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Atividade física no lazer e transtornos mentais comuns entre idosos residentes em um município do nordeste do Brasil

Physical activity in leisure and common mental disorders among elderly residents in a town of northwest Brazil

Resumos

OBJETIVO: Analisar a associação entre atividade física no lazer e a prevalência de transtornos mentais comuns entre idosos. MÉTODOS: Estudo transversal com amostra constituída de 562 indivíduos residentes no município de Feira de Santana, 69,6% do sexo feminino e 30,4% do sexo masculino, com média de idade de 68,93 ± 7,05 anos. Foi utilizado um formulário com informações sociodemográficas, doenças referidas, triagem para transtornos mentais comuns (TMC) utilizando o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Participação em atividade física no lazer foi avaliada segundo autopercepção do tipo e da intensidade da atividade (leve, moderada ou pesada). Para análise estatística, foi utilizada a técnica de regressão logística, com o cálculo das razões de prevalência, intervalo de confiança (95%) e nível de significância p < 0,05. RESULTADOS: Dentre os indivíduos estudados, 18,3% foram classificados como ativos no lazer. A prevalência de TMC foi de 32,1%, sendo menor entre os indivíduos ativos no lazer (RP = 0,49; IC = 0,29-0,84), após ajuste por faixa etária e renda. CONCLUSÃO: Há elevada proporção de inativos no lazer, e essa condição está associada à maior prevalência de TMC. Sugere-se que ações direcionadas à saúde mental priorizem programas que favoreçam o incentivo à prática de atividade física entre os idosos residentes no município, tendo em vista a contribuição desse comportamento no tratamento e na prevenção de morbidades psíquicas.

Atividade física; saúde mental; idoso


OBJECTIVE: To analyze the relationship between physical activity during leisure time and common mental disorders among elderly. METHODS: Cross sectional study with sample consisting of 562 individuals living in the city of Feira de Santana, 69.6% female and 30.4% male with a mean age of 68.93 ± 7.05 years. We used a questionnaire containing sociodemographic information, such diseases, screening for common mental disorders (CMD) using the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Participation in physical activity in the leasure time was measured through self-perception of the type and intensity of the activity (mild, moderate or heavy). For statistical analysis we used logistic regression, calculating the prevalence ratios, confidence intervals (95%) and significance level p < 0.05. RESULTS: Among studied individuals, 18.3% of were considered to be active in leisure. The prevalence of CMD was 32.1%, and lower among physically active during leisure time (PR = 0.49, CI = 0.29 to 0.84), after adjusting for age and income. CONCLUSION: There is a high proportion of inactive subjects during leisure time, and this condition is associated with increased prevalence of CMD. It is suggested that actions directed to mental health programs must prioritize which favor the encouragement of physical activity among older people living in the city in view of the contribution of this behavior to the treatment and prevention of mental illness.

Physical activity; mental health; older


ARTIGO ORIGINAL

Atividade física no lazer e transtornos mentais comuns entre idosos residentes em um município do nordeste do Brasil

Physical activity in leisure and common mental disorders among elderly residents in a town of northwest Brazil

Saulo Vasconcelos RochaI; Maura Maria Guimarães de AlmeidaII; Tânia Maria AraújoII; Jair Sindra Virtuoso JúniorIII

IUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Núcleo de Estudos em Saúde da População (NESP/UESB)

IIUniversidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

IIIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Instituto de Ciências da Saúde

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Saulo Vasconcelos Rocha Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Núcleo de Estudos em Saúde da População (NESP) Avenida José Moreira Sobrinho, s/n, Jequiezinho 45200-000 - Jequié, Bahia E-mail: saulosaudecoletiva@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a associação entre atividade física no lazer e a prevalência de transtornos mentais comuns entre idosos.

MÉTODOS: Estudo transversal com amostra constituída de 562 indivíduos residentes no município de Feira de Santana, 69,6% do sexo feminino e 30,4% do sexo masculino, com média de idade de 68,93 ± 7,05 anos. Foi utilizado um formulário com informações sociodemográficas, doenças referidas, triagem para transtornos mentais comuns (TMC) utilizando o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Participação em atividade física no lazer foi avaliada segundo autopercepção do tipo e da intensidade da atividade (leve, moderada ou pesada). Para análise estatística, foi utilizada a técnica de regressão logística, com o cálculo das razões de prevalência, intervalo de confiança (95%) e nível de significância p < 0,05.

