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Comparação entre distribuições de referência para a classificação do estado nutricional de crianças e adolescentes com síndrome de Down

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a concordância da categorização dos índices peso para idade (P/I) e estatura para idade (E/I) em indivíduos com síndrome de Down segundo diferentes curvas. MÉTODOS: Desenvolveu-se estudo transversal em crianças (2 a 9,9 anos de idade) e adolescentes (10 a 17,9 anos de idade) com síndrome de Down assistidos em instituições da região metropolitana do Rio de Janeiro. Os índices de P/I e E/I foram categorizados segundo os percentis de três curvas: duas para indivíduos com síndrome de Down e outra para indivíduos saudáveis. Os limites utilizados na categorização foram o percentil 5 (P5) e o percentil 95 (P95). Utilizou-se o Kappa ponderado na avaliação da concordância das classificações (significativo quando p < 0,05). RESULTADOS: Foram obtidas informações de 98 crianças e 40 adolescentes. Entre as crianças, o P/I < P5 variou de 1,0 a 18,4%; a concordância para essa categorização foi considerada fraca (Kappa = 0,16; IC95% -0,03-0,34; p < 0,01); para E/I, não foi observada concordância na classificação. Entre os adolescentes, a categorização do P/I < P5 variou de 2,5 a 5,0%; a concordância para essa classificação foi fraca (Kappa = 0,16; IC95% -0,15-0,48; p > 0,05); para E/I, a concordância foi boa (Kappa = 1,00; IC95% 0,23-1,00; p < 0,01). CONCLUSÃO: A concordância entre as classificações dos índices P/I e E/I geradas por diferentes distribuições mostrou-se fraca. Os dados indicam que o desenvolvimento de curvas específicas para indivíduos com síndrome de Down seria útil para a identificação de distúrbios ponderais, como o excesso de peso, que é freqüentemente observado nesse grupo.

Avaliação nutricional; crianças; adolescentes; síndrome de Down; antropometria; peso para idade; estatura para idade


OBJECTIVE: To compare the agreement between classifications of children and adolescents with Down syndrome (DS) by weight for age (W/A) and height for age (H/A) indexes according to a selection of international reference curves. METHODS: A cross-sectional study was carried out of children (2 to 9.9 years old) and adolescents (10 to 17.9 years old) with DS from cities in the state of Rio de Janeiro, Brazil, in 2005. The W/A and H/A indexes were classified according to the percentiles of two curves developed for individuals with Down syndrome and one distribution developed for healthy subjects. The cut-off limits applied for categorization were: below the 5th percentile (< P5) and above the 95th percentile (> 95). The weighted Kappa index was estimated to assess agreement between the classifications (p < 0.05). RESULTS: Information was obtained on 98 children and 40 adolescents. From 1.0 to 18.4% of the children were < P5 for W/A and the agreement for this index was considered weak (Kappa = 0.16; 95%CI -0.03-0.34; p < 0.01) no agreement was observed between the H/A classifications. For adolescents, W/A < P5 varied from 2.5 to 5.0%; and once more there was no agreement for this classification (Kappa = 0.16; 95%CI -0.15-0.48; p > 0.05). There was good agreement for the H/A index (Kappa = 1.00; 95%CI 0.23-1.00; p < 0.01). CONCLUSION: There was weak agreement between classifications of anthropometric indexes according to three different distributions. The data indicate that the construction of specific curves for individuals with DS would facilitate the identification of overweight, which is often observed among these patients.

Nutritional assessment; children; adolescents; Down syndrome; anthropometry; weight for age; height for age


ARTIGO ORIGINAL

Comparação entre distribuições de referência para a classificação do estado nutricional de crianças e adolescentes com síndrome de Down

Taís de S. LopesI; Daniele M. FerreiraII; Rosangela A. PereiraIII; Gloria V. da VeigaIV; Vania M. R. de MarinsV

IMestre, Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ

IIDoutora. Professora adjunta, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ

IIIDoutora. Professora adjunta, Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

IVDoutora. Professora associada, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

VDoutora. Coordenadora, Curso de Nutrição, Faculdade Arthur Sá Earp Neto, Petrópolis, RJ

Correspondência Correspondência:Rosangela Alves Pereira Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Nutrição Josué de Castro Departamento de Nutrição Social Aplicada Av. Brigadeiro Trompowsky, s/nº - CCS - BLOCO J - 2º ANDAR - Ilha do Fundão CEP 21941-590 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 2562.6679

