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Pontas positivas occipitais transitórias no eletrencefalograma de pacientes epilépticos submetidos a privação do sono

Sleep occipital positive transient spikes seen at EEG of epileptic patients submitted to sleep deprivation

Resumos

OBJETIVO: Comparar o aparecimento do grafoelemento de ponta positiva occipital transitória do sono em eletrencefalograma (EEG) de pacientes epilépticos com e sem privação do sono, como método de ativação. MÉTODO: Foram analisados 40 EEG de 20 pacientes epilépticos com idade variando de 12 a 43 anos sendo 60% do sexo masculino, atendidos no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, no período de 1995 a 2000. Foram incluídos pacientes com epilepsia diagnosticada clinicamente e EEG sem alteração. Cada paciente foi submetido a um EEG sem privação de sono e outro após 36 horas de privação. O registro dos dois EEG foi separado por intervalo de 48 horas, obedecendo ao protocolo padrão. O efeito da privação do sono foi avaliado pelo aparecimento do grafoelemento PPOTS durante o estágio NREM do sono. RESULTADOS: No EEG sem privação do sono, a PPOTS foi identificada em 6 (30%) pacientes no estágio I e em 1 (5%) paciente em ambos os estágios I e II NREM. Após privação do sono, PPOTS estiveram ausentes em apenas um paciente, mas presentes em 25% casos no estágio I NREM e em 70%, nos estágios I e II NREM. CONCLUSÃO: O aumento da freqüência de PPOTS após privação do sono, parece indicar a existência da liberação de neurotransmissores excitatórios, o que pode contribuir significativamente para a investigação da excitabilidade cerebral.

privação de sono; EEG; pontas positivas occipitais transitórias


OBJECTIVE: To compare the presence of "sleep occipital positive transient spikes" (SOPTS) in the electroencephalogram (EEG) of epileptic patients without sleep deprivation (SD) to those with SD, as an activation method. METHOD: The author analyzed 40 EEG of 20 epileptic patients, aging from 12 to 43 years, 60%, males. Those patients were attempted at the Clinics Hospital of Universidade Federal de Pernambuco, from 1995 to 2000. Every patient included in this study had epilepsy clinically diagnosed and all EEG without abnormalities. Each subject was submitted to one EEG without SD and another, after 36 hours of SD. The register of these EEG was performed within an interval of 48 h, obeying to the standard protocol. The effect of sleep deprivation was evaluated by the presence of the graphic element SOPTS during NREM sleep stage. RESULTS: On the EEG without SD, the SOPTS were present in 6 (30%) patients on stage I and in 1 (5%) other, on both stages I and II NREM. After SD, SOPTS were absent for only one patient, but were identified on stage I NREM for 25% of patients and, on stages I and II NREM, for 75% of cases. CONCLUSION: The increase on the frequency of SOPTS after sleep deprivation seems to indicate the existence of excitatory neurotransmitters, what may significantly contribute to the investigation of cerebral excitability.

sleep deprivation; EEG; sleep occipital positive transient spikes


Pontas positivas occipitais transitórias no eletrencefalograma de pacientes epilépticos submetidos a privação do sono

Sleep occipital positive transient spikes seen at EEG of epileptic patients submitted to sleep deprivation

Gilson Edmar Gonçalves e Silva

Professor Adjunto Doutor de Neurologia do Departamento de Neuro-Psiquiatria do CCS/UFPE, Vice-Reitor da Universidade Federal de Pernambuco, Recife PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Comparar o aparecimento do grafoelemento de ponta positiva occipital transitória do sono em eletrencefalograma (EEG) de pacientes epilépticos com e sem privação do sono, como método de ativação.

MÉTODO: Foram analisados 40 EEG de 20 pacientes epilépticos com idade variando de 12 a 43 anos sendo 60% do sexo masculino, atendidos no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, no período de 1995 a 2000. Foram incluídos pacientes com epilepsia diagnosticada clinicamente e EEG sem alteração. Cada paciente foi submetido a um EEG sem privação de sono e outro após 36 horas de privação. O registro dos dois EEG foi separado por intervalo de 48 horas, obedecendo ao protocolo padrão. O efeito da privação do sono foi avaliado pelo aparecimento do grafoelemento PPOTS durante o estágio NREM do sono.

RESULTADOS: No EEG sem privação do sono, a PPOTS foi identificada em 6 (30%) pacientes no estágio I e em 1 (5%) paciente em ambos os estágios I e II NREM. Após privação do sono, PPOTS estiveram ausentes em apenas um paciente, mas presentes em 25% casos no estágio I NREM e em 70%, nos estágios I e II NREM.

