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Doenças cardiovasculares na população idosa: análise do comportamento da mortalidade em município da região Sul do Brasil no período de 1979 a 1998

Resumos

OBJETIVO: Conhecer o comportamento da mortalidade por doenças cardiovasculares em idosos residentes em Maringá-PR. MÉTODOS: Foram analisadas as causas de morte num período de 20 anos, segundo sexo, idade e agrupamentos da Classificação Internacional de Doenças, 9ª e 10ª Revisões, utilizando-se banco de dados de mortalidade do Ministério da Saúde. RESULTADOS: Em relação ao total de óbitos em idosos, a mortalidade proporcional por doenças cerebrovasculares e doença isquêmica do coração diminuiu 42,5% e 34,4% e aumentou de 119% para a hipertensão que passou de 2,1% para 4,6%. Houve queda do risco de morte por doença cerebrovascular, doença isquêmica do coração e outras formas de doenças do coração de 51,2%, 44,6% e de 12,5%, respectivamente. Para a doença cerebrovascular e doença isquêmica do coração, a queda na estimativa do risco de morte foi maior para as mulheres e, para as outras formas de doenças do coração, a queda foi maior para os homens. Em relação às faixas etárias observou-se que os riscos de óbito são crescentes à medida que avança a idade para cada uma das doenças cardiovasculares, em ambos os sexos. CONCLUSÃO: As doenças cardiovasculares continuam sendo importantes na morbimortalidade da população idosa, exigindo ainda maiores esforços dos serviços de saúde para sua prevenção e tratamento.

doenças cardiovasculares; idosos; mortalidade


OBJECTIVE: To know the behavior of mortality due to cardiovascular diseases in the elderly living in the municipality of Maringá, in the Brazilian state of Paraná. METHODS: The causes of death over 20 years were studied according to sex, age, and groupings of the International Classification of Diseases, 9th and 10th Revisions, using the mortality database of the Ministry of Health. RESULTS: In regard to total deaths in the elderly, the proportional mortality due to cerebrovascular disease and ischemic heart disease decreased 42.5% and 34.4%, respectively, while that due to hypertension increased 119%, increasing from 2.1% to 4.6%. A 51.2%, 44.6%, and 12.5% decrease occurred, respectively, in the risk of death due to cerebrovascular disease, ischemic heart disease, and other forms of heart disease. For cerebrovascular disease and ischemic heart disease, the decrease in the estimate of the risk of death was greater among women, while for the other forms of heart disease, the decrease was greater among men. In regard to age groups, the risk of death increases as age advances for each cardiovascular disease in both sexes. CONCLUSION: Cardiovascular diseases continue to play an important role in morbidity and mortality in the elderly population, requiring even greater effort from health care providers for their prevention and treatment.

cardiovascular diseases; elderly; mortality


ARTIGO ORIGINAL

Doenças cardiovasculares na população idosa. Análise do comportamento da mortalidade em município da região Sul do Brasil no período de 1979 a 1998

Thais Aidar de Freitas Mathias; Maria Helena Prado de Mello Jorge; Ruy Laurenti

Universidade Estadual de Maringá – Departamento de Enfermagem

Maringá, PR

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Thais Aidar de Freitas Mathias Avenida Colombo, 5790 Maringá – PR – Cep 87020-900 E-mail: tafmathias@irapida.uem.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer o comportamento da mortalidade por doenças cardiovasculares em idosos residentes em Maringá-PR.

MÉTODOS: Foram analisadas as causas de morte num período de 20 anos, segundo sexo, idade e agrupamentos da Classificação Internacional de Doenças, 9ª e 10ª Revisões, utilizando-se banco de dados de mortalidade do Ministério da Saúde.

RESULTADOS: Em relação ao total de óbitos em idosos, a mortalidade proporcional por doenças cerebrovasculares e doença isquêmica do coração diminuiu 42,5% e 34,4% e aumentou de 119% para a hipertensão que passou de 2,1% para 4,6%. Houve queda do risco de morte por doença cerebrovascular, doença isquêmica do coração e outras formas de doenças do coração de 51,2%, 44,6% e de 12,5%, respectivamente. Para a doença cerebrovascular e doença isquêmica do coração, a queda na estimativa do risco de morte foi maior para as mulheres e, para as outras formas de doenças do coração, a queda foi maior para os homens. Em relação às faixas etárias observou-se que os riscos de óbito são crescentes à medida que avança a idade para cada uma das doenças cardiovasculares, em ambos os sexos.

