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Avaliação do grau de satisfação da contagem de carboidratos em diabetes mellitus tipo 1

Evaluation of how satisfactory is carbohydrate counting in patients with diabetes

Resumos

INTRODUÇÃO: A contagem de carboidratos talvez seja o planejamento alimentar mais preciso e flexível, especialmente naqueles portadores de diabetes tipo 1 (DM1). OBJETIVO: Avaliar o grau de satisfação dessa abordagem em DM1 em programa de insulinoterapia intensiva. MÉTODOS: 50 pacientes com DM1 submetidos à contagem de carboidratos por 6 meses responderam um questionário relacionado ao estilo de vida. RESULTADOS: As respostas foram favoráveis acima de 80% aos quesitos relacionados à escolha do número de refeições, comer fora de casa, horário das refeições, planejamento das atividades sociais e diárias, realização de glicemia e leituras de rótulos dos alimentos; entre 60 e 80%, na escolha do tipo de alimento, na quantidade de comida, no consumo de alimentos ricos em açúcar e participação de atividades de última hora. CONCLUSÕES: Conforme a opinião dos participantes, a contagem de carboidratos é um procedimento muito bem aceito, permitindo uma melhor qualidade de vida.

Diabetes; Dieta; Carboidratos


INTRODUCTION: Carbohydrate counting is probably the most precise and flexible meal planning approach available, especially for those with type 1 diabetes (DM1). OBJECTIVE: To evaluate the degree of satisfaction of that approach in patients treated by intensive insulin therapy. METHODS: 50 DM1 patients submitted to carbohydrate counting for 6 months answered a questionnaire related to the lifestyle. RESULTS: The answers were favorable in: >80% to requirements related to the choice of the number of meals, to eat out, schedules of meals and social and daily activities, glycemic monitorization and interest in reading food labels; 60% to 80% answered favorably to topics related to the choice of the food type, the amount of food, the consumption of food rich in sugar and the participation of last minute activities. CONCLUSIONS: According to the participants' opinion, carbohydrate counting is a very well accepted procedure, allowing a better lifestyle.

Diabetes; Diet; Carbohydrates


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do grau de satisfação da contagem de carboidratos em diabetes mellitus tipo 1

Evaluation of how satisfactory is carbohydrate counting in patients with diabetes

Ana Sofia Rocha Hissa; Lílian L. Albuquerque; Miguel Nasser Hissa

Centro de Pesquisas em Diabetes e Doenças Endócrino-Metabólicas, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Miguel Nasser Hissa Rua República do Líbano 647 60160-110 Fortaleza, CE Fax: (85) 242-3241 E-mail: miguelnh@secrel.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A contagem de carboidratos talvez seja o planejamento alimentar mais preciso e flexível, especialmente naqueles portadores de diabetes tipo 1 (DM1).

OBJETIVO: Avaliar o grau de satisfação dessa abordagem em DM1 em programa de insulinoterapia intensiva.

MÉTODOS: 50 pacientes com DM1 submetidos à contagem de carboidratos por 6 meses responderam um questionário relacionado ao estilo de vida.

RESULTADOS: As respostas foram favoráveis acima de 80% aos quesitos relacionados à escolha do número de refeições, comer fora de casa, horário das refeições, planejamento das atividades sociais e diárias, realização de glicemia e leituras de rótulos dos alimentos; entre 60 e 80%, na escolha do tipo de alimento, na quantidade de comida, no consumo de alimentos ricos em açúcar e participação de atividades de última hora.

CONCLUSÕES: Conforme a opinião dos participantes, a contagem de carboidratos é um procedimento muito bem aceito, permitindo uma melhor qualidade de vida.

Descritores: Diabetes; Dieta; Carboidratos

ABSTRACT

INTRODUCTION: Carbohydrate counting is probably the most precise and flexible meal planning approach available, especially for those with type 1 diabetes (DM1).

OBJECTIVE: To evaluate the degree of satisfaction of that approach in patients treated by intensive insulin therapy.

METHODS: 50 DM1 patients submitted to carbohydrate counting for 6 months answered a questionnaire related to the lifestyle.

RESULTS: The answers were favorable in: >80% to requirements related to the choice of the number of meals, to eat out, schedules of meals and social and daily activities, glycemic monitorization and interest in reading food labels; 60% to 80% answered favorably to topics related to the choice of the food type, the amount of food, the consumption of food rich in sugar and the participation of last minute activities.

CONCLUSIONS: According to the participants' opinion, carbohydrate counting is a very well accepted procedure, allowing a better lifestyle.

