Acessibilidade / Reportar erro

Hipotensão intracraniana secundária a fístula liquórica radicular espontânea: relato de caso

Spontaneous nerve root cerebrospinal fluid leaks and intracranial hypotension: case report

Resumos

A hipotensão intracraniana espontânea é síndrome rara, caracterizada pela diminuição da pressão no líquido cefalorraquidiano (LCR), nos valores de 50 a 70 mm H2O, e cefaléia postural. O diagnóstico é feito através do quadro clínico, da medida da pressão do LCR e do estudo radiológico do encéfalo e da coluna vertebral. O reconhecimento dessa patologia tem sido crescente em razão de suas características próprias que permitem distingui-la de processos meníngeos inflamatórios ou de tumores, evitando assim investigações desnecessárias. Relatamos um caso de hipotensão intracraniana secundária a fístula liquórica radicular espontânea em um homem de 34 anos e fizemos revisão da literatura sobre os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos dessa entidade de incidência incomum.

hipotensão intracraniana espontânea; cefaléia postural; cisto perineural


Spontaneous intracranial hypotension is a rare syndrome, characterized by pressure in the cerebrospinal fluid ranging between 50 and 70 mmH2O and postural headache. Its diagnosis is made through the clinical presentation, measurement of the cerebrospinal fluid pressure and neurorimage features. The clinical recognition of this pathology has been increasing and the differential diagnosis must be made with inflammatory meningeal processes and tumor. We report a case of spontaneous nerve root cerebrospinal fluid leaks in a 34 year-old man and intracranial hypotension. A literature review was performed evaluating the clinical, diagnostic and therapeutic aspects of this unusual pathology.

spontaneous intracranial hypotension; postural headache; perineural cyst


Hipotensão intracraniana secundária a fístula liquórica radicular espontânea

Relato de caso

Spontaneous nerve root cerebrospinal fluid leaks and intracranial hypotension:

Case report

Asdrubal FalavignaI, 1 1 Professor da Disciplina de Neurologia da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Caxias do Sul RS, Brasil), Pós-Graduando em Neurocirurgia na Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (EPM-UNIFESP) ; Fernando Antonio Patriani FerrazII, 2 2 Professor Adjunto da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM-UNIFESP, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Neurocirurgia ; Giovana BoscatoIII, 3 3 Acadêmico de Medicina da Universidade de Caxias do Sul ; Marcos ShimokawaIII, 3 3 Acadêmico de Medicina da Universidade de Caxias do Sul

IProfessor da Disciplina de Neurologia da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Caxias do Sul RS, Brasil), Pós-Graduando em Neurocirurgia na Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (EPM-UNIFESP)

IIProfessor Adjunto da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM-UNIFESP, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Neurocirurgia

IIIAcadêmico de Medicina da Universidade de Caxias do Sul

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Asdrubal Falavigna Rua Coronel Camisão 241/301 95034-000 Caxias do Sul RS, Brasil E-mail: asdrubal@doctor.com

RESUMO

A hipotensão intracraniana espontânea é síndrome rara, caracterizada pela diminuição da pressão no líquido cefalorraquidiano (LCR), nos valores de 50 a 70 mm H2O, e cefaléia postural. O diagnóstico é feito através do quadro clínico, da medida da pressão do LCR e do estudo radiológico do encéfalo e da coluna vertebral. O reconhecimento dessa patologia tem sido crescente em razão de suas características próprias que permitem distingui-la de processos meníngeos inflamatórios ou de tumores, evitando assim investigações desnecessárias. Relatamos um caso de hipotensão intracraniana secundária a fístula liquórica radicular espontânea em um homem de 34 anos e fizemos revisão da literatura sobre os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos dessa entidade de incidência incomum.

Palavras-chave: hipotensão intracraniana espontânea, cefaléia postural, cisto perineural.

ABSTRACT

Spontaneous intracranial hypotension is a rare syndrome, characterized by pressure in the cerebrospinal fluid ranging between 50 and 70 mmH2O and postural headache. Its diagnosis is made through the clinical presentation, measurement of the cerebrospinal fluid pressure and neurorimage features. The clinical recognition of this pathology has been increasing and the differential diagnosis must be made with inflammatory meningeal processes and tumor. We report a case of spontaneous nerve root cerebrospinal fluid leaks in a 34 year-old man and intracranial hypotension. A literature review was performed evaluating the clinical, diagnostic and therapeutic aspects of this unusual pathology.