CONCLUSÃO: As doenças cardiovasculares continuam sendo importantes na morbimortalidade da população idosa, exigindo ainda maiores esforços dos serviços de saúde para sua prevenção e tratamento.

Palavras-chave: doenças cardiovasculares, idosos, mortalidade

O crescimento, em números absolutos e relativos, de pessoas acima de 60 anos de idade, é um fenômeno mundial. Segundo o censo de 2000, o número de idosos no Brasil, era de 14.546.029 pessoas, representando um aumento de 35,6% em relação ao ano de 1991. As estimativas apontam para a possibilidade de, nos próximos 20 anos, no Brasil, o número de idosos ultrapasse os 30 milhões de pessoas devendo representar quase 13% da população. A queda da taxa de fecundidade ainda é a principal responsável pela redução do número de crianças, mas o aumento da expectativa de vida vem contribuindo, gradativamente, para o aumento de idosos na população1. Assim, torna-se necessário conhecer a situação de saúde desta parcela da população e uma das mais valiosas fontes de dados é representada pelas estatísticas de mortalidade que constituem também, o mais tradicional e um dos mais eficientes métodos para avaliação do estado de saúde das populações2.

As análises sobre causas de morte para pessoas > 65 anos de idade têm demonstrado que, para os Estados Unidos, as doenças do coração, o câncer e a doença cerebrovascular são as mais importantes, com percentuais de 41,6%, 20,7% e 8,7%, respectivamente3. Segundo Beaglehole4, a doença isquêmica do coração é a principal causa de morte nos países industrializados, responsável por 30% de todas as mortes cada ano.

No Brasil, a redução da mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, entre 1930 e 1985, foi de 471%, e as doenças cardiovasculares e as neoplasias aumentaram 208% e 322%, respectivamente, no mesmo período5. Na década de 80, o coeficiente de mortalidade por doenças cardiovasculares aumentou 13,3% e, nos primeiros anos da década de 90, estas representavam a primeira causa de morte, sendo responsáveis por, aproximadamente, 34% dos óbitos no país6.

A descrição ou conhecimento da situação de saúde, mesmo que avaliada indiretamente através dos dados de mortalidade, é importante, pois pode propiciar a geração de hipóteses causais além de contribuir para elaboração de programas e políticas de saúde e, especificamente neste estudo, para a população idosa.

Maringá é um município de porte médio, situado a noroeste do estado do Paraná, com 288.653 habitantes1 e tem experimentado, assim como em outras localidades, aumento do número de idosos. Em 1960 os idosos eram 3,5% do total e em 1996 esse percentual chegou a 7,9%7,8. Por isso as características de saúde da população idosa devem ser conhecidas, o que foi feito neste estudo, por meio da análise do comportamento da mortalidade por doenças cardiovasculares, para a população de 60 anos e mais de idade.

Métodos

Foram analisados os óbitos de residentes em Maringá com 60 anos e mais de idade, no período de 1979 a 1998, agrupados em quatro triênios. Os dados de óbitos foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que congrega informações provenientes das declarações de óbito em forma de CD-ROM9. As declarações de óbito são preenchidas pelos médicos e codificadas pela equipe do Setor de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde. As causas básicas de óbito foram analisadas por sexo e idade e estudadas segundo os agrupamentos da Classificação Internacional de Doenças, 9ª e 10ª Revisões (CID-9 e CID-10)10,11. As causas de óbito estudadas foram: doenças cerebrovasculares (CID-9: 430.0 - 438.9; CID-10: I60.0 - I69.9), doença isquêmica do coração (CID-9: 410.0 – 414.9; CID-10: I20.0 – I25.9), outras formas de doença do coração (tais como as cardiomiopatias e a insuficiência cardíaca) (CID-9: 420.0 – 429.9; CID-10: I30.0 – I52.9) e hipertensão (CID-9: 401.0 – 405.9; CID-10: I10.0 – I15.9). Os dados de população foram obtidos dos Anuários Estatísticos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística8,12,13 e para os anos intercensitários foram utilizadas estimativas elaboradas pelo Núcleo de Estudos de População da UNICAMP14.

