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Monitorização ambulatorial da pressão arterial em adolescentes normais

Ambulatory blood pressure monitoring in normal adolescents

Resumos

OBJETIVO: Avaliar tecnicamente a monitorização ambulatorial de pressão arterial (MAPA) em adolescentes normais. MÉTODOS: Quarenta e cinco adolescentes eutróficos, entre 10-18 anos de idade, sendo 27 do sexo feminino. RESULTADOS: Verificaram-se, em média, 90% de medidas bem sucedidas: incômodo relacionado ao funcionamento do monitor em 30% dos casos; valores médios de descenso sistólico, diastólico e de diminuição de freqüência cardíaca, no sono noturno, respectivamente iguais a 13%, 23% e 24%; carga pressórica na vigília, no sexo masculino, de 25,4±27,7% e 11,8±14,6% e, no feminino, de 17,5±18,7% e 11,8±11,4% para pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), respectivamente; carga pressórica no sono, no sexo masculino, de 15,4±22,9% e 2,8±4,9% e, no feminino, de 10,5±18,2% e 1,8±2,7% para PAS e PAD; medidas diastólicas mais elevadas nas duas primeiras horas de monitorização; diferenças entre sono noturno e vespertino quanto aos parâmetros cardiovasculares estudados. CONCLUSÃO: A MAPA mostrou-se bem tolerada pela população adolescente. Os registros obtidos apresentaram-se tecnicamente adequados para análise.

pressão arterial; monitorização ambulatorial de pressão arterial; adolescente


PURPOSE: To evaluate technical aspects of ambulatory blood pressure monitoring (ABPM) in normal adolescents. METHODS: Forty five normal adolescents (27 female), 10-18 years old. RESULTS: ABPM recordings showed a mean of 90% successful readings; 30% of the patients complained of sleep disruption related to the functioning of the ABPM monitor; the mean systolic, diastolic and heart rate fall during sleep was 13%, 23% and 24% respectively; the mean systolic and diastolic blood pressure load, while awake, was in male adolescents 25.4±27.7% and 11.8±14.6%, and in female adolescents, 17.5±18.7% and 11.8±11.4%, respectively; the mean systolic and diastolic blood pressure load, while asleep, was in male adolescents 15.4±22.9% and 2.8±4.9% and, in female adolescents, 10.5±18.2% and 1.8±2.7%, respectively; the mean diastolic values of the first two hours of recording were higher than the ones obtained during the rest of the hours of recording while awake; different mean systolic, diastolic and heart rate values were found during the afternoon and nocturnal sleep periods. CONCLUSION: ABPM was well accepted by the adolescent population, with good technical results.

blood pressure; ambulatory blood pressure monitoring; adolescent


Artigo Original

Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial em Adolescentes Normais

Vera H. Koch, Anita Colli, Maria Ignez Saito, Patricia Ruffo, Rita Cardoso, Edna C. Ignes, Yassuhiko Okay, Décio Mion Jr

São Paulo, SP

OBJETIVO: Avaliar tecnicamente a monitorização ambulatorial de pressão arterial (MAPA) em adolescentes normais.

MÉTODOS: Quarenta e cinco adolescentes eutróficos, entre 10-18 anos de idade, sendo 27 do sexo feminino.

RESULTADOS: Verificaram-se, em média, 90% de medidas bem sucedidas: incômodo relacionado ao funcionamento do monitor em 30% dos casos; valores médios de descenso sistólico, diastólico e de diminuição de freqüência cardíaca, no sono noturno, respectivamente iguais a 13%, 23% e 24%; carga pressórica na vigília, no sexo masculino, de 25,4±27,7% e 11,8±14,6% e, no feminino, de 17,5±18,7% e 11,8±11,4% para pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), respectivamente; carga pressórica no sono, no sexo masculino, de 15,4±22,9% e 2,8±4,9% e, no feminino, de 10,5±18,2% e 1,8±2,7% para PAS e PAD; medidas diastólicas mais elevadas nas duas primeiras horas de monitorização; diferenças entre sono noturno e vespertino quanto aos parâmetros cardiovasculares estudados.

CONCLUSÃO: A MAPA mostrou-se bem tolerada pela população adolescente. Os registros obtidos apresentaram-se tecnicamente adequados para análise.

