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Comportamento exófilo de Anopheles darlingi Root, em região meridional do Brasil

Resumos

Observou-se o comportamento da população "Araraquara" de Anopheles darlingi, em seu ambiente original e em relação à sua atividade exófila com isca humana. As coletas foram realizadas às margens do rio Jacaré-Pepira, no Município de Dourado, Estado de São Paulo, Brasil. O ciclo nictemeral caracteriza-se pelo aspecto bimodal, com os dois picos correspondentes a cada crepúsculo, ou seja, vespertino e matutino. O seu detalhamento permitiu detectar bimodalidade secundária, subdividindo cada pico em um eocrepuscular precedendo ao intracrepuscular propriamente dito. A variação sazonal revelou aumento do número de mosquitos na estação chuvosa e quente e nítido declínio na seca e fria. Embora com dados insuficientes, houve indícios de que o An. albitarsis local, apresente também ritmo bimodal em seu ciclo diário de atividade.

Anopheles darlingi; Malária; Anopheles albitarsis; Culicidae; Ecologia


Fortnightly 25-hour catches, with human bait, were carried out in a modified environment of the "Jacaré-Pepira" River, Dourado County, S. Paulo, Brazil which is the original region of the "Araraquara" strain of Anopheles darlingi. The exophylic biting activity was mostly nocturnal with bimodal rhythm, showing two clear peaks corresponding, respectively, to dusk and dawn. Going into crepuscular details two secondary peaks were observed, an eocrepuscular preceding the intracrepuscular one As, by means of chromosome arrangement studies, this population was found to have low polymorphism, it is supposed that those rhythms are, in a good measure, of endogenous command. The number of mosquitoes biting increased during the hot, wet season and decreased remarkably during the dry, cold one. There was some evidence that An albitarsis may also show a bimodality in its nocturnal biting activity rhythm.

Anopheles darlingi; Malaria; Anopheles albitarsis; Mosquitoes; Ecology


ARTIGO ORIGINAL

Comportamento exófilo de Anopheles darlingi Root, em região meridional do Brasil

Oswaldo Paulo Forattini

Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil

RESUMO

Observou-se o comportamento da população "Araraquara" de Anopheles darlingi, em seu ambiente original e em relação à sua atividade exófila com isca humana. As coletas foram realizadas às margens do rio Jacaré-Pepira, no Município de Dourado, Estado de São Paulo, Brasil. O ciclo nictemeral caracteriza-se pelo aspecto bimodal, com os dois picos correspondentes a cada crepúsculo, ou seja, vespertino e matutino. O seu detalhamento permitiu detectar bimodalidade secundária, subdividindo cada pico em um eocrepuscular precedendo ao intracrepuscular propriamente dito. A variação sazonal revelou aumento do número de mosquitos na estação chuvosa e quente e nítido declínio na seca e fria. Embora com dados insuficientes, houve indícios de que o An. albitarsis local, apresente também ritmo bimodal em seu ciclo diário de atividade.

Unitermos:Anopheles darlingi. Malária, transmissão. Anopheles albitarsis. Culicidae. Ecologia.

INTRODUÇÃO

Apesar de Anopheles darlingi ser o principal transmissor de malária na maior parte do território oriental da América do Sul, é relativamente reduzido o número de observações mais recentes, sobre a biologia desse mosquito. Vários autores têm apontado para a variabilidade geográfica do seu comportamento. A antropofilia, a exofilia, e mesmo o ritmo nictemeral, têm revelado variações regionais, em maior ou em menor grau. (Giglioli12, 1956; Charlwood e Hayes5, 1978).

As investigações sobre inversões cromossômicas sugeriram a existência de maior grau de polimorfismo em populações setentrionais do Brasil, do que nas meridionais (Kreutzer e col.17, 1972). No que concerne a estas, tais evidências foram obtidas de população denominada de "Araraquara" mas que, na realidade, teve como procedência o Município de Dourado, Estado de São Paulo, Brasil. Esse menor grau de polimorfismo poderá conduzir à hipótese de maior estabilidade populacional e, como decorrência, maior uniformidade de comportamento. Desde que tais aspectos estariam necessariamente associados à transmissão malárica, julgou-se oportuno realizar observações nesse sentido, focalizando essa população. Os resultados obtidos constituem o objeto deste trabalho.