RESULTADOS: Dentre os indivíduos estudados, 18,3% foram classificados como ativos no lazer. A prevalência de TMC foi de 32,1%, sendo menor entre os indivíduos ativos no lazer (RP = 0,49; IC = 0,29-0,84), após ajuste por faixa etária e renda.

CONCLUSÃO: Há elevada proporção de inativos no lazer, e essa condição está associada à maior prevalência de TMC. Sugere-se que ações direcionadas à saúde mental priorizem programas que favoreçam o incentivo à prática de atividade física entre os idosos residentes no município, tendo em vista a contribuição desse comportamento no tratamento e na prevenção de morbidades psíquicas.

Palavras-chave: Atividade física, saúde mental, idoso.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the relationship between physical activity during leisure time and common mental disorders among elderly.

METHODS: Cross sectional study with sample consisting of 562 individuals living in the city of Feira de Santana, 69.6% female and 30.4% male with a mean age of 68.93 ± 7.05 years. We used a questionnaire containing sociodemographic information, such diseases, screening for common mental disorders (CMD) using the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Participation in physical activity in the leasure time was measured through self-perception of the type and intensity of the activity (mild, moderate or heavy). For statistical analysis we used logistic regression, calculating the prevalence ratios, confidence intervals (95%) and significance level p < 0.05.

RESULTS: Among studied individuals, 18.3% of were considered to be active in leisure. The prevalence of CMD was 32.1%, and lower among physically active during leisure time (PR = 0.49, CI = 0.29 to 0.84), after adjusting for age and income.

CONCLUSION: There is a high proportion of inactive subjects during leisure time, and this condition is associated with increased prevalence of CMD. It is suggested that actions directed to mental health programs must prioritize which favor the encouragement of physical activity among older people living in the city in view of the contribution of this behavior to the treatment and prevention of mental illness.

Keywords: Physical activity, mental health, older.

INTRODUÇÃO

A atividade física regular é um comportamento importante na vida das pessoas e apresenta impacto significativo na prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis (doenças coronarianas, diabetes, hipertensão, osteoporose); no controle do estresse, da ansiedade e dos sintomas depressivos1,2; e produz efeitos positivos sobre o metabolismo lipídico e glicídico, pressão arterial, composição corporal, densidade óssea, hormônios, antioxidantes e trânsito intestinal.

As funções psicológicas e fisiológicas destacam-se como mecanismos pelos quais a atividade física pode proteger os indivíduos contra doenças crônicas2. Estudos transversais e prospectivos têm evidenciado forte associação entre os problemas de saúde mental e os baixos níveis de atividade física3-5.

A atividade física, compreendida como qualquer movimento corporal que demande gasto energético acima dos níveis de repouso, pode ser vivenciada nas dimensões do lazer, transporte, prática esportiva, atividades domésticas e atividades ocupacionais. É responsável por atuar diretamente nos fatores psicológicos (distração, autoeficácia e interação social) e fisiológicos (aumento da transmissão sináptica das endorfinas e da condutância pós-sináptica de potássio, neurogênese)6,7. A prática regular de atividades físicas proporciona adaptações em funções cerebrais que contribuem na prevenção e tratamento da obesidade, depressão, câncer, diminuição das perdas cognitivas associadas ao envelhecimento, doenças neurológicas, acidentes vasculares cerebrais e lesões na medula espinhal8.

A prática de atividades físicas favorece a diminuição do estresse, da angústia e da ansiedade, renovando as energias e proporcionando prazer, relaxamento e bem-estar aos seus praticantes, contribuindo na prevenção e recuperação das morbidades psíquicas9,10.

Aspectos relativos ao diagnóstico e à avaliação da saúde mental em idosos têm sido mais frequentemente abordados em estudos recentes com a finalidade de conhecer a situação vivenciada por esse grupo populacional e os fatores associados ao adoecimento psíquico, no intuito de contribuir para ações de preservação da saúde mental nessa fase da vida. Na avaliação, têm-se destacado os transtornos mentais comuns (TMC), que se caracterizam por sintomas como insônia (falta de sono ou dificuldade prolongada para adormecer por vários dias), fadiga (dificuldade de realizar as atividades normais por causa de cansaço excessivo), irritabilidade (resposta excessiva a um estímulo), esquecimento (falha na retenção ou na evocação dos dados da memória), dificuldade de concentração (distúrbio de atenção) e queixas somáticas (diversos e variados sintomas físicos sem explicação física)11.