Palavras-chave: pressão arterial, monitorização ambulatorial de pressão arterial, adolescente

Ambulatory Blood Pressure Monitoring in Normal Adolescents

PURPOSE: To evaluate technical aspects of ambulatory blood pressure monitoring (ABPM) in normal adolescents.

METHODS: Forty five normal adolescents (27 female), 10-18 years old.

RESULTS: ABPM recordings showed a mean of 90% successful readings; 30% of the patients complained of sleep disruption related to the functioning of the ABPM monitor; the mean systolic, diastolic and heart rate fall during sleep was 13%, 23% and 24% respectively; the mean systolic and diastolic blood pressure load, while awake, was in male adolescents 25.4±27.7% and 11.8±14.6%, and in female adolescents, 17.5±18.7% and 11.8±11.4%, respectively; the mean systolic and diastolic blood pressure load, while asleep, was in male adolescents 15.4±22.9% and 2.8±4.9% and, in female adolescents, 10.5±18.2% and 1.8±2.7%, respectively; the mean diastolic values of the first two hours of recording were higher than the ones obtained during the rest of the hours of recording while awake; different mean systolic, diastolic and heart rate values were found during the afternoon and nocturnal sleep periods.

CONCLUSION: ABPM was well accepted by the adolescent population, with good technical results.

Key-words: blood pressure, ambulatory blood pressure monitoring, adolescent

O emprego da monitorização ambulatorial de pressão arterial (MAPA) tem se ampliado muito desde a sua introdução. Esta metodologia, apesar de promissora para melhoria do diagnóstico e do seguimento de pacientes hipertensos, ainda está em fase de normatização. A prática com a MAPA, na área pediátrica, é ainda incipiente.

A experiência pediátrica com a avaliação da pressão arterial (PA) pela técnica da MAPA, iniciada nos anos 80 ainda é restrita 1-20. Na criança, a MAPA é factível, mostrando dados reprodutíveis, em estudos consecutivos11. O desenvolvimento de equipamentos mais leves, do tipo oscilométrico, favoreceram a utilização do método em crianças menores, cujo padrão intenso de atividade impossibilita registros eficientes, em equipamentos do tipo exclusivamente auscultatório. A maioria dos autores tem estudado crianças maiores de cinco anos de idade. A utilização do método em neonatos, lactentes e pré-escolares é ainda muito incipiente e altamente sujeita a insucesso.

Nosso objetivo foi avaliar, em nosso meio, o grau de aceitação desta técnica por adolescentes normais urbanos e a qualidade técnica do registro obtido, escolhendo para o estudo a faixa etária que apresentava as características: alto grau de compreensão e potencial para avaliação crítica de procedimentos em geral, capacidade de decisão quanto à participação voluntária em projetos, disposição para elaboração de diário de atividades realizadas durante a monitorização.

Métodos

Foram avaliados 45 pacientes de 10-18 anos, sendo 27 do sexo feminino e 18 do masculino, em seguimento no Ambulatório da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP, que preencheram os seguintes critérios de inclusão: adolescentes com peso e estatura entre os percentis 5 e 95 para idade e sexo 21; ausência de antecedentes pessoais de doença crônica; sem uso crônico de hormônios e medicações antiinflamatórias, anticonvulsivantes, anti-histamínicas, broncodilatadores, digitálicos e hipotensoras; com pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) < ao percentil 90 para idade e sexo 22 ; consentimento verbal do adolescente. Os adolescentes selecionados foram submetidos a exame físico completo, que compreendeu medidas antropométricas (peso, estatura), estadiamento da maturação sexual e medida da PA.

A PA de consultório foi medida ao final da consulta médica, com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, após repouso de 5min, em posição sentada, no braço direito apoiado ao nível do coração. Foram utilizados manguitos com largura aproximadamente igual a 75% da distância entre o cotovelo e o acrômio e comprimento suficiente para envolver completamente toda a circunferência do braço 23. Definiu-se como PAS a PA correspondente ao início do 1º ruído de Korotkoff (K1) e, como PAD, a correspondente à 5ª fase de Korotkoff (K5). A PA do paciente em consultório foi medida por três vezes sucessivas, com intervalo de aproximadamente 1min entre as medidas, sendo anotada a menor das três.