CARACTERÍSTICAS LOCAIS

Como se mencionou, o local escolhido para as observações situa-se no Município de Dourado e corresponde ao vale do rio Jacaré-Pepira, afluente do Tietê o qual, por sua vez, se encontra atualmente represado nessa região, para formar o reservatório de Bariri. Ambos pertencem ao sistema do rio Paraná, no planalto central do Estado de São Paulo. A localização geográfica da área de estudo é de 22o09' de latitude e 48°21' de longitude, com altitude de 450m acima do nível do mar. O clima regional corresponde ao mesotérmico tipo Cwa de Köppen, ou seja, tropical de altitude com inverno seco e verão quente e chuvoso.

A feição paisagística atual corresponde a de ambiente extensivo e intensamente alterado pela exploração agrícola e pastoril, com preponderância para esta. Como resultado, observa-se o predomínio de áreas de pastagens e a presença de matas residuais de caráter essencialmente secundário. O rio Jacaré-Pepira é de percurso local sinuoso, com margens pantanosas e alagadiças, acompanhadas constantemente por matas-galeria ou ciliares, de baixa altura.

Para a execução destes trabalhos, selecionou-se local na margem do mencionado curso de água, onde a municipalidade instalara área pública de lazer, com amplo telheiro para abrigo de reuniões e piqueniques. O lugar situa-se junto à ponte de estrada secundária que liga os Municípios de Dourado e Jaú. Alí não existem habitações, estando as casas mais próximas, esparsas e situadas a não menos de 500 m do ponto onde se procedeu às observações.

Os motivos da escolha dessa localidade visaram, como foi mencionado, o estudo do comportamento "in loco" da população de onde se originou a cepa "Araraquara". As Figuras 1 a 5 pretendem fornecer idéias sobre a localização, aspectos panorâmicos e alguns detalhes da descrição feita acima.


MATERIAL E MÉTODOS

As coletas foram realizadas com o emprego de isca humana. Os capturadores operaram debaixo do citado telheiro, situado às margens do rio Jacaré-Pepira, no ponto descrito no parágrafo anterior. O ritmo foi bimensal, compreendendo duas semanas alternadas, e com a duração de 25 horas ininterruptas para cada coleta. O horário foi representado pelo período das 10:00 às 11:00 do dia seguinte. A metodologia empregada obedeceu à já descrita em trabalho anterior (Forattini e col.9,10,11, 1981, 1986). Os dados macroclimáticos são os correspondentes à Estação Hidrometeorológica de Bariri do Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica (DAEE), localizada no Município do mesmo nome e próximo ao de Dourado (SEADE1,2,3, 1981, 1982, 1983).

Embora se reconheça que Anopheles albitarsis seja espécie marcadamente polimórfica e, portanto, provavelmente constitua complexo de espécies crípticas, o nome de An. allopha sugerido por Faran e Linthicum8 (1981), para as populações meridionais da América do Sul, não poderá ser adotado, em vista de ser nomen nudum (Oliveira e Deane18, 1984). Dada essa circunstância, neste trabalho continuará a ser utilizada a primeira denominação.

RESULTADOS

No período de março de 1980 a abril de 1982, foram coletadas 17.611 mosquitos, dos quais 9.925 (53,4%) anofelinos. Destes, 9.523 (95,9%) foram representantes de Anopheles darlingi. A distribuição específica do gênero Anopheles foi a seguinte:

Observa-se que An. darlingi representou 54,1% do número total de culicídeos coletados, o que lhe deu posição de dominância nessas capturas. Juntamente com An. albitarsis, as duas espécies perfizeram 97,2%, ou seja, praticamente a totalidade dos anofelinos locais obtidos nessas observações.

Atividades horárias — Os resultados das coletas bimensais, por intervalos horários, acham-se expostos na Tabela 1. Nas 52 capturas executadas, obteve-se o total de 9.648 espécimens dos dois anofelinos, confirmando-se a sua atividade essencialmente noturna, e com nítidos incrementos crepusculares (Fig. 6).


Atividades crepusculares e pericrepusculares

Na Tabela 2 pode-se observar a distribuição percentual relativa, pelos intervalos crep, dos espaços de tempo utilizados nas coletas parceladas para ambos os crepúsculos. Corresponderam a 52 capturas vespertinas e outras tantas matutinas, nos horários de 17:00 às 20:00 e das 4:00 às 7:00 horas, respectivamente. Tais dados, referentes a An. darlingi, mostram a ocorrência de evidentes picos de atividade, tanto intra como pericrepusculares (Fig. 7). Houve acentuados incrementos dentro dos períodos crepusculares propriamente ditos, apresentando-se o pico vespertino ligeiramente mais intenso e nítido do que o correspondente matutino. No que concerne aos pericrepúsculos, em ambos pôde-se observar a existência de um segundo pico, de caráter pré-crepuscular, ao qual se seguem os respectivos incrementos intracrepusculares.