Keywords: spontaneous intracranial hypotension, postural headache, perineural cyst.

Schaltenbrand1, em 1938, acreditava que três eram os mecanismos causadores da hipotensão intracraniana espontânea (HIE): a laceração dural oculta, o aumento da absorção e a baixa produção de líquido cefalorraquidiano (LCR). Estudos posteriores demonstraram que a doença resultava de uma redução espontânea da pressão do LCR, sem relação prévia com punção lombar, craniotomia, traumas do sistema nervoso central (SNC), raquianestesia, estudo mielográfico e patologias sistêmicas do tipo desidratação, coma diabético, hiperpnéia, uremia ou infecção grave2,3. A HIE é uma síndrome frequentemente subdiagnosticada, que tem como manifestação clínica cefaléia postural acompanhada por náuseas, vômitos, cervicalgias e rigidez nucal4-6. O diagnóstico é feito através do quadro clínico, da medida da pressão do LCR e do estudo da ressonância magnética (RM) do encéfalo e da coluna vertebral4-8.

O objetivo deste estudo é apresentar um caso clínico de HIE, fazendo uma revisão das características clínicas e radiológicas que possibilitam seu diagnóstico e discutir o manejo mais apropriado.

CASO

Homem de 34 anos, internado no hospital com quadro de cefaléia occipital intensa, com evolução de 24 horas, acompanhada de rigidez nucal, náuseas, vômitos, dor ocular e alteração visual. Os sintomas agravavam-se com a posição ortostática e aliviavam com o repouso. Os resultados da tomografia computadorizada (TC) de crânio e dos exames séricos do tipo hemograma, eletrólitos, creatinina e coagulograma foram normais. A punção lombar para exame do LCR mostrou uma pressão de abertura extremamente diminuída, no valor de 50 mm H2O, e proteinorraquia elevada. Foram indicados repouso na posição de Trendelemburg, hidratação com soro fisiológico a 0,9% e medicação analgésica fixa.

Havendo suspeita de extravasamento liquórico no neuroeixo, foi solicitada RM de encéfalo e de coluna vertebral, sendo normal o resultado da primeira e visualizando-se, na segunda, uma coleção liquórica no trajeto da primeira raiz nervosa sacral direita (Fig 1). Após cinco dias do tratamento acima descrito, o paciente voltou a deambular com resolução completa dos sintomas.


DISCUSSÃO

A HIE é síndrome rara, caracterizada por pressão no LCR entre 50 mmH2O e 70 mmH2O1,9-12, acompanhada por cefaléia postural , náuseas, vômitos, cervicalgias e rigidez nucal4-6. A incidência é desconhecida3, havendo três vezes mais o predomínio do sexo feminino13. O extravasamento do LCR do SNC ocorre de modo espontâneo devido a rompimento de cisto perineural ou de divertículo da aracnóide12,14. Tais rupturas ocorrem tipicamente na coluna vertebral, principalmente na junção cérvico-torácica e na região torácica, sendo rara sua localização na base do crânio. Há relatos de associação da HIE com hérnia de disco torácico transdural, a qual pode promover a formação de fístula do espaço subaracnóideo para o espaço extradural, com vazamento de LCR15.

Os sintomas da HIE decorrem da redução de pressão do LCR (deslocamento inferior das tonsilas cerebelares, diminuição do tamanho das cisternas anteriores à ponte e das periquiasmáticas, achatamento do quiasma óptico e compressão da fossa posterior), do decréscimo do tamanho dos ventrículos, do ingurgitamento dos seios venosos cerebrais e do aumento da glândula pituitária16. O diagnóstico pode ser estabelecido através da história clínica, da medida da pressão do LCR e dos achados observados na RM do encéfalo e da medula espinhal.

