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Diagnóstico situacional de um processo de avaliação de desempenho profissional

Diagnóstico situacional del proceso de evaluación de desempeño

Situational diagnostic of an evaluation process of professional performance

Resumos

Esse estudo teve como objetivo realizar um diagnostico situacional a respeito do processo de avaliação de desempenho da equipe de enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Baseadas em duas questões norteadoras, foram realizadas nove entrevistas com enfermeiros da Instituição, sendo tratadas pela Análise de Conteúdo. Os temas que mais se destacaram foram: o Significado da avaliação; os Sentimentos expressos; as dificuldades e facilidades na utilização do Instrumento e a Capacitação. Esse estudo proporcionou um momento de manifestação dos sentimentos e dos aspectos que favorecem ou dificultam a realização da avaliação, mostrando os principais pontos de vulnerabilidade do processo e, portanto, merecedores de maior atenção e intervenção em curto prazo.

avaliação de desempenho; recursos humanos; educação


Este estudio tuvo como objetivo realizar un diagnostico situacional sobre el proceso de evaluación de desempeño del equipo de enfermería del Hospital Universitario de la Universidad de São Paulo. Con dos preguntas norteadoras fueron realizadas nueve entrevistas con enfermeros. Estas entrevistas fueron tratadas a través del Análisis de Contenido. Los temas que más destacaron fueron: El Significado de la evaluación, los Sentimientos; las dificultades y facilidades en la utilización del Instrumento y la Capacitación. Este estudio proporciono un momento de manifestación de los sentimientos y los aspectos que favorecen o dificultan la realización de la evaluación, mostrando los principales puntos de vulnerabilidad del proceso y, por tanto, merecedores de mayor atención y intervención a corto plazo.

evaluación de desempeño; recurso humano; educación


The aim of this study was to realize a diagnostic situational about the evaluation process of the nursing team performance of USP Hospital. Based in two guiding questions, it was carried out 9 interviews with nurses of this hospital. These interviews were analyzed according Analyze of Contend. The most frequent themes were: The meaning of evaluation; the feelings; the difficulties and facilities concerning the instrument and the capacitacion. This experience brought about many feelings, as well as aspects that either favor or make the execution of the evaluation difficult, showing the principal points of vulnerability of the process and, therefore, deserving better attention and short-term intervention.

performance evaluation; human resources; education


PESQUISA

Diagnóstico situacional de um processo de avaliação de desempenho profissional

Situational diagnostic of an evaluation process of professional performance

Diagnóstico situacional del proceso de evaluación de desempeño

Vera Lucia Mira GonçalvesI; Maria Madalena Januário LeiteII

IProfessora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP

IIProfessora Associada do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP

Correspondência Correspondência: E-mail do autor: vlmira@usp.br

RESUMO

Esse estudo teve como objetivo realizar um diagnostico situacional a respeito do processo de avaliação de desempenho da equipe de enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Baseadas em duas questões norteadoras, foram realizadas nove entrevistas com enfermeiros da Instituição, sendo tratadas pela Análise de Conteúdo. Os temas que mais se destacaram foram: o Significado da avaliação; os Sentimentos expressos; as dificuldades e facilidades na utilização do Instrumento e a Capacitação. Esse estudo proporcionou um momento de manifestação dos sentimentos e dos aspectos que favorecem ou dificultam a realização da avaliação, mostrando os principais pontos de vulnerabilidade do processo e, portanto, merecedores de maior atenção e intervenção em curto prazo.

Descritores: avaliação de desempenho; recursos humanos; educação

ABSTRACT

The aim of this study was to realize a diagnostic situational about the evaluation process of the nursing team performance of USP Hospital. Based in two guiding questions, it was carried out 9 interviews with nurses of this hospital. These interviews were analyzed according Analyze of Contend. The most frequent themes were: The meaning of evaluation; the feelings; the difficulties and facilities concerning the instrument and the capacitacion. This experience brought about many feelings, as well as aspects that either favor or make the execution of the evaluation difficult, showing the principal points of vulnerability of the process and, therefore, deserving better attention and short-term intervention.

