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O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como receptáculo do presente (1838-1850)

The Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro as receptacle of the present (1838-1850)

El Instituto Histórico y Geográfico Brasileño como receptáculo del presente (1838-1850)

RESUMO

Este artigo investiga, através das produções do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro entre 1838 e 1850, sobretudo o seu periódico, os limites para a escrita da história do presente no século XIX. Os sócios, imbuídos de um discurso que, por vezes, legitimava essa prática por considerá-la pertinente em uma associação próxima ao imperador D. Pedro II, em geral, a desqualificavam em prol de uma concepção moderna de história na qual o afastamento temporal, combinado à imparcialidade, era condição fundamental para se chegar à verdade dos fatos, e a contingências políticas do próprio tempo. Daí se entende o caráter arquivista da instituição em relação aos documentos referentes aos fatos coetâneos e projetos como o da “arca do sigilo” para recolha e proteção dos mesmos.

Palavras-chave:
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; Segundo Reinado; historiografia; presente; arca do sigilo

ABSTRACT

This article investigates the limits for the writing of history of the present in the nineteenth century by analysing the Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro‘s production between 1838 and 1850, especially its journal. Even though its associates were steeped in a discourse that sometimes legitimized this practice, due to the relevant close association between the institution and the Emperor D. Pedro II, they generally disqualified it in favor of a modern conception of history. According to this conception, temporal distance, combined with impartiality, was an essential condition to get to the truth of the facts, in addition to contemporary political contingencies. Therefore, the archivist character of the institution is understood in relation to documents referring to contemporary events and projects such as the “ark of secrecy”, which aimed at collecting and protecting those documents.

Keywords:
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; Second Monarchy; historiography; presente; ark of secrecy

RESUMEN

Este artículo investiga, a través de las producciones del Instituto Histórico y Geográfico Brasileño entre 1838 y 1850, sobre todo su periódico, los límites para la escritura de la historia del presente en el siglo XIX. Los socios, imbuidos de un discurso que a veces legitimaba esa práctica por considerarla pertinente en una asociación próxima al emperador D. Pedro II, en general la descalificaba en pro de una concepción moderna de historia en la cual la lejanía temporal, combinada a la imparcialidad, era condición fundamental para llegar a la verdad de los hechos, y de contingencias políticas del propio tiempo. De ahí se entiende el carácter archivístico de la institución en relación a los documentos referentes a los hechos coetáneos y proyectos como el de la “arca del secreto” para la recolección y protección de los mismos.

Palabras clave:
Instituto Histórico y Geográfico Brasileño; Segundo Reinado; historiografía; presente; arca del secreto

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O estabelecimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), conforme aponta vasta bibliografia1 1 Entre outros: GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). Revista do IHGB. Rio de Janeiro, a. 156, nº 388, p. 459-613, jul-set. 1995; e GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 1, v. 1, p. 3-27, 1988. , deve ser inserido no contexto político do período regencial. A insegurança gerada pela constante possibilidade de desintegração do território explica, certamente, a motivação que levou à execução do projeto. Não à toa, as expectativas em torno da criação de um gigantesco arquivo, onde seriam guardados documentos relativos a tudo o que dizia respeito à história do país, se encontravam com a necessidade de escrever uma história nacional. A unidade, que, com muita dificuldade, estava sendo perpetuada no âmbito político, era uma possibilidade, ainda que distante, no campo da escrita da história e do estabelecimento de uma memória brasileiras.

A primeira década da agremiação pode ser caracterizada, em termos de produção intelectual, pela relutância de seus membros em trabalhar de forma detida sobre assuntos que dissessem respeito a momentos temporalmente próximos. Permeada por caracteres antigos e modernos, a história estimulada pelo IHGB ora rechaçava duramente o contemporâneo de suas investidas, ora instigava a abordagem de determinados assuntos da atualidade2 2 Havendo certa abertura para o desenvolvimento de uma história do presente no Instituto, o veto dava-se sobretudo na maneira de executá-la: sem imparcialidade ou critério. CEZAR, Temístocles. Lição sobre a escrita da história. Historiografia e nação no Brasil do século XIX. Diálogos, DHI/UEM, v. 8, n. 1, p. 15, 2004. . Ainda que fosse premente o recurso à censura do tempo presente pela instituição, em alguns momentos em que a urgência política se fazia sentir, em função, evidentemente, da exaltação e salvaguarda do governo de D. Pedro II e da unidade territorial do Império, os constrangimentos epistemológicos da disciplina histórica ficavam em segundo plano3 3 Daí concluir-se, juntamente com Rodrigo Turin, que o “amor à verdade” para aqueles homens, em alguns momentos, mantinha-se em perfeito equilíbrio com o “amor à pátria”. TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. História da Historiografia, n. 2, p. 17-18, março 2009. . Assim, podemos concordar que a “invisibilidade” do tempo presente na historiografia brasileira do século XIX não impediu que ele fosse “um dos discursos fundadores da historicidade”4 4 CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira. In: DUTRA, Eliana. O Brasil em dois tempos: História, pensamento social e tempo presente. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 29-30. .

Antes, porém, de entrar nessa discussão, é necessário entender a constituição de tal categoria temporal. O próprio Instituto estimulou essa problemática em seus anos iniciais: logo, em 1838, um dos fundadores da instituição, Januário da Cunha Barbosa, fazia o pedido de que fossem elaborados estudos pelos sócios que determinassem as “verdadeiras épocas da história do Brasil”, pois, somente após atingir essa tarefa, seria possível produzir a tão esperada “História Geral do Brasil”5 5 ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 171. .

Em resposta, Raimundo José da Cunha Matos publicou, ainda que décadas mais tarde, seu texto na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro6 6 Daqui por diante denominada apenas como Revista. . Segundo o marechal, a história do Brasil devia ser dividida em três épocas: a dos aborígines ou autóctones; a do descobrimento do território pelos portugueses e da administração colonial; e, por fim, aquela que unisse “[...] todos os conhecimentos nacionais desde o dia em que o povo brasileiro se constituiu soberano e independente, e abraçou um sistema de governo imperial, hereditário, constitucional e representativo”, ou seja, a partir de 18227 7 IHGB. RIHGB. Tomo XXVI, p. 129, 1863. . Cunha Matos pouco comentou a respeito das duas últimas épocas: todo o trabalho focaliza a primeira, apesar de o autor indicar grandes dificuldades ao seu estudo, devido à falta de registros disponíveis para o seu tratamento8 8 Segundo Valdei de Araujo, Matos queria provar a antiguidade do Novo Mundo, por isso centrou sua análise na “primeira época”. Cf. ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo, op. cit., p. 163. .

Também a terceira época apresentava problemas de definição. Possivelmente, isso teria a ver com as dúvidas sobre datas tão politicamente carregadas, como 1808, 1822 e 18319 9 Ibidem, p. 172. . Apesar de invocar os obstáculos envoltos nesse período, Matos não foi além; acabou centrando sua análise em questões de método e na rejeição de uma história geral, indo de encontro aos anseios da instituição, ou, mais especificamente, aos de seu secretário perpétuo10 10 Ibidem, p. 173. Para Matos, era impossível escrever uma história geral naqueles tempos: primeiro, havia que se escrever a história das províncias separadamente. .

Através do estímulo à produção de memórias que versassem sobre o “Modo pelo qual se deve escrever a história do Brasil”, o IHGB também procurou delimitar os procedimentos que uma narrativa sobre o passado deveria conter. A definição das categorias temporais não podia ser esquecida nesse contexto. O artigo de Henrique Julio de Wallenstein, preterido pelo de Karl Friederich Phillipe Von Martius no concurso de 1847, ainda que tenha sido publicado na Revista anos mais tarde, adotava uma compreensão tradicional, ligada à cronologia, que entendia as épocas como simples marcos temporais”11 11 Idem. .

Wallestein propunha que a escrita da história do Brasil devia seguir o “sistema de décadas”. Sua proposição se organizava unicamente pelo critério cronológico, não fornecendo ao leitor contemporâneo nem o sentido, nem a finalidade do trabalho historiográfico - características indispensáveis à moderna compreensão de história12 12 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista do Brasil. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 100. . Nesse caso, a especificidade do presente em relação ao passado se dava apenas por uma lógica sequencial na qual as partes não apresentavam qualidades particulares. A instituição das temporalidades, desse modo, não partia de uma problematização do historiador, mas era entendida quase como um dado a priori.

A narrativa da nossa história se iniciaria, para Wallestein, a partir de 1500 e se estenderia até a Independência e a coroação de D. Pedro I. A partir daí, não havia mais história, “[...] porque escrever a história contemporânea nenhum historiador nacional o deve fazer para se não expor a juízos temerários, e a outros inconvenientes, que trazem consigo os respeitos humanos. Arquivem-se os documentos, e o tempo virá”13 13 IHGB. RIHGB. Tomo XLV (Parte Primeira), p. 160, 1882. . A proposta de Wallestein, portanto, delimitava o presente a partir de 1822, aparentemente da mesma forma que Cunha Matos e sua “terceira época”.

Muito mais aproximado às exigências do IHGB estava o plano de escrita da história promovido por Von Martius. A obviedade dessa afirmação está no fato de a sua memória ter sido premiada pela agremiação tempos depois de já ter sido publicada em sua Revista14 14 A publicação foi feita na Revista de 1844, e o prêmio saiu em 1847. . Apesar de ela não estar diretamente relacionada à questão da periodização, como as outras, é possível inseri-la nessa discussão. Ao conceber a história como gênero filosófico, Von Martius entendia o presente como parte de sua ordem interna, de seu sentido. Segundo ele, importava menos ao historiador narrar simplesmente os fatos temporalmente do que fornecer uma proposta de inteligibilidade para o passado, submetido a um trabalho de seleção e enredamento específicos15 15 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista do Brasil, op. cit., p. 101. . Inclusive por esse motivo, talvez seja mais difícil delimitar o espaço do presente e, por conseguinte, sua distinção das demais categorias temporais nesse trabalho de Von Martius do que nos anteriores.