RESUMO

OBJETIVO:

MÉTODOS: Desenvolveu-se estudo transversal em crianças (2 a 9,9 anos de idade) e adolescentes (10 a 17,9 anos de idade) com síndrome de Down assistidos em instituições da região metropolitana do Rio de Janeiro. Os índices de P/I e E/I foram categorizados segundo os percentis de três curvas: duas para indivíduos com síndrome de Down e outra para indivíduos saudáveis. Os limites utilizados na categorização foram o percentil 5 (P5) e o percentil 95 (P95). Utilizou-se o Kappa ponderado na avaliação da concordância das classificações (significativo quando p < 0,05).

RESULTADOS: Foram obtidas informações de 98 crianças e 40 adolescentes. Entre as crianças, o P/I < P5 variou de 1,0 a 18,4%; a concordância para essa categorização foi considerada fraca (Kappa = 0,16; IC95% -0,03-0,34; p < 0,01); para E/I, não foi observada concordância na classificação. Entre os adolescentes, a categorização do P/I < P5 variou de 2,5 a 5,0%; a concordância para essa classificação foi fraca (Kappa = 0,16; IC95% -0,15-0,48; p > 0,05); para E/I, a concordância foi boa (Kappa = 1,00; IC95% 0,23-1,00; p < 0,01).

CONCLUSÃO: A concordância entre as classificações dos índices P/I e E/I geradas por diferentes distribuições mostrou-se fraca. Os dados indicam que o desenvolvimento de curvas específicas para indivíduos com síndrome de Down seria útil para a identificação de distúrbios ponderais, como o excesso de peso, que é freqüentemente observado nesse grupo.

Palavras-chave: Avaliação nutricional, crianças, adolescentes, síndrome de Down, antropometria, peso para idade, estatura para idade.

Introdução

A síndrome de Down (SD) é uma anomalia genética no vigésimo primeiro par de cromossomos, apresentando um cromossomo 21 extra (trissomia do 21), que acarreta alterações físicas e mentais, tais como hipotonia muscular (sobretudo oral), cardiopatia congênita, baixa imunidade, distúrbios gastrointestinais, obesidade, atraso no desenvolvimento psicomotor e problemas neurológicos, auditivos e visuais1,2.

O crescimento de crianças com SD difere das demais, pois se caracteriza por precocidade no início do estirão de crescimento e velocidade reduzida de crescimento linear, o que resulta em indivíduos de estatura mais baixa em relação à população em geral3-13. Há também predisposição para o excesso de peso, particularmente entre os adolescentes e os adultos7,14,15. Essa predisposição também pode estar relacionada, entre outros fatores, ao próprio déficit de crescimento que determina necessidades energéticas reduzidas. Por outro lado, o excesso de peso constitui fator de agravamento para outras enfermidades que acometem esse grupo populacional, como as cardiopatias e a hipotonia muscular, além de ser fator de risco para distúrbios metabólicos. Desta forma, a avaliação do estado nutricional é importante para o diagnóstico e acompanhamento da situação nutricional desse grupo de indivíduos.

Em alguns países, já foram desenvolvidas distribuições apresentando os percentis de índices antropométricos, tais como peso para idade (P/I), peso para estatura (P/E) e estatura para idade (E/I), específicas para crianças e adolescentes com SD, as quais refletem a menor velocidade de crescimento e o déficit na estatura observados nesse grupo. A distribuição elaborada nos EUA6 é uma das mais referidas na literatura4,5,10-12,16,17 e contém as distribuições de peso, estatura e perímetro cefálico por idade (PC/I), segundo o sexo, compreendendo a faixa etária de 2 a 18 anos.

Na Espanha8,9, foram desenvolvidas distribuições para crianças e adolescentes com SD do terceiro mês aos 17 anos de idade, incluindo os mesmos índices abordados na distribuição estadunidense7. Na Suécia4e no Reino Unido e Irlanda5, foram desenvolvidas distribuições específicas do peso, estatura/comprimento e perímetro cefálico, segundo a faixa etária e o sexo, do nascimento aos 18 anos de idade.

