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Monitoramento de gestantes com toxoplasmose em serviços públicos de saúde

Monitoring of pregnant women with toxoplasmosis in public health services

Resumos

É discutido o monitoramento de 290 gestantes com suspeita de toxoplasmose aguda atendidas em serviços públicos. Em 69% um único teste (Elisa-IgM) conduziu ao tratamento. De 112 tratadas, o sistema não disponibilizou medicamento para 24%. Em 12,1% houve aumento progressivo de IgM e IgG. Em 48,2%, o tratamento foi iniciado trinta dias após o diagnóstico laboratorial.

Gestantes; Toxoplasmose; Pré-natal; Monitoramento


The monitoring of 290 pregnant women with suspicion of acute toxoplasmosis attended by Public Health Services is discussed. In 69% a single test (Elisa-IgM) led to the treatment. Of 112 treated, the system did not offer any drug to 24%. In 12.1% there was a progressive increase of IgM and IgG. In 48.2% the treatment was begun thirty days after the laboratorial diagnosis.

Pregnant women; Toxoplasmosis; Pre-natal routine; Monitoring


COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Monitoramento de gestantes com toxoplasmose em serviços públicos de saúde

Monitoring of pregnant women with toxoplasmosis in public health services

Marcela Peres Castilho-PellosoI; Dina Lúcia Morais FalavignaII; Silvana Marques de AraújoII; Ana Lúcia Falavigna-GuilhermeI

ICurso de Pós Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná

IICurso de Pós-graduação em Análises Clínicas da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

RESUMO

É discutido o monitoramento de 290 gestantes com suspeita de toxoplasmose aguda atendidas em serviços públicos. Em 69% um único teste (Elisa-IgM) conduziu ao tratamento. De 112 tratadas, o sistema não disponibilizou medicamento para 24%. Em 12,1% houve aumento progressivo de IgM e IgG. Em 48,2%, o tratamento foi iniciado trinta dias após o diagnóstico laboratorial.

Palavras-chaves: Gestantes. Toxoplasmose. Pré-natal. Monitoramento.

ABSTRACT

The monitoring of 290 pregnant women with suspicion of acute toxoplasmosis attended by Public Health Services is discussed. In 69% a single test (Elisa-IgM) led to the treatment. Of 112 treated, the system did not offer any drug to 24%. In 12.1% there was a progressive increase of IgM and IgG. In 48.2% the treatment was begun thirty days after the laboratorial diagnosis.

Key-words: Pregnant women. Toxoplasmosis. Pre-natal routine. Monitoring.

A toxoplasmose é um agravo de distribuição mundial e sua importância clínica está no risco que representa aos organismos imunocomprometidos, à gestante, concepto no potencial de causar lesões oculares tardias4.

A primoinfecção pelo Toxoplasma gondii freqüentemente evolui de forma assintomática4. É detectada pela pesquisa laboratorial de marcadores sorológicos durante o acompanhamento pré-natal ou em estudos de soroprevalência3. A importância de estabelecer o perfil sorológico de gestantes reside na possibilidade de adoção de medidas profiláticas e terapêuticas para minimizar a transmissão vertical e a ocorrência de danos ao desenvolvimento fetal4 8.

O diagnóstico laboratorial constitui um desafio para os profissionais de saúde envolvidos na assistência à gestante e ao concepto com suspeita de infecção pelo T. gondii3 7. Além da complexidade de interpretação de marcadores de fase aguda, as modernas técnicas laboratoriais nem sempre estão disponíveis nos serviços de saúde pública do país.

O objetivo do trabalho foi discutir as dificuldades no monitoramento dado às gestantes com suspeita de toxoplasmose aguda, atendidas em serviços públicos de saúde do noroeste do Estado do Paraná.

O estudo foi observacional, longitudinal e retrospectivo, de janeiro de 2001 a dezembro de 2003. Foram incluídas mulheres em qualquer idade gestacional com imunoglobulina M (IgM) anti-T. gondii reagente, atendidas nos serviços públicos da 15ª Regional de Saúde do Paraná (15ª RS), que compreende 30 municípios do noroeste do Estado. Foi utilizado um questionário estruturado abordando dados laboratoriais, clínicos e seguimento das gestantes no pré-natal. As informações foram coletadas em laboratórios e serviços públicos de saúde, prontuários clínicos e complementadas por entrevista materna, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pela Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá. Os dados foram analisados estatisticamente pelo Statistical Analysis System (SAS), versão 8.2, utilizando os testes do qui-quadrado de Pearson e Z.

Foram detectadas 290 gestantes IgM anti-T. gondii reagentes, sendo que 264 apresentaram informação sobre o pré-natal após busca ativa em seis diferentes serviços. Em 222 (76,5%) registros ambulatoriais e hospitalares os dados clínicos e laboratoriais estavam incompletos.

O método laboratorial empregado na rotina do diagnóstico pré-natal foi o Imunoensaio Enzimático de Micropartículas (MEIA) para IgM e IgG anti-T. gondii (Abbott Diagnostics AxSYM® SYSTEM), considerados reagentes quando os índices resultaram > 0,600 e > 3UI/ml, respectivamente. Em 200 (69%) casos a decisão para o tratamento foi baseada no resultado de um único teste realizado para IgM com resultado positivo. Destas, 90 gestantes foram acompanhadas sorologicamente com duas amostras e 38 acompanhadas com três amostras. Das 290 gestantes estudadas, 86 (29,6%) foram encaminhadas para o serviço de infectologia, sendo que 68 destas residiam em Maringá, município sede da 15ª RS do Paraná. Em 35 (12,1%) gestantes, o seguimento sorológico evidenciou aumento progressivo nos índices de IgM e IgG. Os serviços de saúde foram procurados por 195 (73,9%) gestantes no primeiro trimestre da gravidez.