É inegável que a Independência era vista, praticamente de forma unânime nos trabalhos citados, como um marco que separava passado e presente. Também Januário da Cunha Barbosa, em seu relatório de 1840, assim se expressou ao destacar a importância do IHGB no cenário brasileiro. Em suas palavras, a agremiação trouxe luz à história nacional, cujos reflexos deviam ser projetados não apenas ao futuro, “[...] como também sobre os fatos, que enchem o largo período de 322 anos, que começando da feliz descoberta de Pedro Álvares Cabral, terminou com a proclamação da nossa gloriosa Independência, desprendida nas margens do Ipiranga dos lábios do Senhor D. Pedro I”16 16 IHGB. RIHGB. Tomo II, p. 584, 1840. .

Assim sendo, o cônego compreendia, de forma aproximada a Cunha Matos e Wallestein, o passado como o período estabelecido desde a chegada dos portugueses ao continente americano à Independência do Brasil. Conclui-se, portanto, que, a partir de 1822, a instância temporal seria de outra natureza; talvez sua própria vivência pessoal explique este sentimento de compreender os anos desde a Independência como tempo presente.

No entanto, não é menos exato admitir que, para aquela primeira geração do Instituto, a história contemporânea podia também ser delimitada a contar de 1817. Constituía-se, portanto, desde outro momento-chave para a história do país: a Revolução Pernambucana. É notório o fato de que os primeiros documentos sobre a rebelião foram publicados na Revista somente a partir da década de 1860, quando já não era mais considerada história recente17 17 GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 518-519. .

Determinando tal território, identificam-se também objetos da lembrança e, inversamente, do silenciamento. O advento da maioridade de D. Pedro II, em 1840, era entendido como um recomeço pelo IHGB, tanto no campo político, quanto histórico. Por consequência, o Segundo Reinado buscava suas origens numa época distante, anterior à Independência. Nesse sentido, o Instituto definia também o passado remoto, cujos marcos cronológicos estavam entre os anos de 1500 e 1816, e que eram, por definição, aquilo que podia ser trabalhado pela instituição sem prejuízo algum18 18 Ibidem, p. 520. .

A notória predileção por expurgar os fatos coetâneos da produção institucional justificava-se por uma compreensível preocupação política. Em muitas ocasiões, como será analisado neste artigo, evitava-se trazer à tona aquilo que remetesse ao presente, tendo em vista a ideia de que, pela proximidade temporal, pessoas que vivenciaram tais eventos ainda podiam estar vivas, o que acarretaria constrangimentos de foro não apenas individual, como também social. À tão almejada unidade nacional, era imprescindível o silenciamento, sobretudo daquilo que podia promover seu questionamento mais direto, como era o caso de todo o período entre 1817 e 1838. A demonstração de forças antagônicas que reivindicaram, no início do oitocentos, projetos políticos distintos para o país representava justamente aquilo que devia ser omitido para que a nação brasileira tomasse forma junto ao reinado de D. Pedro II.

Por outro lado, a justificativa para tais lapsos de memória em relação à história recente nem sempre se dava apenas em função da questão política. Dotados de forte apelo retórico19 19 Entende-se por retórica a utilização de argumentos que visam a um determinado objetivo de convencimento ou mesmo de persuasão. , os discursos dos sócios do IHGB argumentavam em favor da ideia de que o afastamento temporal era necessário para o estabelecimento de uma coerente escrita da história. Articulando conceitos como posteridade, imparcialidade e verdade, procuravam convencer os ouvintes/leitores de que estudar o presente era um erro, tendo em vista que o objeto narrado teria como testemunha o próprio narrador, cujo olhar, jamais imparcial, produziria análises cheias de “paixões”, isentas de crédito científico. De igual modo, entendia-se, em algumas situações, que a distância promovida pelo correr do tempo era a condição fundamental para o entendimento da própria experiência, que só assim se tornaria inteligível20 20 Uma das condições indispensáveis para a elaboração de uma “história científica” seria a “visão retrospectiva”. FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Cultura Vozes, Petrópolis, v. 94, n. 3, p. 111-124, maio/jun., 2000. .

Doação e arquivamento de documentos

O fundamento para a criação do IHGB estava assentado, entre outros aspectos, na promoção da coleta de documentos. Na famosa assertiva inaugural, lê-se que “[...] coligir, metodizar, arquivar e publicar os documentos necessários para a história do Brasil”21 21 Algo que foi reiterado em 1842. IHGB. RIHGB. Tomo IV, 215, 1842. eram algumas das principais funções a serem exercidas pela instituição. Estimulava-se, desse modo, não apenas a doação de tudo aquilo que podia interessar à produção intelectiva de trabalhos dos mais diversos gêneros, como o próprio estabelecimento de um arquivo central com escritos sobre o Brasil. Tamanho foi esse afã arquivístico que, em 1849, o próprio imperador fez um apelo para que a coleta de dados cedesse lugar à escrita da história nacional22 22 Incluiu, nesse apelo, tornar “[...] aquela [época] a que pertenço digna realmente dos elogios da posteridade”. Nos dizeres de Rodrigo Turin, ao IHGB era dada a obrigação de “[...] cantar, tal como um aedo moderno, as glórias do Brasil à posteridade”, sugerindo-se um projeto de “história do tempo presente” para a instituição, a despeito de suas variadas tentativas de distanciamento em relação às questões cotidianas. TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa, op. cit., p. 16, 2009. . Na sessão pública, D. Pedro II indicava os benefícios conseguidos pela instituição, em termos da grande quantidade de fontes arquivada sob seus auspícios, ao mesmo tempo que alertava para a falta de trabalhos que utilizassem tão imponente arcabouço documental23 23 ROCHA, João Cezar de Castro. História. In: JOBIM, José Luís (org.). Introdução ao Romantismo. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999, p. 45. . Ou seja, aparentemente, ­naquele primeiro decênio, o Instituto primava muito por se tornar um depósito de documentos,ao passo que a produção historiográfica era muito pequena. Esse fato demonstra que suas portas estavam muito mais abertas para a memória do que para a história24 24 Cf. GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit. .

A partir desse dado, é possível verificar que ao menos uma das tarefas propostas pela agremiação em sua abertura foi cumprida: a intenção de salvar “do dilúvio do tempo” os “monumentos da história”, tal como exposto por Francisco Manoel Raposo de Almeida dez anos após a fundação do IHGB, a meta estava sendo perseguida com afinco pelos membros da agremiação:

O Sr. Cunha Mattos compreendera a suprema utilidade de ir edificando o edifício da história do Brasil, à proporção que ele ia caminhando na carreira da sua existência. Juntando pois os seus esforços ao proverbial empenho do Sr. cônego Januario da Cunha Barbosa, lançaram a primeira pedra fundamental nos alicerces deste edifício, que é a arca onde se salvam do dilúvio do tempo os códices, os escritos e os monumentos da história deste território, que assombra a imaginação, ainda a mais gigante, quando o pretende sondar ou percorrer25 25 IHGB. RIHGB. Tomo XI (Suplementar), p. 237, 1848. .

O chamado dos sócios-fundadores Januário da Cunha Barbosa e Raimundo José da Cunha Matos para que a agremiação centralizasse documentos “preciosos” que restavam espalhados pelas províncias do Império foi atendido com louvor26 26 IHGB. RIHGB. Tomo I, p. 4, 1839. . De vários cantos do Brasil, e até do mundo, eram enviados papéis a serem estocados no arquivo do Instituto. Sobre a história considerada recente, então, essa lista só tinha a crescer.

Uma primeira referência nesse sentido foi a doação de José Ignácio de Abreu e Lima, comentada em sessão de outubro de 1839. Além da sua obra Bosquejo histórico, político e litterario do Brazil, cujo exemplar presenteado passou a fazer parte da biblioteca do IHGB. Abreu e Lima oferecia um manuscrito relativo à Revolução Pernambucana: era uma carta legítima - de autenticidade incontestável, de acordo com o remetente - escrita por Caetano Pinto de Miranda Montenegro. A oferta, recebida com “especial agrado” pelos sócios, foi remetida à apreciação da comissão de história, já que Abreu e Lima solicitava que o documento fosse publicado pelo grêmio, por representar “[...] parte original das circunstâncias, que deram lugar à infausta revolução da província de Pernambuco [...]”27 27 Ibidem, p. 282. O Conde da Barca era Antonio de Araújo e Azevedo, então secretário de Estado. Já Caetano Pinto de Miranda Montenegro atuava como presidente da província de Pernambuco quando estourou a Revolução de 1817. De acordo com Lucia Guimarães, esse documento evidenciava certa simpatia de Caetano Montenegro para com a rebelião. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 518. .

Tempos depois, segundo a comissão de história,

[...] conquanto um tal documento seja na verdade de muito preço, não convém todavia publicá-lo já pelo comprometimento que a sua publicação poderia levar a pessoas ainda existentes; e por isso a comissão é de parecer que o sobredito documento seja guardado nos arquivos do Instituto até que todos os nomes nesse documento mencionados tenham comparecido perante o tribunal da posteridade28 28 IHGB. RIHGB. Tomo I, p. 294-295, 1839 (grifos nossos). .

Assim, a despeito da vontade do sócio, sua oferta foi arquivada. A opinião de que um documento sobre 1817 devia não só fazer parte do arquivo do IHGB, como também ser publicado em seu periódico, naquele ano de 1839, não encontrou eco entre os pares. Fica claro, a partir do parecer, que o comprometimento que a publicidade de tal documento poderia acarretar a pessoas ainda vivas fazia com que fosse mister guardá-lo até época pertinente. O tribunal da história29 29 Substituindo o ideal cristão do Juízo Final, ao futuro era delegada a tarefa de julgar tais acontecimentos, já que no presente isso ainda não era possível. A história trazia, com isso, uma força tão moralizante, quanto assustadora. Essa metáfora, da história como tribunal, segundo Reinhart Koselleck, “[...] se alimenta da pressuposição de uma justiça que se realiza através da história”. KOSELLECK, Reinhart. A configuração do moderno conceito de história. In: KOSELLECK, Reinhart et al. O conceito de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 147-150. , nesse caso, era clamado por conta da necessidade de arrefecimento das emoções que ainda existiam em relação ao conflituoso evento.