Na Itália, Piro et al.13 desenvolveram curvas de peso, comprimento/estatura e perímetro cefálico para crianças com SD de 0 a 5 anos de idade. Na Arábia Saudita, Al Husain18também elaborou curvas, segundo a faixa etária e o sexo, de peso, comprimento/estatura, perímetro cefálico e do índice peso por comprimento/estatura para crianças de 0 a 5 anos de idade com SD, as quais foram comparadas com curvas elaboradas para crianças da mesma faixa etária que não apresentavam a doença.

No Brasil, Mustacchi19 realizou estudo longitudinal com 174 crianças de 0 a 8 anos de idade com SD, na região urbana de São Paulo, no período de 1980 a 2000. O autor obteve avaliações peso, estatura e perímetro cefálico e elaborou distribuições dos índices E/I, P/I e PC/I, segundo faixa etária e sexo. No país, observa-se escassez de estudos que investiguem a avaliação de índices antropométricos em crianças e adolescentes com SD. Assim como não há registro de trabalhos que esclareçam quanto à utilização dessas distribuições específicas para indivíduos com a SD. Este estudo teve como objetivo avaliar a concordância da classificação de crianças e adolescentes com SD, de ambos os sexos, quanto aos índices P/I e E/I, obtida a partir de três distribuições: duas específicas para indivíduos com SD (dos EUA6 e da Espanha8,9) e a distribuição de referência recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)20,21.

Métodos

Trata-se de estudo de desenho seccional desenvolvido em crianças de 2 a 9,9 anos e adolescentes de 10 a 17,9 anos de idade de ambos os sexos com SD, atendidos em instituições filantrópicas selecionadas de quatro municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro: Niterói, São Gonçalo, Duque de Caxias e Rio de Janeiro. Foram realizados pré-teste e estudo piloto para todos os procedimentos aplicados em campo em instituições similares da mesma região metropolitana (Petrópolis, RJ).

Foram examinadas todas as crianças e adolescentes matriculados nas referidas instituições, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: diagnóstico clínico ou genético (cariótipo) da SD e ausência de deficiência física que impedisse a avaliação antropométrica.

Para a caracterização do grupo investigado, foram utilizadas informações obtidas em questionário estruturado sobre a renda familiar e a escolaridade dos pais. Calculou-se a renda familiar mensal per capita dividindo-se a renda total da família pelo número de moradores no domicílio, a qual foi categorizada em múltiplos do salário-mínimo vigente à época do levantamento de dados (R$ 300,00). A escolaridade dos pais foi registrada considerando a última série cursada com aprovação.

Para a mensuração, as crianças e adolescentes permaneciam com o mínimo de vestimentas, descalços e sem adereços. O peso foi medido com balança eletrônica portátil da marca Kratos-Cas com capacidade de 150 kg e variação de 50 g. A estatura, obtida com o uso de antropômetro (Seca® modelo 206) com variação de 0,1 cm, foi aferida em dupla medição; quando a diferença entre as medidas era maior que 0,5 cm, eram refeitas. Para as análises, foi considerada a média das duas mensurações.

Estimaram-se as freqüências absolutas e relativas das variáveis que descrevem as características do grupo investigado. Foram calculadas as médias e os respectivos IC95% das medidas do peso e da estatura.

Como as distribuições específicas para indivíduos com SD utilizadas neste artigo, a dos EUA6 e a da Espanha8,9, disponibilizam apenas os índices P/I e E/I, foram estes os índices considerados na classificação das crianças e adolescentes examinados. Estimaram-se também os mesmos índices de acordo com as distribuições propostas pela OMS20,21, as quais são as adotadas pelo Ministério da Saúde para a avaliação do crescimento de crianças e adolescentes da população em geral22.

Para a comparação das distribuições, foram utilizados os seguintes pontos de corte: para o índice P/I, abaixo do percentil 5 (P5), entre o P5 e o percentil 95 (P95) e acima do P95; e para o índice E/I, abaixo do P5 e acima do P5. Esses pontos de corte foram escolhidos por serem contemplados por todas as distribuições utilizadas nessa investigação e são utilizados como indicadores de possíveis déficit (P5) e excesso ponderal (P95) e déficit estatural (P5). O esperado é que 5% das crianças e adolescentes investigados estivessem abaixo do P5 e 5% acima do P95 em cada uma das distribuições.