Descriptors: performance evaluation; human resources; education

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo realizar un diagnostico situacional sobre el proceso de evaluación de desempeño del equipo de enfermería del Hospital Universitario de la Universidad de São Paulo. Con dos preguntas norteadoras fueron realizadas nueve entrevistas con enfermeros. Estas entrevistas fueron tratadas a través del Análisis de Contenido. Los temas que más destacaron fueron: El Significado de la evaluación, los Sentimientos; las dificultades y facilidades en la utilización del Instrumento y la Capacitación. Este estudio proporciono un momento de manifestación de los sentimientos y los aspectos que favorecen o dificultan la realización de la evaluación, mostrando los principales puntos de vulnerabilidad del proceso y, por tanto, merecedores de mayor atención y intervención a corto plazo.

Descriptores: evaluación de desempeño; recurso humano; educación

1 Introdução

A avaliação de desempenho profissional é um processo dinâmico e integrado à política de recursos humanos da organização. Consiste na apreciação sistemática das atividades exercidas em determinado período por um profissional, tendo como principais objetivos promover o crescimento profissional e subsidiar tomadas de decisões administrativas(1-5).

A cultura de fazer avaliação de desempenho profissional, de forma individualizada e sistematizada, embora não seja nova, não é uma prática tão comum nas organizações de saúde.

Na enfermagem, a avaliação de desempenho tem sido conduzida como uma atividade isolada, que não reflete a filosofia da organização e do próprio serviço de enfermagem(6), assumindo um caráter normativo, que não contribui para análise do potencial, nem tampouco para o desenvolvimento pessoal e profissional do avaliado(2).

No Departamento de Enfermagem do Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP), o processo de avaliação de desempenho profissional foi implantado desde a inauguração do Hospital, em 1981. Na ocasião do estudo, contava com instrumento fechado composto de 15 prognosticadores pré-estabelecidos e uma escala forçada com quatro níveis pré-definidos de graduação do desempenho, de maneira crescente de A à D. Consiste de auto-avaliação, sendo a avaliação feita pelo superior hierárquico imediato.

Pesquisas desenvolvidas sobre o tema no HU USP mostraram que, embora os enfermeiros acreditem na avaliação como um instrumento de gerenciamento de pessoal, existem problemas com relação ao processo e há, portanto, grande insatisfação por parte da equipe(2,7,8).

Por isso, julgamos indispensável também conhecer as percepções dos enfermeiros da Instituição sobre o processo de avaliação de desempenho, tornando mais claro os problemas evidenciados, a fim de, posteriormente, promover intervenções no processo, baseadas nas expectativas e valores da equipe de enfermagem. Dessa forma, constituiu-se em objetivo deste estudo:

2 Objetivo

­ Proceder um diagnóstico situacional a respeito do processo de avaliação de desempenho da equipe de enfermagem do Hospital Universitário da USP.

3 Trajetória metodológica

O estudo encaminhou-se na perspectiva qualitativa.

3.1 Cenário e sujeitos do estudo

O estudo foi desenvolvido no Departamento de Enfermagem do HU USP, que é um órgão complementar da Universidade de São Paulo, destinado ao ensino, à pesquisa e à extensão de serviços à comunidade, oferecendo assistência de média complexidade.

Para realização da pesquisa, obtivemos autorização da Comissão de Ensino e Pesquisa e do Comitê de Ética em Pesquisa desta Instituição.

Participaram da pesquisa nove enfermeiras do HU USP, sendo seis enfermeiras chefes e três enfermeiras sem cargo de chefia que, após os esclarecimentos necessários, assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

3.2 Coleta de dados

As nove entrevistas foram gravadas e desenvolvidas com base nas questões norteadoras:

"Conte-me sobre sua experiência com a avaliação de desempenho."

"Você tem uma experiência marcante sobre avaliação de desempenho para me contar?"

3.3 Análise dos dados

Para captar das mensagens os aspectos mais relevantes para construção do diagnóstico, optamos pela Análise de Conteúdo, cuja finalidade é evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre a realidade, baseando-se na dedução e na inferência, com atração pelo latente e pelo potencial inédito retido por qualquer mensagem(9).