Variação sazonal — Verificou-se maior densidade de An. darlingi nos períodos correspondentes aos meses quentes de dezembro a abril, com pico em março. Sua presença diminuiu sensivelmente nos meses frios e secos, de julho a agosto. Observou-se, pois, concordância com o ritmo das precipitações, sem prejuízo da possibilidade de produção de eventuais picos. Foi o que se verificou no mês de junho de 1980, quando a ocorrência de chuvas, atipicamente intensas atingindo a marca de 121,1 mm de altura total, influiu no cômputo total das observações nesse período (Fig. 8).


COMENTÁRIOS

Como foi referido, o Anopheles darlingi é espécie de ampla distribuição geográfica. Estende-se desde o sul do México até o norte da Argentina, e das vertentes orientais da Cordilheira dos Andes até as margens do Oceano Atlântico. Compreende-se pois que ocorram variações de comportamento possivelmente indicadoras da existência de variedades geográficas populacionais ou mesmo de espécies crípticas. No que concerne à variabilidade da endofilia e antropofilia, Giglioli12 (1956), realizando revisão bastante atualizada para a época, considerou que, de ecletismo que apresentaria no centro de sua área de dispersão, esse mosquito tenderia a se especializar, intensificando seus hábitos endófilos e antropófilos em direção à periferia de sua distribuição geográfica. Contudo, a atividade alimentar de mosquitos tende a realizar-se obedecendo a ciclo nictemeral o qual, por sua vez, sofre a influência de fatores exógenos e endógenos. Estes são melhor evidenciados mediante observações realizadas ao longo de tempo suficiente para relevar o aspecto ritmo característico para cada espécie. Posto isso, admite-se que a periodicidade diária da hematofagia anofelínea, normalmente se distribua com um ou dois picos nas 24 h. Em relação a An. darlingi, têm sido levadas a efeito observações objetivando detectar diferenças regionais nesse ciclo, e isso como possibilidade de essas eventuais diversidades de comportamento permitirem levantar a hipótese da existência de populações distintas. Em outras palavras, a ocorrência de diversidades regionais de comportamento, passíveis de serem atribuídas a comando endógeno, que revelem possível existência de espécies crípticas. Revendo o assunto, Elliot7 (1972) considera esse anofelíneo como apresentando ciclo unimodal mas com certa variação geográfica. E isso no que concerne à localização horária do pico de atividade, que estaria situado entre 22:00 e 24:00 h na Colômbia e no Peru, e entre 0:00 e 2:00 h na região amazônica do Brasil. Tais observações, bem como outras que a elas se seguiram, tiveram como cenário para sua execução, o ambiente domiciliar, tanto intra como peridomiciliar. Entendido este último, seja como a varanda das casas seja como as cercanias das habitações. Dessa maneira, observações realizadas na Guiana Francesa revelaram a presença de ritmo tipicamente bimodal incluindo ambos os crepúsculos, ao qual porém se sobrepõe um pico noturno nítido, entre 1:00 e 2:00 h. Assim sendo ocorreu, aparentemente, um ciclo trimodal, ao lado de relevante exofagia diurna (Pajot e col.19, 1977). Em área próxima a essa, mas aparentemente distinta sob o ponto de vista biogeográfico, observou-se ritmo unimodal, com pico variável de posição entre 21:00 e 23:00 h (Hudson14, 1984). Em algumas localidades da Amazônia brasileira foram levadas a efeito observações que revelaram a ocorrência de apreciáveis variações. De maneira geral, pôde-se detectar ritmo unimodal na região ao norte do rio Amazonas, variando o horário de ocorrência do pico de atividade, de logo após a meia noite na localidade mais setentrional (Uauaris), para anterior a essa hora, ou seja, entre 21:00 e 24:00 h, na mais meridional (Km 137 da estrada BR-174) dessa região. Em localidade (Aripuanã) situada ao sul do mesmo rio, o ritmo observado foi de caráter bimodal, com o primeiro pico ocorrendo seja no início seja na primeira metade da noite e o segundo por ocasião do crepúsculo matutino ou início da manhã (Charlwood e Hayes1, 1978; Hayes e Charlwood13, 1979; Charlwood e Wilkes26, 1979). O resultado, de ritmo francamente bimodal e crepuscular, obtido no presente trabalho presta-se pois a algumas considerações, face aos conhecimentos atualmente disponíveis e acima relatados.