Keywords: Diabetes; Diet; Carbohydrates

DURANTE ANOS, A PALAVRA dieta foi usada com significado distorcido e aplicada aos pacientes com diabetes (DM) associada a um sentido negativo. Até 1921, antes da descoberta da insulina, pacientes com DM eram tratados com "dietas de fome", chegando a falecer por inanição. DM representava uma doença relacionada à incapacidade de o organismo utilizar o carboidrato como fonte de energia. Assim, o tratamento lógico seria eliminar o carboidrato da dieta. Após essa data, a recomendação para ingestão de carboidratos passou a ser de 1/3 do total calórico diário. Com 1/3 de carboidrato, o restante da ingesta, cerca de 15% a 20%, seria de proteína e o resto de gordura. Atualmente, é sabido que dietas ricas em gordura contribuem para aumento de peso, hiperlipidemia e resistência insulínica (1-3).

Surgiram muitas outras estratégias com o passar dos anos, que tornaram os planos alimentares mais flexíveis, mas infelizmente não consideravam as preferências individuais, o nível cultural e o estilo de vida dos pacientes com DM. Os resultados apresentados no DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) reforçam a importância da terapia nutricional e do tratamento intensivo no DM1 (4).

Em 1994, um comitê da Associação Americana de Diabetes (ADA) observou que 10g de carboidrato, independente do tipo e da fonte, teria o mesmo efeito na glicemia do indivíduo. Valorizava não a fonte, porém a quantidade de carboidrato ingerida, já que quase a totalidade deste se transformaria em glicose (5). A ênfase na quantidade de carboidrato deveu-se ao fato de ser esse o principal nutriente que afeta a taxa de açúcar no sangue após a refeição. Independente se proveniente de frutas, pães, doces ou leite, 90% a 100% do carboidrato é convertido em glicose nas primeiras 2 horas após seu consumo, aparecendo na corrente sangüínea em 15 minutos. Apenas 60% das proteínas e 10% das gorduras irão se converter em glicose e, dependendo de outros fatores como a digestão, a absorção e a interação, com outros nutrientes que compõem a refeição (6-8). Como a quantidade de carboidratos de uma refeição é a que tem maior impacto na glicemia, poder-se-ia calcular a quantidade necessária de insulina a ser administrada para adequada metabolização daqueles carboidratos. Um plano alimentar baseado nesse princípio é denominado contagem de carboidratos (9).

Embora a literatura médica especializada contenha diversos trabalhos com análise crítica sobre a qualidade de vida em diabéticos (10-12), poucos fazem menção especificamente ao aspecto dieto-alimentar, mormente no que diz respeito à contagem de carboidratos (13). Portanto, nesse estudo procuramos avaliar o grau de satisfação dessa metodologia nutricional em pacientes com DM1 submetidos à terapia insulínica intensiva.

MATERIAL E MÉTODOS

Um total de 50 pessoas portadoras de DM1 concordaram em participar, por um período de 6 meses, de um programa alimentar baseado em contagem de carboidratos. Foram selecionados somente pacientes que tiveram interesse particular de usar bomba de infusão subcutânea contínua de insulina (8 casos) ou de aderir a um programa de múltiplas doses de insulina (>3 injeções por dia). Ao final desse período, foram solicitados a responder um questionário contendo 17 quesitos referentes às últimas 4 semanas para avaliação do grau de satisfação do estilo de vida atual (tabela 1). O questionário foi baseado em trabalho prévio de Bott e cols. (13), que desenvolveram e validaram medidas de qualidade de vida específica para diabéticos, sensíveis suficientes para análise de programa alimentar. Os pacientes foram avaliados inicialmente a cada semana no primeiro mês a fim de adquirirem mais conhecimentos e segurança quanto a essa nova abordagem nutricional e melhor adequação da dose de insulina; posteriormente, 1 a 2 vezes a cada mês durante o restante do período de estudo. O grupo foi composto de 28 pessoas do sexo feminino (56%) e 22 do sexo masculino (44%). A faixa etária variou de 9 a 59 anos (média±DP: 28±13). A duração do DM variou de 2 a 43 anos (média±DP: 14±10). O cálculo para a quantidade de carboidratos a ser consumida necessária para a administração de cada unidade de insulina baseou-se na regra dos 500 (14). Essa regra consiste na divisão desse numeral pela dose total diária de insulina. Exemplificando, se um determinado diabético utiliza 50 unidades diária de insulina, para cada 10g de carboidratos consumidos é necessário 1U de insulina (500:50=10).

A análise dos resultados foi realizada através de um programa de estatística para computador SPSS versão 11.

RESULTADOS

Consideramos uma resposta favorável aquela com a conotação de "enorme ou muito". Em relação aos quesitos relacionados ao grau de liberdade, a freqüência de resposta favorável entre os 50 diabéticos variou de 46 a 86%. Aproximadamente 80% dos pacientes se posicionaram favoráveis às cinco perguntas (nºs 1, 2, 3, 7 e 8), entre 60 e 80 % a outras oito (nºs 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 13), e menos de 50% a um único quesito (nº 14).

