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Parto traumático e transtorno de estresse pós-traumático: revisão da literatura

Traumatic birth and posttraumatic stress disorder: a review

Resumos

OBJETIVO: Esta revisão da literatura tem como objetivo verificar a prevalência e os fatores de risco do parto traumático e do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) relacionado com o parto. MÉTODOS: Foi realizada uma pesquisa nos bancos de dados PubMed e BIREME, com as expressões "traumatic birth", "traumatic delivery", "postpartum posttraumatic stress disorder", "childbirth", "stress disorder" e avaliados estudos de 1994 a 2009. RESULTADOS: Três estudos qualitativos e quatro quantitativos sobre o parto traumático mostram que sua prevalência varia de 21,4% a 34% e que a mulher apresenta, durante o trabalho de parto ou o parto, medo intenso de sua morte ou do bebê, além de impotência, desamparo e horror. O parto traumático está relacionado a partos dolorosos, com procedimentos obstétricos de urgência e com assistência inadequada da equipe de saúde. Quanto ao TEPT relacionado com o parto, foram encontrados um estudo qualitativo e doze quantitativos e sua prevalência variou de 1,3% a 5,9%. Mulheres que apresentaram sintomas dissociativos ou emoções negativas no parto, que tiveram eventos traumáticos prévios, depressão na gestação e que tiveram pouco suporte social e pouco apoio da equipe de saúde são as mais vulneráveis para TEPT pós-parto. CONCLUSÃO: O parto traumático, apesar de pouco conhecido, não é um evento raro e traz consequências negativas para a vida da mulher, podendo inclusive ser sucedido de TEPT. A equipe de saúde que assiste mulheres no periparto deve estar preparada para prevenir e identificar esses casos.

Parto traumático; transtorno de estresse pós-traumático; puerpério; pós-parto


OBJECTIVE: The objective of this review was to examine the prevalence and risk factors of traumatic birth and childbirth-related posttraumatic stress disorder. METHODS: A literature search was carried out on the PubMed and BIREME databases using the search strings "traumatic birth", "traumatic delivery", "postpartum posttraumatic stress disorder", "childbirth" and "stress disorder". The search encompassed articles on prevalence and risk factors of traumatic delivery and childbirth-related posttraumatic stress disorder published between 1994 and 2009. RESULTS: Three qualitative and four quantitative studies on traumatic delivery revealed a rate ranging from 21.4% to 34%. Traumatic delivery is defined when, during labor or delivery, the mother presents intense fear of her own death or that of her child, besides feelings of impotence, helplessness and horror. Traumatic deliver is associated with painful delivery, emergency obstetric procedures and inadequate care from the health team. With regard to post partum PTSD, one qualitative and twelve quantitative studies were found, reporting a prevalence of 1.3% to 5.9%. Women who presented dissociation symptoms or negative emotions during delivery, or a history of traumatic events, depression in pregnacy, poor social support and a perception of a staff less suportive proved more vulnerable to post partum PTSD. CONCLUSION: Although not well understood, traumatic delivery a relatively common event which negatively impacts women's lives and may be a precursor to post partum PTSD. Health teams charged with caring for women during the peripartum period should be aware of this condition to allow identification and prevention of cases.

Traumatic birth; posttraumatic stress; disorder; puerperium; postpartum


REVISÃO DE LITERATURA

Parto traumático e transtorno de estresse pós-traumático: revisão da literatura

Traumatic birth and posttraumatic stress disorder: a review

Carla Fonseca ZambaldiI; Amaury CantilinoII; Everton Botelho SougeyIII

IUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento de Neuropsiquiatria, Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento e Programa de Saúde Mental da Mulher

IIUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE), Programa de Saúde Mental da Mulher

IIIUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE), Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carla Fonseca Zambaldi Rua Uriel Paes Barreto, 40/302 Madalena – 50710-500 – Recife, PE E-mail: carlafza@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Esta revisão da literatura tem como objetivo verificar a prevalência e os fatores de risco do parto traumático e do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) relacionado com o parto.

MÉTODOS: Foi realizada uma pesquisa nos bancos de dados PubMed e BIREME, com as expressões "traumatic birth", "traumatic delivery", "postpartum posttraumatic stress disorder", "childbirth", "stress disorder" e avaliados estudos de 1994 a 2009.