A cefaléia postural é uma característica clínica comum da doença, manifestando-se quando o paciente adquire a posição ortostática e aliviando com o decúbito horizontal. Tende a ser holocraniana ou localizar-se nas regiões occipital e frontal, apresentando-se de forma pulsátil ou em aperto. A dor é agravada, em alguns casos, pela movimentação da cabeça. A compressão da veia jugular e a manobra de Valsava intensificam a dor4,9. Essa dor de cabeça associada a HIE é provavelmente causada pela dilatação das veias cerebrais e da vasculatura meníngea, por haver relação recíproca entre o volume de LCR e o volume intracranial17. Outras manifestações clínicas observadas são: rigidez cervical, náuseas, vômitos, zumbidos, hiperacusia, surdez, fotofobia, diplopia, nistagmo, perda visual e vertigem5,18. Os distúrbios visuais ocorrem em 23% dos pacientes e estão relacionados com a distorção do quiasma óptico e com a compressão ou congestão vascular da porção intracranial do segundo nervo craniano17. Os sintomas auditivos e vestibulares ocorrem em 20% dos casos e provavelmente resultam de mudanças na pressão intralabiríntica transmitidas através do aqueduto coclear17.

O achado típico da punção lombar é a diminuição do nível pressórico do LCR, que se situa entre 50 e 70 mm H2O4,9-12. Em alguns casos, o exame do LCR pode apresentar elevação nos níveis de proteína e discreta pleocitose11,19.

Na RM da coluna vertebral, pode-se observar a presença de fluido extra-aracnóideo, divertículos meníngeos, adensamento de meninges ou ingurgitamento do plexo venoso epidural, enquanto na RM do encéfalo, pode-se mimetizar aumento na contrastação das paquimeninges. Embora a hipercontrastação da paquimeninge seja achado característico da HIE, quadros como meningite, carcinomatose meníngea, microadenomas hipofisários e trombose do seio sagital superior possuem características similares12. Essas alterações radiológicas regridem após ter sido restaurado o volume de LCR. A cisternografia radionuclear pode auxiliar na localização precisa do vazamento liquórico em casos de difícil diagnóstico, tendo especificidade de 55%20.

O desaparecimento da sintomatologia geralmente ocorre em semanas ou meses14,21,22. No caso de HIE aqui descrito, houve rápida resolução do quadro, sem a observação de repercussões encefálicas pelos estudos radiológicos, pois o paciente procurou auxílio médico imediatamente após o aparecimento dos sintomas.

O tratamento adotado inclui medidas não invasivas, do tipo repouso no leito, hidratação e utilização de cafeína por via oral ou intravenosa e de corticoesteróides16,23. Conforme o caso clínico descrito, o sucesso do tratamento conservador dependeu da precocidade de sua instituição. Na falha dos métodos acima expostos, injeta-se sangue no espaço epidural no local da fístula, podendo-se também utilizar a infusão de solução salina no espaço epidural24,25. Se houver insucesso com os tratamentos acima descritos, realiza-se exploração cirúrgica direta com uso de cola de fibrina para bloquear o local de extravasamento do LCR para o espaço epidural26.

Recebido 12 Julho 2002, recebido na forma final 26 Agosto 2002

Aceito 9 Setembro 2002.