Preliminarmente, há de se levar em conta que os dados aqui relatados foram obtidos em ambiente extradomiciliar. E isso no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, em área não habitada e à distância não inferior a 500 m, em linha reta, da casa mais próxima. Assim, o aspecto observado refere-se a atividade essencialmente exófila, em sentido restrito. Obteve-se, desta forma, ciclo de atividade de picadas nitidamente bimodal, com os picos ocorrendo em cada crepúsculo, como se encontra representado no gráfico da Figura 6. Além disso, o detalhamento das coletas nesses períodos permitiu detectar a subdivisão de cada um desses picos em dois, um menor, de caráter eocrepuscular e precedendo o outro, bem maior, este sim nitidamente intracrepuscular, como se pode verificar pelos gráficos da Figura 7. A ligeira elevação da curva, observada nas primeiras horas, após a meia noite, não chegou a se caracterizar como pico, a exemplo do relatado na Guiana Francesa o qual, segundo Pajot e col.19, (1977), poderia representar uma herança de populações "selvagens", sem contato com a atividade humana. Dessa maneira, restou o franco aspecto bimodal crepuscular cuja interpretação deverá ser buscada na composição etária e nas preferências alimentares dessa população. Em ciclo semelhante observado em Aripuanã, Charlwood e Wilkes6 (1979) verificaram que os picos crepusculares são constituídos predominantemente por fêmeas nulíparas. Como se tratam de observações levadas a efeito no ambiente peridomiciliar, seria temerário o invocá-las para estabelecer alguma analogia aplicável às presentes investigações. Por outro lado, na Guiana Francesa, Pajot e col.19 (1977) consideraram que, salvo ocasiões excepcionais, a idade das fêmeas parece não ter influência sobre o ciclo de atividade, tanto no ambiente domiciliar como no extradomiciliar.

Se essas variações do ritmo no ciclo nictemeral de An. darlingi são indicadoras da existência de populações diversas e, conseqüentemente, de comportamento distinto, é questão em aberto. É forçoso assinalar que a descrição de alguns deles foi baseada em número restrito de observações, tornando difícil descartar a influência de fatores exógenos. As pesquisas resultantes de número mais significativo de coletas, levadas a efeito de maneira regular e durante período prolongado de, pelo menos um ano, permitem distinguir dois tipos fundamentais de ciclos. O primeiro, de caráter unimodal com pico noturno. Este, provavelmente em virtude da influência de fatores exógenos característicos da região ou localidade, apresenta variações em seu horário de ocorrência, ora na primeira metade da noite, ora logo após a meia noite (Elliot7, 1972; Hudson14, 1984). O segundo, de cunho bimodal com picos crepusculares. É o caso do observado na Guiana Francesa e nesta região meridional do Brasil, local onde foi realizada a presente pesquisa. Convirá assinalar, para a primeira dessas regiões, a persistência, mesmo nesse tipo de ciclo, de um pico noturno, sugerindo assim que a unimodalidade poderia representar caráter primitivo nesse tipo de comportamento (Pajot e col.19, 1977).

De qualquer maneira, a existência de populações distintas dentro da espécie que se identifica como An. darlingi, parece ser fora de dúvida. As investigações, embora ainda escassas, sobre o polimorfismo cromossômico dessa espécie, indicam, como se mencionou na parte introdutória deste texto, a ocorrência de inversões que permitiriam separar populações setentrionais e meridionais desta espécie. Aquelas, dotadas de acentuado poliformismo, e estas, mais estáveis (Kreutzer e col.17, 1972; Tadei e col.20, 1982). Todavia, faltam observações que permitam associar tais aspectos a características comportamentais. O presente trabalho constitui, pois, o primeiro estudo nesse sentido, e relativo à população que, como foi dito, se denominou de "Araraquara" e cujos arranjos cromossômicos, aparentemente, se encontram fixados. Assim sendo, é de se admitir que o caráter nitidamente bimodal do seu ciclo nictemeral se encontre estabilizado e traduza aspecto do comportamento exófilo dessa população meridional do Brasil, que esteja sob comando endógeno.