Essa análise possibilita, portanto, extrapolar da realidade, conteúdos e mensagens que demonstram a percepção dos enfermeiros sobre a avaliação de desempenho.

4 A construção do diagnóstico

Extraindo dos discursos, o conteúdo essencial para a realização do diagnóstico situacional, o primeiro tema que nos chamou a atenção, por considerarmos fundamental para legitimação de qualquer processo, foi o significado que os enfermeiros atribuíram à avaliação e que corresponde a seus principais objetivos conceituais e demostra a importância conferida à avaliação: "... a avaliação como essa chance para pessoa, como um crescimento, a avaliação realmente como deve ser, crescimento" (D8). "... passar essa importância dessa avaliação também para os funcionários, e para o enfermeiro avaliador também ... Tem que ter. Acho que uma avaliação tem que ter" (D5). "... mas acho que precisa, precisa avaliar, precisa tudo isso, mas só que a gente precisa rever a forma" (D9).

Foi possível perceber, também, um significado negativo: "... não gosto de fazer avaliação de desempenho! Nem ser avaliada, nem fazer, nenhum dos dois. É ruim" (D7).

Sendo um instrumento administrativo, "... apesar de toda a dificuldade da avaliação de desempenho, ela se torna um respaldo jurídico para gente, não é só jurídico, acho que é um respaldo administrativo também, para os problemas com os funcionários..." (D6), os enfermeiros perceberam como a política organizacional determina e interfere nas decisões a serem tomadas após a avaliação, o que mostra que a avaliação não é um fim, mas um instrumento para melhorar os resultados dos recursos humanos(1,5).

não temos muita autonomia para estar logo despedindo um funcionário ruim, por mais registrado que esteja na avaliação de desempenho, ... você tem toda uma política da Universidade, ... Tudo isso dificulta o nosso processo de trabalho, apesar da avaliação (D4).

De forma abrangente, falaram do processo, dando indícios da necessidade de mudança e da utilização da avaliação como instrumento de poder: "Cresci bastante no modo de ver a avaliação; agora eu acredito que a daqui precisa mudar urgentemente, o modo ..., o sistema de avaliação" (D8). "... acho que a gente precisa dar uma reformulada no processo, não sei se no impresso, ... mas a gente está precisando, eu sinto, de uma dinamização disso daí" (D9). "... ainda existe o poder, o uso de poder de forma negativa, de forma errada, então, ou a gente precisa colocar um instrumento, ou uma forma em geral que isso fique mais seguro, o uso do poder" (D8).

Em relação ao método, o instrumento de avaliação foi expresso de forma enfática, revelando, como é esperado, a importância e o valor excessivo a ele atribuído, como se fosse o único responsável pelo sucesso ou insucesso de todo processo de avaliação.

Discorreram também sobre a necessidade de revisão dos prognosticadores e da técnica de mensuração: "Então, mais difícil eu acho essa questão dos itens (graduação) que são muito próximos, não têm o meio termo, é oito ou é 80, ou duas definições no mesmo item" (D5).

Essa enfermeira refere-se a dois aspectos distintos, o primeiro é a discrepância entre um grau e o outro imediatamente seguinte, o segundo é conter duas definições diferentes no mesmo grau, dificultando a graduação quando o desempenho corresponde a apenas uma delas.

Percebemos que há uma acomodação das pessoas, ou há uma intimidação subliminar que impede que avaliador e avaliado se expressem mais espontaneamente, pois, teoricamente, não há o que os impeça: "Eu acho que existem algumas lacunas aonde eu tenho que classificar a pessoa em uma das quatro letras, ..., muitas vezes, ela está entre um e outro, ou eu classificaria com outra frase" (D1). "... dei D, mas, fiz também porque eu não conseguia classificar em C, em nada, ..., mas também não fiquei contente com aquilo (D2).

Importante ressaltar que não há instrumento, por melhor que seja, capaz de conter, em suas definições, frases ou valorações que consigam retratar exatamente cada indivíduo ou toda diversidade de desempenho e comportamento.