CONCLUSÃO: O aumento da freqüência de PPOTS após privação do sono, parece indicar a existência da liberação de neurotransmissores excitatórios, o que pode contribuir significativamente para a investigação da excitabilidade cerebral.

Palavras-chave: privação de sono, EEG, pontas positivas occipitais transitórias.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To compare the presence of "sleep occipital positive transient spikes" (SOPTS) in the electroencephalogram (EEG) of epileptic patients without sleep deprivation (SD) to those with SD, as an activation method.

METHOD: The author analyzed 40 EEG of 20 epileptic patients, aging from 12 to 43 years, 60%, males. Those patients were attempted at the Clinics Hospital of Universidade Federal de Pernambuco, from 1995 to 2000. Every patient included in this study had epilepsy clinically diagnosed and all EEG without abnormalities. Each subject was submitted to one EEG without SD and another, after 36 hours of SD. The register of these EEG was performed within an interval of 48 h, obeying to the standard protocol. The effect of sleep deprivation was evaluated by the presence of the graphic element SOPTS during NREM sleep stage.

RESULTS: On the EEG without SD, the SOPTS were present in 6 (30%) patients on stage I and in 1 (5%) other, on both stages I and II NREM. After SD, SOPTS were absent for only one patient, but were identified on stage I NREM for 25% of patients and, on stages I and II NREM, for 75% of cases.

CONCLUSION: The increase on the frequency of SOPTS after sleep deprivation seems to indicate the existence of excitatory neurotransmitters, what may significantly contribute to the investigation of cerebral excitability.

Key words: sleep deprivation, EEG, sleep occipital positive transient spikes.

Na epilepsia, uma das dificuldades do diagnóstico é a interpretação adequada do eletrencefalograma (EEG). Para isso se tem empregado o EEG com privação do sono, uma vez que ela aumenta as descargas epilépticas interictais além de tornar mais freqüente o aparecimento de ponta positiva occipital transitória do sono (PPOTS), nos estágios iniciais do sono NREM1-3. A PPOTS é um grafoelemento inabitual do EEG, encontrada durante o período do adormecer. Embora não tenha significado clínico e possa ser observada em pessoas sem doença cerebral, nos pacientes epilépticos, é mais freqüente3. A privação do sono pode facilitar o registro dos paroxismos específicos. É um método seguro, pois raramente desencadeia uma crise nestes pacientes, quando utilizada corretamente1. Realizada entre 24 horas e 48 horas, ativa a liberação de neurotransmissores excitatórios, sendo por isso utilizada na investigação do paciente epiléptico. Todavia, quando se prolonga além das 48 horas, promove a liberação de neurotransmissores inibitórios4,5.

A modulação hípnica dos fenômenos epilépticos depende das flutuações hormonais monoaminérgicas e colinérgicas sobre a excitabilidade neuronal e a propagação pós-sináptica. Durante a vigília e a privação do sono, ocorre aumento de acetilcolina, que induz a sincronia e diminui a probabilidade de uma crise6. Nas epilepsias focais, o aumento das descargas, durante o sono de ondas lentas, parece se relacionar a uma diminuição progressiva da influência tônica noradrenérgica, promovendo uma desinibição. No entanto, nas epilepsias generalizadas, a desinibição noradrenérgica parece associar-se a um processo excitatório talamocortical, fásico, que reduziria as crises no sono4. Por esse motivo, praticamente todo paciente é submetido a um EEG em vigília e durante o sono. O registro do EEG de pacientes epilépticos tem sido largamente estudado. No entanto, apesar de reconhecer que a privação do sono exerce efeito excitatório, nem todos os grafoelementos têm recebido a mesma atenção. As PPOTS têm sido pouco estudadas e, embora se desconheça seu significado clínico, têm sido referidas como mais freqüentes em pacientes epilépticos em privação de sono2.

O objetivo deste estudo foi fazer a análise do aparecimento de pontas positivas occipitais transitórias do sono, quando da investigação de pacientes epilépticos, controlados, com EEG normal, usando a privação do sono, como método de ativação.

MÉTODO

Por meio de estudo retrospectivo, descritivo, tipo série de casos, foram analisados 40 EEG de 20 pacientes epilépticos, sendo 12 (60%) do sexo masculino e 8 (40%) do feminino, com idade variando entre 12 e 43 anos e média igual a 24,2±9,8 anos.