Tal decisão acabou se transformando em uma espécie de exemplo para outros casos semelhantes. Entretanto, é necessário compreender os motivos que levaram os membros da comissão a rejeitarem o pedido de Abreu e Lima. Dois importantes sócios do IHGB estiveram envolvidos na Revolução Pernambucana: o general Francisco Soares de Andréa e um dos fundadores do IHGB, o marechal Raimundo da Cunha Matos. O último teria tido papel de destaque na luta contra os rebeldes pernambucanos30 30 GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 518. .

Vale notar, ainda, que, pela primeira vez, a expressão “tribunal da posteridade” surgia na Revista para servir, como argumento, ao propósito de embarreirar referências a períodos conturbados da política nacional mais recente. De uma maneira geral, essa locução sintetizava anseios que foram retomados a todo o momento dentro da agremiação: o afastamento temporal para a justa avaliação do objeto investigado, a partir do princípio de imparcialidade e de isenção emocional, bem como a ideia de que o que ocorre no presente só deve ser apreendido no futuro, quando tornar-se-á plenamente perceptível aos observadores, porque visualizado em seu conjunto.

À medida que o tempo passava, teve início a busca por documentos da referida rebelião de 1817. Em sessão de 14 de setembro de 1848, aprovava-se, por esse motivo, notificar ao presidente de Pernambuco “[...] a fim de se obter a coleção das defesas dos réus da rebelião que teve lugar naquela província em 1817, documentos arquivados na secretaria da província [...]”, além da Nobliarchia Pernambucana, existente no convento dos beneditinos de Olinda31 31 IHGB. RIHGB. Tomo X, p. 407, 1848. . Ainda sobre a Revolução Pernambucana, o Instituto recebia da França, no ano seguinte, o códice com o interessante título Guerra civil, ou sedições de Pernambuco: exemplo memorável aos vindouros, enviado pelo sócio-correspondente Caetano Lopes de Moura32 32 IHGB. RIHGB. Tomo I XII, p. 287, 1849. . Outra oferta, desta vez relativa a um documento sobre a Confederação do Equador, foi feita pelo sócio recém-chegado Manoel José de Albuquerque, em janeiro de 1840: a ata da Proclamação da Confederação do Equador, instituída pela sua província - o Ceará - em 26 de agosto de 1824. Em suas palavras, tal documento, conservado em seu poder desde 1825, era raro, além de “[...] bem interessante, por ser uma peça comprobatória de uma das revoluções mais notáveis do Brasil”. Além da ata, Albuquerque enviava à instituição uma gravura do selo que usava a Câmara Municipal da cidade de Fortaleza no tempo do governo rebelde. O IHGB fez questão de agradecer ao sócio pelas doações que, durante tanto tempo, permaneceram em suas mãos antes de passar ao arquivo da instituição33 33 IHGB. RIHGB. Tomo II, p. 144, 1840. .

Sobre o mesmo evento, foi enviado ao IHGB, em 1848, o manuscrito Itinerário que fez Fr. Joaquim do Amor Divino Caneca, saindo de Pernambuco a 16 de setembro de 1824 para a província do Ceará Grande, pelo sócio-correspondente Filipe Lopes Neto. Além do agradecimento padrão, os membros presentes na reunião indicaram o trabalho à comissão de redação, para que fosse dado parecer se o mesmo poderia ser publicado34 34 IHGB. RIHGB. Tomo X, p. 393, 1848. Não há notícias de que isso tenha ocorrido. .

Bem antes, em novembro de 1839, o cônego Januário fazia uma lista de documentos e obras doados no ano social na primeira sessão pública aniversária do Instituto. Dentre os títulos comentados, nota-se a doação feita pelo sócio-correspondente Sampaio Vianna “[...] de um folheto ali [na Bahia] impresso sobre os memoráveis acontecimentos dos dias 14, 15 e 16 de março de 1838”, muito provavelmente se referindo aos momentos finais da Sabinada35 35 Também comenta sobre a doação do sócio efetivo Matoso da Câmara do folheto escrito por José de Saldanha, intitulado Breve História da Revolução dos dias 6 e 7 de abril de 1831, no Rio de Janeiro. IHGB. RIHGB. Tomo I, p. 215-216, 1839. . Já na sessão de julho de 1843, lia-se sobre a doação feita pelo Senador José Bento Leite Ferreira de Mello sobre os movimentos rebeldes paulista e mineiro de 1842. Ela consistia em “[...] respostas (impressas) dadas ao Senado por ele e pelo Exm. Sr. Senador José Martiniano de Alencar, sobre a pronúncia contra ambos feita pelo Juiz Municipal da 2ª vara Bernardo Augusto Nascentes de Azambuja [...]”, no processo organizado na Corte sobre os dois movimentos. Também apresentava as respostas dadas ao Senado na mesma ocasião “[...] pelos Exms. Senadores Diogo Antonio Feijó e Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, sobre a pronúncia de cabeças de rebelião, contra eles proferida pelo Chefe de Polícia da Província de S. Paulo, J. A. G. de Menezes, no processo da revolta de 17 de maio de 1842”36 36 IHGB. RIHGB. Tomo V, p. 380-381, 1843. .

Conforme se verifica, era grande a quantidade de documentos enviados ao Instituto que relatavam acontecimentos da primeira metade do século XIX, sobretudo em relação a alguma rebelião travada contra as autoridades instituídas. Dali a algum tempo, quem sabe não serviriam para escrever a história de tão funesta época?

Outra consideração que merece destaque a partir da análise das doações feitas ao Instituto no período indicado é a importância conferida à questão sulista. Enquanto durou a Farroupilha, e mesmo com sua conclusão, parecia haver forte interesse em manter um arquivo que contivesse dados sobre as províncias rebeladas, tanto por parte da direção do IHGB, quanto dos seus associados. Para isso, contudo, a documentação ofertada não necessariamente era referente ao período em que durou a rebelião. O foco de interesse sobre o sul do país estava em recortes cronológicos anteriores a 1835, talvez como forma de tentar entender o porquê da eclosão da referida revolta37 37 Mesmo no Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro (IHGPSP), inaugurado efetivamente em 1860, após uma primeira malfadada fundação, em 1855, havia limites para tratar da guerra civil. Isso porque ela representaria um “sucesso” alcançado pelo povo rio-grandense frente à nação, o que poderia ser interpretado como uma afronta e causar mal-estar perante o IHGB, que silenciava a respeito da Farroupilha desde as orientações que foram feitas ao final da guerra e perpetuadas pelo Decreto Imperial de 1844. Aos membros do IHGPSP interessava mostrar que o Rio Grande fazia parte da nação em construção, e que a província nunca teria desejado o contrário. BOEIRA, Luciana Fernandes Boeira. Como salvar do esquecimento os atos bravos do passado rio-grandense: a província de São Pedro como um problema político-historiográfico no Brasil imperial. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013, p. 73-74. .

Uma amostra disso foi a doação, em agosto de 1840, feita por José Joaquim Machado de Oliveira de uma série de manuscritos oriundos do sul do Brasil. O destaque maior não era conferido, entretanto, aos documentos que estavam sendo doados, mas àqueles que ainda não o tinham sido. Em suas palavras, possuía, além do que fora ofertado, outros documentos “[...] relativos à guerra do Sul começada em 1816; e por considerá-los não inteiramente destituídos de merecimento, julgo que podem ter semelhante destino; o que assim acontecerá logo que sejam trasladados em melhor letra”38 38 IHGB. RIHGB. Tomo II, p. 423, 1840. . Isso foi feito cerca de quatro anos depois, quando a ­Memória sobre a campanha de 1816 na fronteira da Província de S. Pedro contra o exército de Artigas escrita pelo Capitão Diogo Arouche de Moraes Lara foi finalmente entregue ao IHGB39 39 IHGB. RIHGB. Tomo VI, p. 126, 1844. Machado de Oliveira também apresentou ao IHGB sua Memória histórica sobre a questão dos limites entre Brasil e Montevidéu, laureada por Joaquim Manuel de Macedo no relatório das atividades do Instituto de 1853. Outros membros criticaram-no por abordar uma questão tão delicada - das fronteiras do Sul com a região platina -, mais política que histórica e, pior, tendo um viés abertamente crítico à postura adotada pelo governo do Brasil na ocasião do Tratado de Limites de 1851. Isso demonstra, contudo, que a temática dos limites meridionais do país foi reiteradamente discutida pelo IHGB, dando publicidade a escritos pudessem elucidá-la. BOEIRA, Luciana Fernandes Boeira. Como salvar do esquecimento os atos bravos do passado rio-grandense, op. cit., p. 171-177. .