De 290 gestantes IgM reagentes, 112 (49,3%) receberam quimioprofilático, incluindo 13 das 35 gestantes que apresentaram aumento progressivo nos índices de IgM e IgG. Em 54 (48,2%) das que receberam quimioprofilático, o início do tratamento ocorreu trinta dias após a realização da sorologia inicial. Em 27 (24%) de 112 casos a prescrição quimioprofilática não foi disponibilizada pelos serviços públicos de saúde, sendo custeada pela família da paciente ou comunidade.

Trinta e sete gestantes relataram queixas, principalmente cefaléia frontal ou periorbital intensa, distúrbios visuais e mialgia. O exame ultra-sonográfico foi realizado em 204 (70,3%) gestantes; 13 (6,4%) destes evidenciaram alterações placentárias, de volume do líquido amniótico e/ou do concepto.

A necessidade de complementação dos prontuários por busca ativa evidenciou a deficiência de informações sobre a suspeita de toxoplasmose aguda nos registros do atendimento obstétrico e nos serviços de referência para gestação de alto risco da rede pública de saúde. Em um grande percentual dos prontuários as ferramentas disponíveis não foram suficientes para a conclusão do diagnóstico. Da mesma forma, a dispersão de informações no sistema não permitiu realizar adequado monitoramento do risco gestacional para a toxoplasmose congênita, embora a maioria das gestantes procurasse os serviços públicos de saúde no primeiro trimestre da gravidez.

Na maioria dos casos, uma única sorologia foi utilizada para a conduta terapêutica, indicando que o protocolo não estava sendo seguido na rotina de pré-natal dos serviços públicos. Na época do estudo, o protocolo estadual de gestação de alto risco preconizava o acompanhamento da gestante com duas ou três amostras, seguidas da pesquisa de IgA5. Além disto, o teste Elisa-MEIA utilizado na rotina do pré-natal é muito sensível e pode acarretar dificuldades de interpretação da fase aguda pela tendência da IgM em manter-se elevada por longos meses1. Atualmente, para conclusão do diagnóstico de fase aguda em gestantes é recomendável a inclusão de outros marcadores (IgA, IgE, teste de avidez da IgG ou PCR) para comprovação dos resultados iniciais1 2. Associado aos dados laboratoriais, o exame tomográfico pode ser útil para detectar calcificações que podem ser advindas da infecção7.

O perfil sorológico detectado evidenciou a existência do risco de toxoplasmose aguda entre as gestantes da região estudada, semelhante ao observado em estudos nacionais de soroprevalência3 6. Embora exista monitoramento preconizado para a toxoplasmose na gestação5, nem sempre este está disponível no sistema público de maneira rápida e eficiente. Destaca-se que 78 (69,6%) das 112 gestantes tratadas não tiveram seguimento laboratorial algum após a primeira reação sorológica IgM reagente.

O planejamento em saúde e a tomada de decisões dependem da qualidade da informação disponibilizada. As taxas de transmissão congênita e as manifestações clínicas variam de forma acentuada entre os indivíduos com infecção por T. gondii7. Neste trabalho evidenciou-se a necessidade de investimento em melhoria de técnicas laboratoriais, a fim de otimizar a assistência às gestantes e filhos expostos, uma vez que a indicação terapêutica pode ser onerosa ao serviço, apesar de saber-se que a utilização de quimioprofilático pode reduzir a transmissão ou as seqüelas ao feto6. Há necessidade também de intervir na qualidade das informações obtidas bem como sistematizá-las no sentido de facilitar a tomada de decisões.

É fundamental integrar e agilizar os serviços prestados às gestantes por parte dos diferentes profissionais de saúde. A falta de consenso, a fragmentação da assistência e o não seguimento do preconizado no protocolo dificultam a caracterização do risco gestacional e o desencadeamento de ações de monitoramento pela equipe multiprofissional de saúde que acompanha o pré-natal, o que influencia, sobretudo, o acompanhamento da saúde da criança exposta à possível transmissão vertical.

Recebido para publicação em 12/4/2005

Aceito em 6/6/2005

Endereço para correspondência: Dra. Marcela Castilho Peres Pelloso. Rua Henrique Dias 449, 86015-810 Londrina, PR, Brasil.

Tel: 55 43 3026-7098

E-mail: cellacpp@ig.com.br, alfguilherme@uem.br

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  • 5
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  • 6. Segundo GRS, Silva DAO, Mineo JR, Ferreira MS. A comparative study of congenital toxoplasmosis between public and private hospitals from Uberlândia, MG, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 99:13-17, 2004.
  • 7. Spalding SM, Amendoeira MR, Ribeiro LC, Silveira C, Garcia AP, Camillo-Coura L. Estudo prospectivo de gestantes e seus bebês com risco de transmissão de toxoplasmose congênita em município do Rio Grande do Sul. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 36:483-491, 2003.
  • 8. Wong SY, Remington JS. Toxoplasmosis in pregnancy. Clinical Infectious Diseases 18:853-862, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2005
  • Aceito
    06 Jun 2005
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