Resultados

A análise da mortalidade em idosos residentes em Maringá, segundo causas conhecidas apontou como as mais freqüentes para um perfil característico dessa faixa de idade, as doenças do aparelho circulatório, neoplasias e doenças do aparelho respiratório, mantendo a mesma ordem de importância durante o período. Entretanto algumas mudanças foram observadas, destacando-se a queda de 23,6% no peso relativo das doenças do aparelho circulatório, mantendo-se ainda, como a principal causa de óbito entre os idosos.

No 1o triênio, a doença cerebrovascular representava 24% dos óbitos mas, com queda de 42,5%, passou a 13,8% no último, permanecendo como principal causa de morte na população idosa em Maringá. Houve uma mudança importante em relação ao sexo pois, no início do período, a participação relativa era maior para a mortalidade nas mulheres (26,2% contra 22,3% nos homens) e no final, com decréscimo mais expressivo para as mulheres, passou a ser ligeiramente maior na mortalidade dos homens (14,2% contra 13,3% nas mulheres). Para os coeficientes, observou-se também maior declínio para as mulheres (57,8%) do que para os homens (44%) (tab. 1).

A figura 1 permite análise mais detalhada por sexo e faixas de idade, mostrando tendência crescente da estimativa do risco de óbito por doença cerebrovascular à medida que aumenta a idade, similar para ambos os sexos e nos dois triênios extremos. A queda das taxas para os homens de 60 a 64 anos e de 85 anos e mais foi de apenas 2,2% e 5,1%, respectivamente, ao passo que para as outras faixas de idade essa diferença oscilou de 48,8% para os homens de 80 a 84 anos, até 61,6% para os de 75 a 79 anos de idade (tab. II). Em todo o período, o risco de óbito por doenças cerebrovasculares foi maior para os homens, salvo a partir de 80 anos, no 1o triênio e de 75 a 79 anos, no último (fig. 2).



A doença isquêmica do coração continua sendo a segunda causa de óbito em idosos, representando, no final do período, 10,2% e 11,2% de todos os óbitos em homens e mulheres, respectivamente, embora tenha sido observada queda de 34,4% no coeficiente de mortalidade, que passou de 739,2 para 409,8 óbitos para cada 100.000 habitantes, maior para a população feminina (de 48,8% contra 39,7%, da masculina) (tab. 1).

Em relação à idade, os coeficientes de mortalidade, para os homens, só não decresceram na faixa de 65 a 69 anos, ao passo que para as mulheres houve queda em todas as idades (fig. 1), sendo as mais expressivas para idosos mais velhos em ambos os sexos (tab. II).

A mortalidade proporcional por outras formas de doença do coração aumentou 3,3%, passando de 9,2% para 9,5% dos óbitos em idosos (tab. I), comportamento diferindo nos dois sexos. Para o masculino houve queda de 10,6% e para o feminino aumento de 15,7%, sugerindo migração de um diagnóstico para outro. A estimativa do risco de óbito decresceu para ambos os sexos, com maior intensidade no masculino (21% contra 3,5% no feminino) (tab. I). A figura 2 evidencia, para o último triênio, curvas mais lineares, com coeficientes similares para homens e mulheres, em todas as faixas de idade e assim como para as outras causas, o risco de óbito aumenta à medida que avança a idade.

A mortalidade proporcional por hipertensão aumentou 119% e o coeficiente 87,8% (tab. I), variações que ocorreram para os dois sexos, bem mais importantes para o feminino. Até 1992 a mortalidade proporcional era semelhante entre os sexos, mas devido ao acréscimo, mais significativo observado no sexo feminino (160% contra 91% no sexo masculino) a diferença aumentou e a hipertensão é hoje mais freqüente em óbitos de mulheres idosas (5,2% contra 4,2% nos homens) (tab. I). A figura 1 mostra discreta tendência de aumento da estimativa do risco de óbito por hipertensão com a idade; a partir de 70 anos, para os homens e a partir de 80 anos para as mulheres.