O IHGB recebia documentação vinda não só do Brasil, como de outros países. De Portugal, por exemplo, chegou uma série de documentos remetida por Antonio de Menezes Vasconcellos de Drumond, ministro plenipotenciário na Corte de Lisboa e sócio-correspondente da instituição40 40 Vale notar que Drummond teve um importante papel de intermediação entre Francisco Adolfo de ­Varnhagen e o IHGB, inclusive para que Varnhagen se tornasse sócio-correspondente do grêmio. ­Drummond demonstrara como os interesses do sorocabano confundiam-se com os da instituição histórica e, mais do que isso, com os do país, sobretudo devido ao interesse do “[...] erudito brasileiro às investigações de documentos no exterior”, principalmente em arquivos portugueses e espanhóis. SILVA, Taíse Tatiana Quadros da. A reescrita da tradição: a invenção historiográfica do documento na História geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen (1854-1857). Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p. 38-40. . Como conta em carta datada de outubro de 1840, remetida juntamente com algumas ofertas, Drumond poderia ter enviado outros documentos, não fosse uma prevenção que impôs a si próprio:

Eu possuo muitos papéis relativos à nossa história moderna destes últimos vinte anos. Bem vejo que deles não devemos fazer ainda uso, pois é muito cedo para julgar de ações cujos autores estão ainda entre nós; hei de porém tratar de os colecionar para os depositar no arquivo do nosso Instituto, donde sairão algum dia analisados pelo juízo crítico e imparcial da posteridade no curso da nossa história41 41 IHGB. RIHGB. Tomo III, p. 122, 1841 (grifos nossos). Importante observar que o tratamento dado aos fatos recentes era por meio de termos como atual, atualidade e moderno, em detrimento de presente e contemporâneo. CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 32. .

Adotando postura totalmente sintonizada com os anseios do Instituto Histórico, Drumond tratou de demonstrar o respeito às leis do tribunal da posteridade. Preocupava-se em colecionar os papéis sobre a história recente - ou “moderna”, como invoca - para depois enviá-los ao IHGB, onde seriam guardados por mais algum tempo até poderem se tornar fonte de algum estudo crítico, desconectado de julgamentos pessoais.

No ano seguinte, Drumond endereçava novos manuscritos ao Instituto. Sobre esses, esclarecia serem documentos originais: o primeiro era sobre a vistoria feita pelo corpo de engenheiros e mestrança na varanda onde foi aclamado rei D. João VI; já o segundo referia-se à quantidade de madeira que se tirou do “desmancho” da dita varanda. A aclamação de D. João VI foi a primeira em que o monarca esteve presente no Brasil, daí a justificativa para o envio de tais papéis ao Instituto, que teriam suma importância para a história a ser escrita sobre aquele tempo42 42 Ibidem, p. 504. .

Drumond mostrava, uma vez mais, o conhecimento que tinha sobre questões relativas à historiografia, tanto que se vê em posição de dissertar um pouco mais detidamente sobre esse ofício, sempre tendo em vista a colaboração que o Instituto devia dar para a posteridade:

A história recolhe tudo, nada lhe é indiferente, desenha a fisionomia do tempo no físico e no moral; e a perda de uma só notícia, por mais insignificante que seja, é uma lacuna que fica em suas páginas. Muito circunspecto deve pois ser o nosso Instituto em recolher e classificar tudo o que se passou e teve lugar na coroação do nosso atual Imperador, na corte, nas províncias, até nos países estrangeiros, para deixarmos em limpo esses documentos à posteridade43 43 Idem. .

Novamente, percebe-se o entrosamento do discurso de Drumond com o que o IHGB esperava de seus sócios. Em 1842, comentava-se em sessão que a mais grata tarefa de responsabilidade do grêmio devia ser a de “[...] traçar, com a severa pena do historiador fiel e imparcial, os atos do paternal governo de Vossa Majestade Imperial [...]”, tendo em mente transmitir todos os feitos do monarca “à mais remota posteridade”44 44 IHGB. RIHGB. Tomo IV, p. 215, 1842. - passagem quase análoga à proferida por Drumond em sua carta. A instituição devia glorificar as ações do governo de D. Pedro II, ainda que elas representassem uma história do tempo presente. Essa tensão entre ser um braço da monarquia, prestando-lhe serviços através do trabalho intelectual, e manter os protocolos epistemológicos da imparcialidade, associada ao recuo temporal, caracterizou as produções da associação ao longo de todo o século XIX.

Em momento anterior, na sessão de 21 de junho de 1841, dentre outras doações, sinalizou-se aquela feita por Emílio Joaquim da Silva Maia das Memorias historicas, politicas, e ­philosophicas da revolução do Porto em maio de 1828, de seu pai Joaquim José da Silva Maia45 45 GARCIA, Lúcia. Emílio Joaquim da Silva Maia: um intelectual no Império do Brasil. RIHGB. Rio de Janeiro, a.168 (437), p. 74-75, out./dez. 2007. . A edição da obra, cuja publicação deveu-se a Emílio, foi dedicada ao IHGB para ser protegida “com o vosso nome”: “Com a segurança, pois do vosso apoio vão estas Memórias sair à luz e não duvido, que seja bem aceita pela honra, que lhe fazeis, consentindo, que eu estampe na sua frente o nome do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”46 46 MAIA, Joaquim José da Silva. Memorias históricas, políticas e filosoficas da Revolução do Porto em maio de 1828, e dos emigrados portuguezes pela Hespanha, Inglaterra, França e Belgica. Rio de Janeiro: Typographia de Laemmert, 1841, p. VI. .

Tendo em suas mãos os manuscritos desde 1834, no “Prefácio do Editor”, Emílio falava sobre as razões que o levou a publicá-los em 1841. A obra, escrita por seu pai nos anos de 1829 e 1830, evocava o interesse por aquele tempo que “[...] parece hoje de pouca monta, quando mais afastados daquela época os sofrimentos se têm arrefecido com a vitória que alcançaram depois os Constitucionais Portugueses contra a usurpação”47 47 Ibidem, p. VII. . Indicava, ainda, que:

Se algum interesse tem essas Memórias é o de serem escritas na época em que os fatos não podiam ser contestados, e em que a causa constitucional se achava abandonada à sua própria sorte; então não podíamos julgar os homens, como hoje, por seus feitos posteriores.

Finalmente, concluo este Prefácio assegurando de novo, que a obra que vai sair à luz não sofreu a menor alteração, e que ela conserva todo o interesse daquela época, se já não se esvaneceu pelo lapso de 12 anos, que tem decorrido com bem variados sucessos48 48 Ibidem, p. IX. .

A esse respeito, antecipava as possíveis críticas pela escolha de editar tal trabalho: “[...] muita gente pensará que fui guiado, publicando estas Memórias, por motivos pessoais e não por amor ao público”. Alertava que houve sim um apreço pessoal pela empreitada - queria “pagar um tributo” à memória do pai, conforme indicou em outro trecho -, o que não excluía, por outro lado, o interesse pela “moderna história de Portugal”, que mantinha tantos laços com o Brasil49 49 Ibidem, p. VI. Quem também ajudou a promover a memória paterna a partir da atuação intelectual foi Varnhagen. Em História Geral do Brasil, o autor não deixou de conferir ao pai um papel extremamente importante na construção da nacionalidade brasileira, evidenciado no trabalho que teve como executor das primeiras fundições em Rio Grande. Essa postura possibilita a indagação a respeito dos limites da imparcialidade na escrita varnhageana. Ver: CEZAR, Temístocles. Em nome do pai, mas não do patriarca: ensaio sobre os limites da imparcialidade na obra de Varnhagen. História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 207-240, 2005. Em outro trabalho, Cezar complementa a discussão, ao indicar que “[...] Varnhagen escreve sobre o Brasil não apenas com a documentação que encontra e com os livros que lê, mas também a partir de sua experiência pessoal, de suas escolhas e de suas frustrações”. CEZAR, Temístocles. Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência. Topoi, v. 8, n. 15, p. 159-160, 2017, jul./dez. 2007. . Isso porque, assim como seu pai, Emílio entendia a história do Brasil em termos de continuidade com a história lusa. Portugal era por ele visto como “nosso progenitor” e, da mesma forma que o passado e o presente da nação brasileira estavam conectados com sua antiga metrópole, o aprendizado rumo ao futuro também se estabeleceria por meio dessa perspectiva. Maia compreendia que os acontecimentos da história moderna portuguesa muito teriam a servir ao Brasil recém-independente e à construção de sua história nacional50 50 GARCIA, Lúcia. Emílio Joaquim da Silva Maia, op. cit., p. 77. . Tudo isso, enfim, justificava a publicação das memórias paternas e a consequente oferta feita ao Instituto.

A despeito de a instituição estabelecer os limites para o que era considerado história recente (a partir de 1817), Emílio Maia não via grandes problemas com a publicação, em 1841MAIA, Joaquim José da Silva. Memorias históricas, políticas e filosoficas da Revolução do Porto em maio de 1828, e dos emigrados portuguezes pela Hespanha, Inglaterra, França e Belgica. Rio de Janeiro: Typographia de Laemmert, 1841, p. VI. Arquivo do IHGB, Rio de Janeiro, Brasil. Ref.: 16, 2, 10., do manuscrito de seu pai sobre os acontecimentos da década de 1820 no Porto. Em sua opinião, um tempo considerável havia se passado e algum julgamento podia ser feito, ao contrário da época em que seu pai escreveu, totalmente imerso nos episódios. Isso porque esse tipo de narrativa, elaborada durante o desenrolar do próprio evento, possuía um entrave poderoso: a interpretação apenas do imediatamente próximo, do agora. Perdia-se, desse modo, a percepção de que havia um processo se desenrolando. Por esse motivo, quem escrevia no e sobre o presente teria necessariamente que se eximir de julgar os homens, porque a intelegibilidade da experiência só se tornaria possível com o movimento do tempo, quando poderia ser abarcada em toda sua completude. Assim, se antes isso ainda não era exequível, uma década mais tarde o cenário era outro. Para o filho, esse lapso possibilitava que o foco das análises do pai se transmutasse em um passado já afastado e acabado e, portanto, passível de ser compreendido e avaliado51 51 MAIA, Joaquim. Memorias históricas, políticas e filosoficas da Revolução do Porto..., op. cit., p. VII e p. IX. .