Os pacientes tiveram diagnóstico de epilepsia firmado no serviço de EEG de rotina do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, no período de 1995 a 2000, apresentando crises convulsivas generalizadas (5 pacientes; 25%) ou crises focais (15 pacientes; 75%).

Os critérios de inclusão adotados foram: pacientes com epilepsia clinicamente diagnosticada e controlada com o uso de drogas antiepilépticas e normalidade de todos os EEG prévios à pesquisa, incluído EEG de rotina. Cada paciente foi submetido a um EEG sem privação de sono, com registro de duas horas, incluídos: vigília, estimulação luminosa intermitente de 10 flashes por segundo, 15 flashes por segundo e 20 flashes por segundo, hiperventilação, por 2 minutos, seguida por 1 minuto de pós-hiperventilação. Este registro foi denominado EEG de rotina. Os pacientes foram orientados para manter privação de sono por 36 horas e comparecer ao serviço para serem submetidos a novo exame eletrencefalográfico, denominado EEG com privação.

Todos os registros foram realizados num eletrencefalógrafo de 16 canais, sem modificação da medicação de que os pacientes faziam uso.

Para atender ao objetivo deste estudo, o EEG de rotina foi comparado ao correspondente EEG com privação, quanto à presença de PPOTS e estágio do sono em que foram identificadas.

Os dados obtidos foram organizados em banco de dados com o programa SPSS, versão 13.0. Por se tratar de trabalho descritivo, empregaram-se a distribuição de freqüência relativa e absoluta e as medidas de tendência central e de dispersão.

O presente estudo constituiu-se em um desdobramento de pesquisa anteriormente realizada sobre traçado eletrencefalográfico de pacientes epilépticos, para o qual se obtiveram os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido2.

RESULTADOS

No EEG sem privação de sono, as PPOTS estiveram ausentes em 13 (65%) pacientes e presentes em 7 (35%), sendo seis no estágio I NREM e um nos estágios I e II NREM (Figura). Após a privação de sono, houve conversão de ausência para presença de PPOTS em 12 dos 13 pacientes (92,3%), tendo 1 (5%) paciente, do sexo masculino, mantido a condição de ausência de PPOTS. Dentre os seis pacientes com PPTOS presentes no estágio I NREM, todos passaram a apresentá-las nos estágios I e II NREM e um paciente, do sexo feminino que apresentava PPTOS nos estágios I e II NREM, não alterou esta condição (Tabela).


O aparecimento de PPTOS ao EEG com privação de sono independeu do sexo do paciente ou da idade.

DISCUSSÃO

A eletrencefalografia, na classificação das epilepsias, é um exame muito importante para direcionar terapêutica e efetuar o prognóstico de desordens epilépticas3,5.

Para obtenção do registro de EEG mais fidedigno, se tem buscado diversas técnicas tais como a indução farmacológica do sono, a vídeo-eletropolissonografia do sono pós-prandial e do sono noturno e o holter EEG, cada qual com indicações próprias e achados característicos4.

Dentre os grafoelementos que podem ser detectados, as PPOTS são de ocorrência rara em vigília e no sono noturno, mas são exacerbadas pela privação do sono, conforme se identificou no presente trabalho.

A exacerbação ocorrida em 90% dos pacientes após a privação de sono, motivou a reflexão de que esta privação pode ativar também outros grafoelementos irritativos, ou seja, não epilépticos, em função da liberação dos neurotransmissores excitatórios. Entre estes grafoelementos, comprovou-se que as PPOTS foram ativadas.

O presente estudo teve caráter puramente descritivo, já que na literatura consultada, dentre 342 trabalhos com descrição de achados de EEG em pacientes epilépticos, apenas um faz referência às PPOTS. Em virtude dessa escassez, parece importante o enriquecimento do acervo de informações nesta área da neurociência, contribuindo para o estudo da excitabilidade cerebral, como forma de ajudar ao paciente epiléptico.

Recebido 30 Agosto 2006, recebido na forma final 9 Novembro 2006. Aceito 20 Janeiro 2007.

Dr. Gilson Edmar Gonçalves e Silva - Rua Muniz Tavares 147 / 601 - 52050-170 Recife PE - Brasil. E-mail: ge@ufpe.br e gegs@hotlink.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Aceito
    20 Jan 2007
  • Revisado
    09 Nov 2006
  • Recebido
    30 Ago 2006
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