A MAPA foi realizada no ambulatório da Liga de Hipertensão do Departamento de Nefrologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, utilizando-se equipamento SpaceLabs 90207 (metodologia oscilométrica) e tamanho de manguito semelhante ao empregado para medida auscultatória da PA. O método oscilométrico registra como PAS e PAD valores comparáveis, respectivamente, às fases K1 e K5. O SpaceLabs 90207 tem validação oficialmente reconhecida pela "American Association for Advancement of Medical Instrumentation" 24 e pela "British Hypertension Society" 25,26. Comparado com medidas diretas de PA em pacientes pediátricos submetidos a cateterização cardíaca, a diferença média entre a medida direta e oscilométrica de PAS e PAD não excedeu a 3,5mmHg 17. O manguito foi colocado no braço não dominante do paciente e o monitor preso à sua cintura no lado contralateral aquele ocupado pelo manguito. O aparelho foi ajustado para medidas a cada 10min, durante o dia (6:00-19:00) e 15min, à noite (19:00-6:00), por 24h, com velocidade de deflação de 8mmHg/s.

O monitor foi programado para rejeitar as medidas: freqüência cardíaca (FC) >180 e <40bpm; PAS >260 e <70mmHg e PAD >150 e <40mmHg. Medidas consideradas inválidas pelo sistema foram repetidas automaticamente, após 3min. O paciente foi orientado a manter o braço relaxado durante a inflação/deflação do aparelho e a retornar após 24h de monitorização, trazendo um relatório com o tipo e a hora das principais atividades realizadas no período. A opinião do adolescente em relação à interferência do exame sobre suas atividades quotidianas foi investigada após a retirada do monitor e classificada em: 1) exame sem problemas; 2) interferência maior durante o dia; 3) interferência maior durante a noite; 4) incômodo diurno e noturno. Após a monitorização de cada paciente, o monitor era conectado a um computador PC compatível para geração do relatório de PA correspondente.

Os registros pressóricos obtidos foram estudados com relação aos parâmetros: número de horas de monitorização; número absoluto e percentual de medidas válidas; média sistólica e diastólica de 24h, de vigília e de sono, determinadas com base em informações do diário do paciente; queda noturna absoluta e percentual sistólica e diastólica; carga pressórica sistólica e diastólica de vigília para o percentil 95, determinada como número de medidas sistólicas de vigília acima da medida de PA correspondente ao percentil 95 da referência adotada para pressão casual 22; carga pressórica sistólica e diastólica durante o sono: calculada como número de medidas sistólicas registradas durante o sono, superiores a valor 10% abaixo daquele utilizado como limite superior diurno 15; média de FC de vigília e de sono. Foram aceitos para análise, registros com pelo menos 70% das medidas válidas 12.

A análise dos diários de cada paciente revelou que a rotina de vida dos adolescentes em monitorização diferiu quanto às atividades de vigília e padrões de sono, demonstrando que 25 adolescentes, 17 do sexo masculino, não exerceram atividades potencialmente geradoras de ansiedade durante a monitorização (escola, trabalho). Neste grupo, foi possível avaliar os efeitos do período de adaptação ao funcionamento do monitor sobre a PAS, PAD e FC de adolescentes normais, através da comparação das médias pressóricas e de FC das primeiras 2h de monitorização em relação ao período restante de vigília (vigília - 2h). Da mesma forma, nove adolescentes, seis do sexo feminino, apresentaram um período adicional, vespertino, de sono, que pode ser comparado com o sono noturno quanto aos mesmos parâmetros. Os dados de PA, FC, descenso pressórico sistólico e diastólico no sono e cargas pressóricas são apresentados em forma de média e desvio-padrão .

A comparação da porcentagem média de sucesso na MAPA, entre os sexos masculino e feminino, bem como entre os pacientes que referiram alguma queixa e os que não referiram, foi feita através do teste t-Student 27 para amostras independentes. O coeficiente de correlação de Pearson foi calculado entre esta porcentagem e a idade. Em todas as comparações realizadas, fixamos o nível de 5% para rejeição da hipótese de nulidade.

A metodologia de análise de perfil 28 foi empregada para avaliar o comportamento dos perfis médios de PA e FC, nas condições: primeiras duas horas de monitorização e horas subseqüentes da vigília, para o sexo masculino e feminino.