RESULTADOS: Três estudos qualitativos e quatro quantitativos sobre o parto traumático mostram que sua prevalência varia de 21,4% a 34% e que a mulher apresenta, durante o trabalho de parto ou o parto, medo intenso de sua morte ou do bebê, além de impotência, desamparo e horror. O parto traumático está relacionado a partos dolorosos, com procedimentos obstétricos de urgência e com assistência inadequada da equipe de saúde. Quanto ao TEPT relacionado com o parto, foram encontrados um estudo qualitativo e doze quantitativos e sua prevalência variou de 1,3% a 5,9%. Mulheres que apresentaram sintomas dissociativos ou emoções negativas no parto, que tiveram eventos traumáticos prévios, depressão na gestação e que tiveram pouco suporte social e pouco apoio da equipe de saúde são as mais vulneráveis para TEPT pós-parto.

CONCLUSÃO: O parto traumático, apesar de pouco conhecido, não é um evento raro e traz consequências negativas para a vida da mulher, podendo inclusive ser sucedido de TEPT. A equipe de saúde que assiste mulheres no periparto deve estar preparada para prevenir e identificar esses casos.

Palavras-chave: Parto traumático, transtorno de estresse pós-traumático, puerpério, pós-parto.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The objective of this review was to examine the prevalence and risk factors of traumatic birth and childbirth-related posttraumatic stress disorder.

METHODS: A literature search was carried out on the PubMed and BIREME databases using the search strings "traumatic birth", "traumatic delivery", "postpartum posttraumatic stress disorder", "childbirth" and "stress disorder". The search encompassed articles on prevalence and risk factors of traumatic delivery and childbirth-related posttraumatic stress disorder published between 1994 and 2009.

RESULTS: Three qualitative and four quantitative studies on traumatic delivery revealed a rate ranging from 21.4% to 34%. Traumatic delivery is defined when, during labor or delivery, the mother presents intense fear of her own death or that of her child, besides feelings of impotence, helplessness and horror. Traumatic deliver is associated with painful delivery, emergency obstetric procedures and inadequate care from the health team. With regard to post partum PTSD, one qualitative and twelve quantitative studies were found, reporting a prevalence of 1.3% to 5.9%. Women who presented dissociation symptoms or negative emotions during delivery, or a history of traumatic events, depression in pregnacy, poor social support and a perception of a staff less suportive proved more vulnerable to post partum PTSD.

CONCLUSION: Although not well understood, traumatic delivery a relatively common event which negatively impacts women's lives and may be a precursor to post partum PTSD. Health teams charged with caring for women during the peripartum period should be aware of this condition to allow identification and prevention of cases.

Keywords: Traumatic birth, posttraumatic stress, disorder, puerperium, postpartum.

INTRODUÇÃO

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma entidade nosológica reconhecida desde 1980, quando a American Psychiatric Association publicou a terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III)1. O seu conceito sofreu modificações nas edições posteriormente publicadas do DSM-III-TR, DSM-IV e DSM-IV-TR1-4.

Os critérios diagnósticos de evento traumático, definidos pelo DSM-III, eram bem restritos e apenas situações extremas poderiam ser consideradas um trauma1, mas em 1994, com a 4ª edição do DSM, passaram a ser mais abrangentes e houve uma maior valorização da percepção e resposta do indivíduo ao evento do que a natureza do acontecimento em si4. Com essa ampliação do conceito de evento traumático, eventos relacionados ao parto passaram a ser reconhecidos como traumáticos e o desenvolvimento do TEPT como consequência do parto pode ser diagnosticado e mais bem estudado5.

O parto traumático é definido como "um evento que ocorre durante o trabalho de parto ou no momento do parto que envolve real ou temida lesão física ou morte da mulher ou do recém-nascido. Durante esse evento, a puérpera experimenta medo intenso, desamparo, perda de controle e horror"6.

Algumas experiências durante o trabalho de parto ou no momento do parto que para algumas mulheres não trazem consequências para outras podem fazer com que elas experimentem esse evento como psiquicamente traumático7. Quando ocorrem complicações obstétricas ou complicações neonatais, é compreensível que esse momento da vida da mulher seja traumático. Mulheres que sofrem cesariana de urgência8-11, que passam por algum outro procedimento obstétrico de urgência ou cujo recém-nascido é extraído com o uso de fórceps ou a vácuo12 podem considerar o parto como traumático. Também aquelas que tiveram bebê prematuro13 ou cujo bebê necessitou de internação em unidade de terapia intensiva14 ou que tinha algum comprometimento de saúde ou faleceu.