O índice P/I dos adolescentes foi utilizado somente visando à comparação das distribuições específicas. Esse índice não é recomendado para a avaliação de adolescentes, que devem ser avaliados pelo índice de massa corporal (IMC = peso/estatura2) para idade, dado que adolescentes, ainda que sejam da mesma idade, apresentam diferentes estágios de maturação sexual, o que implica em alterações na composição corporal. A utilização do índice P/I para avaliar o estado nutricional desse grupo etário pode levar à sua interpretação equivocada23.

O índice Kappa ponderado e IC95% foram estimados para avaliar a concordância da avaliação dos índices P/I e E/I considerando as três distribuições. Os valores de Kappa foram interpretados da seguinte forma: Kappa < 0,40, pouca concordância; Kappa entre 0,40 e 0,75, boa concordância; Kappa > 0,75, concordância excelente. Quando acontece de ser estimado um Kappa com valor negativo, significa que a concordância observada é menor do que aquela obtida ao acaso. Se o Kappa for zero, toda a concordância eventualmente observada é explicada pelo acaso. Finalmente, quando Kappa é igual a um, diz-se que a concordância é excelente24. Para avaliar a significância estatística dessas estimativas, considerou-se o valor de p < 0,05.

O projeto foi desenvolvido em conformidade com a resolução 196/96 do Ministério da Saúde25 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (nº 142/04). A participação das crianças e adolescentes foi autorizada pelos pais ou responsáveis, que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido após terem sido informados sobre toda a metodologia utilizada na investigação.

Resultados

Nas instituições filantrópicas consideradas no estudo, estavam matriculadas 157 crianças e adolescentes (83 meninos e 74 meninas) com SD na faixa etária de interesse. Para 19 (12,1%), não foi possível obter informações devido à recusa por parte dos pais ou responsáveis ou por não terem tido condições para a aferição das medidas antropométricas. Foram examinados 138 indivíduos (72 meninos, 52,2%; 66 meninas, 47,8%), sendo 98 (71,0%) crianças de 2 a 9,9 anos (46 meninos e 52 meninas) e 40 adolescentes (26 meninos e 14 meninas) (Tabela 1).

A mediana da renda familiar mensal per capita foi de 0,5 salários-mínimos, sendo que 48,5% das famílias auferiam menos que meio salário-mínimo per capita mensalmente. Entre os pais dos indivíduos examinados, 74% estudaram, no máximo, até a quarta série do ensino fundamental, sendo que aproximadamente 26% tinham o ensino fundamental completo (8 anos de estudo). Em contrapartida, entre as mães, 24% tinham até 4 anos de estudo e 28% tinham o ensino médio completo (11 anos de estudo) (Tabela 1).

Na Tabela 2, é apresentada a caracterização do grupo investigado quanto às medidas do peso e estatura (médias e IC95%) de acordo com os diferentes grupos etários.

Entre as crianças, o índice P/I abaixo do P5 variou de 1,0%, segundo a distribuição estadunidense6, a 18,4%, de acordo com a distribuição espanhola8,9. Por essa distribuição e pela da OMS20, 4,1% das crianças foram classificadas acima do P95 para P/I; já pela distribuição estadunidense6, 16,3% estavam acima desse limite. De acordo com a distribuição estadunidense6, nenhuma das crianças do grupo analisado estava abaixo do P5 para o índice E/I. Entretanto, pela distribuição espanhola8,9 e da OMS20, 20,4 e 55,1%, respectivamente, foram consideradas abaixo desse ponto de corte (Tabela 3).

Entre os adolescentes, 5,0% foram categorizados abaixo do P5 para P/I segundo distribuição estadunidense6, ao passo que, considerando a distribuição espanhola8,9, 2,5% foram considerados abaixo desse patamar. Só foram observados adolescentes acima do P95 do P/I quando comparados em relação à distribuição espanhola8,9 (17,5%). Com relação ao índice E/I, 2,5% dos adolescentes foram classificados abaixo do P5 na comparação com as distribuições específicas; porém, pela distribuição da OMS21, 60,0% dos adolescentes foram classificados nessa condição.