Discussão

As doenças do aparelho circulatório constituem, em todos os países, um conjunto de afecções com etiologias e manifestações clínicas diversas e de grande importância na estrutura de morbimortalidade15. Dados sobre mortalidade, para o Brasil, indicam que em 1994, excluindo-se as causas mal definidas, as doenças cerebrovasculares representaram 11,3% do total de óbitos contra 9,3% das doenças isquêmicas e, entre as doenças do aparelho circulatório, as cerebrovasculares contribuíram com 33,9% contra 28% das isquêmicas do coração16.

Para a mortalidade na população em geral, as doenças isquêmicas do coração vêm assumindo maior importância substituindo as doenças cerebrovasculares. Segundo Lessa e cols.17, existe uma tendência de inversão nas causas de morte, com as doenças cerebrovasculares passando para segundo plano, como vem ocorrendo no Brasil em regiões e capitais de melhor situação social e econômica (Sul e Sudeste).

Lotufo18 conclui, que a transição na tendência da mortalidade para o Estado de São Paulo foi mais acelerada do que para o restante do país, predominando as doenças isquêmicas do coração sobre as cerebrovasculares, o que segundo o autor, é determinado tanto pela urbanização e adoção de estilos de vida ocidentais, como também pela composição étnica da população paulista.

No município paulista de Botucatu esse fenômeno foi também observado para a mortalidade na população idosa. No ano de 1970 a mortalidade proporcional para as cerebrovasculares e isquêmicas era de 22,58% e 17, 97% e em 1993 de 10,47% e 14,48%, respectivamente19.

Em Maringá provavelmente, esteja ocorrendo o início desse processo de inversão, com a queda na diferença ou aproximação dos valores relativos e dos coeficientes de mortalidade por doenças cerebrovasculares e isquêmicas do coração. De fato, embora no final do período, a mortalidade proporcional por doenças cerebrovasculares seja ainda maior do que por doenças isquêmicas do coração (13,8% contra 10,7%), a diferença entre elas, do primeiro para o último triênio, reduziu-se de 7,7 para 3,1 pontos percentuais (tab. I).

Estudo desenvolvido por Uemura e Pisa20, para o período de 1950 a 1985, mostrou que, em muitos países, houve um decréscimo consistente da mortalidade por doença cerebrovascular desde o início dos anos 50, ocorrido mais rapidamente na segunda metade do período. A queda relativa nas taxas de mortalidade foi maior que 50% no Japão (67%), Austrália (55%), Estados Unidos (55%) e Israel (52%), para os homens, e maior que 60% para as mulheres no Japão (66%) e Malta (68%).

Nos Estados Unidos, resultados do Minnesota Heart Survey mostraram que durante o período de 1960 a 1990 os coeficientes de mortalidade por doença cerebrovascular caíram mais de 50%, enquanto que a pressão arterial média na população também declinou, e o tratamento antihipertensivo aumentou entre 1973 e 198721.

Para o Estado de São Paulo, no período de 1970 a 1989, Lotufo18 encontrou que as taxas para as doenças cerebrovasculares não se alteraram nas idades mais jovens, mas tiveram significativo descenso para as faixas etárias > 60 anos, em ambos os sexos, e comenta que o declínio observado foi o menor se comparado com o de outros países, ficando em situação intermediária com os países do Leste Europeu. O fato de não ter havido nenhuma melhora nos coeficientes de mortalidade nas idades mais jovens, o autor atribuiu à maior prevalência nessa faixa de idade, a hemorragia subaracnoídea com maior letalidade por seus determinantes genéticos menos preveníveis. A compreensão do declínio nas idades > 60 anos encontrado no estudo não é tarefa fácil, pois envolve desde a falta de informação sobre o tipo de acidente vascular cerebral, que determinou o óbito, modificações na qualidade do preenchimento da declaração de óbito, até ao controle da hipertensão arterial e melhora na assistência médica dispensada ao paciente18.