Estudos realizados no Brasil e em países da América Latina identificaram prevalências elevadas de transtornos mentais (20,2% e 26,7%, respectivamente)12,13. Os TMC são mais prevalentes entre as mulheres14-16, indivíduos de cor negra ou parda14,16, pessoas com baixo nível de escolaridade15,17, baixa renda16, tabagistas18, doentes crônicos18 e com idades mais avançadas15,16,18.

Embora o conjunto dos transtornos mentais represente cerca de 13% a 14% da carga total de doenças, menos de 1% dos gastos totais em saúde é investido em saúde mental19, produzindo um abismo entre a demanda e a oferta dos serviços em saúde mental. Em decorrência desse descompasso, apenas parte dos casos existentes é identificada e tratada, elevando os custos sociais e econômicos com esses agravos20.

Em diversos estudos, tem sido evidenciada associação negativa entre atividades físicas e ocorrência de transtornos mentais, entretanto tais relações têm sido evidenciadas por balizadores isolados dos TMC3-5. A presença de mais de um fator resultante de alterações da saúde mental faz com que a condição clínica seja potencializada, e daí a necessidade de investigações populacionais considerando a relação da atividade física com os TMC.

O propósito deste estudo foi analisar a relação entre a prática de atividade física no lazer e transtornos mentais comuns entre idosos residentes em áreas urbanas de Feira de Santana/BA.

Registra-se, no Brasil, carência de informações sobre a morbidade psíquica das populações. Entre os idosos, os poucos dados existentes sobre a saúde mental atestam que se trata de um problema de significativa relevância nesse grupo e que, muitas vezes, o sofrimento ou adoecimento psíquico produz ou intensifica o adoecimento físico. Apesar dessas evidências, ainda são restritas as iniciativas para avaliar os fatores que podem associar-se à promoção/proteção da saúde mental dos idosos, aspecto sobre o qual se debruça este estudo. Pretende-se, portanto, além de gerar informações sobre a situação da saúde mental de um grupo populacional em crescimento na sociedade brasileira (os idosos), avaliar se a atividade física no lazer pode contribuir na preservação da saúde mental. Espera-se, com isso, oferecer dados que possam apoiar medidas de intervenção adequadas e capacidades de contribuir para melhorar os indicadores de saúde mental e a qualidade de vida nesse grupo.

MÉTODOS

Os dados deste estudo foram obtidos a partir do inquérito domiciliar de "Caracterização da saúde mental do município de Feira de Santana, Bahia", realizado pelo Núcleo de Epidemiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, no ano de 2007. Trata-se de um estudo de corte transversal envolvendo uma amostra representativa da população com 15 ou mais anos de idade residente em áreas urbanas, segundo definição do IBGE (área urbana corresponde à área interna ao perímetro urbano de uma cidade ou vila, definida por lei municipal), do município de Feira de Santana. A amostra foi selecionada por procedimento aleatório. Nesse inquérito, foram entrevistadas 3.597 pessoas.

Feira de Santana está localizada a 116 km de Salvador, a capital do estado da Bahia. É a segunda maior cidade do estado, sendo o 31º município brasileiro, 13º município não capital mais populoso do país. Em 2007, a população totalizava 571.997 habitantes, sendo 41.466 com 60 anos ou mais de idade.

Para o cálculo do tamanho da amostra do inquérito, assumiram-se estimativa de prevalência de transtornos mentais comuns de 24% (segundo a OMS21) e erro amostral de 3%, com 95% de confiança. Assumindo-se esses parâmetros, estabeleceu-se uma amostra de 800 indivíduos. Considerando-se o efeito do desenho do estudo (amostragem por conglomerado) e recusas e perdas em torno de 20%, definiu-se o tamanho da amostra em 1.920 indivíduos.

Para este estudo, foi feito um recorte do estudo populacional, analisando-se os dados somente da população com 60 anos ou mais de idade (idosos).