Além disso, ou não há clareza na definição dos prognosticadores, ou sentem falta de algumas características que deveriam ser acrescentadas aos existentes:

... tem itens que poderiam estar falando, e que não tem na avaliação e a gente está abordando ...Acho um item legal de aparência física, porque postura fica uma coisa aberta, ... a aparência pessoal você vai encaixar em que parte, ou na postura? (D7).

Considerando como um dos objetivos do instrumento, a diminuição da subjetividade da avaliação, percebemos nesses depoimentos que os prognosticadores e a graduação não atendem a esse objetivo, pois os depoimentos evidenciam a existência de valores ambíguos.

Para que um instrumento minimize esse problema, deve ser constituído deprognosticadores relacionados ao que se espera e se exige de cada profissional, por isso, sua construção deve ser baseada no perfil profissional desejado.

É preciso conceituar os traços comportamentais diretamente responsáveis pela eficiência no trabalho, garantindo a mesma compreensão para todas as pessoas envolvidas(10), pois os depoimentos mostraram que ao utilizarem o instrumento de avaliação, emergem divergências como:

Responsabilidade, ..., ele faz tudo direitinho, tudo certinho, tal, tal. Só que ele é atrasado, falta um monte de vezes, que também faz parte da responsabilidade. Então o avaliador não tem a capacidade de avaliar que um item tem que estar meio interligado com outro, então, tem que ter um treino das pessoas que vão estar avaliando esses funcionários (D5).

Esse trecho também exemplifica o despreparo das pessoas e a controvérsia quanto à conceituação de responsabilidade, pois, na opinião da entrevistada, assiduidade e pontualidade são características inerentes à responsabilidade.

Outro aspecto criticado foi o fato de ser utilizado o mesmo instrumento, independente do tempo de exercício profissional na Instituição, resultando em avaliações que não retratam a evolução do funcionário e das características desejadas:

Uma dificuldade que eu sinto, as pessoas têm uma mudança no decorrer do tempo, que a avaliação de desempenho não contempla. Ou deveriam mudar os itens obrigatórios dependendo do tempo, da pessoa ou da característica. Não sei bem como mudar (D3).

Acho que a avaliação de desempenho, as primeiras vezes que a gente faz, ..., a gente consegue acompanhar bem para fazer avaliação, depois disso, ..., ela começa a ficar muito repetitiva. Alguns itens precisariam ser mudados para avaliar melhor, e daí ela não aborda, poderia então, estar mudando algumas coisas, ... para poder fazer uma avaliação melhor do funcionário (D1).

Um funcionário que está há dez anos aqui, você está pondo C sempre em tudo, então, quer dizer, nem foi para frente, você não ganhou nada, ... Você parou realmente para se avaliar? Porque não acho que as pessoas simplesmente passam dez anos, sem ter nenhuma mudança ..., alguma coisa, ou de bom ou de ruim, tem que ter mexido ... nunca melhorou, nunca piorou, nunca procurou fazer alguma coisa para mudar aquilo lá (D5).

... os funcionários muito antigos, com mais de cinco anos de casa, a avaliação fica muito repetitiva, acho que a avaliação poderia ser ou descritiva, ... ou ser mais espaçada (D9).

Nesse sentido, é preciso refletir se a finalidade da avaliação é a mesma, para funcionários novos e antigos, pois o tipo e diversidade do instrumento também dependem do resultado a ser alcançado.

Depois de sete, dez anos que está aqui dentro, isso já cai num vazio, quer mais do que aquilo, eu já sei, no terceiro ano, se estou no caminho certo. Para que vai servir a avaliação? - Olha, continuo tomando conta de você! Mas por que? Depois de cinco anos, não precisa mais tomar conta, você já sabe quem eu sou, se já! (D2).

Essa depoente acrescenta à avaliação um significado de poder com a finalidade de fiscalização. O instrumento não pode servir como regulador do poder.