As discussões a respeito das causas que diretamente têm contribuído para a queda na mortalidade por doença cerebrovascular envolvem alguns fatores, como a importância do tratamento antihipertensivo, que tem aumentado, pelo menos em comunidades onde existem estudos que acompanham tais variáveis. No que diz respeito à gravidade, os acidentes vasculares cerebrais do tipo hemorrágico são sempre os mais graves e, segundo Lessa22, a hipertensão arterial não tratada, não controlada, ou mesmo desconhecida do paciente, está presente em cerca de 100% desses casos.

Entretanto, uma das conclusões do Minnesota Heart Survey refere que o tratamento antihipertensivo teria um efeito pequeno na queda das taxas de mortalidade por doença cerebrovascular, já que o uso de medicamentos explica apenas parte do declínio da média da pressão arterial na população23. O potencial do tratamento antihipertensivo ainda não foi alcançado na comunidade em estudo, pois 3 entre 10 pessoas hipertensas continuam sem tratamento, e mais, o intervalo de tempo entre o primeiro diagnóstico e o início do tratamento ainda pode ser diminuído, fazendo com isso melhorar a relação entre níveis pressóricos e mortalidade por derrame cerebral23. Acrescente-se que as causas da queda na média da pressão arterial observada em nível populacional, mesmo considerando o aumento no tratamento antihipertensivo, permaneceu pouco elucidadas. O aumento das atividades físicas, o melhor controle de peso e a queda no consumo de álcool e sal são fatores relevantes que merecem ser pesquisados.

Existem evidências de que a prevalência do hábito de fumar tem diminuído desde 1964, nos Estados Unidos23 o que pode ter influenciado diretamente, o declínio nas taxas de mortalidade. Além do mais, se existe a constatação de que o hábito de fumar está também, relacionado com o grau de escolaridade, seria importante explorar a relação do nível socioeconômico e mortalidade por derrame cerebral23. Outro resultado relatado pelo Minnesota Heart Survey é a queda na média dos níveis séricos de colesterol total na população, observada entre 1973 e 1987, que pode ter relação, mesmo que pequena, na redução da mortalidade por derrames tromboembolíticos.

Existe ainda a possibilidade da redução na mortalidade por doenças do coração nas últimas décadas ter, indiretamente, contribuído para o declínio na mortalidade por doença cerebrovascular. Segundo Wolf24 e Benjamin e cols.25, a fibrilação atrial, o infarto do miocardio e a função ventricular esquerda reduzida podem gerar trombose cardíaca, resultando em acidente vascular cerebral. Lotufo18 afirma que, embora esse impacto deva ser melhor avaliado, a utilização de drogas anti-agregantes plaquetárias, como o ácido acetilsalicílico, após os episódios isquêmicos cerebrais transitórios tornou-se popular entre os médicos, como prevenção primária, concorrendo também, para influenciar na história natural da doença cerebrovascular.

É possível que todos esses fatores possam ser extrapolados para a população residente em Maringá, se consideradas as tendências de tratamento, técnicas de diagnóstico e condutas médicas são gradativamente incorporadas pelos serviços de saúde.

Em todas as regiões do Brasil, a doença isquêmica do coração é importante causa de óbito e ainda persistem altas taxas, apesar do declínio que vem sendo observado em algumas capitais de áreas metropolitanas26. Foi observado declínio da mortalidade a partir de 20 anos de idade para o município de São Paulo, entre 1976 e 198327, para a população idosa de Botucatu, entre 1970 e 199319 e para o município de Goiânia, de 1980 a 199428.

Em Maringá, os coeficientes de mortalidade por doença isquêmica do coração, no último triênio estudado, apresentaram valores maiores para os homens, com exceção dos 70 a 74 anos e 85 anos e mais, cujo risco foi maior para as mulheres (472,1 contra 445,8 óbitos por 100.000 habitantes de 70 a 74 anos e 1614,8 contra 1139,6 óbitos por 100.000 habitantes de 85 anos e mais) (tab. II).