Resultados

A proposta de MAPA foi aceita por 70 adolescentes selecionados a partir dos critérios de inclusão adotados neste protocolo. Destes, 46 compareceram ao Ambulatório para colocação do monitor de PA na data combinada para o exame. Como um paciente do sexo masculino, de 10,9 anos de idade, desistiu do exame após 30min de monitorização, foram considerados para análise 45 adolescentes normais, o tempo médio de seguimento no ambulatório de 19,6±18,9 (mediana de 12) meses, com variação de zero a 62 meses. A idade dos pacientes do sexo feminino variou entre 11,1 e 18,0 (média de 15,0±1,9 e mediana de 15) anos, e dos pacientes masculinos, entre 10,6 e 17,8 (média de 14,3±2,0 e mediana de 14) anos. A análise da casuística quanto à cor revelou 32 (71%) brancos, 13 do sexo masculino e 19 do feminino, e 13 (29%) mulatos e negros, 5 do sexo masculino e 8 do feminino. A tabela I resume as características da casuística quanto à idade, peso, altura e índice de massa corpórea, em ambos os sexos.

A MAPA transcorreu, sem intercorrências, em 43 pacientes. Um paciente do sexo masculino retornou ao ambulatório, após 21h de exame, solicitando a retirada do monitor antes do tempo previsto, devido a fadiga, e um outro, do sexo masculino, assustou-se na 1ª hora de exame, com as inflações e deflações sucessivas do equipamento, mas, após nova explicação sobre o seu funcionamento, permaneceu em uso do mesmo pelo período previsto. Os dados referentes a tempo de monitorização, número de medidas realizadas e porcentagem de medidas bem sucedidas, encontram-se na tabela II. Uma paciente do sexo feminino diferenciou-se do restante da casuística pois, por falha na programação, foram registradas medidas a cada 20min durante o dia e a cada 60min entre 23:00 e 8:00h, perfazendo um total de 53 medidas, 96% das quais bem sucedidas, em 25h de monitorização. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as médias das porcentagens de medidas bem sucedidas no sexo masculino e feminino (p=0,3885). A idade do paciente não afetou a eficiência da monitorização (r=0,16; p=0,3020).

A tabela III apresenta a distribuição dos pacientes quanto às opiniões emitidas sobre a interferência da monitorização no seu cotidiano e sua relação com a média de sucesso obtida no exame. A análise estatística realizada, dividindo-se a casuística em pacientes "com" e "sem" problemas durante a monitorização, demonstrou porcentagem de sucesso significantemente maior no grupo de adolescentes que se sentiu incomodado pelo exame (p=0,0139).

Os dados obtidos de PAS, durante a monitorização, foram: média de 24h (111,1±5,6 no feminino e 115,0±9,7 no masculino); média nas horas de vigília (116,4±6,3 no feminino e 120,5±10,3 no masculino); média nas horas de sono noturno (101,1±6,3 no feminino e 104,6±8,9 no masculino) e de PAD, respectivamente, 24h 67,5±4,1 no feminino e 67,4±6,2 no masculino; vigília 73,4±4,6 no feminino e 74,0±6,7 no masculino; sono noturno 56,7±5,0 no feminino e 57,1±5,5 no masculino. A média nas horas de vigília foi significativamente maior do que a média nas horas de sono noturno, para ambos os sexos (p=0,0001).

Os dados de FC, durante a monitorização foram: média de 24h 85,1±7,8 no feminino e 78,9±7,9 no masculino; média nas horas de vigília 92,7±9,2 no feminino e 86,1±7,7 no masculino e média nas horas de sono noturno 70,9±7,8 no feminino e 65,8±8,6 no masculino. A média nas horas de vigília foi, significativamente maior do que a média nas horas de sono noturno, em ambos os sexos (p=0,0001). As médias de FC, nas duas situações, foram maiores no sexo feminino em relação ao masculino (p=0,0139).

A PAS média, nas duas primeiras horas de monitorização, foi de 118,7±7,2mmHg, no sexo feminino e de 124,1±10,6mmHg, no masculino e a PAD média de 75,8±5,5mmHg, no sexo feminino e de 77,6±5,7mmHg, no masculino. As médias pressóricas sistólicas e diastólicas nas horas subseqüentes de vigília foram, respectivamente, para o sexo feminino e masculino iguais a 116,6±6,5 e 123,2±10,7mmHg e de 71,5±4,6mmHg e 74,4±7,7mmHg. Não houve diferenças significativas entre os dois períodos, tanto para o sexo masculino quanto para o feminino (p=0,2639) com relação à PAS, mas houve diferença significativa entre os dois períodos (p=0,0001), conjuntamente para o sexo masculino e feminino com referência à PAD.