Como o estudo não foi desenhado especificamente para estudar a relação entre lazer e transtornos mentais entre idosos, recalculou-se o n amostral para verificar se este estudo teria poder suficiente para avaliar tal relação. Para esse cálculo, foram considerados os seguintes parâmetros: frequência esperada de TMC no grupo não exposto (com atividades regulares de lazer) de 26,5%, frequência de TMC entre expostos (sem atividades regulares de lazer) de 45,6% (estimativas obtidas por Rocha et al.22), intervalo de confiança de 95% e poder de 90%, chegando a um n amostral de 268 pessoas.

Este estudo incluiu 562 indivíduos de ambos os sexos (15,6% dos participantes do inquérito realizado), com idade > 60 anos, limite etário recomendado pela OMS para países em desenvolvimento para a definição de idoso.

Os dados foram coletados por meio de formulário. O instrumento continha informações sociodemográficas (sexo, idade, situação conjugal, escolaridade, renda), informações sobre doenças autorreferidas (diabetes, hipertensão, colesterol elevado, obesidade, câncer, cardiopatia) e hábitos de vida (consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo/hábito de fumar), participação e tempo destinados a atividades de lazer, prática de atividades físicas e condição da saúde mental.

Para avaliação da prática de atividade física no lazer, foi questionado se os indivíduos participavam regularmente de atividades físicas no momento de lazer, sendo elas classificadas pela intensidade de acordo com os equivalentes metabólicos (MET): leve (< 3 METs), moderada (3-6 METs) e vigorosa (> 6 METs)23. Foram considerados ativos no lazer aqueles entrevistados que realizavam atividades físicas no lazer com intensidade moderada ou vigorosa por mais de 150 minutos/semana e inativos os que não atendiam à classificação. O procedimento adotado foi semelhante ao de outros estudos encontrados na literatura24,14,15.

O Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) é um instrumento utilizado para triagem de TMC, sendo o resultado uma medida quantitativa discreta com a pontuação mínima de 0 e máxima de 20 pontos. Esse instrumento desenvolvido pela OMS25 e validado por Gonçalves et al.11 se destina a triar transtornos mentais, não oferecendo diagnóstico específico do transtorno existente. Na classificação de TMC, foi adotado o ponto de corte de sete ou mais respostas positivas. No estudo de validação11, o SRQ-20 apresentou sensibilidade de 86,33% e especificidade de 89,31%, tendo como padrão-ouro o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR.

Foram analisados também dados sociodemográficos (sexo, faixa etária, situação conjugal, escolaridade, renda) e presença de doenças crônicas. Para avaliar a associação das variáveis de exposição (atividade física no lazer) e de desfecho (TMC), foram utilizados como medida de associação a razão de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança (IC). Para análise do nível de significância estatística, adotou-se valor de p < 0,05.

O modelo completo testado, além das variáveis da associação principal sob análise (TMC e atividade física no lazer), incluiu as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, cor da pele, situação conjugal), hábito de fumar e presença de doenças crônicas.

Para análise simultânea das variáveis estudadas sobre o desfecho de interesse (TMC), foi realizada análise de regressão logística múltipla (ARLM). A ARLM foi conduzida segundo os procedimentos recomendados por Hosmer e Lemeshow26, incluindo as seguintes etapas: 1a) Verificação de pressupostos; 2a) Pré-seleção de variáveis; 3a) Pré-seleção de termos de interação; 4a) Avaliação de confundimento; 5a) Análise de regressão logística propriamente dita.

A modificação de efeito foi analisada por meio do teste de razão da verossimilhança, adotando-se o nível de significância de 20%. Para análise das variáveis potencialmente confundidoras, foi verificada a magnitude da variação dos coeficientes estimados e das respectivas medidas de associação para a exposição principal (atividade física no lazer). A variável foi considerada confundidora quando o coeficiente de exposição principal apresentou variação superior a 10%.

Na análise de regressão logística, foi utilizado procedimento backward para a seleção das variáveis, adotando-se como critério de significância p < 0,10 para permanência no modelo final.

O modelo final de análise obtido incluiu a exposição sob análise e variáveis sociodemográficas (faixa etária e renda).