No Brasil, a diferença entre homens e mulheres, vítimas de doença coronariana é das menores. Lotufo26 afirma que tal fato decorre das altas taxas de mortalidade entre as mulheres e não das taxas reduzidas entre os homens. Essa afirmação corrobora conclusão sobre os mitos relativos às doenças cardiovasculares segundo Laurenti e Buchalla29, que comentam que estudos clínicos e epidemiológicos mostram claramente que a doença isquêmica do coração não é doença fundamentalmente do homem, mas que ocorre, também, de maneira significativa entre as mulheres. A idéia arraigada na população de que esse grupo de doenças incide mais em homens pode também, contribuir para que as mulheres subestimem alguns sintomas específicos, impedindo que se faça diagnóstico precoce.

Para Simons30, a queda na mortalidade por doença isquêmica do coração, nos grupos de idade mais jovens, parece ser atribuída mais à redução da incidência da doença do que à redução do número de casos fatais. Para os idosos, segundo o autor, a explicação pode estar na melhora dos níveis de colesterol plasmáticos, hábitos alimentares e hábito de fumar. Além disso, acredita-se que a divulgação dos resultados de estudos sobre fatores de risco para doenças isquêmicas do coração, como o de Framingham, influenciaram na mudança de estilos de vida na população e nas intervenções terapêuticas pelos serviços de saúde levando à redução da mortalidade por esta causa31.

Estudos mostram que para os Estados Unidos, entre 1968 e 1976, 60% do declínio da mortalidade foi atribuído às mudanças no estilo de vida, principalmente na redução nos níveis de colesterol sérico e no controle do tabagismo e 40% decorrente de intervenção médica específica32.

Não existem estudos em relação à história natural da doença isquêmica do coração e da diminuição da prevalência dos fatores de risco, especificamente para a população idosa em nosso meio. Entretanto, é possível supor que os mesmos fatores, como a queda nos níveis de colesterol sérico e, principalmente, a melhoria da assistência médica ao infartado, possam ser extrapolados para a população de Maringá, resultando em nítida queda no risco de morrer nestes 20 anos estudados.

Embora o risco de óbito por doenças cardiovasculares tenha diminuído, comportamento distinto vem sendo observado quando a tendência da mortalidade é descrita para período mais recente. Estudo desenvolvido por Lotufo33 levanta uma importante discussão a respeito da mortalidade por doenças cardiovasculares, em especial da doença isquêmica do coração. O autor apresenta resultados sobre mortalidade em adultos de 40 a 79 anos de idade residentes em áreas metropolitanas do Brasil, no período de 1979 a 1998. Enquanto as taxas de mortalidade por doenças cerebrovasculares vinham declinando, as relativas às doenças isquêmicas parece que atingiram um limite a partir do qual não têm mostrado evidência de queda. Observando também essa tendência para o município de Maringá, constatou-se declínio na mortalidade por doença cerebrovascular, mesmo na década de 90, mas o mesmo não foi observado para a mortalidade por doença isquêmica do coração que, a partir de 1992, mostrou tendência estacionária, principalmente nas mulheres (fig. 3). Lotufo33 comenta que, paralelamente ao quadro de queda na mortalidade por doença cardiovascular, observada no Brasil, outros estudos vêm mostrando importante aumento na prevalência da obesidade. Segundo Monteiro e cols.34, a obesidade na população brasileira (índice de massa corpórea ³ a 30 kg/m2) aumentou de 2,4% para 6,9% para homens e de 7% para 12,5% para mulheres, no período de 1973 a 1996, podendo com isso levar ao crescimento da prevalência do diabetes que para os Estados Unidos passou de 4,9% em 1990 para 6,5% em 199835.


Para as outras formas de doença do coração, os resultados encontrados em Maringá, com queda mais importante na faixa de 75 a 79 anos e aumento a partir de 80 anos de idade, para as mulheres, foram também descritos por Sutherland e cols.36, em análise da mortalidade proporcional para os Estados Unidos, entre 1950 e 1986, onde foi encontrado queda no percentual de óbitos por doença isquêmica do coração e aumento nos óbitos por outras formas de doença do coração, particularmente na faixa de 85 anos e mais.

A hipertensão arterial, se considerada como causa isolada, é a doença mais freqüente na população adulta, em todo mundo industrializado e em países em desenvolvimento, principalmente em áreas urbanas22.