A insatisfação de ter um instrumento único apresenta outra razão:

Uma queixa, que eu também acredito que tem que ser levada, é que assim, eles falam que você só coloca no momento da avaliação, então, ... talvez tenha que ter um outro instrumento que, aconteceu alguma coisa que você registre na hora, mais freqüente, e depois colocar no prontuário (D7).

É preciso estar claro o conteúdo do registro e abrangência da avaliação, definindo o que se deseja retratar, o perfil do avaliado ou fatos relevantes, sejam eles bons ou ruins.

Em conseqüência disso, reconheceram que os registros têm sido mecanizados e deficientes, não refletindo o desempenho dos avaliados:

... algumas pessoas que eu considero boas pessoas, bons profissionais, e que têm alguns probleminhas mais ou menos crônicos, .... e que a gente convive com isso há anos, e aí você pega o prontuário e isso, ou não está colocado ou está colocado de uma forma tão sutil, que parece que nunca foi abordado (D9).

Apesar das dificuldades, perceberam registros da avaliação podem ser úteis: "... acaba ajudando porque você tem um espaço para estar redigindo, você pode ser mais clara ali, na hora em que você está avaliando algum item" (D7).

Por outro lado, explicitaram o peso de se documentar, o que também reflete a cultura de apontar, obrigatoriamente, erros e deficiências: "... uma coisa é você ouvir e concordar, a pessoa concordava e interagia comigo, outra coisa é você ler aquilo, aí acho que cai a ficha da pessoa e ela acorda..." (D5).

Tem um funcionário lá que eu acho ótimo, ..., e eu dei tudo na letra D para ele, e virei para ele e falei, - Olha, eu acho que só você com você mesmo sabe dos seus pontos falhos, você deve ter, porque todo mundo tem. Só que para mim, para o desempenho das suas atividades aqui, para os funcionários, para o relacionamento, pelo que o paciente me fala de você, está ótimo, então eu não tenho um ponto que eu precise te falar, melhore nisso, nisso! (D2).

Percebemos, ainda, que, ao mesmo tempo que isenta do avaliador o papel de orientador, devolve, ao avaliado, sua prerrogativa de auto-reflexão e a responsabilidade individual sobre seu desenvolvimento: "No meu ponto de vista, hoje você está ótimo, agora você com você mesmo, eu quero que você pegue e faça uma reflexão, você sabe no que que você é fraco, no que que você não é tão bom, e você tem que melhorar esses pontos" (D2).

A dificuldade de fazer os registros, apontada pelos enfermeiros, pode estar associada à dificuldade de avaliar e de falar, que pode ser causada por falta de capacitação e pelo receio de enfrentamento, pois embora seja natural avaliar, documentar não é tão natural.

Parte do sucesso da avaliação de desempenho depende da qualidade dos registros, pois, contendo os dados sobre o desempenho e os resultados e as metas esperadas, subsidiam a adoção de estratégias para o desenvolvimento de pessoal.

Numa espécie de síntese das discussões, uma das enfermeiras remete seu discurso à ausência de critérios claros, traduzindo mais concretamente as dificuldades para identificar e mensurar o desempenho esperado. O estabelecimento e a divulgação dos critérios favorecem a compreensão da avaliação e o reconhecimento de formas capazes de facilitar seu desenvolvimento, tanto por parte do avaliador, quanto do avaliado:

O que falta é critério, eu não sinto que o instrumento seja um critério ainda, ou dê critérios pra gente. Precisaríamos ter critérios de avaliação, como os critérios de quando a gente faz entrevista de seleção, esses critérios são bons para gente fazer avaliação e não dar um valor maior para coisas que não têm necessidade (D6).

Outro tema que emergiu dos discursos diz respeito à auto-avaliação: "Outra dificuldade que eu encontro é que, às vezes, isso pode ser até de quem está se avaliando, é a discrepância que tem da auto e do avaliador... a pessoa não é consciente daquilo que ela está se avaliando" (D5).

Disseram, também, reconhecendo o poder hierárquico depositado na avaliação e no avaliador, que é sempre o chefe:

... aquilo que o enfermeiro enxerga, o outro não enxerga de forma nenhuma. Então sempre pesa o valor da chefia, e aí também vai a subjetividade da chefia (D6).