É comum aos profissionais de saúde o reconhecimento do parto traumático como aquele que tem como consequência injúrias físicas para a mulher ou para o recém-nascido, mas ainda é pouco conhecido que o parto pode ser um evento psiquicamente traumático para a mulher7. Mesmo um parto considerado pela equipe de saúde rotineiro e normal pode ser para algumas mulheres um parto traumático. Está relacionado a essa situação apresentar durante o trabalho de parto medo intenso de morrer ou medo intenso da morte do bebê8,10; sentir dor intensa e prolongada8,10,15; perceber a assistência da equipe de saúde como inadequada8,10; ter falta de informação quanto ao procedimento a que está sendo submetida8; ter a sensação de perda de controle10; ou sofrer alguma experiência humilhante10.

Após viver um parto traumático, algumas mulheres passam a apresentar no pós-parto recordações aflitivas do parto, por meio de imagens, ideias, sonhos ou emoções, e desenvolvem esquiva de situações, pessoas, lugares e pensamentos que a façam relembrar o parto. Associado a esse quadro, elas também apresentam hiperexcitabilidade e entorpecimento afetivo, caracterizando-se como TEPT4.

Essa revisão se propõe a avaliar artigos disponíveis na literatura científica desde a publicação do DSM-IV (1994) até o presente momento, com o objetivo de verificar a prevalência e os fatores de risco do parto traumático e TEPT relacionado ao parto. Esse é um assunto pouco abordado em nosso meio apesar de ter grande importância na saúde pública. O não reconhecimento desses transtornos pelos profissionais de saúde que assistem as mulheres no periparto pode trazer prejuízos para elas e cronificar seu sofrimento psíquico.

MÉTODOS

Este artigo de revisão foi elaborado a partir de uma pesquisa nos bancos de dados PubMed e BIREME. As palavras-chave utilizadas foram "traumatic birth", "traumatic delivery", "postpartum posttraumatic stress disorder", "childbirth", "stress disorder". Também foram analisados artigos que se encontravam nas referências bibliográficas das fontes indexadas e o período pesquisado foi compreendido entre 1994 e 2009.

Foram incluídos estudos quantitativos ou qualitativos, que tratassem do conceito, da prevalência e/ou de fatores de risco do parto traumático ou do TEPT relacionado ao parto. Foram excluídos estudos que não fossem publicados em inglês ou português, relatos de casos, artigos de revisão, artigos cujos critérios para evento traumático ou TEPT não fossem baseados no DSM-IV e aqueles que não discriminavam que TEPT no pós-parto estava relacionado com evento traumático no parto.

RESULTADOS

O parto traumático

Foram encontradas 49 publicações que envolviam o tema "parto traumático". Depois da avaliação do resumo dessas publicações, 15 artigos em inglês foram inicialmente selecionados e solicitados na íntegra. Após a leitura desses artigos, sete estudos foram incluídos nesta revisão por preencherem os critérios de inclusão, discriminados anteriormente.

Foram incluídos nesta revisão três estudos qualitativos, os quais analisaram a fala, os pensamentos e as emoções de mulheres que tiveram partos traumáticos (Tabela 1). No estudo conduzido por Cheryl Beck6, participaram 23 mulheres da Nova Zelândia, oito dos Estados Unidos, seis da Austrália e três do Reino Unido. Elas foram convidadas a participar do estudo por meio de um site sobre parto traumático e escreveram por e-mail para a pesquisadora sobre suas experiências do parto. Ao analisar o que foi escrito por essas mulheres, Cheryl Beck identificou que havia quatro temas predominantes: 1) As mulheres tinham sensação de abandono e solidão, sentiam sua dignidade ferida e tinham pouco suporte. Consideravam o atendimento recebido no parto como "mecânico", "arrogante", "frio, "técnico" e sem "empatia"; 2) Consideravam falha a comunicação da equipe de saúde, pois a equipe discutia entre si mas não dava informações sobre o que estava acontecendo; 3) Quando percebiam que o atendimento da equipe de saúde era inadequado, passavam a temer pela sua vida e a vida do bebê; 4) A equipe de saúde considerava um parto de sucesso quando não havia complicações com a mãe ou o recém-nascido, sem dar importância de como foi a percepção da puérpera em relação ao parto.

No estudo de Ayres16, em que foram avaliadas 25 mulheres que tiveram partos traumáticos, observou-se que, durante o parto, elas tinham preocupações com o bebê, medo de morrer, pensamentos dissociativos, perda de controle e pouco entendimento do que estava acontecendo. Já Thomson e Downe17, em seu estudo qualitativo, ao avaliarem 11 mulheres, observaram que elas se referiam ao parto como uma violência, tortura ou abuso semelhante a um trauma por agressão física.