Segundo Lessa22 não existe nenhum estudo que possibilite qualquer inferência sobre a prevalência da hipertensão arterial para o Brasil, pois os que existem não retratam os atributos da população, considerando que as macrorregiões apresentam-se social e economicamente extremamente heterogêneas com desigualdades importantes em vários indicadores de saúde, mas afirma que a prevalência da hipertensão arterial é elevada, muitas vezes entre 20 e 30%, após análise dos estudos existentes para regiões do Brasil.

Quando analisada como causa de morte, a hipertensão arterial já não é tão importante como no passado, devido ao reconhecimento de sua associação com a maioria das doenças cardiovasculares que nesses casos têm prioridade na codificação22. Nos Estados Unidos, por exemplo, é de apenas 3% a participação da hipertensão no total dos óbitos37. Para o Brasil, em 1979, essa participação foi de 2,39% para pessoas > 15 anos de idade38 e, para 1988, de 2,8%22.

Para a população idosa de Maringá, uma das possibilidades para o aumento da mortalidade proporcional e dos coeficientes de mortalidade por hipertensão, poderia ser atribuída à adoção da 10ª Revisão da CID11 para codificação das causas de óbito, iniciada em 1996 no município. Entretanto, observações relativas aos triênios intermediários (não apresentadas neste trabalho) mostraram que essas modificações já vinham ocorrendo no triênio 1990-1992, período ainda sob vigência da 9ª Revisão da CID10.

Como a literatura aponta para uma queda constante nesses indicadores nas últimas décadas18,38 é possível que o comportamento da mortalidade por hipertensão não seja homogêneo para todos os grupos populacionais. Segundo Laurenti38, a mortalidade por hipertensão aumenta com a idade atingindo na população entre 65 a 74 anos, 100 ou mais vezes do que a população de 25 a 34 anos. Assim, a tendência de aumento dos indicadores de mortalidade encontrada em Maringá pode refletir características particulares da população estudada, considerando que na análise de tendência da mortalidade por doenças cardiovasculares é importante que seja analisado se as mudanças observadas em uma determinada causa poderiam ser explicadas por mudanças em outras, devido às variações no uso dos diagnósticos39.

As conclusões sobre a tendência observada no município Maringá devem ser analisadas, examinando também a magnitude das mudanças estudadas, considerando que as doenças crônicas no idoso interagem entre si e de maneira complexa. Um dado importante neste estudo, foi o aumento do risco de óbito por hipertensão, principalmente nas mulheres (tab. I). Seria possível que parte da queda observada, tanto na mortalidade por doenças cerebrovasculares como para a doença isquêmica do coração e outras formas de doença do coração, fosse atribuída à migração de diagnósticos para a hipertensão ou, ainda, que a melhora no atendimento médico e maior disponibilidade de tecnologia diagnóstica, tenha repercutido no conhecimento mais completo sobre cada doença, com possibilidade de diagnosticá-las com maior segurança. Como a uniformidade das práticas diagnósticas e do preenchimento dos atestados de óbito nas duas décadas estudadas não está garantida, é possível que de alguma maneira, exista influência nas mudanças observadas, tanto para a hipertensão arterial, como para as outras causas de morte.

Cabe lembrar que a queda da mortalidade por doenças cardiovasculares, encontrada em outras localidades e na população idosa residente em Maringá, não reflete necessariamente a menor prevalência desses agravos na população, principalmente se essa redução estiver adaptada ao tratamento e não à prevenção de novos casos.

De qualquer forma, a queda na mortalidade por doenças cardiovasculares deve ser considerada uma grande conquista e o aumento da sobrevida da população idosa deve ser reconhecido e divulgado e esforços devem ser instensificados para melhorar ainda mais essa realidade. É importante ainda que os serviços de saúde estejam preparados, considerando que são co-responsáveis por complicações e mortes, muitas delas precoces, decorrentes da qualidade do atendimento oferecido aos pacientes com doenças cardiovasculares40.

Recebido para Publicação em 20/2/03

Aceito em 16/6/03

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  • E
    ndereço para correspondência
    Thais Aidar de Freitas Mathias
    Avenida Colombo, 5790
    Maringá – PR – Cep 87020-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      16 Jun 2003
    • Recebido
      20 Fev 2003
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