Para as crianças, observou-se pouca concordância (Kappa = 0,29; IC95% 0,20-0,37; p < 0,01) na classificação do P/I segundo as três distribuições. O mesmo grau de concordância foi observado entre as classificações desse índice baseadas nas distribuições estadunidense6 e espanhola8,9 (Kappa = 0,16; IC95% -0,03-0,34; p < 0,01). O mesmo foi observado com relação à comparação da classificação do P/I segundo a distribuição estadunidense6 e a da OMS20 (Kappa = 0,26; IC95% 0,04-0,48; p < 0,01). Observou-se concordância boa entre a classificação do P/I obtida pela distribuição espanhola8,9 e por aquela adotada pela OMS20 (Kappa = 0,50; IC95% 0,29-0,72; p < 0,01) (Tabela 4).

Na categorização do índice E/I, observou-se concordância próxima a zero quando cotejadas as três distribuições simultaneamente (Kappa = 0,02; IC95% -0,09-0,13; p > 0,05). Porém, quando se procedeu à comparação das distribuições duas a duas na classificação desse índice, não foi observada nenhuma concordância (estadunidense6versus espanhola8,9 e estadunidense6versus OMS20: Kappa = 0,00; p > 0,05; espanhola8,9versus OMS: Kappa = 0,00; IC95% -0,15-0,05; p > 0,05) (Tabela 4).

Para os adolescentes, foi observada concordância fraca na comparação da classificação do P/I segundo as distribuições específicas para indivíduos com SD (Kappa = 0,16; IC95% -0,15-0,48; p > 0,05). Com relação ao índice E/I, não foi observada concordância quando cotejadas as três distribuições (Kappa = -0,13; IC95% -0,30-0,04; p > 0,05). Para E/I, foi observada concordância excelente (apesar de o intervalo de confiança ter sido amplo) na classificação obtida segundo as distribuições específicas para indivíduos com SD (Kappa = 1,00; IC95% 0,23-1,00; p < 0,01) e nenhuma concordância quando a classificação gerada por essas distribuições foi comparada à estimada segundo a distribuição adotada pela OMS21 (Tabela 4).

Discussão

Os resultados mostraram elevada proporção de crianças classificadas abaixo do P5 para P/I quando foi considerada a distribuição espanhola8,9 e aquela desenvolvida para indivíduos saudáveis20. Por outro lado, a distribuição estadunidense6 resultou em elevada proporção de crianças categorizadas acima do P95. Para adolescentes, diferentemente do observado entre as crianças, a distribuição espanhola8,9 classificou proporção mais elevada de adolescentes acima do P95 do que a estadunidense6, indicando que a distribuição espanhola possivelmente detecta o excesso de peso nos adolescentes com SD. Os dados sugerem que os adolescentes estudados nessa pesquisa possivelmente não apresentam déficits ponderais.

A análise do índice E/I proporcionou resultados divergentes para as crianças, ao passo que, para os adolescentes, os dados indicaram que o crescimento não diferiu substancialmente dos adolescentes com SD oriundos de outros grupos populacionais.

Apesar do reconhecimento da elevada prevalência de cardiopatias em pessoas com SD e da sua repercussão sobre o estado nutricional, neste estudo não foi considerado o efeito dessa enfermidade nas análises, pois o estudo pretendeu tão somente comparar a categorização dos indivíduos segundo as diferentes curvas. Outra limitação deste estudo é o número reduzido de indivíduos nas categorias de idade e sexo, particularmente entre os adolescentes.

Os achados apontam a necessidade de avaliar criteriosamente a situação nutricional de adolescentes com SD. Caso os adolescentes desse estudo fossem avaliados apenas pela distribuição estadunidense6, não teria sido possível identificar a presença de excesso de peso entre os adolescentes investigados. Já a avaliação pela distribuição espanhola8,9 possibilita que intervenções para redução de peso possam ser implementadas entre aqueles categorizados acima do P95 para P/I, podendo reduzir o desenvolvimento de possíveis distúrbios metabólicos que venham a ser gerados pelo excesso de gordura corporal.

Além disso, a utilização das distribuições de E/I construídas para indivíduos saudáveis é inadequada para avaliação do crescimento de indivíduos com SD; assim, recomenda-se a aplicação de distribuições de referência desenvolvidas especificamente para o acompanhamento do desenvolvimento desses indivíduos.