Se, por um lado, essa postura de Maia parecia destoar um pouco do que vinha sendo discutido no IHGB sobre a impossibilidade de se tratar da história recente, por outro, vale lembrar que a doação ao Instituto não pressupunha a publicação da obra pela instituição, realizada previamente pelo próprio sócio. As Memorias historicas, politicas, e philosophicas da revolução do Porto em maio de 1828, de Joaquim José da Silva Maia, não trariam muitos problemas, tendo em vista que sua publicação, além de póstuma, não estava diretamente atrelada ao IHGB - apesar do pedido de Emílio para que o Instituto desse seu aval ao livro, o que ficaria estampado na publicação. Além disso, seu autor, como bom partidário da união entre Brasil e Portugal mesmo após a Independência, possuía pensamento semelhante ao do grêmio, interessado em contar de forma linear e sem rupturas a história brasileira a partir da portuguesa.

Em outras ocasiões, Emílio da Silva Maia demonstrou com produção intelectual própria que realmente compartilhava dessa premissa com o pai. E, também, que não via problemas em tratar de temas considerados recentes pelo IHGB, como foi o caso dos seus Estudos históricos sobre Portugal e Brasil, série de dezoito documentos que permaneceram guardados nos arquivos do Instituto e até hoje não foram publicados52 52 Estima-se que foram escritos na primeira metade do século XIX. GARCIA, Lúcia. Emílio Joaquim da Silva Maia, op. cit., p. 107. . Tais manuscritos tratam dos principais acontecimentos que permearam a vida política e cultural dos dois países, desde os feitos lusitanos do século XV até a Revolução do Porto. Dos dezoito volumes que compõem o conjunto, doze livros foram utilizados para tratar do período entre 1807 e 182153 53 O último livro diz respeito à revolução ocorrida na Bahia em 1821. Parece-me que Maia incorporou neste tópico anotações já desenvolvidas em outro trabalho seu: a Historia da Revolução efetuada na Bahia no dia 10 de fevereiro de 1821, que também se encontra no arquivo do IHGB. . A não publicação dos Estudos pelo Instituto e o fato de permanecerem inéditos podem corroborar a visão de que o IHGB resolveu por bem guardá-los pela forte presença da história recente do Brasil (e de Portugal) em suas páginas, sobretudo o complicado período que antecedeu à formação do Estado independente.

Após a morte de Emílio da Silva Maia, como de praxe, a instituição teve de render homenagens ao sócio-fundador. Através da fala de Joaquim Manuel de Macedo, em 1859, tem--se a construção da imagem do morto como homem de letras e de ciência, isento em relação às questões políticas da época54 54 IHGB. RIHGB. Tomo XXII, p. 704-712, 1859. Entre outros aspectos, Macedo destacava o fato de Maia não ter se envolvido “[...] nas lutas dos ardentes comícios públicos, nem nos certames arrebatados da imprensa política”. . Ainda que, em relação à sua produção intelectual, Maia tenha demonstrado forte preocupação em refletir sobre o tempo presente, ele nunca chegou efetivamente a se envolver em revoltas ou a ter cargos políticos, como indicou Macedo. Foi através da pena e não da espada que Maia apoiou determinadas bandeiras, como, por exemplo, a do estreitamento dos laços entre Portugal e Brasil - herança de seu pai. Ao Instituto coube a tarefa de tornar-se o depósito para seus trabalhos sobre a história dos dois países. Não se sabe até que ponto isso foi uma escolha do próprio Silva Maia ou uma imposição do IHGB; só se tem notícia de que, no caso dos Estudos históricos sobre Portugal e Brasil, os dezoito manuscritos foram ofertados ao Instituto pela viúva do desembargador Antonio Ferreira de Souza Pitanga, provavelmente já no século XX.

Ao longo dos anos, o arquivo do IHGB só parecia aumentar55 55 Claro está que as ofertas não eram apenas relativas a documentos do presente ou do passado recente. Comuns também eram doações de documentos oficiais, tais como leis, relatórios e/ou atas de assembleias provinciais. . Nas mais diversas situações, adotou-se protocolo semelhante em relação ao lugar conferido à documentação sobre a história recente. Normalmente, os documentos eram guardados na instituição para servirem, no porvir, ao propósito de escrever a história daquele tempo. Referendando essa posição, recorre-se novamente a uma fala de Januário da Cunha Barbosa, que dizia que o aumento diário do depósito de fatos históricos da instituição deve “[...] servir mais comodamente aos nossos futuros historiadores, que nos arquivos do Instituto encontrarão copioso cabedal sobre que trabalhe a sua crítica”56 56 IHGB. RIHGB. Tomo V, p. 6, 1843. .

A preocupação com os documentos presumia uma atenção para com os fatos que seriam julgados pelo tribunal da história. Sobre isso, havia a necessidade também de arquivar tudo aquilo relativo à atualidade, ao governo de D. Pedro II, pois a proposta não era de apenas conservar documentos, mas de convertê-los em fontes primárias para o historiador do futuro57 57 Para entender esse processo de “conversão” do documento em fonte primária, ver CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 81. :

Fundado debaixo de seus auspícios, este literário estabelecimento parece destinado a marcar os fastos memoráveis do reinado do Sr. D. Pedro II; nem escapam ao buril da história tantos acontecimentos que se vão sucedendo, e que levarão o nome de tão amável Príncipe à mais remota posteridade, acompanhado dos gloriosos epítetos de protetor das letras, ciências e artes, amigo e pai de seus patrícios e súditos. Todos esses acontecimentos ficarão assim mais estampados na memória dos homens, do que escritos, passados anos, e já decaídos de suas primitivas cores58 58 IHGB. RIHGB. Tomo V, p. 7, 1843. .

A “arca do sigilo”

Tomando como ponto de partida a ideia difundida e amplamente aceita de que o IHGB possuía íntima ligação com a política imperial, compreende-se, por consequência, a ação de censurar a publicação de tantos documentos, relatos e trabalhos, que diziam respeito a momentos malquistos da história recente do país. Os argumentos utilizados para respaldar essa “retórica do sigilo”59 59 Utilizamos a expressão com a intenção de mapear argumentos nos discursos pronunciados por membros do IHGB com a finalidade de justificar o segredo em que eram colocados documentos e fatos daquele tempo presente. partiam da moderna perspectiva historiográfica, não deixando de lado, contudo, o aspecto político da situação. Segredar significava, então, proteger a política imperial e o Estado nacional brasileiro.

Dentro desse quadro, para além do âmbito das ideias, os membros da agremiação chegaram às “vias de fato”, ao projetar algo que se assemelhava à sua concretização, no sentido material. Os possíveis segredos estariam seguros no projeto de Francisco Freire Alemão:

Proponho que no Instituto haja uma arca fechada com duas chaves, uma das quais guardará o Exmo Ministro do Império, ou o diretor do Arquivo Público Nacional, para que nela se conservem debaixo de sigilo as notícias históricas contemporâneas que alguém queira enviar ao mesmo Instituto, notícias que virão lacradas em cartas, e só serão abertas no tempo em que seu autor o determinar [...]60 60 IHGB. RIHGB. Tomo IX, p. 567, 1847. .

A proposta feita em dezembro de 1847 foi aprovada em fevereiro de 1850. A comissão composta por Manoel de Araújo Porto-Alegre e Manoel Ferreira Lagos (além do próprio Freire Alemão) deu um parecer certeiro a respeito da “arca do sigilo”, como passou a ser denominado o projeto, no qual foram dadas como certas a importância e a utilidade que este instrumento teria para o Instituto naqueles tempos de catalogação de fontes e consequente produção da história. Nas palavras dos sócios,

Escritos há, certamente, muito úteis e preciosos para a história de um país, cuja imediata impressão pode acarretar, além de grandes desgostos a seus autores, incalculáveis perturbações, e comprometer não só a paz interna, como a externa; e outros, que envolvendo personalidades contemporâneas e descarnando os fatos, ou divulgando segredos, trariam um sem número de inimizades e deslocações pessoais, mormente em épocas de transição, e num país como o nosso, onde as bases de uma longa experiência não podem ainda frutificar, e onde a tolerância das nações velhas ainda não chegou61 61 IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 133, 1850. .

Esse trecho refere-se, portanto, à ideia de que a arca devia servir a um propósito fundamental naquele contexto de recentes disputas protagonizadas por forças políticas antagônicas. Para muitos autores, a década de 1850 representou o momento de consolidação da ordem imperial, tendo o fim da rebelião sulista dos Farrapos contribuído muito para tal interpretação. Trazer à tona “um sem-número de inimizades e deslocações pessoais” podia demonstrar, justamente, aquilo que se queria esquecer. Tal lapso de memória seria possível com a arca do sigilo, já que ela funcionaria como um instrumento que garantiria o esquecimento momentâneo de determinado objeto.

Essa argumentação se ajusta perfeitamente ao que parece ser uma dupla tarefa à qual a instituição histórica se propunha naquele momento. Se, de um lado, zelar pela tranquilidade que levaria à prosperidade do Império fazia com que se segredassem os resquícios de momentos de extrema turbulência dentro do Brasil, de outro lado, tais eventos não podiam ser simplesmente apagados dos anais da história. A arca se estabelecia enquanto tentativa de “[...] capturar ou controlar o tempo presente de modo mais intenso”62 62 CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 34. Para o autor, a arca não representava, necessariamente, um veto à história do tempo presente. Partindo da análise dos pareceres da comissão de história do IHGB, ele demonstra o quanto o projeto “refletia a ausência de maturidade, política e epistemológica, requerida para se escrever sobre seu próprio tempo”. Ibidem, p. 35. . O arquivamento tornava viável a segurança da documentação que narrava esses acontecimentos; mais uma vez, à posteridade era garantido o acesso aos mesmos: atuando como juiz capacitado do passado estava o historiador do futuro63 63 Ainda segundo o parecer: “Para os homens associados em grupos, que se rateiam contínua proteção e mútua segurança, não há outro juiz que o escritor e outro tribunal além da história”. IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 134, 1850. .

Por outro lado, se a imprensa já era responsável por narrar o que estava acontecendo em tempo real, para que guardar tão sigilosamente toda essa documentação? O foco da escrita jornalística não era pautado nos acontecimentos do presente?