A FC média, nas primeiras duas horas de monitorização, foi de 93,7±13,6bpm, no sexo feminino e de 85,9±9,1 no masculino. A FC, em bpm, nas horas subseqüentes de vigília foi respectivamente, para o sexo feminino e masculino, igual a 92,3±9,0 e 87,3±9,2mmHg. Não houve diferença significativa entre os perfis médios dos dois períodos, para o sexo masculino e feminino (p=1,000).

A tabela IV apresenta os dados relativos ao descenso pressórico sistólico e diastólico observado no sono noturno, no grupo estudado, a tabela V os dados relacionados à carga pressórica média sistólica e diastólica observados na vigília e no sono noturno, em relação ao percentil 95 da normatização adotada 22 e a tabela VI as médias de pressão sistólica, diastólica e de FC, nos dois sonos.

Discussão

A MAPA foi bem tolerada no grupo estudado. Houve apenas uma desistência antes do término da investigação (2%), valor este inferior ao encontrado por Egger e col 3 e Reichert e col 17, em adolescentes voluntários normais, e por Nishibata e col 18, em adolescentes hipertensos, de 9,3%, 5% e 16%, respectivamente. A porcentagem de medidas bem sucedidas em nossa casuística, em média de 90%, foi comparável à de Lurbe e col 12 , superior à de Reichert e col 17 de 66% e inferior à de Reusz e col 13 de 97,5%, estudos que utilizaram metodologia oscilométrica para medida de PA. A disparidade dos dados em relação ao sucesso da monitorização se deve, em parte, à prática de esportes durante o procedimento, liberada em nosso estudo e no de Reichert e col 17, aceita com moderação por Lurbe e col 12 e contra-indicada por Reusz e col 13. O incômodo relacionado ao funcionamento do monitor, durante o período de sono, ocorreu isoladamente em 24% dos pacientes e, em associação a interferência com atividades diurnas, em 6% dos casos. Valores esperados e confirmados por dados de Portman e col 7 em distúrbios de sono na vigência de monitorização em 27% dos pacientes pediátricos normais.

No presente trabalho, utilizamos a hora real de sono e vigília obtidas a partir das informações contidas nos diários preenchidos pelos adolescentes, para o cálculo dos parâmetros de sono e vigília. Esta conduta é, atualmente, considerada mais correta do que aquela que atribui horários padronizados para análise dos registros de 24h, baseados nos hábitos da maioria da população e não nas informações pessoais de cada paciente, pois confere precisão ao cálculo da queda sistólica e diastólica e da carga pressórica sistólica e diastólica no sono 29-31. Esta prática é, no entanto, de difícil aplicabilidade em casuísticas maiores, em cuja análise, freqüentemente, são adotados horários pré-determinados para vigília e para o sono. Dentre os estudos pediátricos, Nishibata e col 18 chamaram de vigília ao período entre 10:00 e 22:00h e o de sono, entre 1:00 e 6:00h da manhã. Lurbe e col 12,19 definiram vigília como o período entre 8:00 e 22:00h e o de sono, entre 24:00 e 6:00h da manhã. Outros autores 7,14 conseguiram analisar grandes grupos de pacientes utilizando o horário real de atividades contido em seus diários.

Os dados comparativos de vigília e sono, documentados neste estudo, somam-se àqueles já publicados para adultos e crianças, quanto à presença de um padrão vigília - sono de PA e FC, com valores durante a vigília superiores àqueles obtidos durante o sono. Observamos, em nossa casuística, em média, para ambos os sexos, no sono principal, queda sistólica de 13%, queda diastólica de 23% e diminuição da FC em 24%, com dados semelhantes apresentados em outros estudos pediátricos 9,12.