E o que eu senti com relação aos funcionários é quando as visões são muito diferentes do que ele se enxerga, e do que eu estou vendo nele, fica muito difícil conversar, de ele aceitar, quando ele não aceita de forma nenhuma os seus argumentos, ou ele não acha que aquilo é o suficiente (D5).

É imprescindível, dessa forma, a definição da importância e da finalidade da auto-avaliação no processo.

A função supervisão foi resgatada quando relataram que não conseguem acompanhar mais de perto o desempenho do avaliado; e o pouco tempo de contato entre a avaliada e sua avaliadora.

Existem alguns funcionários que, realmente, você não consegue avaliar ele tecnicamente, acho que precisava de um instrumento para fazer, para conseguir fazer essa avaliação técnica do funcionário, você até, a postura no dia a dia você consegue acompanhar melhor (D1).

Um dos problemas da avaliação pode advir da dificuldade de supervisionar, o preparo para avaliação pressupõe, também, a capacitação para a supervisão, pois a avaliação de desempenho representa a supervisão executada ao longo de um período.

O outro tema que emergiu diz respeito ao que se espera da avaliação,mostrando que seus resultados não têm sido trabalhados, ou seja, o diagnóstico pode ser feito, mas não se propõem, nem são tomadas decisões:

Os resultados levantados têm que passar por um processo que a gente discuta mais, que a gente devolva essas informações para as pessoas, e que a gente tome providências ... que a gente faça realmente as coisas (D9).

Compreendemos, assim, a falta de articulação da avaliação com a educação, que é uma das principais vias de implementação dos resultados da avaliação: "Acho difícil fazer avaliação de desempenho porque a gente sabe que muitas coisas que a gente propõe, a gente não vai cumprir, por isso deixa de propor" (D3).

Outro aspecto bastante evidente nas entrevistas, inclusive em trechos de depoimentos já apresentados, diz respeito à capacitação para desenvolver a avaliação. Essa capacitação reside na falta de preparo específico e emocional para o enfrentamento de situações de conflito.

Esse despreparo reflete nos pontos ora citados, tais como, registros deficientes, não correlação entre prognosticadores, dificuldade de acompanhamento do desempenho, não aceitação da auto-avaliação ou da avaliação: "Então, eu vejo, eu acho que tem que ter um treino da pessoa, é muito importante para avaliar" (D5). "... não consigo aferir objetivamente" (D1).

Os sentimentos, aspectos marcantes em qualquer processo de avaliação, foram expressos nas entrevistas, explícita ou implicitamente, como insegurança, medo de se expor ou de expor o outro, ansiedade, tensão: "Desacredito da avaliação a que tenho sido submetida" (D2). "... não é agradável avaliar e ser avaliada, é ruim" (D7).

Esses sentimentos estão relacionados, também, ao significadoda avaliação e à capacitação pessoal e profissional.

5 Considerações finais

O estudo proporcionou uma visão da realidade do processo de avaliação de desempenho profissional num dado momento, pela manifestação de aspectos que favorecem ou dificultam a realização da avaliação, mostrando os principais pontos de vulnerabilidade e, portanto merecedores de maior atenção. Pôde-se perceber que os enfermeiros acreditam na avaliação de desempenho.

O diagnóstico situacional constituiu-se da convergência das mensagens que mostram a interdependência e complementaridade dos fatos apontados, traduzindo a avaliação de desempenho como um processo que deve ser, necessariamente, articulado à política de recursos humanos, encaminhando, assim, à capacitação das pessoas, à compreensão do processo e à consecução dos objetivos.

De modo geral, percebemos a necessidade de revisão de todo o processo de avaliação, no entanto, antes de qualquer intervenção, é imprescindível que sejam fartamente discutidos os aspectos técnicos e, sobretudo, os aspectos éticos e políticos envolvidos no processo de avaliação de desempenho profissional.

Data de Recebimento: 30/07/2004

Data de Aprovação: 27/09/2004

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  • Correspondência:
    E-mail do autor:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      27 Set 2004
    • Recebido
      30 Jul 2004
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