Nesse caso, a distinção entre o jornalismo e a história, centrada em parte na ideia de que o presente só poderia ser objeto do primeiro, se fez frequente no século XIX. Enquanto o jornalista trabalhava com o evento “quente”, a partir do contato direto com o que deveria ser descrito, o historiador teria, necessariamente, de abarcar o acontecimento “frio”64 64 PEREIRA, Mateus. A máquina da memória. Almanaque Abril: o tempo presente entre a história e o jornalismo. Bauru: EDUSC, 2009, p. 221-224. . Isso produzia, portanto, uma aura de desconfiança em relação ao jornalista, que escrevia no e sobre o presente. Importante notar, dentro desse espectro, a posição tomada pelo Instituto Histórico desde a sua criação, enquanto um espaço iminentemente letrado, afastado do “mundo tumultuado da imprensa periódica”65 65 ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada do Império do Brasil. Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 31, n. 56, p. 393, mai/ago 2015. .

Mesmo no caso em que a imprensa podia ser vista como fonte para a produção de uma narrativa histórica, em um futuro mais ou menos distante, algumas premissas deviam ser assumidas:

A imprensa em uma sociedade como a nossa, e no estado em que nos achamos, não satisfaz o historiador: escrevemos atualmente com muita paixão; todos os fatos são desfigurados por ambos os lados que pleiteiam interesses, e que defendem individualidades: aquilo que mais importa à história e sua filosofia sobre a origem dos acontecimentos, e causa produtora de tais e tais resultados, se acha baralhado debaixo das formas de uma lógica capciosa, e no meio de declamações vagas, onde os indivíduos substituem as ideias66 66 IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 133, 1850. .

Segundo os pareceristas, a escrita “apaixonada”, atributo inerente à natureza da imprensa, repercutiria no trabalho do historiador que utilizasse jornais e panfletos como fonte de pesquisa. Nesse quadro, a própria condição de verdade, perseguida com afinco pelo tribunal da história, estaria comprometida. Era necessário, portanto, contrabalançar esse tipo de fonte a outras, pois a imprensa, por si só, não poderia satisfazer ao historiador. A arca do sigilo poria fim a essa lacuna.

Conclusivamente, a comissão indicava, uma vez mais, a importância da existência de um depósito, onde se assegurasse o esconderijo passageiro daquilo que, naquele momento, devia ser segredado, recorrendo, novamente, à lógica da posteridade como juíza dos acontecimentos do presente. Isso resolveria a aporia entre “tomar partido” e manter a objetividade do conhecimento histórico em formação. Ao mesmo tempo em que se primava pelo afastamento da atualidade mais imediata, permitindo uma aproximação do ideal científico pautado na distinção entre sujeito e objeto de pesquisa, no presente eram instaurados “instrumentos de contenção”, sendo a arca um deles67 67 CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 35. :

A comissão crê que um utilíssimo resultado se colherá da criação deste arquivo secreto, além dos que já teve a honra de ponderar: a arca do sigilo vai ser o depósito da consciência íntima de muitos escritores, que não levarão à sepultura verdades essenciais à história de um país, vai ser o juiz póstumo do caráter de todos os autores principais da cena do nosso mundo, e revelar fatos que tornariam a história obscura, forçando os escritores futuros a tatearem no mundo das conjecturas e das probabilidades. Além disto, o temor dos escritos secretos dos contemporâneos, da divulgação de crimes documentados, o pressentimento de uma funesta herança para os descendentes daqueles que souberam iludir seus contemporâneos, fará com que muitos homens recuem e que procedam mais assisadamente nos seus atos alistando-se de preferência no mundo do idealismo, no domínio da razão, do que num pernicioso e temporário individualismo68 68 IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 134, 1850 (grifos nossos). .

Indicava-se, ainda, que havia possibilidade de ensinamento através do próprio presente. Os homens aprenderiam não tanto pelo exemplo e pela imitação do passado, como no uso clássico da expressão historia magistra vitae, mas em decorrência da inquietação por saber que informações de atividades coevas estavam sendo ocultadas premeditadamente. Sem chance de conhecer o que foi guardado, e simplesmente pelo desassossego de saber que algo foi posto em sigilo, os contemporâneos poderiam se tornar mais cautelosos em seus atos, sobretudo os políticos, preferindo o “bem comum” - associado provavelmente à idealizada unidade nacional - ao “pernicioso” individualismo.

Após a elaboração desse parecer, os comentários sobre a arca do sigilo passaram a focalizar o regulamento que guiaria o funcionamento dela, tais como o seu formato e demais características materiais. Em sessão de 30 de agosto daquele mesmo ano, entraram em discussão os artigos. Abaixo, segue parte de sua descrição:

  • 1º O instituto terá uma arca do sigilo, onde guardará todos os manuscritos secretos que se não podem publicar sem época determinada.

  • 2º Pedirá para isso a competente autorização ao governo imperial.

  • 3º A arca do sigilo será feita de madeira incorruptível, precintada de ferro, e com duas fechaduras de patente cujas chaves sejam diferentes.

  • 4º As duas chaves serão entregues e guardadas da maneira seguinte: a 1ª nas mãos do presidente do Instituto; a 2ª nas do Exm. Ministro do Império, ou de quem ele determinar.

  • 5º A arca do sigilo só se abrirá em sessão ordinária do Instituto, e na presença dos claviculários ou seus delegados.

[...]

  • 10º Feito o depósito, se fechará imediatamente a arca, e cada um dos claviculários levará a chave.

  • 11º O Instituto convidará por meio de uma circular e de anúncios, que fará reproduzir em todos os jornais do Império, para que todos os seus sócios e literatos que, por terem presenciado, ou por informações de pessoas fidedignas, souberem de circunstâncias de nossos acontecimentos políticos, civis e religiosos, e que estejam ainda mal avaliados pela voz geral, ou pelos escritores públicos, hajam de relatá-los com toda a imparcialidade, e remeter à mesa seu trabalho, dando-lhe a segurança de ser guardado com todo o segredo, até a época em que se determinar sua publicação.

[...]

  • 14º Chegado o tempo da abertura das cartas e das memórias, o presidente do Instituto convocará o mesmo para em sessão assistir à abertura da arca do sigilo, e depois de extraído e verificado o manuscrito, segundo a carta que o acompanhou, será aberto e lido imediatamente, e se for muito longo, se procederá à continuação de sua leitura nas sessões seguintes.

  • 15º Das memórias julgadas dignas de imediata publicação se tirará uma cópia, ficando o autógrafo depositado no arquivo do Instituto; porém se o seu valor for de alguma sorte duvidoso, será nomeada uma comissão para extratar dela o que se julgar de importante à história.

  • 16º Se qualquer eventualidade ocasionar a suspensão dos trabalhos do Instituto, ou a sua dissolução, a arca do sigilo passará para o arquivo público nacional.

A análise dos artigos apresenta a importância conferida ao apelo ritualístico da arca do sigilo. A maneira pomposa como deviam ser nela colocados os documentos faz supor a importância dos mesmos. Toda a referência aos materiais a serem utilizados e a indicação a diferentes formas de lacrar tudo que fosse posto na arca dão o tom, uma vez mais, da forte conotação de segredo existente nos papéis a serem guardados. Imagina-se, por esse motivo, a curiosidade que tantos mistérios acarretariam70 70 SIMMEL, George. A sociologia do segredo e das sociedades secretas. Revista de Ciências Humanas. Florianópolis: EDUFSC, Vol. 43, n. 1, p. 238, abril de 2009: “Do mistério e do segredo que rodeiam tudo o que é profundo e importante, surge a falácia de que tudo o que é secreto deva ser também profundo e importante. O instinto de idealização e temor natural do homem atuam juntos diante do desconhecido, aumentando sua importância pela fantasia e consagrando-lhe uma atenção que não teríamos prestado a uma realidade que se expressasse claramente”. .

Além disso, a distribuição de documentos na arca passava por uma política de Estado, o que pode ser verificado por meio da leitura do artigo quarto, no qual se presume que uma das cópias da chave do cofre ficava a cargo do ministro do Império. Outro exemplo disso é o artigo 11, segundo o qual o sigilo necessitava de publicidade: através de circulares e anúncios feitos em jornais, seriam chamados aqueles que quisessem relatar quaisquer circunstâncias de acontecimentos ainda “mal avaliados pela voz geral”. O chamado público garantiria, por sua vez, a imparcialidade, além de demarcar a oposição entre segredo e opinião pública, que é, de acordo com Reinhart Koselleck, condição de possibilidade estrutural de qualquer história71 71 Apud CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 36. .

Do mesmo modo, faz-se necessário comentar a associação entre as palavras “segurança” e “segredo” no artigo citado. Essa combinação remonta ao início do projeto anunciado por Freire Alemão, em 1847, segundo o qual a justificativa para a elaboração da arca do sigilo estava no fato de que qualquer informação relevante sobre o presente estaria afiançada naquele depósito. Assim, a segurança se fazia em função do segredo; ninguém precisaria ter medo de escrever o que quer que fosse, pois havia a garantia do próprio tempo a seu favor. Não por acaso, era necessário que o depositante esclarecesse qual a data propícia para retirar da arca os documentos nela colocados. Possivelmente, essa projeção levaria em conta um futuro no qual grande parte dos contemporâneos aos escritos estivessem mortos (incluindo o próprio autor)72 72 Ibidem, p. 34. A arca, portanto, resolveria um dos maiores problemas da história imediata: o cuidado que o historiador devia ter ao exprimir suas opiniões pessoais, por estarem os seus personagens, em grande parte, vivos e prontos à contestação da narrativa empreendida. , ou que a situação política fosse outra radicalmente distinta daquela atualidade. A exposição previa um contexto em que já não houvesse perigo algum de expor os testemunhos guardados, então inseridos no campo do passado.