Em relação ao grau de interesse, dos 3 quesitos, 2 foram respondidos favoravelmente por mais de 80% dos pacientes (nºs 16 e 17), e 1 por 26% (nºs 15).

DISCUSSÃO

A terapia nutricional é um componente essencial para o sucesso do tratamento do DM, ajudando no controle glicêmico e fornecendo os nutrientes necessários para a boa saúde. A aderência a um plano nutricional prescrito melhora o nível da hemoglobina glicosilada em adultos (15) e tem sido correlacionada a um melhor controle da glicose sangüínea em criança (16,17).

A contagem de carboidrato é um método de planejamento alimentar que consiste em calcular os gramas de carboidratos que serão ingeridos em cada refeição, e a importância dessa contagem é saber os efeitos do mesmo na glicemia. Conhecendo-se esses efeitos, a quantidade de insulina poderá ser ajustada de acordo com o que se quer comer e com a leitura da glicemia antes das refeições. O método pode ser utilizado por qualquer paciente com DM e particularmente pelos que fazem terapia intensiva, utilizando doses variadas de insulina de ação rápida / ultra-rápida, e por aqueles que usam a bomba de infusão subcutânea contínua de insulina (18).

Entre todos os métodos de contagem de carboidratos, existem dois que são mais comumente utilizados (19): 1) método de gramas de carboidratos e 2) substituições de carboidratos. No primeiro método, os carboidratos de cada refeição são somados e, de acordo com a quantidade pré-definida individualmente, o paciente pode, com a orientação de um nutricionista, utilizar qualquer alimento de acordo com sua preferência. É necessário, para a utilização desse método, que o paciente seja capaz de ajustar a dose de insulina ultra-rápida em resposta ao tipo de alimento desejado, tenha noções básicas das diferentes quantidades de carboidratos nos alimentos e entenda a relação entre alimento (carboidratos), glicemia, insulina e atividade física.

No método de substituição, os alimentos são divididos em grupos e, em cada grupo, é determinada a quantidade média de carboidratos, o que possibilita a troca entre os mesmos. Estima-se que uma porção do grupo, chamada também de cota ou escolha, seja igual a 15 gramas de carboidratos.

A mensuração do alimento, e indiretamente da quantidade de carboidratos, poderá ser feita através de uma balança ou de medidas caseiras, como colher de sopa, concha etc. Embora esses pacientes tenham sido orientados a usar balança, esse procedimento não foi bem aceito pela maioria (pergunta 15), dando-se preferência pelas medidas caseiras.

No tocante ao grau de liberdade para evitar a hipoglicemia (pergunta 11), 74% dos nossos pacientes se posicionaram favoravelmente; é provável que isso se deva à facilidade de interação entre a quantidade de carboidratos ingerida e a dose de insulina administrada, propiciada por esse programa alimentar.

Quanto à decisão do número e horário de refeições, à liberdade de se alimentar fora de casa e ao planejamento das atividades diárias e sociais, aproximadamente 80% dos diabéticos responderam favoravelmente a esses itens. Atribuímos tais fatos à possibilidade de se injetar insulina na hora da refeição e, também, em unidades compatíveis com a quantidade de carboidratos consumida.

O interesse tanto pela leitura de rótulos informando os aspectos nutricionais dos alimentos como pela monitorização da glicemia capilar foram respondidos como enorme ou muito por 82% dos diabéticos, o que pode demonstrar um maior envolvimento desses com o tratamento de suas doenças.

Quando questionados sobre o controle glicêmico, somente 48% responderam como tendo enorme ou muita liberdade para manter sua glicemia sob controle. Torna-se óbvio que não basta um programa alimentar adequado para se conseguir um controle ideal da glicemia. Far-se-á necessário, dentre outros fatores, o uso de esquemas de insulina e locais de aplicação mais fisiológicos.

CONCLUSÕES

A contagem de carboidratos, ao permitir uma grande flexibilidade para a escolha dos alimentos e, conseqüentemente, poucas restrições, aliada ao fato de se poder decidir o número de refeições, não se tendo a obrigatoriedade de realizar as seis diárias (3 maiores e 3 menores) usualmente recomendadas nos esquemas tradicionais, poderá ser um fator que melhore a aceitação da doença pelo paciente com DM e, conseqüentemente, a sua qualidade de vida. Todavia, reconhecemos que são necessários estudos randomizados em que se compare os diversos programas alimentares para uma conclusão mais definitiva.

Recebido em 07/01/04

Revisado em 01/03/04 e 28/04/04

Aceito em 29/04/04

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  • Endereço para correspondência
    Miguel Nasser Hissa
    Rua República do Líbano 647
    60160-110 Fortaleza, CE
    Fax: (85) 242-3241
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Recebido
      07 Jan 2004
    • Revisado
      28 Abr 2004
    • Aceito
      29 Abr 2004
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