Quatro estudos quantitativos demonstram a prevalência do parto traumático (Tabela 2) e todos utilizaram instrumentos que se baseiam no critério A do DSM-IV para evento traumático, sendo aplicados por meio de entrevista ou questionários de autorresposta, entre quatro semanas e três meses após o parto8,10,18,19. As taxas encontradas nesses estudos variaram de 21,4% a 34,0%.

O TEPT relacionado com o parto

Foram avaliados 23 resumos que envolviam o tema "transtorno de estresse pós-traumático pós-parto" e todos foram lidos na íntegra. Treze estudos foram incluídos nesta revisão por preencherem os critérios de inclusão, discriminados anteriormente.

Foi encontrado um estudo qualitativo sobre TEPT pós-parto. Neste estudo de Cheryl Beck20, participaram 38 mulheres, as quais escreveram por meio da internet seus depoimentos sobre a experiência do TEPT pós-parto. Utilizando método de análise fenomenológica, observou-se que nos relatos dessas mulheres predominavam os seguintes temas: 1) Durante o dia, as mulheres tinham flashbacks do parto traumático e, à noite, pesadelos. O evento passava-se como um filme na mente delas; 2) As mulheres descreveram ter apresentado experiências dissociativas durante o parto, como sentir-se paralisada, destacada do corpo e sem sentimentos. Uma delas ainda persistia com os sintomas; 3) Elas tinham necessidade marcante de entender o que aconteceu com elas e como foi o parto; 4) Muitas relatavam sentir raiva, ansiedade e depressão; 5) Elas se tornaram emocionalmente distantes de seus filhos, evitavam estar com outras mães e crianças e passaram a temer ter outros filhos.

Esta revisão encontrou doze estudos quantitativos que avaliaram a prevalência e os fatores de risco para o TEPT decorrente do parto traumático8,10,18,21-29 (Tabela 3). Eles foram realizados com mulheres entre um e 13 meses de pós-parto. O estudo de Skari et al.24 encontrou a menor prevalência do TEPT, apenas 1,1% aos 6 meses de pós-parto, mas esse estudo utilizou dois instrumentos para avaliar os critérios completos para o diagnóstico de TEPT. Foi utilizado a Impact of Event Scale (IES), que avalia os sintomas de revivência e evitação, e a General Health Questionnaire (GHQ-28) para os de hiperexcitabilidade24, sendo recomendável o uso de um instrumento único para avaliar todos os critérios diagnósticos. O estudo van Son et al.28 não usou instrumentos de entrevista adequados para TEPT. Van Son refere em seu estudo que encontrou a prevalência 8,1% e 5% de TEPT em mulheres com 3 e 12 meses de pós-parto respectivamente, mas utilizou apenas a Impact Event Scale que avalia somente sintomas de revivência e evitação, o que torna questionável o diagnóstico de TEPT.

Considerando os dez estudos que utilizaram instrumentos adequados para diagnóstico do TEPT com base nos critérios do DSM-IV, a prevalência variou de 1,3% a 5,9%8,10,18,21-23,25-27,29.

Três desses estudos foram transversais e avaliaram as mulheres no pós-parto quanto aos sintomas do TEPT e retrospectivamente sobre o evento traumático21,25,26. Oito estudos foram prospectivos, avaliaram a mulher ainda na gestação quanto aos fatores de risco e posteriormente no pós-parto para diagnóstico de TEPT8,10,18,23,24,27-29.

O estudo de Ayres e Pickering avaliou as mulheres com 36 semanas de gestação e posteriormente com seis semanas e seis meses de pós-parto. Neste estudo, pode-se perceber que a porcentagem de mulheres com sintomas aos seis meses de pós-parto é menor do que com seis semanas23, o que sugere que a frequência de TEPT crônico é menor no pós-parto.

A presença de sintomas dissociativos no periparto é um dos principais fatores de risco para a ocorrência de TEPT pós-parto18,28. Despersonalização, desrealização, sentimento de estar fora do próprio corpo, alteração na percepção do tempo e redução da consciência do ambiente são alguns sintomas dissociativos que podem ocorrer como reação a um evento estressante. Van Son et al. 28 descreveram que quanto mais doloroso e invasivo é o parto maior a possibilidade de ocorrência de dissociação.

Respostas emocionais negativas durante ou após o evento traumático também são preditores de TEPT30. Olde18et al. observaram que emoções negativas no periparto, como medo, pânico, tristeza e vergonha, estão relacionadas, além da ocorrência, à gravidade do TEPT pós-parto.