Em virtude de a ARLM ter sido desenvolvida para uso em estudos de caso-controle, produzindo medidas de OR, e não de RP, não tem sido recomendado o uso de estimativas de OR, obtida na ARLM, para estudo de efeitos de elevada frequência, uma vez que, nesses casos, a OR superestima o efeito considerado. Como a frequência de TMC estimada foi elevada (atingindo quase 1/3 da população estudada), foi necessário proceder ao cálculo das estimativas de RP. Com base nos parâmetros do modelo final, foram estimadas as razões de prevalência e respectivos intervalos de confiança, utilizando o método delta27.

Para confecção do banco de dados, foi utilizado o software Epidata, versão 3.1b. Para a análise, foram utilizados os pacotes estatísticos SPSS (versão 9.0) e R, versão 2.7.2.

Esta pesquisa seguiu os princípios éticos presentes na Declaração de Helsinque e na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os protocolos de pesquisa foram avaliados e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Feira de Santana (Parecer nº 042/06).

RESULTADOS

As características da amostra encontram-se descritas na tabela 1. Observa-se percentual mais elevado de mulheres (69,6%). A maior proporção dos entrevistados estava na faixa etária entre 60 e 69 anos (59,4%) e vivia sem companheiro (50,2%). Em relação à condição de renda e educação, 81,7% ganhavam menos de um salário-mínimo e 57,4% haviam cursado o ensino fundamental I e II; apenas 14,6% tinham concluído o ensino médio e/ou superior. No que diz respeito às condições clínicas autorreferidas, 59,8% relataram ser portadores de alguma doença crônica (Tabela 1).

A frequência de participação em atividades físicas foi baixa, apenas 18,3% (n = 103) foram classificados como ativos no lazer. A tabela 2 descreve a frequência da atividade física segundo características sociodemográficas e presença de doenças crônicas. A frequência de prática de atividades físicas no lazer foi maior entre os indivíduos de faixas etárias mais jovens e com renda maior que um salário-mínimo, a níveis estatisticamente significantes. Registra-se, entretanto, que, mesmo as diferenças encontradas não tendo alcançado nível de significância estatística, houve tendência para o aumento das atividades físicas de lazer para o sexo masculino, pessoas com níveis de escolaridade mais altos, que viviam com companheiro e entre os indivíduos que referiram não serem portadores de nenhuma doença crônica.

A prevalência global de transtornos mentais comuns (TMC) entre os entrevistados foi de 32,1%.

Ao analisar a associação bruta entre atividade física no lazer e TMC, detectou-se que os expostos, ou seja, os indivíduos ativos no lazer tinham prevalência de TMC 55% menor quando comparados aos inativos no lazer (Tabela 3).

A análise de modificação de efeito não identificou interação entre as variáveis analisadas.

No modelo final, obtido na análise de regressão logística múltipla, foi confirmada a associação negativa entre atividade física no lazer e TMC. A faixa etária e a renda também foram mantidas no modelo final, evidenciando também associação dessas variáveis com o desfecho analisado (TMC).

A avaliação da bondade do ajuste do modelo, ou seja, a análise da qualidade do ajuste com relação à variabilidade dos pontos (dados) em relação à curva (modelo), a variância dos resíduos (teste de Le Cessie-van Houwelingen-Copas-Hosmer) e a análise da área sobre a curva ROC demonstraram que o modelo ajustava-se satisfatoriamente aos dados. Após ajuste pelas variáveis faixa etária e renda, manteve-se a associação inversa entre atividade física no lazer e TMC. Após o ajuste, os indivíduos ativos no lazer apresentaram prevalência 51% menor do que os indivíduos inativos no lazer.

DISCUSSÃO

A maioria dos entrevistados foi classificada como inativa no lazer. Estudos indicam que grande parcela da população não atinge as recomendações atuais quanto à prática de atividades físicas. Ao avaliar apenas as atividades físicas realizadas no tempo de lazer, os pesquisadores têm detectado prevalências de inatividade física ainda mais elevadas, variando de 40,7% a 72,5%3,5,28,29.

Em um estudo realizado com idosos em Florianópolis4, foram encontrados achados divergentes do presente estudo; a maior parte dos idosos foi considerada como não sedentária (59,3%), sendo o domínio lazer o que mais contribuiu para a condição ativa do sexo masculino e o domínio das atividades domésticas, para o sexo feminino. As características regionais no que tange ao acesso à prática de atividade física e às atividades de lazer podem ser elementos importantes para explicar as diferenças.