O índice P/E e o IMC para idade, que avaliam a harmonia entre as dimensões de massa corporal e estatura, não foram considerados neste trabalho, dado que as duas distribuições desenvolvidas para indivíduos com SD6,8,9 utilizadas não contemplam curvas para esses índices. Neste estudo, não foi utilizada a distribuição proposta por Mustacchi et al.19, desenvolvida no Brasil, por abranger apenas a faixa etária de 1 a 8 anos de idade. Além disso, por razões operacionais, duas outras distribuições4,5 desenvolvidas para indivíduos com SD também não foram utilizadas nas análises deste estudo. A distribuição desenvolvida na Suécia4 não apresenta as curvas em percentis, ao passo que a distribuição desenvolvida no Reino Unido e Irlanda5não se refere aos percentis 5 e 95 considerados neste trabalho.

Myrelid et al.5 também compararam os dados antropométricos de crianças e adolescentes suecos com SD com a distribuição estadunidense específica para esses indivíduos6. Os autores observaram discrepâncias como, por exemplo, a média de estatura dos indivíduos suecos com SD aos 18 anos de idade, que era mais elevada que aquela descrita para indivíduos estadunidenses. Quanto ao peso, os autores observaram relação inversa: a média do peso dos adolescentes suecos com SD aos 18 anos correspondia ao percentil 50 dos meninos e ao percentil 25 das meninas da distribuição estadunidense6. Os autores atribuem essas diferenças à diversidade étnica e à diferença no tamanho das amostras analisadas nos dois estudos.

Em Portugal, Fernandes et al.10 examinaram 196 crianças de 0 a 48 meses com SD e 96 irmãos dessas crianças que não tinham o diagnóstico de SD. Ao comparar seus resultados com a distribuição estadunidense para indivíduos com SD6, os autores observaram que as crianças portuguesas tinham crescimento semelhante às estadunidenses até os 24 meses de idade, porém, dos 24 aos 48 meses, elas apresentavam valores mais elevados de comprimento e peso.

Em estudo realizado no Chile, Pinheiro et al.16 desenvolveram trabalho com 116 crianças e adolescentes com SD, com idades entre 3 meses a 18 anos. Os autores avaliaram a concordância de diagnóstico para os índices P/I e E/I de acordo com as distribuições estadunidense6 e espanhola8,9 específicas para esses indivíduos e também com a do National Center for Health and Statistics (NCHS)26. Esses autores observaram pouca concordância entre as distribuições para os índices analisados; contudo, apontaram a distribuição espanhola como a mais indicada para avaliação dos desvios nutricionais nessas crianças.

Não existe consenso com relação a distribuições de referência e critérios de classificação a serem utilizados para avaliar crianças com SD. Embora distribuições específicas já tenham sido desenvolvidas em alguns países3-6,8-10,12,13,18, no Brasil não há registro de estudo que tenha elaborado curvas de peso e estatura com casuística representativa para indivíduos com SD. A necessidade do uso de distribuições específicas para esse grupo se dá pelo reconhecimento das alterações do crescimento e desenvolvimento desses indivíduos.

A fraca concordância observada entre as distribuições consideradas neste estudo indica que o desenvolvimento de estudos longitudinais com amostras representativas de indivíduos com SD no Brasil seria de grande valia para a compreensão do processo de crescimento e desenvolvimento dessas crianças e adolescentes e para permitir a elaboração de distribuição de referência específica para esse grupo da população. Tais estudos possibilitariam o desenvolvimento de curvas específicas para esses indivíduos, o que viria a favorecer a identificação de distúrbios ponderais, principalmente o excesso de peso, que é freqüentemente observado nesse grupo.

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração da Professora Luzia Giannini Cruz no trabalho de campo e do Professor Renan Moritz Varnier de Almeida na análise dos dados. Às bolsistas Anna Caroline Mendes Cardoso, Letícia Ferreira e Thais Fernandes.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Artigo submetido em 27.12.07, aceito em 28.05.08.

Como citar este artigo: Lopes TS, Ferreira DM, Pereira RA, da Veiga GV, de Marins VM. Assessment of anthropometric indexes of children and adolescents with Down syndrome. J Pediatr (Rio J). 2008;84(4):350-356.

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  • Correspondência:

    Rosangela Alves Pereira
    Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Instituto de Nutrição Josué de Castro
    Departamento de Nutrição Social Aplicada
    Av. Brigadeiro Trompowsky, s/nº - CCS - BLOCO J - 2º ANDAR - Ilha do Fundão
    CEP 21941-590 - Rio de Janeiro, RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      28 Maio 2008
    • Recebido
      27 Dez 2007
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