Ter sofrido eventos traumáticos prévios é um fator de risco descrito para TEPT. Mulheres que sofreram violências sexuais, agressões físicas por seus parceiros ou outros tipos de violência, seja na infância ou na vida adulta, são mais susceptíveis a ter complicações na gestação e no parto e a considerar seus partos como traumáticos e a desenvolver o TEPT pós-parto10,31. O estudo de Soet et al.10 demonstra que mulheres que sofreram abuso sexual previamente apresentam 12 vezes mais chance de ter um parto traumático e consequentemente TEPT relacionado ao parto.

Mulheres que têm muito medo do parto ou que já sofreram um parto traumático são mais vulneráveis à ocorrência do TEPT pós-parto27. Mulheres que tiveram depressão na gestação, que tiveram transtornos psiquiátricos prévios, que têm baixa capacidade de enfrentamento de problemas22,27, que têm pouco apoio do companheiro e da família10,22, que tinham uma expectativa muito diferente do parto10, que têm perda de controle durante o parto25, que sofrem procedimentos obstétricos de urgência25 e que tiveram pouca informação da equipe de saúde10,22 também são mais susceptíveis ao TEPT relacionado ao parto.

DISCUSSÃO

Observou-se nesta revisão que o parto traumático foi um evento frequente, ocorrendo em cerca de 30% das mulheres. O parto traumático pode trazer repercussões negativas à vida psíquica da mulher. Ela sofre desapontamento e perde o sonho que foi construído durante a gestação para o momento do parto e, além disso, frequentemente julga a si própria como tendo sido inadequada e incapaz8,32. Essas mulheres podem alterar o planejamento familiar e passam a não desejar mais ter filhos5 em consequência do medo do parto5 ou mudam a decisão quanto à via de parto do próximo filho, passando a querer ser submetidas a uma cesariana se o parto anterior foi vaginal32. É comum prejuízos na relação com o recém-nascido5, tornando-se distantes e pouco interativas com o bebê ou tendo dificuldades no aleitamento materno33. Além disso, algumas mulheres desenvolvem o TEPT no pós-parto.

O evento traumático em si não é determinante para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, pois depende da capacidade individual de processamento da memória do evento traumático e das emoções. É observado que cerca de 1% a 6% das mulheres que sofreram um parto traumático desenvolvem o TEPT8,10,18,21-28.

Ao avaliar os fatores de risco associados à ocorrência do TEPT no pós-parto observou-se que as mulheres que tiveram experiências dissociativas no parto são especialmente susceptíveis ao TEPT. Um dos primeiros estudos a abordar a dissociação periparto foi o de Moleman et al.34 em 1992. Eles descreveram três casos clínicos de mulheres que viveram experiências dissociativas após o parto traumático.

Dissociação peritraumática tem sido relatada como preditor de TEPT em vítimas de diversos tipos de trauma fora do pós-parto30, assim como ter emoções negativas peritrauma, história de traumas anteriores ou de transtornos psiquiátricos anteriores são fatores de risco descritos não só no TEPT relacionados com o parto, mas também em outros tipos de eventos traumáticos30.

Os artigos avaliados mostraram associação entre a ocorrência de TEPT relacionado ao parto e percepção da mulher de pouco suporte pela equipe de saúde. Esse fator poderia ser minimizado se a equipe de saúde que assiste mulheres durante o parto estivesse atenta à possibilidade de ocorrência de partos vividos como psiquicamente traumáticos e, além disso, se dispusesse a dar mais informações e suporte às mulheres nesse momento tão significativo.

CONCLUSÃO

O parto traumático, apesar de pouco conhecido e abordado pelos profissionais de saúde, não é um evento raro e pode trazer consequências negativas para a vida conjugal e reprodutiva da mulher e para a relação mãe-bebê. Reynolds7 sugere que, para que o parto traumático seja evitado, desde a gestação, deve ser colhida uma cuidadosa história da mulher, com relação ao medo do parto, complicações em partos anteriores e transtornos psiquiátricos prévios. Durante o parto, deve haver uma boa comunicação entre a parturiente e a equipe de saúde e o controle da dor deve ser otimizado. Após o parto, a equipe de saúde deve estar apta para encorajar a mulher a falar da sua experiência do parto e pesquisar sinais de transtornos afetivos.

Recebido em 16/9/2009

Aprovado em 17/11/2009

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  • Endereço para correspondência:
    Carla Fonseca Zambaldi
    Rua Uriel Paes Barreto, 40/302
    Madalena – 50710-500 – Recife, PE
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      16 Set 2009
    • Aceito
      17 Nov 2009
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