e os procedimentos de identificação de seus benefícios. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2011.
  • DUARTE, Evandro C. Piza. Prefácio - Direito e Relações Raciais: A construção da Teoria Crítica da Raça no Brasil. In: BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e Relações Raciais: uma introdução crítica ao racismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. i-xxiii, 2019.
  • FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
  • FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
  • FERREIRA, Gianmarco Loures; QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. A trajetória da Teoria Crítica da Raça: história, conceitos e reflexões para pensar o Brasil. Teoria Jurídica Contemporânea, v. 3, n. 1, pp. 201-229, 2018.
  • GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.
  • GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.
  • GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e Quilombos: famílias negras no enfrentamento ao racismo de estado. 2 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
  • HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG, 2013.
  • HESPANHA, António Manuel. As culturas jurídicas dos mundos emergentes: o caso brasileiro. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, v. 56, pp. 13-21, 2012.
  • LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em pretuguês: trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020.
  • MUNANGA, Kabengele. À guisa de prefácio. In: NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo – documentos de uma militância pan-africanista. 3 ed. rev. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro, 2019.
  • NASCIMENTO, Guilherme Martins do. Imunidade tributária sobre templos: uma análise crítica do silêncio dos juristas acerca das religiões de matriz africana. 2015. Monografia (Bacharelado em Direito) — Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
  • NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual: possibilidades nos dias de destruição. In: União do Coletivos Pan-Africanistas – UCP (org.). Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.
  • NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo – documentos de uma militância pan-africanista. 3 ed. rev. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro, 2019.
  • NERIS, Natália dos Santos. Um efeito alquímico: sobre o uso do discurso dos direitos pelas/os negras/os. Revista Direito Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, pp. 250-275, 2018.
  • PEREIRA, Amílcar Araújo. O mundo negro Relações Raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro, Pallas/Faperj, 2013.
  • PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Criminalização do racismo: política de reconhecimento ou meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos? Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
  • PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Por uma concepção Amefricana de direitos humanos. In: Clarissa Brandão e Enzo Bello. (org.). Direitos Humanos e Cidadania no Constitucionalismo Latino-Americano 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. 235-255, 2016.
  • PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, pp. 69-74, 2019.
  • QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: a experiência constituinte de 1823 diante da Revolução Haitiana. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
  • RIOS, Flavia. O Protesto Negro no Brasil Contemporâneo (1978 – 2010) Lua Nova, n. 85, pp. 41-79, 2012.
  • SILVA, Caroline Lyrio; PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Teoria crítica da raça como referencial teórico necessário para pensar a relação entre direito e racismo no Brasil In: XXIV Encontro Nacional do CONPEDI/UFS, 2015, Aracaju. Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI, 2015, pp. 61-85. Disponível em: http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/c178h0tg/xtuhk167/t9E747789rfGqqs4.pdf Acesso em: 13 dez. 2020.
    » http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/c178h0tg/xtuhk167/t9E747789rfGqqs4.pdf
  • SOLÓRZANO, Daniel G.; YOSSO, Tara J. Critical Race Methodology: Counter-Storytellingas an Analytical Framework for Education Research. Qualitative Inquiry, v. 8, n. 1, pp. 23-44, 2002.
  • SOUSA, Maria Sueli Rodrigues; SILVA, Mairton Celestino. (Orgs). Dossiê Esperança Garcia: símbolo de resistência na luta pelo direito. Teresina: EDUFPI, 2017.
  • WOLKMER, Antonio C. Introdução ao pensamento jurídico crítico 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • 1
    O artigo é dedicado às contribuições das juristas Eunice Prudente, Dora Bertúlio, Ana Flauzina, Tula Pires e Ísis Conceição para o campo do Direito e Relações Raciais. Agradeço a leitura crítica e as sugestões da pesquisadora Inara Flora Cipriano Firmino e do professor Philippe Oliveira de Almeida.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jun 2021
    • Data do Fascículo
      Apr-Jun 2021

    Histórico

    • Recebido
      04 Maio 2021
    • Aceito
      06 Maio 2021
    Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: direitoepraxis@gmail.com