A prevalência de TMC na população estudada foi elevada. Os transtornos psiquiátricos na comunidade são mais frequentes na população feminina, aumentam com a idade e apontam para um excesso no estrato de baixa renda30. Forte-Burgos et al.31 destacam que o maior temor dos idosos com o avançar da idade relaciona-se à perda da autonomia e da independência para realizar as atividades da vida diária, como consequência de doenças incapacitantes que exercem impacto significativo na saúde mental.

A análise, ajustada pelas variáveis faixa etária e renda, revelou que a prática de atividade física no lazer associou-se inversamente aos TMC. Evidências atuais avalizam esse achado. Wiles et al.3, em um estudo de acompanhamento, identificaram que, no final do período de cinco anos, os indivíduos ativos no lazer apresentaram probabilidade 46% menor de suspeição para TMC. Em levantamento realizado com idosos de Florianópolis/SC, foi identificado que indivíduos sedentários tinham prevalência 2,38 vezes maior de demência e 2,74 vezes maior de depressão do que indivíduos ativos no lazer4.

A prática de atividades físicas favorece a interação social e a autoeficácia e proporciona melhoria nos sintomas depressivos, ansiedade, tolerância ao estresse e aumento da autoestima e da sensação de bem-estar6,9,32. A atividade física, sobretudo quando praticada em grupo, eleva a autoestima, contribui para a implementação das relações psicossociais e para o reequilíbrio emocional, colaborando para a formação de redes sociais.

A atividade física seria responsável por atuar diretamente nos fatores psicológicos (distração, autoeficácia e interação social) e fisiológicos (aumento da transmissão sináptica das monoaminas, que supostamente funcionariam como drogas antidepressivas)6. Nesse sentido, estratégias de saúde pública projetadas para a adoção de um estilo de vida ativo entre a população idosa pode conduzir a melhorias na saúde mental e na qualidade de vida dessas pessoas.

Entre as limitações deste estudo, pode-se apontar o próprio delineamento de pesquisa. O fato de tratar-se de um estudo transversal impede a avaliação de relações diretas de causalidade entre as variáveis estudadas; portanto, não se pode avaliar se a atividade física no lazer produziu os transtornos mentais comuns ou se foi a presença de TMC que levou à inatividade física no lazer. O plano amostral não foi delineado para estudo específico da população idosa (incluiu uma amostra da população com idade de 15 anos ou mais), portanto alguns aspectos importantes para esse grupo populacional específico podem não ter sido considerados, já que não foi uma amostra desenhada para representar a população de idosos do município. Além disso, pode ter ocorrido o viés de sobrevida, já que esse é um aspecto relevante em estudos com indivíduos idosos. Apesar dessas limitações, o estudo avaliou um contingente expressivo de pessoas (N = 562), um número total acima do n amostral necessário (N = 268), incluindo idosos residentes em todos os subdistritos do município estudado, o que permitiu estimar a prevalência de TMC, a frequência de participação em atividades físicas no lazer nesse município e a relação entre essas variáveis. Portanto, o estudo foi capaz de gerar informações úteis e válidas que podem contribuir para as políticas de atenção à saúde e garantia de qualidade de vida em diferentes fases da vida e para orientar medidas de intervenção em saúde direcionadas a esse grupo populacional, que se encontra em contínuo crescimento no contingente da população brasileira.

CONCLUSÃO

Este estudo revelou elevada prevalência de inativos no lazer e que os indivíduos que participavam em atividades físicas de lazer tinham menor prevalência de transtornos mentais comuns. Os resultados obtidos representam informação útil para a gestão em saúde, sendo insumo para as políticas públicas de intervenção em saúde do idoso.

Recebido em 2/2/2011

Aprovado em 14/5/2011

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  • Endereço para correspondência:

    Saulo Vasconcelos Rocha
    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
    Núcleo de Estudos em Saúde da População (NESP)
    Avenida José Moreira Sobrinho, s/n, Jequiezinho
    45200-000 - Jequié, Bahia
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      02 Fev 2011
    • Aceito
      14 Maio 2011
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