Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre grupo sangüíneo A e esquistossomose mansônica

On the association between blood group A and hepatosplenic schistosomiasis

Resumos

Foi feita reanálise do conjunto de dados publicados na literatura sobre a associação entre grupo sangüíneo A e esquistossomose mansônica, a qual revelou significante heterogeneidade entre as amostras estudadas. Foi sugerido que a associação deva refletir os efeitos raciais sobre a evolução clínica da doença, tendo por base a distribuição dos grupos sangüíneos nos diferentes grupos raciais brasileiros e a maior resistência do negro ao desenvolvimento das formas graves da moléstia.

Esquistossomose mansônica; Grupos sangüíneos


A critical analysis of the published data on the association between blood group A and hepatosplenic schistosomiasis revealed a significant heterogeneity among samples. On the basis of, first, the known distribution of the blood groups within different racial groups in Northeastern Brazil and secondly, of the greater resistance of the Brazilian Negro to the development of the severe forms of the disease, it is suggested that the association demonstrated by the published data may reflect a racial effect on the clinical evolution of schistosomiasis.

Schistosomiasis; Blood groups


NOTAS E INFORMAÇÕES/NOTES AND INFORMATION

Associação entre grupo sangüíneo A e esquistossomose mansônica

On the association between blood group A and hepatosplenic schistosomiasis

Calógeras A.A. Barbosa

Do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Carlos – Via Washington Luís – Km 235 – Caixa Postal 676 – 13560 – São Carlos, SP – Brasil

RESUMO

Foi feita reanálise do conjunto de dados publicados na literatura sobre a associação entre grupo sangüíneo A e esquistossomose mansônica, a qual revelou significante heterogeneidade entre as amostras estudadas. Foi sugerido que a associação deva refletir os efeitos raciais sobre a evolução clínica da doença, tendo por base a distribuição dos grupos sangüíneos nos diferentes grupos raciais brasileiros e a maior resistência do negro ao desenvolvimento das formas graves da moléstia.

Unitermos: Esquistossomose mansônica. Grupos sangüíneos.

ABSTRACT

A critical analysis of the published data on the association between blood group A and hepatosplenic schistosomiasis revealed a significant heterogeneity among samples. On the basis of, first, the known distribution of the blood groups within different racial groups in Northeastern Brazil and secondly, of the greater resistance of the Brazilian Negro to the development of the severe forms of the disease, it is suggested that the association demonstrated by the published data may reflect a racial effect on the clinical evolution of schistosomiasis.

Uniterms: Schistosomiasis. Blood groups.

Nos últimos anos tem havido grande interesse no estudo de associações entre grupos sanguíneos e doenças infecciosas. As razões biológicas desse tipo de fenômeno se fundamentam nas similaridades antigênicas exibidas pelo hospedeiro e parasita. Assim, por exemplo, pessoas que tenham o antígeno A em suas hemácias (indivíduos A e AB) são mais suscetíveis a agentes infecciosos que encerrem um antígeno semelhante ao A. Os indivíduos B e O, que "naturalmente" tem anti-A circulante, são relativamente resistentes a infecções por aqueles patógenos (Cavalli-Sforza e Bodmer 3, 1971).

Uma doença com essas características poderia ter efeito seletivo significante e desempenharia papel importante na manutenção do polimorfismo ABO, se ela fosse causa de uma taxa de mortalidade diferencial relativamente alta, mortalidade essa que ocorresse antes ou durante o período reprodutivo humano. Embora não haja evidência de que a esquitossomosc mansônica satisfaça essa condição, a associação entre a forma hepato-esplênica da doença e os grupos sangüíneos do sistema ABO (Camus e col.2, 1977; Lima Pereira e col.6, 1979) se revestiria de algum interesse, desde que ela pudesse ser o primeiro componente descrito das numerosas relações genéticas que devam ter sido desenvolvidas entre o homem e o parasita. Como essa associação foi sugerida com base em análises populacionais, é importante que um método estatístico eficiente seja utilizado na análise dos dados.

Aplicamos o método de Woolf (Woolf 7, 1955) aos três conjuntos de dados publicados até o momento (Katz e col.5 1967; Camus e col.2, 1977; Lima Pereira e col.6, 1979). Esse método tem se mostrado como uma técnica estatística sensível e eficiente na análise de dados dessa natureza.

Como pode ser visto na Tabela, a associação entre o grupo sanguíneo A e esquistossomose hepato-esplênica é altamente significante (X12 – 70,95 , p<0,001). Todavia, a heterogeneidade entre as três amostras também é significante (X22 = 10,40 , p<0,01) e, em termos clássicos, apenas nos permite concluir que a associação estudada não se mostra suficientemente clara. Vários fatores, tais como diferentes procedimentos de amostragem e diferentes cepas do parasita, poderiam explicar essa heterogeneidade. Nesse ponto, seria razoável sugerir que essa associação não se deva a semelhanças antigênicas entre o homem e o parasita. Recentemente, Bina e col.1 (1978) observaram uma maior resistência dos negros brasileiros ao desenvolvimento da forma hepato-esplênica da esquitossomose. Além disso, foi demonstrada diferença significante na distribuição dos genes do sistema ABO entre os vários grupos raciais do Nordeste brasileiro, sendo o alelo A mais freqüente no grupo caucasóide (Ferreira e col.4, 1973).

Combinando essas duas últimas informações, sugerimos que a associação entre grupo sanguíneo A e esquistossomose hepato-esplênica reflete o efeito de diferenças raciais na evolução clínica da doença. Sugerimos também que novos estudos que levem em conta a variabilidade racial da população devam ser estimulados, de maneira a se esclarecer a distinção entre os componentes genéticos e culturais determinantes da evolução clínica da esquistossomose mansônica humana.

Recebido para publicação em 24/08/1982

Aprovado para publicação em 20/09/1982

  • 1. BINA, J.C.; TAVARES-NETO, J.; PRATA, A. & AZEVEDO, E.S. Greater resistance to the development of severe schistosomiasis in Brazilian negroes. Hum. Biol., 50:41-9, 1978.
  • 2. CAMUS, S.; BINA, J.C.; CARLIER, Y. & SANTORO, F. ABO blood groups and clinical forms of schistosomiasis. Trans. roy. Soc. trop. Med. Hyg., 71:182, 1977.
  • 3. CAVALLI-SFORZA, L.L. & BODMER, W.F. The genetics of human population. San Francisco. W.H. Freeman, 1971.
  • 4. FERREIRA, C.S.M.; SOUZA, M.M.M. & AZEVEDO, E.S. ABO gene frequencies in a mixed sample of 9,391 blood donors in Bahia, Brazil. Ciênc. Cult., 25:573-7, 1973.
  • 5. KATZ, N.; TAVARES, J. & ABRANTES, W.L. ABO and Rh blood groups from patients with hepatosplenic schistosomiasis mansoni. J. Parasit. 53:99, 1967.
  • 6. LIMA PEREIRA, F.E.; BORTOLINI, E.R.; CARNEIRO, J.L.A.; SILVA, C.R.M. & NEVES, R.C. A, B, O blood groups and hepatosplenic form of schistosomiasis mansoni (Symmer's fibrosis). Trans. roy. Soc. trop. Med. Hyg., 73:238, 1979.
  • 7. WOOLF, B. On the estimating the relation between blood group and disease. Ann. hum Genet., 19:251-3, 1955.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1982

Histórico

  • Aceito
    20 Set 1982
  • Recebido
    24 Ago 1982
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br