  • 1. Schaltenbrand VG. Neuere Anschauungen zur Pathophysiologie der Liquorzirkulation. Zentralbl Neurochir 1938;3:290-299.
  • 2. Tsui, EYK, Ng, SH, Cheung YK, et al. Spontaneous intracranial hypotension with diffuse dural enhancement of the spinal canal and transient enlargement of the pituitary gland. Eur J Radiol 2001;38:59-63.
  • 3. Graça J, Conceição C, Palma T, et al. Hipotensão intracraniana espontânea. Acta Médica Portuguesa 2001;14:127-132.
  • 4. Benzon HT, Nemickas R, Molloy RE, Ahmad S, Melen O, Cohen B. Lumbar and thoracic epidural blood injections to treat spontaneous intracranial hypotension. Anesthesiology 1996;85:920-922.
  • 5. Horton JC, Fishman RA. Neurovisual findings in the syndrome of spontaneous intracranial hypotension from dural cerebrospinal fluid leak. Ophthalmology 1994; 101:244-251.
  • 6. Wang LP. Sudden bilateral hearing loss after spinal anesthesia: a case report. Acta Anaesthsiol Scand 1986;30:412-413.
  • 7. Bang OY, Kim DI, Yoon SR, Choi IS. Idiopathic hypertrophic pachymeningeal lesions: a relation between clinical patterns and neuroimaging characteristics. Eur Neurol 1998;39:49-56.
  • 8. Sable SG, Radaman NM. Meningeal enhancement and low CSF pressure headache: a MRI study. Cephalalgia 1991;11:275-276.
  • 9. Weitz SR, Drasner K. Spontaneous intracranial hypotension: a series. Anesthesiology 1996;85:923-925.
  • 10. Rando TA, Fishman RA. Spontaneous intracranial hypotension: report of two cases and review of the literature. Neurology 1992;42:481-487.
  • 11. Morki B. Spontaneous cerebrospinal fluid leaks from intracranial hypotension to cerebrospinal fluid hypovolemia: evolution of a concept. Mayo Clin Proc 1999;74:1113-1123.
  • 12. Christoforidis GA, Mehta BA, Landi JL, Czarnecki EJ, Piaskowski RA. Spontaneous intracranial hypotension: report of four cases and review of the literature. Neuroradiology 1998;40:636-643.
  • 13. Diaz JH. Epidemiology and outcome of postural headache management in spontaneous intracranial hypotension. Reg Anesth Pain Med 2001; 26:582-587.
  • 14. Silberstein S, Lipton R, Goadsby P. Headache associated with non-vascular intracranial disease. In Headache in clinical practice. Oxford: Isis Medical Media 1988:143-164.
  • 15. Winter SCA, Maartens NF, Anslow P, Teddy PJ. Spontaneous intracranial hypotension due to thoracic disc herniation. J Neurosurg Spine 2002; 96:343-345.
  • 16. Morki B, Posner JB. Spontaneous intracranial hypotension: the broadening clinical an imaging spectrum of CSF leaks. Neurology 2000; 55:1771-1772.
  • 17. Hejazi N, Al Witry M, Witzmann A. Bilateral subdural effusion and cerebral displacement associated with spontaneous intracranial hypotension: diagnostic and management strategies. J Neurosurg 2002; 96:956-959.
  • 18. Sugano K, Goto K, Hatori T, Tanaka S, Mizuno Y. Clinical and neuroradiological features of spontaneous intracranial hypotension: report of two cases. Brain Nerve 1999;51:345-348.
  • 19. Chung SJ, Kim JS, Lee MC. Syndrome of cerebral spinal fluid hypovolemia: clinical and imaging features and outcome. Neurology 2000; 55:1321-1327.
  • 20. Morki B, Piepgras D, Miller G. Syndrome of orthostatic headaches and diffuse pachymeningeal gadolinium enhancement. Mayo Clin Proc 1997;72:400-413.
  • 21. Pleasure S, Abosch A, Friedman J, et al. Spontaneous intracranial hypotension resulting in stupor caused by diencephalic compression. Neurology 1998;50:1854-1857.
  • 22. Bourekas E, Lewin J, Lanzieri C. Postcontrast meningeal MR enhancement secondary to intracranial hypotension caused by lumbar puncture. J Comput Assist Tomogr 1995;19:299-301.
  • 23. Murros K, Fogelhom R. Spontaneous intracranial hypotension with slit ventricles. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1983;46:1149-1151.
  • 24. Dillon WP, Fishman RA. Some lessons learned about the diagnosis and treatment of spontaneous intracranial hypotension. AJNR 1998; 19:1001-1002.
  • 25. Vishteh AG, Schievink WI, Baskin JJ, Sonntag VKH. Cervical bone spur presenting with spontaneous intracranial hypotension: case report. J Neurosurg 1998;89:483-484.
  • 26. Schievink WI, Meyer FB, Atkinson JLD, Morki B. Spontaneous spinal cerebrospinal fluid leaks and intracranial hypotension. J Neurosurg 1996;84:598-605.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Asdrubal Falavigna
    Rua Coronel Camisão 241/301
    95034-000 Caxias do Sul RS, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Professor da Disciplina de Neurologia da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Caxias do Sul RS, Brasil), Pós-Graduando em Neurocirurgia na Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (EPM-UNIFESP)
  • 2
    Professor Adjunto da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da EPM-UNIFESP, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Neurocirurgia
  • 3
    Acadêmico de Medicina da Universidade de Caxias do Sul
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org