O forte cunho ritualístico referente aos tópicos sobre a arca do sigilo pode ser também verificado no artigo 14, que trata da abertura “das cartas e memórias” que seriam ali contidas. Isso constituiria um evento à parte dentro da instituição e, quiçá, para a própria sociedade imperial. Na ocasião, o manuscrito recém-descoberto seria lido imediatamente, a menos que fosse demasiadamente longo; nesse caso, a leitura devia ser feita nas sessões subsequentes da agremiação. A presença do autor, caso houvesse essa possibilidade, representaria mais uma garantia de veracidade da documentação e do caráter litúrgico da reunião.

Durante aquela mesma sessão do dia 30 de agosto, a proposta dos artigos sofreu algumas emendas. A revisão insistia na atenção à forma da arca: ao invés de madeira, seria feita de ferro, advertindo para o material que conferia mais proteção e longevidade ao arquivo secreto. Reitera-se, nesse sentido, a importância simbólica que essa dimensão material refletia, entre outros aspectos de cunho prático.

Considerações finais

A primeira década do IHGB foi marcada por uma série de vetos a projetos que visavam expor análises ou fontes de determinados períodos da história recente do Brasil. A arca do sigilo, totalmente imbuída desse espírito censor em relação ao presente, ia além da dimensão discursiva: ela consolidava a prática do arquivamento de documentos contemporâneos ao criar um local impenetrável onde os segredos da nação estivessem completamente seguros73 73 A palavra “arca”, de acordo com o dicionário de Antonio Moares e Silva, significa “cofre de alguma corporação”, um local que guardaria coisas valiosas para um grupo de pessoas. Cf. Diccionario da lingua portugueza, Tomo Primeiro (A-K), p. 107. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br. Acesso em: 26 mar. 2013. .

Por outro lado, a despeito de conclamar o público a deixar documentos ou memórias no cofre, fazendo supor que era algo aberto a quem quisesse fazê-lo, vale a pena refletir sobre o aspecto de formação desse depósito. Salienta-se o fato de que a própria seleção de documentos contribui para o estabelecimento dos mesmos como fontes históricas74 74 CERTEAU, Michel de. A escrita da história, op. cit., p. 81. . Essa triagem, relacionada àquilo que devia ser posto na arca, antecipava ao historiador do porvir as fontes legítimas para um estudo plausível sobre o oitocentos. Nesse sentido, a garantia de proteção não era dada a qualquer documento, mas somente àqueles que auxiliariam o futuro a desbravar o presente. O IHGB preocupava-se com tal seleção porque intencionava direcionar essa “descoberta”: havia uma “idealização do futuro à custa da manipulação do presente”75 75 GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 531. .

Por tudo isso, a arca do sigilo foi tida pelos sócios do IHGB como de extrema necessidade, assunto de prioridade máxima. Apesar da euforia, com o passar do tempo, minguaram as referências ao projeto. Menções pontuais a ele aparecem em algumas passagens da Revista, normalmente relacionadas à lembrança do empreendimento formulado por Freire Alemão. Aos poucos, mesmo essas parcas alusões somem por completo das páginas do periódico. A sugestão não foi materializada durante o governo de D. Pedro II, apesar da forte aceitação que teve entre os agremiados, o que demonstra a sua sintonia com os anseios da instituição quanto a uma política de segredo sobre o presente.

A sua concretização deu-se no período republicano, quando os documentos de Manuel Francisco Correia e as Memórias do Visconde de Taunay foram depositados na arca do sigilo. Havia uma razão para requisitar a antiga iniciativa: assim como em 1847, o período inaugurado em 1889 evidenciava a dificuldade em tratar do que era mais próximo temporalmente. O posicionamento do IHGB frente à nova ordem republicana e toda a complexidade advinda desse quadro estimulavam uma nova retórica do segredo sobre a história recente.

Assim, o descrédito que pairava sobre a história contemporânea ao longo do século XIX no IHGB se confirmará no início do novecentos por meio de recursos como o da arca do sigilo. A despeito de tentativas de projetos de escrita desse gênero historiográfico, é de se notar a grande dificuldade inerente a tal empreendimento, no momento em que a identidade científica da história seguia associada ao conhecimento do passado76 76 CEZAR, Temístocles. As formas do presente. Ensaio sobre o tempo e a escrita da história. In: MATA, Sérgio Campos; JOÃO, Maria Isabel (org.). Historiografia e res publica nos dois últimos séculos. Historiographica. Lisbon Historical Studies. 1 ed. Lisboa: Editora do Centro de História da Universidade de Lisboa, 2017, v. xx, p. 122. Essa discussão ganhará contornos mais interessantes a partir da legitimidade da “História do tempo presente” com a fundação, em 1978, do Institut d’histoire du temps présent. .