No que concerne à variação sazonal, o ciclo anual de atividade encontra-se mais exposto à influência dos fatores exógenos. Em especial modo àqueles que podem afetar a produtividade dos criadouros. Os trabalhos mais recentes têm revelado alguma variabilidade nesse ritmo. Admite-se geralmente que a ocorrência de fortes chuvas podem inundar os locais de criação, dando lugar a enxurradas que carregam as formas imaturas. Mesmo na região costeira da Guiana Francesa, onde as condições macroclimáticas parecem não ter influência sensível sobre o rendimento das coletas de An. darlingi, à ocorrência de fortes chuvas acompanha decréscimo ou mesmo ausência do mosquito, qualquer que seja a hora de captura (Pajot e col.19, 1977). Provavelmente, e de acordo com a freqüência e intensidade regional desse fenômeno climático, é de se atribuir, a tal mecanismo, influência no aumento da densidade desse anofelíneo na estação seca ou no período de transição entre as estações úmida e seca. É o que tem sido recentemente relatado para algumas localidades amazônicas do Brasil (Hayes e Charlwood13, 1979; Charlwood4, 1980). Contudo, e na dependência de fatores vários, como a topografia do terreno e outros, de maneira geral a densidade tende a aumentar nas épocas de maior precipitação pluviométrica. Foi o que se observou nas presentes pesquisas, com o resultado representado pelo gráfico da Figura 8, à semelhança do relatado para outras regiões totalmente distintas desta, como o Surinam (Hudson14, 1984). Na região estudada, os meses secos compreendem o período de maio a agosto/setembro, em contraste com os demais, de maior pluviosidade, quando se obteve maior densidade nas capturas.

Finalmente, é de se mencionar a presença de An. albitarsis, embora em número bem inferior àquele da outra espécie. O rendimento de suas coletas permitiu entrever alguma tendência à bimodalidade crepuscular em seu ciclo nictemeral (Fig. 6). Todavia, necessárias se tornam maiores observações para chegar-se a algum resultado mais significativo a esse respeito.

CONCLUSÕES

A identificação da cepa de Anopheles darlingi, presumivelmente de baixa variabilidade e à qual se deu o nome de "Araraquara", levou à oportunidade de estudo do seu comportamento populacional. Neste trabalho procurou-se observar sua atividade exófila em relação à isca humana, o que revelou ciclo nictimeral nitidamente bimodal crepuscular. Face às circunstâncias que nortearam o desenvolvimento da pesquisa, parece lícito concluir que se trata de comportamento sob comando endógeno pelo menos em boa medida. O significado dessa bimodalidade constitui assunto aberto à investigação. Em condições de laboratório, com espécies como An. gambiae, observaram-se indícios da existência de picos para outros tipos de atividade, além da hematófaga, como cópula e oviposição (Jones e Cribbins16, 1978; Jones15, 1981). Contudo, a circunstância de os presentes resultados terem sido obtidos com isca humana, faz supor que a bimodalidade registrada reflita o ritmo alimentar de An. darlingi na região estudada.

Embora não tendo sido possível obter dados suficientes, há indícios que sugerem a ocorrência de comportamento semelhante por parte de An. albitarsis.

Considerando-se o período crepuscular, tanto vespertino como matutino, observa-se a nítida existência de dois picos, um eocrepuscular precedendo de imediato a outro, intracrepuscular. Essa bimodalidade pode ser encarada como subdivisão da bimodalidade nictemeral. Sua interpretação somente será obtida mediante pesquisas ulteriores.

A variação sazonal de An. darlingi exófilo, nesta região, obedece ao ritmo das precipitações pluviais. Observa-se assim maior densidade por ocasião dos meses chuvosos e menor nos secos.

AGRADECIMENTO

Ao Prof. Jair Lício Ferreira Santos pelo valioso auxílio na computação e cálculo estatístico dos dados obtidos.

Recebido para publicação em 14/4/1987

Aprovado para publicação em 10/8/1987

Realizado com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo — FAPESP (Processo — Ecologia 82/0286-1) e da Financiadora de Estudos e Projetos — FINEP (Convênio B/76/80/238/00/00).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1987

Histórico

  • Aceito
    10 Ago 1987
  • Recebido
    14 Abr 1987
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