A análise da carga pressórica, em relação ao percentil 95 da normatização adotada 22 demonstrou valores na vigília no sexo masculino de 25,4±27,7% e 11,8±14,6% e no sexo feminino, de 17,5±18,7 % e 11,8±11,4% para PAS e PAD, respectivamente. Os valores de carga pressórica no sono foram, no sexo masculino, de 15,2±22,9% e 2,8±4,9% e no sexo feminino, de 10,5±18,2% e 1,8±2,7%, para PAS e PAD. Estes valores diferem dos de Portman e col 7 para ambos os sexos, de 15,3±14,9% e 9,9±9,8%, 10,1±11,7% e 7,1±11,8%, respectivamente para PAS e PAD, na vigília e no sono pois, para análise específica os autores padronizaram como vigília, o período entre 6:00 e 18:00h e como sono, as 12h restantes do dia. No adulto, valores de carga pressórica sistólica e diastólica superiores, respectivamente, a 50% e 40%, estão relacionados, em hipertensos, a maior prevalência de alterações cardíacas secundárias à hipertensão arterial 32. A carga pressórica é um parâmetro para o qual não há definição de normalidade na criança, não sendo conhecida a sua morbidade.

O estudo em separado das duas primeiras horas de monitorização foi possível nos adolescentes que não foram à escola ou ao trabalho no dia da monitorização. As medidas da PAD mostraram-se significativamente mais elevadas nas primeiras horas do procedimento, em ambos os sexos, provavelmente associadas à adaptação ao funcionamento intermitente do equipamento. O efeito das duas primeiras horas de monitorização foi avaliado em 50 adultos hipertensos, por Prasad e col 33, através da análise de registros de 48h consecutivas. A comparação das primeiras 2h de exame com o mesmo período do 2º dia de exame revelou níveis pressóricos mais elevados no 1º período, gerando a proposição de que registros de MAPA sejam realizados por 26h consecutivas, desprezando-se as duas primeiras horas no cálculo global dos parâmetros estudados.

O cuidado dos adolescentes na elaboração dos diários de atividades, possibilitou-nos a constatação de um sono vespertino em nove registros. No entanto, o número pequeno de registros em que esse comportamento ocorreu não nos permitiu conclusões comparativas definitivas sobre o sono vespertino e o sono noturno. Pode-se apreender que apesar das médias de PAS, PAD e de FC no sono noturno e vespertino serem consistentemente mais baixas do que os respectivos valores na vigília, estes valores são diferentes entre si, o que se reflete por dados diferentes de descenso pressórico e carga pressórica. Burztyn e col 34 compararam o sono da tarde com o sono noturno em 16 pacientes normotensos e 24 hipertensos adultos demonstrando parâmetros pressóricos semelhantes e enfatizaram que o descenso pressórico e de FC observados no sono vespertino poderiam constituir fator potencial de falsa diminuição dos valores médios destas variáveis, se este período não fosse excluído da análise do período de vigília, fato corriqueiro quando são adotados horários fixos de sono e vigília, para estudo dos dados de monitorização, em vez daqueles estabelecidos pelo diário dos pacientes. Nosso estudo e o de Burztyn e col 34 reforçam a necessidade de valorização do preenchimento, pelos pacientes em monitorização, de diários minuciosos de atividade, para que sua análise possa gerar dados mais fidedignos.

Concluindo, a utilização da MAPA é uma medida aceitável em nosso meio, sendo bem tolerada pela população adolescente e sem dificuldades técnicas. Os registros obtidos apresentaram qualidade técnica comparável à descrita pela escassa literatura pertinente. No entanto, a falta de normatização dos dados obtidos, o desconhecimento dos parâmetros de normalidade para o método, constituem, atualmente, dificuldades logísticas sérias para a sua utilização rotineira. Estudos pediátricos têm demonstrado 12,14,20 que os valores das pressões medidas durante a monitorização na criança e no adolescente, apesar de altamente correlacionados com aqueles de pressão casual obtidos em consultório, são normalmente superiores aos mesmos. Esta aparente incongruência explica-se pois, a medida casual e a MAPA, apesar de estarem aferindo a mesma variável, o fazem em condições técnicas e ambientais diversas, incompatíveis e não intercambiáveis. Os valores dos parâmetros de normalidade para pressão casual não devem, portanto, ser aplicados à MAPA. A utilização da MAPA deve ser precedida da construção de sua normatização, baseada em estudos populacionais, para estabelecimento de valores específicos por idade, sexo e altura.

Instituto da Criança e Liga de Hipertensão do Hospital das Clínicas da FMUSP

Correspondência: Vera H. Koch - Instituto da Criança - HCFMUSP - Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 647 - 05403-000 - São Paulo, SP

Recebido para publicação em 27/2/97

Aceito em 28/5/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2001
  • Data do Fascículo
    Jul 1997

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 1997
  • Aceito
    28 Maio 1997
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