Fontes

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  • TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. História da Historiografia, n. 2, p. 12-28, março2009.
  • 1
    Entre outros: GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). Revista do IHGB. Rio de Janeiro, a. 156, nº 388, p. 459-613, jul-set. 1995; e GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 1, v. 1, p. 3-27, 1988.
  • 2
    Havendo certa abertura para o desenvolvimento de uma história do presente no Instituto, o veto dava-se sobretudo na maneira de executá-la: sem imparcialidade ou critério. CEZAR, Temístocles. Lição sobre a escrita da história. Historiografia e nação no Brasil do século XIX. Diálogos, DHI/UEM, v. 8, n. 1, p. 15, 2004.
  • 3
    Daí concluir-se, juntamente com Rodrigo Turin, que o “amor à verdade” para aqueles homens, em alguns momentos, mantinha-se em perfeito equilíbrio com o “amor à pátria”. TURIN, RodrigoTURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. História da Historiografia, n. 2, p. 12-28, março2009.. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. História da Historiografia, n. 2, p. 17-18, março 2009.
  • 4
    CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira. In: DUTRA, Eliana. O Brasil em dois tempos: História, pensamento social e tempo presente. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 29-30.
  • 5
    ARAUJO, Valdei Lopes deARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008.. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 171.
  • 6
    Daqui por diante denominada apenas como Revista.
  • 7
    IHGB. RIHGB. Tomo XXVI, p. 129, 1863.
  • 8
    Segundo Valdei de Araujo, Matos queria provar a antiguidade do Novo Mundo, por isso centrou sua análise na “primeira época”. Cf. ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo, op. cit., p. 163.
  • 9
    Ibidem, p. 172.
  • 10
    Ibidem, p. 173. Para Matos, era impossível escrever uma história geral naqueles tempos: primeiro, havia que se escrever a história das províncias separadamente.
  • 11
    Idem.
  • 12
    GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista do Brasil. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 100.
  • 13
    IHGB. RIHGB. Tomo XLV (Parte Primeira), p. 160, 1882.
  • 14
    A publicação foi feita na Revista de 1844, e o prêmio saiu em 1847.
  • 15
    GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista do Brasil, op. cit., p. 101.
  • 16
    IHGB. RIHGB. Tomo II, p. 584, 1840.
  • 17
    GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 518-519.
  • 18
    Ibidem, p. 520.
  • 19
    Entende-se por retórica a utilização de argumentos que visam a um determinado objetivo de convencimento ou mesmo de persuasão.
  • 20
    Uma das condições indispensáveis para a elaboração de uma “história científica” seria a “visão retrospectiva”. FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Cultura Vozes, Petrópolis, v. 94, n. 3, p. 111-124, maio/jun., 2000.
  • 21
    Algo que foi reiterado em 1842. IHGB. RIHGB. Tomo IV, 215, 1842.
  • 22
    Incluiu, nesse apelo, tornar “[...] aquela [época] a que pertenço digna realmente dos elogios da posteridade”. Nos dizeres de Rodrigo Turin, ao IHGB era dada a obrigação de “[...] cantar, tal como um aedo moderno, as glórias do Brasil à posteridade”, sugerindo-se um projeto de “história do tempo presente” para a instituição, a despeito de suas variadas tentativas de distanciamento em relação às questões cotidianas. TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa, op. cit., p. 16, 2009.
  • 23
    ROCHA, João Cezar de Castro. História. In: JOBIM, José Luís (org.). Introdução ao Romantismo. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999, p. 45.
  • 24
    Cf. GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit.
  • 25
    IHGB. RIHGB. Tomo XI (Suplementar), p. 237, 1848.
  • 26
    IHGB. RIHGB. Tomo I, p. 4, 1839.
  • 27
    Ibidem, p. 282. O Conde da Barca era Antonio de Araújo e Azevedo, então secretário de Estado. Já Caetano Pinto de Miranda Montenegro atuava como presidente da província de Pernambuco quando estourou a Revolução de 1817. De acordo com Lucia Guimarães, esse documento evidenciava certa simpatia de Caetano Montenegro para com a rebelião. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 518.
  • 28
    IHGB. RIHGB. Tomo I, p. 294-295, 1839 (grifos nossos).
  • 29
    Substituindo o ideal cristão do Juízo Final, ao futuro era delegada a tarefa de julgar tais acontecimentos, já que no presente isso ainda não era possível. A história trazia, com isso, uma força tão moralizante, quanto assustadora. Essa metáfora, da história como tribunal, segundo Reinhart Koselleck, “[...] se alimenta da pressuposição de uma justiça que se realiza através da história”. KOSELLECK, Reinhart. A configuração do moderno conceito de história. In: KOSELLECK, Reinhart et al. O conceito de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 147-150.
  • 30
    GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 518.
  • 31
    IHGB. RIHGB. Tomo X, p. 407, 1848.
  • 32
    IHGB. RIHGB. Tomo I XII, p. 287, 1849.
  • 33
    IHGB. RIHGB. Tomo II, p. 144, 1840.
  • 34
    IHGB. RIHGB. Tomo X, p. 393, 1848. Não há notícias de que isso tenha ocorrido.
  • 35
    Também comenta sobre a doação do sócio efetivo Matoso da Câmara do folheto escrito por José de Saldanha, intitulado Breve História da Revolução dos dias 6 e 7 de abril de 1831, no Rio de Janeiro. IHGB. RIHGB. Tomo I, p. 215-216, 1839.
  • 36
    IHGB. RIHGB. Tomo V, p. 380-381, 1843.
  • 37
    Mesmo no Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro (IHGPSP), inaugurado efetivamente em 1860, após uma primeira malfadada fundação, em 1855, havia limites para tratar da guerra civil. Isso porque ela representaria um “sucesso” alcançado pelo povo rio-grandense frente à nação, o que poderia ser interpretado como uma afronta e causar mal-estar perante o IHGB, que silenciava a respeito da Farroupilha desde as orientações que foram feitas ao final da guerra e perpetuadas pelo Decreto Imperial de 1844. Aos membros do IHGPSP interessava mostrar que o Rio Grande fazia parte da nação em construção, e que a província nunca teria desejado o contrário. BOEIRA, Luciana Fernandes Boeira. Como salvar do esquecimento os atos bravos do passado rio-grandense: a província de São Pedro como um problema político-historiográfico no Brasil imperial. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013, p. 73-74.
  • 38
    IHGB. RIHGB. Tomo II, p. 423, 1840.
  • 39
    IHGB. RIHGB. Tomo VI, p. 126, 1844. Machado de Oliveira também apresentou ao IHGB sua Memória histórica sobre a questão dos limites entre Brasil e Montevidéu, laureada por Joaquim Manuel de Macedo no relatório das atividades do Instituto de 1853. Outros membros criticaram-no por abordar uma questão tão delicada - das fronteiras do Sul com a região platina -, mais política que histórica e, pior, tendo um viés abertamente crítico à postura adotada pelo governo do Brasil na ocasião do Tratado de Limites de 1851. Isso demonstra, contudo, que a temática dos limites meridionais do país foi reiteradamente discutida pelo IHGB, dando publicidade a escritos pudessem elucidá-la. BOEIRA, Luciana Fernandes Boeira. Como salvar do esquecimento os atos bravos do passado rio-grandense, op. cit., p. 171-177.
  • 40
    Vale notar que Drummond teve um importante papel de intermediação entre Francisco Adolfo de ­Varnhagen e o IHGB, inclusive para que Varnhagen se tornasse sócio-correspondente do grêmio. ­Drummond demonstrara como os interesses do sorocabano confundiam-se com os da instituição histórica e, mais do que isso, com os do país, sobretudo devido ao interesse do “[...] erudito brasileiro às investigações de documentos no exterior”, principalmente em arquivos portugueses e espanhóis. SILVA, Taíse Tatiana Quadros da. A reescrita da tradição: a invenção historiográfica do documento na História geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen (1854-1857). Dissertação (Mestrado em História Social) - Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p. 38-40.
  • 41
    IHGB. RIHGB. Tomo III, p. 122, 1841 (grifos nossos). Importante observar que o tratamento dado aos fatos recentes era por meio de termos como atual, atualidade e moderno, em detrimento de presente e contemporâneo. CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 32.
  • 42
    Ibidem, p. 504.
  • 43
    Idem.
  • 44
    IHGB. RIHGB. Tomo IV, p. 215, 1842.
  • 45
    GARCIA, Lúcia. Emílio Joaquim da Silva Maia: um intelectual no Império do Brasil. RIHGB. Rio de Janeiro, a.168 (437), p. 74-75, out./dez. 2007.
  • 46
    MAIA, Joaquim José da Silva. Memorias históricas, políticas e filosoficas da Revolução do Porto em maio de 1828, e dos emigrados portuguezes pela Hespanha, Inglaterra, França e Belgica. Rio de Janeiro: Typographia de Laemmert, 1841, p. VI.
  • 47
    Ibidem, p. VII.
  • 48
    Ibidem, p. IX.
  • 49
    Ibidem, p. VI. Quem também ajudou a promover a memória paterna a partir da atuação intelectual foi Varnhagen. Em História Geral do Brasil, o autor não deixou de conferir ao pai um papel extremamente importante na construção da nacionalidade brasileira, evidenciado no trabalho que teve como executor das primeiras fundições em Rio Grande. Essa postura possibilita a indagação a respeito dos limites da imparcialidade na escrita varnhageana. Ver: CEZAR, Temístocles. Em nome do pai, mas não do patriarca: ensaio sobre os limites da imparcialidade na obra de Varnhagen. História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 207-240, 2005. Em outro trabalho, Cezar complementa a discussão, ao indicar que “[...] Varnhagen escreve sobre o Brasil não apenas com a documentação que encontra e com os livros que lê, mas também a partir de sua experiência pessoal, de suas escolhas e de suas frustrações”. CEZAR, Temístocles. Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência. Topoi, v. 8, n. 15, p. 159-160, 2017, jul./dez. 2007.
  • 50
    GARCIA, Lúcia. Emílio Joaquim da Silva Maia, op. cit., p. 77.
  • 51
    MAIA, Joaquim. Memorias históricas, políticas e filosoficas da Revolução do Porto..., op. cit., p. VII e p. IX.
  • 52
    Estima-se que foram escritos na primeira metade do século XIX. GARCIA, Lúcia. Emílio Joaquim da Silva Maia, op. cit., p. 107.
  • 53
    O último livro diz respeito à revolução ocorrida na Bahia em 1821. Parece-me que Maia incorporou neste tópico anotações já desenvolvidas em outro trabalho seu: a Historia da Revolução efetuada na Bahia no dia 10 de fevereiro de 1821, que também se encontra no arquivo do IHGB.
  • 54
    IHGB. RIHGB. Tomo XXII, p. 704-712, 1859. Entre outros aspectos, Macedo destacava o fato de Maia não ter se envolvido “[...] nas lutas dos ardentes comícios públicos, nem nos certames arrebatados da imprensa política”.
  • 55
    Claro está que as ofertas não eram apenas relativas a documentos do presente ou do passado recente. Comuns também eram doações de documentos oficiais, tais como leis, relatórios e/ou atas de assembleias provinciais.
  • 56
    IHGB. RIHGB. Tomo V, p. 6, 1843.
  • 57
    Para entender esse processo de “conversão” do documento em fonte primária, ver CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 81.
  • 58
    IHGB. RIHGB. Tomo V, p. 7, 1843.
  • 59
    Utilizamos a expressão com a intenção de mapear argumentos nos discursos pronunciados por membros do IHGB com a finalidade de justificar o segredo em que eram colocados documentos e fatos daquele tempo presente.
  • 60
    IHGB. RIHGB. Tomo IX, p. 567, 1847.
  • 61
    IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 133, 1850.
  • 62
    CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 34. Para o autor, a arca não representava, necessariamente, um veto à história do tempo presente. Partindo da análise dos pareceres da comissão de história do IHGB, ele demonstra o quanto o projeto “refletia a ausência de maturidade, política e epistemológica, requerida para se escrever sobre seu próprio tempo”. Ibidem, p. 35.
  • 63
    Ainda segundo o parecer: “Para os homens associados em grupos, que se rateiam contínua proteção e mútua segurança, não há outro juiz que o escritor e outro tribunal além da história”. IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 134, 1850.
  • 64
    PEREIRA, Mateus. A máquina da memória. Almanaque Abril: o tempo presente entre a história e o jornalismo. Bauru: EDUSC, 2009, p. 221-224.
  • 65
    ARAUJO, Valdei Lopes de. Historiografia, nação e os regimes de autonomia na vida letrada do Império do Brasil. Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 31, n. 56, p. 393, mai/ago 2015.
  • 66
    IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 133, 1850.
  • 67
    CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 35.
  • 68
    IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 134, 1850 (grifos nossos).
  • 70
    SIMMEL, George. A sociologia do segredo e das sociedades secretas. Revista de Ciências Humanas. Florianópolis: EDUFSC, Vol. 43, n. 1, p. 238, abril de 2009: “Do mistério e do segredo que rodeiam tudo o que é profundo e importante, surge a falácia de que tudo o que é secreto deva ser também profundo e importante. O instinto de idealização e temor natural do homem atuam juntos diante do desconhecido, aumentando sua importância pela fantasia e consagrando-lhe uma atenção que não teríamos prestado a uma realidade que se expressasse claramente”.
  • 71
    Apud CEZAR, Temístocles. Escrita da história e tempo presente na historiografia brasileira, op. cit., p. 36.
  • 72
    Ibidem, p. 34. A arca, portanto, resolveria um dos maiores problemas da história imediata: o cuidado que o historiador devia ter ao exprimir suas opiniões pessoais, por estarem os seus personagens, em grande parte, vivos e prontos à contestação da narrativa empreendida.
  • 73
    A palavra “arca”, de acordo com o dicionário de Antonio Moares e Silva, significa “cofre de alguma corporação”, um local que guardaria coisas valiosas para um grupo de pessoas. Cf. Diccionario da lingua portugueza, Tomo Primeiro (A-K), p. 107. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br. Acesso em: 26 mar. 2013.
  • 74
    CERTEAU, Michel de. A escrita da história, op. cit., p. 81.
  • 75
    GUIMARÃES, Lucia. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial, op. cit., p. 531.
  • 76
    CEZAR, Temístocles. As formas do presente. Ensaio sobre o tempo e a escrita da história. In: MATA, Sérgio Campos; JOÃO, Maria Isabel (org.). Historiografia e res publica nos dois últimos séculos. Historiographica. Lisbon Historical Studies. 1 ed. Lisboa: Editora do Centro de História da Universidade de Lisboa, 2017, v. xx, p. 122. Essa discussão ganhará contornos mais interessantes a partir da legitimidade da “História do tempo presente” com a fundação, em 1978, do Institut d’histoire du temps présent.
  • 69
    IHGB. RIHGB. Tomo XIII, p. 414-415, 1850.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2018
  • Aceito
    14 Nov 2018
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